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Acesso à Justiça

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Agenda 21/11/2009 às 00:00

SUMÁRIO:INTRODUÇÃO. 1. Conceito de acesso à justiça. 2. Escorço histórico do direito de acesso à justiça . 3. As ondas reformistas . 3.1. Primeira onda reformista. 3.2. Segunda onda reformista. 3.3. Terceira onda reformista. 4. Entraves ao acesso à justiça. 4.1. Desigualdades econômicas (custo do processo). 4.2. Falta de informação. 4.3. Demora processual. 4.4. Estrutura do Judiciário. 4.5. Questão psicológica. 4.6. Uso indiscriminado de recursos. 4.7. Os litigantes eventuais diante dos litigantes habituais. 5. Meios de superação dos óbices ao acesso à justiça. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


INTRODUÇÃO

A sociedade herdou da sábia pena de Cappelletti & Garth [04] a definição primeira de acesso à justiça. Os autores ressaltaram a dificuldade de se firmar um preceito para o tema, contudo, postularam que o acesso à justiça tem vida para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico, a saber: reivindicar seus direitos, resolvendo ou não seus litígios sob os auspícios do Estado e produzir resultados que sejam individualmente e socialmente justos.

Os renomados doutrinadores observam que o enfoque sobre o acesso à justiça baseia-se primordialmente na acessibilidade, sem perder de vista a segunda finalidade. De sua obra, infere-se, indubitavelmente, uma premissa básica, que consiste na justiça social, tão desejada por nossas sociedades modernas.

Impende frisar a relevante contribuição de Kazuo Watanabe [05] ao cunhar a expressão "acesso à ordem jurídica justa", que hoje traduz com maior propriedade as preocupações da doutrina processual atual. Em apoio ao entendimento esposado, Grinover [06] afirma que o acesso à justiça quer dizer acesso a um processo justo, a garantia de acesso a uma justiça imparcial, que não só possibilite a participação efetiva e adequada das partes no processo jurisdicional, mas que também permita a efetividade da tutela dos direitos, consideradas as diferentes posições sociais e as específicas situações de direito substancial.

No mesmo passo, Marinoni [07] sustenta que a temática do acesso à justiça, sem dúvida, está intimamente ligada à noção de justiça social. Aduz ainda que "o acesso à justiça" é o "tema ponte" a interligar o processo civil com a justiça social.

Para Carreira Alvim [08], "o acesso à justiça compreende o acesso aos órgãos encarregados de ministrá-la, instrumentalizados de acordo com a geografia social". Sob a ótica apurada do doutrinador, o acesso é possível quando atrelado a um sistema processual ajustado à veiculação das demandas, com procedimentos compatíveis com a cultura nacional, com a representação (em juízo) a cargo das próprias partes, nas ações individuais, e de entes exponenciais, nas ações coletivas. Para tanto, faz-se mister o patrocínio de assistência judiciária aos necessitados, e um sistema recursal que não transforme o processo numa busca interminável de justiça, tornando o direito da parte mais um fato virtual do que uma realidade social. Sustenta, ainda, que o acesso só é possível com juízes vocacionados a fazer justiça em todas as instâncias, com sensibilidade e consciência de que o processo possui também um lado perverso que precisa ser mitigado.


2. ESCORÇO HISTÓRICO DO DIREITO DE ACESSO À JUSTIÇA

A pretensão de alcançar uma justiça acessível a todos compõe uma tendência que caracterizou os ordenamentos jurídicos mais modernos do século passado, diga-se de passagem, tanto no mundo socialista quanto no ocidental. Inclusive, sinalizam neste sentido as constituições mais progressistas do século XX, premiadas pelas tentativas de unificar as liberdades individuais tradicionais com as garantias e direitos sociais. Tais direitos surgem como meio de viabilizar o acesso às liberdades individuais, assegurando, dessa forma, uma real, e não meramente formal, igualdade perante a lei.

