1. Exposição
A doutrina jurídica tradicional encontra-se repleta de categorias, classificações, bem como inúmeros termos que pretendem definir a natureza dos institutos – o que não é exatamente um conceito.
Um conceito, por sua vez, interessa quando oriundo de uma operação filosófica [01]; de modo que se a ciência jurídica existe, sua conceituação parte da postura clássica da relação entre sujeito e objeto, com ou sem uma base primeira e/ou uma teleologia que justifique o transcurso de sua existência. Há uma filosofia do direito, uma lógica jurídica, uma filosofia e uma crítica da ciência. Ou seja: muitas maneiras de sondar o que é o Direito. O Direito não é um fenômeno porque nem sempre a constatação de uma realidade fenomenológica encontra relação de causa e efeito que importe na sua inserção normativa. Diz-se comumente que o Direito é uma Ciência positiva. Seu objeto parece ser a norma, em sentido amplo. Até princípios inscritos, mas não conceituados em lei, são normas, não importando a hierarquia hermenêutica.
O modo mais simples é dizer sobre ser o direito um conjunto de normas e condutas, alicerçado na forma de organização de um Estado e aceito de modo hegemônico pelos sujeitos detentores de obrigações, em sentido amplo. Estes sujeitos são como que recompensados, no que já foi preceituado como pacto, por algum grau de ordenamento em sua liberdade de agir, de modo assegurado pela força de agentes múltiplos – que nunca se confundem com os sujeitos.
O direito é imposto e posto (o que muitas vezes serve ao conceito de direito "positivo") pelo Estado. Através da força. Um Estado forte é um Estado garantido por sua força bélica, efetiva ou potencial. Quando se diz, por exemplo, de um "estado paralelo" em comunidades pobres de metrópoles, pelo crime "organizado", estamos diante da constatação de que um estado de coisas encontra-se presente, de fato, não de direito. Por outro lado não é difícil encontrar a definição de um critério epistemológico positivista como aquele sobre o qual se diz baseado em fatos.
Mesmo sem adentrar a distinção persistente entre Direito Natural e Direito Positivo, constata-se que ou o fato gera a norma ou por esta está descrito e previsto, com garantias a um sujeito e a forma processual de reconhecimento e execução do direito. Há assim um sujeito que é detentor de um direito e um sujeito que comparece na descrição processual como parte. E aqui, não raro, quem fala por ele, na forma e orientação legais, é um profissional conhecido como advogado, essencial para a Justiça, que tem na etimologia uma voz pelo outro, de cunho assistencial.
2. O tema.
Em 1994 o Código de Processo Civil brasileiro sofreu uma importante modificação, precisamente naquela parte estritamente direcionada à constituição da prova pericial: pela primeira vez na processualística nacional a norma se inclinou para aquilo que já prefigurava o Estatuto da Criança e do Adolescente, ou seja, uma equipe multidisciplinar capaz de abarcar, dentre outros técnicos e auxiliares do Juiz, assistentes sociais e psicólogos. Surgiu o sujeito processual em um salto da objetividade restrita para a subjetividade implícita. Década e meia após e os operadores não se deram em conta da amplitude destas modificações. O mesmo se poderia constatar entre médicos, psicólogos, assistentes sociais, bem como inúmeros profissionais que, mesmo eventualmente já atuantes em processos judiciais, não atentaram para a sutileza daquelas mudanças ocorridas.
O texto pretende esboçar as mudanças e o modo de atuação destes partícipes processuais, tradutores do discurso subjetivo da parte envolvida na busca de seu direito, a partir de um caso concreto, amplamente divulgado na mídia. O que, evidentemente, não se confunde com a idéia de promoção de justiça – social, filosófica, política; tão-somente a atividade estatal.
3. O campo conceitual
O sujeito processual aqui tratado é aquele em demanda judicial ou em processo extrajudicial que não atinge o campo do Direito Penal. O senso comum e o imaginário popular têm na figura do advogado o arquetípico defensor de um réu acusado de crime. Ao contrário de uma demanda de natureza cível, o processo penal conta com um membro do Ministério Público que age em nome da força do Estado. Em processo civil há sempre dois advogados e pessoas representadas por eles.