Na realidade, o debate sobre o acesso à justiça ganhou maior relevo no pós-guerra, quando atingiu o status de direito fundamental, sendo elevado a meio de garantia dos chamados "novos direitos" consagrados constitucionalmente.

Eis o contexto no qual a necessidade do cidadão em acorrer à justiça emerge cada vez mais importante. Os impasses tendentes à concreção dos chamados direitos sociais dão azo a pretensões resistidas, cuja composição, na maioria das vezes, deságua no aparato jurisdicional.

Isto porque os direitos sociais voltam-se a ideias como a função social da propriedade e a igualdade substancial, irradiando os seus efeitos para uma universalidade maior de pessoas, o que não ocorria com os direitos de primeira geração, atrelados à condição de proprietário, atinente a um número pequeno de titulares. Por exemplo, a noção de dignidade da pessoa humana, vértice das constituições hodiernas, impõe, como escopo indeclinável, o dever de implementação, em prol de todos, dos direitos inerentes à disciplina do trabalho subordinado, à educação, à saúde, à seguridade social, entre outros.

Desse modo, é imperioso que, numa ênfase crescente, o Judiciário cumpra a tarefa de prover os direitos dos cidadãos. Já advertiam Cappelletti & Garth, para a circunstância de que o acesso ao amparo judicial representava, no sistema do laissez-faire, um direito meramente formal do indivíduo, alcançável apenas por um pequeno grupo, cujos integrantes possuíssem aptidão para fazer frente aos custos do processo. E somente com as transformações advindas com o welfare state, ganhara particular atenção o tema da efetiva aproximação dos cidadãos à justiça.

Essa tendência, direcionada ao acesso efetivo à justiça, ganha fôlego com o advento dos direitos de terceira e quarta geração, relacionados ao meio ambiente, à proteção do consumidor, às limitações da pesquisa científica. Por conseguinte, as atuais declarações jurídicas consagraram a prerrogativa inarredável de que todo cidadão faz jus a receber dos tribunais solução efetiva para os atos que violem seus direitos. Preceito nesse sentido consta da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de dezembro de 1948, partilhado por constituições recentes como a da Itália de 1947, a da Alemanha de 1949, a portuguesa de 1976 e sucessivas revisões, a da Espanha e a da Argentina de 1953, com a mutação imprimida pela recente reforma de 1994.

Também o Brasil é exemplo, pois não se pode olvidar o artigo 5º, XXXV da Constituição de 1988, a manter tradição instaurada em nosso constitucionalismo pela Constituição de 1946, com prosseguimento nas que lhe seguiram.

Ademais, o enorme progresso tecnológico que cerca a humanidade, determinando maior ampliação das comunicações, transpondo fronteiras entre Estados, redobra o dever estatal e da coletividade em distribuir justiça. E mais, impera que tal se faça de modo indistinto às diversas espécies de lides e com rapidez desejável.

Na verdade, o direito à tutela judicial efetiva não requer apenas a possibilidade de o cidadão acorrer às cortes de justiça toda vez que se sentir lesado ou ameaçado de lesão em seus direitos subjetivos. Pugna por algo além disso, qual seja a celeridade na solução dos litígios, forçando, de logo, o abandono das vias apontadas pelo processo civil tradicional.


3. AS ONDAS REFORMISTAS

Cappelletti & Garth [09] apresentam os requisitos necessários para a efetivação do acesso à justiça, transpondo-se as barreiras econômicas, sociais e culturais, fracionando a justiça em três ondas. A primeira onda, representada pela assistência judiciária aos pobres; a segunda diz respeito às reformas tendentes a proporcionar representação jurídica para os interesses difusos e a terceira caracteriza-se pelo acesso à representação em juízo e por um novo prisma de acesso à Justiça, cuja concepção é mais ampla.

Sem dúvida, a terceira onda guarda maior relevância para a ordem jurídica nacional por compreender uma série de medidas, partindo da reestruturação do próprio Poder Judiciário, passando pela simplificação do processo e dos procedimentos, e findando num sistema recursal mais célere. Em suma, propõe a agilidade na prestação jurisdicional que garante a parte vencedora o efetivo gozo do seu direito.

3.1. Primeira onda reformista

Nesse primeiro momento, os seus idealizadores buscaram meios de facilitar o acesso das classes menos favorecidas à Justiça, esmiuçando os diversos modelos de prestação de assistência judiciária aos necessitados. Dentre os referidos modelos, ressalta-se o Sistema Judicare, através do qual a assistência judiciária é estabelecida como um direito para todas as pessoas que se enquadrem nos termos da lei (com renda até certo limite), em que os advogados particulares são pagos pelo Estado.

Cappelletti & Garth analisam ainda o modelo de assistência judiciária com advogados remunerados pelos cofres públicos, com um objetivo diverso do sistema judicare, o que reflete sua origem no Programa de Serviços Jurídicos do Office of Economic Opportunity, de 1965, em que os serviços jurídicos são prestados por "escritórios de vizinhança", atendidos por advogados pagos pelo governo e encarregados de promover os interesses dos pobres, enquanto classe [10].

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Alguns países, inclusive, combinam os dois modelos, de forma que um complementa o outro, oferecendo ao necessitado a escolha entre o atendimento por advogados servidores públicos ou por advogados particulares.

Os benefícios apresentados por esses modelos levaram os reformadores de muitos países, como a Austrália, a Holanda e a Grã-Bretanha a implementar sistemas nos quais centros de atendimento jurídico suplementam os esquemas estabelecidos de judicare, a exemplo dos "centros de atendimento jurídico de vizinhança", da Inglaterra, localizados em áreas pobres, onde os "solicitadores" (e alguns advogados) realizam muitas das tarefas desempenhadas pelos advogados de equipe nos Estados Unidos.

Também a Suécia foi pioneira em algumas inovações, como a extensão da assistência judiciária à classe média, em que pessoas com rendimentos de até certo valor de renda anual estão aptas a receber auxílio jurídico subsidiado.

Como se vê, as medidas adotadas nos diversos países têm contribuído para melhorar os sistemas de assistência judiciária, fazendo ceder as barreiras de acesso à Justiça. No Brasil, a primeira onda adquiriu consistência jurídica com a Lei nº 1.060, de 5 de fevereiro de 1950.

3.2. Segunda onda reformista

O segundo momento volta-se para os interesses difusos (entendidos como interesses coletivos ou grupais), propondo uma reflexão sobre noções básicas do processo civil e sobre o papel dos tribunais nos diversos sistemas jurídicos. Aqui a discussão resultou da incapacidade de o processo civil tradicional, de cunho individualista (abrigo de lides entre particulares), servir para a proteção dos direitos ou interesses difusos.

Finalmente, o universo jurídico percebeu que se o direito ou interesse não pertencia a ninguém é porque pertencia a todos. Frente a essa constatação, cuidou-se de buscar meios adequados à tutela desses interesses, que não se enquadravam nas soluções até então ofertadas no processo civil.

A novel percepção do direito impôs a transformação do papel do juiz, no processo, bem como de conceitos básicos como a citação e o direito de defesa, pois se faz preciso um representante adequado dos titulares de direitos difusos. A decisão, por sua vez, deve ser efetiva, alcançando todos os membros do grupo, ainda que não tenham participado individualmente do processo. Logo, também o conceito de coisa julgada deve moldar-se à nova realidade, de forma a garantir a eficácia temporal dos interesses difusos.

Com isso, o processo civil abandonou a postura eminentemente individualista para adotar uma concepção social e coletiva. Sem dúvida, essa óptica pluralista figura como a melhor solução para garantir a efetividade da tutela dos direitos e interesses difusos.