É encantador, proficiente e determinante o apoio na descrição de conceito formulada por Félix Guattari e Gilles Delleuze ("O que é a Filosofia?", Editora 34, São Paulo, 1990), quando, mesmo reconhecendo um estado pré-filosófico nos conceitos (que pode aqui ser equiparado ao senso popular estereotipado – e ainda deste modo não desprovido de razão), vai ao entrelaçamento dos campos conceituais, pela imanência imprescindível, chegando às pontes e teias que se intercalam, sem necessariamente fechar-se em verdades conceituais, factuais ou deterministas.
Em direito penal o sujeito é uma vítima; outro sujeito é o agente processado na condição de réu. A vítima aqui, sem receio de uma hipérbole gratuita, é quase uma prova material. Não há reparação e, portanto, responsabilidade civil. Se a vítima sobrevive ou tem sua vida regular e cidadã interrompida, procede-se a uma indenização civil.
Enquanto o sujeito processual penal decorre da descrição do tipo, da conduta e seu enquadramento, o sujeito processual civil tem uma demanda. Demanda esta que se dirige ao Estado, representado pelo Juiz; o demandado, apenas apontado como tal, dirige sua pretensão de defesa total ou parcial ao mesmo representante do Estado. É uma forma de intermediação, não um processo punitivo penal - este exigível por lei e sem a possibilidade de transação, discricionariedade no agir ou alguma faculdade, por princípio.
O caráter público direcionado ao direito penal não é exatamente a formação do Estado e da Cidadania, mas a conformação da presença da força: o direito penal institucionaliza, como nos EUA, a pena de morte. Sob os auspícios do interesse público. Em nome do público. Nada mais contrário ao ideal de cidadania como aprimoramento do projeto humano clássico.
Por outro lado, a tendência em delimitar o campo do direito civil ao patrimônio privado, em sentido amplo, é hoje uma falácia após as conquistas libertárias consolidadas no Século XX. Mesmo com a atuação precípua do Ministério Público em questões familiares e/ou envolvendo menores, guarda, como é o caso analisado, impera no Direito Processual, acima de qualquer dúvida, como exceção, o chamado "segredo de justiça" – instituto hoje em processo de banalização, a serviço de interesses políticos, na maioria das vezes; inúmeras posturas do Judiciário ao utilizar o instituto em tela têm sido taxadas como cerceamento à liberdade de imprensa, o que, evidentemente, não é pertinente ao Direito de Família, em sentido estrito.
3.1 O aspecto histórico
Conceitualmente é mais sincero reconhecer que a separação entre Estado e Sociedade sempre foi didática, por mínimo. Basta lembrar que nos primeiros anos da Revolução Francesa do fim do Século XVIII, nunca o público obteve tanta oferta de execuções e julgamentos em praça, bem como nunca a fronteira entre a vida pública e privada foi tão frágil. Dentro do que se convencionou chamar de "as pessoas comuns do povo", nunca, antes de 1792, ofertou-se tempo para a contemplação da identidade, pois as obrigações da família e do trabalho absorviam qualquer possibilidade de inovar. Somente o risco de uma ruptura com as raízes, o risco revolucionário, com as expectativas de fracasso maiores que as de êxito, poderia abrir um "tempo" para a novidade, na vida miserável das massas.
Em 1792, com a guerra entre Estados Nacionais Europeus e a Revolução Francesa, tudo se inverte. Nem mesmo a família aristocrática rural, vivendo num pacto eivado de posturas feudais, escapa desta inversão. Na França revolucionária há a ameaça da guerra externa e as traições internas entre revolucionários, partidários de esquerda e de direita, forçam os cidadãos a uma constante vigília para a manutenção da unidade nacional.
A família francesa antiga, aristocrática e pequeno-burguesa, algo dispersa em prazeres e uma garantia de hegemonia social na elite das decisões, torna-se presa fácil da enormidade burocrática nacionalista implantada pela República. Volta-se para o estreitamento dos valores de fraternidade e solidariedade familiares, comum nos períodos de incerteza; quem adere aos ideais republicanos, cedendo patrimônio, tem seus certificados de revolucionário autêntico, e escapa da prisão e da guilhotina, resultado da fúria revolucionária movida pela barbárie das massas.
Neste ambiente político-revolucionário comparece pela primeira vez a dignidade humana no direito positivo, com as garantias individuais e os direitos universais do homem, a partir do pressuposto de que todos são iguais perante a lei. A honra, no mundo iluminista, é um bem tão importante como a vida: viver sem honra é o equivalente a morrer. Mas a valorização da honra – bem como sua determinação de implemento ou violação - depende de um estreitamento, uma vigilância e uma transparência de condutas. Passa-se a vigiar o mínimo de conduta cívica e social, o salário mínimo, o preço máximo, e aparecem, pela primeira vez, os tribunais de família, na França, em agosto de 1790, não mais no sentido de controle patrimonial dos laços públicos, mas como administração da honra familiar.
O modelo não-intervencionista deste estado pretensamente liberal apenas se reveste, até hoje, do discurso socioeconômico. Neste ponto o feminismo talvez tenha sido o advento mais transformador do estado de coisas no mundo ocidental. No movimento feminista o discurso aponta as contradições e apropriações ilegítimas do poder; na prática, o mercado apropriou-se da aparente lucrativa força de trabalho da mulher e o feminismo se deu, como fato e direito.
Mas, paradoxalmente, o estado revolucionário francês não se mostra intervencionista a ponto de instituir, de vez, um tribunal civil de família. O primeiro momento foi o da arbitragem, com a escolha de dois árbitros para cada representação e um terceiro para o desempate. Sem direito a recurso para o tribunal de justiça estatal. Somente em 1803, o Código Civil francês institui o pátrio poder, incluindo a possibilidade de correição pelo pai de problemas gerados no seio familiar, com o Código Penal abrindo o arbítrio de castigo corporal para a mulher e a internação de loucos e imbecis declarados por sentença. Ao menos a intervenção na vida privada estava regulamentada, e o indivíduo possuía, ainda que em tese, um regime jurídico ao qual pudesse recorrer em sua defesa. O olhar do bairro e a calúnia estavam sepultados, pondo fim a um longo período de interseção dos limites entre a vida pública e a vida privada.
Pela primeira vez na história o casamento deixou de ser privado e/ou religioso para se constituir em verdadeiro contrato civil. O divórcio, conseqüentemente, também passou a ser objeto de intervenção estatal. Pela lógica constitucional revolucionária, se o casamento era declaração civil de vontades, podia e devia ser rescindido por motivos vários, incluindo a incompatibilidade de gênios, após quatro meses de casados (observado um período de seis meses para tentativa de reconciliação). Abandono mútuo por dois anos, insanidade, condenação criminosa, sevícias graves e a emigração eram causas de divórcio direto e imediato. Homens e mulheres pediam o divórcio em igualdade de condições e as despesas, custeadas pelo Estado, deixava a prestação jurisdicional ao alcance de todos. A Igreja estava definitivamente afastada dos assuntos legais de família. As estatísticas de então mostram que as cidades acorreram ao divórcio em massa, enquanto o campo se manteve em conduta conservadora: em Toulouse, centro urbano de porte médio, registrou-se 347 divórcios na cidade, contra quatro na área rural, nos anos de 1792-1803, com dois terços deles sendo encaminhados pelas mulheres. É o verdadeiro espelho do mundo que se anuncia moderno em sua essência e dinâmico em suas vertentes públicas e privadas.
3.2 – O contexto científico
Acredita-se que a lei é capaz de organizar os laços sociais, de modo civilizado, ainda que diariamente possamos constatar o ensejo da violência, por conta da precariedade do sistema jurídico em garantir as premissas de solidez e segurança desse laço.