3.3.Terceira onda reformista

Esse último momento é de suma relevância para o estudo ora desenvolvido, posto que recomenda a concreção de vasta variedade de reformas. Estas reformas incluem: alterações das formas de procedimento, mudanças na estrutura dos tribunais ou a criação de novos tribunais (in casu, os juizados), o uso de pessoas leigas, como juízes e como defensores, modificações no direito substantivo destinadas a evitar litígios ou facilitar sua solução e a utilização de mecanismos privados ou informais de resolução de conflitos. Tal enfoque não teme inovações radicais e compreensivas, que ultrapassam a esfera da simples representação judicial.

Os procedimentos devem ser adequados à pluralidade dos litígios de modo a alcançar soluções mais rápidas, dadas por órgãos jurisdicionais e parajudiciais, sempre com vistas no custo-benefício. Portanto, não tem sentido que questões altamente técnicas sejam entregues ao socorro de juízes de direito, sendo mais lógico que sejam resolvidas por integrantes de tribunais arbitrais.

A reforma dos procedimentos judiciais é importante para lubrificar a lenta engrenagem judiciária, de modo que se adotem procedimentos simples para demandas simples, e procedimentos complexos para procedimentos complexos. Além disso, o procedimento deve contar com a presença de leigos auxiliando os juízes, não apenas na movimentação do processo como também na própria instrução, que toma a maior parte do tempo do magistrado.

Os métodos alternativos de resolução dos conflitos, nessa visão, devem ser prestigiados, estimulando os jurisdicionados a buscar justiça fora dos tribunais, como forma de se obter decisão mais célere e eficaz, como a mediação e arbitragem. Muitos países conjugam a justiça pública com a privada, permitindo, verbi gratia, que o juiz de direito se transforme em árbitro ou num amigável compositor.

O estímulo à conciliação, por seu turno, apresenta grandes vantagens na medida em que economiza a movimentação desnecessária de toda uma estrutura já tão sobrecarregada. É preciso, no entanto, que os conciliadores sejam pessoas vocacionadas.


4. ENTRAVES AO ACESSO À JUSTIÇA

O acesso à justiça é, pois, a ideia central a que converge toda a oferta constitucional e legal dos princípios e garantias. Para a efetividade do processo, ou seja, para a plena consecução de sua missão social de eliminar conflitos e fazer justiça, é preciso, na lição de Cintra et al [11], superar óbices que a experiência mostra estarem constantemente a ameaçar a boa qualidade do produto final. Tais óbices situam-se em quatro pontos sensíveis, a saber: a admissão ao processo (devem-se eliminar as dificuldades econômicas que impedem ou desanimam as pessoas de litigar, ou dificultem o oferecimento de defesa adequada); o modo-de-ser do processo (no desenrolar de todo processo, é mister que a ordem legal de seus atos seja observada – devido processo legal, que as partes tenham oportunidade de participar em diálogo com o juiz – contraditório e que este seja adequadamente participativo na busca de elementos para sua própria instrução); a justiça das decisões (o juiz deve pautar-se pelo critério de justiça, seja ao apreciar a prova, ao enquadrar os fatos em normas e categorias jurídicas ou ao interpretar os textos de direito positivo) e efetividade das decisões (todo processo deve dar a quem tem um direito tudo aquilo e precisamente aquilo que ele tem o direito de obter).

4.1. DESIGUALDADES ECONÔMICAS (CUSTO DO PROCESSO)

Esse problema se relaciona com as custas judiciais devidas aos órgãos jurisdicionais, com as despesas para a contratação de advogado e com aquelas necessárias para a produção das provas. E evidente que o custo do processo constitui um grave empecilho para boa parte da população brasileira [12]. Como adverte Roger Perrot, o obstáculo econômico é desgraçadamente muito conhecido (l` obstacle économique est malheuresement bien connu) [13].

O custo do processo pode impedir o cidadão de propor a ação, ainda que tenha convicção de que o seu direito foi violado ou está sendo ameaçado de violação. Isso significa que, por razões financeiras, expressiva parte dos brasileiros pode ser obrigada a abrir mão dos seus direitos [14].