"A violência perdura, de fato, no discurso e práticas jurídicas. Em vastas regiões do planeta, milhões de seres humanos se encontram em situação de miséria e abandono, denunciando que o direito não atinge a todos, permanecendo, desta forma, como um instrumento de castas ou grupos privilegiados, que ressignificam os ritos da horda, mantendo ativa a remissão à força onipotente do tirano arcaico. Na realidade, a despeito dos progressos normativos, os direitos fundamentais, garantidos constitucionalmente, são constantemente denegados". (PHILIPPI, Jeanine Nicolazzi – "Por que obedecer?... Repensando a Posição do sujeito no laço social". Palestra proferida no Encontro Brasileiro de Direito e Psicanálise em outubro de 1994, em Curitiba, Paraná. Texto inédito, mimeo. p.6 – acervo particular de Fernanda Otoni de Barros)
A História nos mostra como as multidões silenciadas, desarticuladas e acomodadas em seu lar, tornam-se enfurecidas, inconseqüentes, retornando ao tempo da barbárie.
"A história ensina que, no momento em que forças morais, esqueleto de uma sociedade, perdem a capacidade de ação, a dissolução final é obra dessas multidões inconscientes e brutais, justamente chamadas de bárbaras. (...) Quando o edifício de uma civilização está podre, as multidões apressam a destruição. É esse o seu papel. Por um instante, a força cega do número transforma-se na única filosofia da história." (LE BON, Gustave - A Psicologia das Multidões - Mem Martins, Portugal, Publicações Europa América, 1982, p.15)
Mas as multidões não suportam por muito tempo a anarquia em que se instalam, provocada pela ausência de uma crença que os organize. A demanda pela nova organização parte da própria multidão. A Revolução Francesa pareceu dissipar sua fúria quando as multidões anárquicas depositaram na nova crença, "Liberdade, Igualdade e Fraternidade", um lema, a esperança de retificação da antiga ordem falida.
O discurso jurídico no ocidente é o discurso do Poder por excelência e o Direito é reconhecido como a ciência mais antiga da História da humanidade, para reger e fazer marchar o gênero humano.
"O Direito, para além das falácias retóricas que sustentam sua legitimidade ao nível do imaginário social, engendra canais de sujeição polimorfa. No caminho aberto pela emergência cada vez menos contida de uma realidade que afronta o discurso da ordem, o direito revela-se no próprio processo de sua auto-mitificação mediante o qual é veiculada uma prática específica de obediência reiterada a uma instância imaginária que garante aos sujeitos uma boa tirania. A Lei, enquanto conceito que remete ao lugar inacessível no qual o poder se encarna, converte-se, assim, no topos privilegiado de justificação do poder imanente, que no passado era reportado aos deuses e soberanos."(PHILIPPI, ob. cit., p. 7).
Gustave Le Bon escreveu em 1855 sobre "Psychologie des foules" (Psicologia das multidões). Em 1921, Sigmund Freud retomou a questão, no que é considerado um clássico dentro da Psicologia Social: "Massenpsychologie und Ich Analyse" (Psicologia das Massas e análise do eu.). Hans Kelsen, por sua vez, em 1922, lança um artigo, "Der Begriff des Staates und die Sozialpsychologie. Mit Besonderer Berucksichtigung von Freuds Theorie der Masse" (O conceito de Estado e a Psicologia Social). Neste artigo, Kelsen parece acreditar que não poderia entender a formação do Estado e do Direito se não compreendesse a organização mental das massas e a formação do laço social.
Em Kelsen encontraremos uma definição de laço social: "Relación singular que reside en el hecho que un individuo convierte a otro en objeto de su deseo, de su voluntad y de su demanda." (KELSEN, Hans - El concepto de Estado y la psicologia social, Con especial referencia a la teoría de las masas de Freud. In: Conjetural, número 13, Buenos Aires, Distribuidora: Catalogos, agosto de 1987, p.80)
Le Bon não se pergunta sobre a razão de os indivíduos se reunirem. Deixa ao acaso a resposta e passa à descrição do fenômeno. Freud por sua vez, vai se interrogar o porquê da reunião dos indivíduos: "Se os homens em uma massa estão ligados formando uma unidade, deve haver algo que os liga entre si e este meio de conexão poderia ser justamente o que caracteriza a massa." (FREUD, Sigmund – Obras Completas, Psicologia das Massas e Análise do Eu - Vol.XVIII. Rio de Janeiro, Imago, 1974).
Daí logo se interessa em aplicar um conceito fundamental da psicanálise, a libido, na elucidação da psicologia das massas, e designa o laço dos indivíduos numa unidade social - massa - como um laço afetivo, um caso de libido.
"Em primeiro lugar, para que uma massa conserve sua consistência, é necessário que seja mantida por alguma força, e que força poderemos atribuir a esta ação se não a Eros que une tudo o que existe neste mundo?. Segundo, se um indivíduo abandona a sua individualidade, renuncia ao que tem de particular e permite que seus outros membros o influenciem por sugestão, isso nos dá a impressão de que o faz por sentir necessidade de estar em harmonia com eles, de preferência a estar em oposição a eles, de maneira que, afinal de contas, talvez o faça por amor a eles/pelo amor deles ("ihnem zu Leibe").(FREUD, ob. cit. p.117/118).
Chegamos ao pai, aquele que pode falar em nome da lei. As civilizações seguem seu governo, caem obedientes aos ditames que vêm deste lugar. Chegamos facilmente ao Édipo, tempo onde o indivíduo faz sua inauguração no campo social, reconhecendo um terceiro que lhe impõe o poder da lei.Assim perguntaríamos se, quando Le Bon descreve o comportamento das multidões como o dos selvagens ou das crianças, haveria neste tipo de associação alguma possibilidade de tangência com o que Freud denominou como comportamento da horda diante do pai primevo e o édipo experimentado na infância. Kelsen conclui disto que há dentre os membros dos grupos a consciência de uma ordem que rege suas relações, a existência de um corpo de normas.
Para Freud, a massa estável, ou ainda, organizada (Concepção de Mc. Dougall, "The Group mind", Cambridge, 1920), traria aquelas características do indivíduo que foram perdidas por ocasião da reunião em uma massa efêmera, não-organizada. Kelsen se pergunta: "Si el Estado fuera una massa psicológica siguiendo la teoría de Le Bon y de Freud, los individuos que forman parte de un Estado deberían estar identificados entre sí. Pero el mecanismo psíquico de la identificación presupone que un indivíduo perciba una comunidad con aquel con quien se identifica. No es posible identificarse con un desconocido, ni con algo que nunca se percebió, ni con una cantidad indeterminada de individuos." (KELSEN, ob. cit., p.90).
Conclui, por sua vez, que a característica da massa psicológica não pode aplicar-se ao Estado – impertinente, portanto, uma caracterização psicológica do Estado.
O Estado seria então a personificação do ideal de cada um de seus membros, lugar onde se pode falar em nome da lei. Kelsen distingue Direito e Estado, no final de seu artigo: "El Estado trancende el derecho, meta jurídico, que no es otra cosa en realidad que la personificacion objetivada, que la unidad convertida en real del derecho, corresponde muy exactamente al Dios trancendiendo la natureza" (KELSEN, ob. cit., p.103). Kelsen conclui que o Estado estaria para Deus assim como o Direito estaria para a Natureza. Um seria o lugar do ideal e o outro a materialização desse ideal em um corpo factível.
Neste sentido, explica Freud, "...quando o indivíduo em crescimento descobre que está destinado a ser criança para sempre, que nunca poderá passar sem a proteção contra estranhos poderes superiores, empresta a esses poderes as características pertencentes à figura do pai: cria seus próprios Deuses a quem teme e a quem, não obstante, confia sua própria proteção. Seu anseio por um pai constitui um motivo idêntico à sua necessidade de proteção contra as conseqüências de sua debilidade humana."(FREUD, Sigmund - O Futuro de uma Ilusão – Obras Completas. Vol. XXI. Rio de Janeiro, Imago, 1974, p.36).
Mesmo que o desamparo seja sempre reescrito na vida cotidiana, esse lugar restaurador funciona como o ideal, portanto será sempre um lugar pressuposto, ficcional. Lugar anônimo e transcendente. Diante do real do desamparo qualquer imagem que se coloque lá onde nada há, ganha força e poder, e o indivíduo cai submisso aos seus ditames, por crer que poderá encontrar nesse lugar uma possibilidade de ser amparado, livre do mal.