Destarte, a hipossuficiência impede que o cidadão postule a defesa de direitos que lhe pertencem, acarretando a quebra de direitos naturalmente decorrentes da cidadania. No Brasil, instrumentos legislativos não faltam, demonstrando as boas intenções dos representantes do povo; porém, sem que medidas efetivas de implementação sejam adotadas na mesma proporção e com igual demonstração de boa vontade [15].

Não é por outra razão que a Constituição Federal, no seu artigo 5º, LXXIV, afirma que "o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos". Diante disso, sendo o Estado obrigado a fornecer advogado às pessoas menos favorecidas economicamente, a própria Carta Magna reza que "a Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do artigo 5º, LXXIV".

Aliás, a própria legislação infraconstitucional já dispunha sobre o tema, regulando o acesso gratuito à Justiça, desde 1950, com a Lei nº 1.060/50, que estabelece normas para a concessão de assistência judiciária aos necessitados, sendo que se considera necessitado, para os fins legais, todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família.

Os benefícios da lei em comento poderão ser desfrutados por nacionais ou estrangeiros residentes no País sempre que necessitarem recorrer à Justiça penal, civil, militar ou do trabalho, consoante previsão específica (art. 2º), mostrando-se bastante, para isso, a simples afirmação da parte de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento de sua própria família (art. 4º).

A lei supracitada preceitua, em seu artigo 3º, que a assistência judiciária compreende as seguintes isenções: I – das taxas judiciárias e dos selos; II – dos emolumentos e custas devidos aos juízes, órgãos do Ministério Público e serventuários da Justiça; III – das despesas com as publicações indispensáveis no jornal encarregado da divulgação dos atos oficiais; IV – das indenizações devidas às testemunhas que, quando empregados, receberão do empregador salário integral, como se em serviço estivessem, ressalvado o direito regressivo contra o poder público federal, no Distrito Federal e nos Territórios, ou contra o poder público estadual, nos Estados; V – dos honorários de advogado e peritos; VI – das despesas com a realização do exame de código genético – DNA que for requisitado pela autoridade judiciária nas ações de investigação de paternidade ou maternidade (inciso acrescido pela Lei nº 10.137, de 6-12-2001).

Afirma-se ainda que, sendo deferido o pedido de gratuidade, ao juiz incumbirá determinar ao serviço de assistência judiciária, organizado e mantido pelo Estado, onde houver, que indique advogado para patrocinar a causa do necessitado. Se no Estado não houver serviço de assistência judiciária, por ele mantido, caberá a indicação à Ordem dos Advogados, por suas seções estaduais, ou subseções municipais. E mais, nos municípios em que não existem subseções da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o próprio juiz fará a nomeação do advogado que patrocinará a causa do necessitado (artigo 5º).

O Congresso Africano sobre o Primado do Direito, realizado em fevereiro de 1961, debatendo a questão alusiva ao acesso ao Judiciário, externou clara conclusão no sentido de que:

"O acesso à justiça, igual para o rico como para o pobre, é essencial ao respeito do Princípio da Legalidade. É, conseqüentemente, indispensável fornecer uma assistência judiciária adequada a todos aqueles que, ameaçados na sua vida, sua liberdade, seus bens ou sua reputação, não estejam em condições de remunerar os serviços de um advogado. Esta obrigação pode ser cumprida por meios diferentes e ela é, no conjunto, atualmente, melhor assegurada nos processos criminais do que nos processos civis. É necessário, entretanto, conhecer exatamente todas as conseqüências práticas deste princípio: é preciso saber, em particular, se por assistência judiciária adequada entende-se o recurso aos serviços de um advogado cuja classe e experiência são reconhecidas. Há aí uma questão que não pode ser completamente dissociada daquela que situa a justa remuneração dos serviços prestados por advogado. As profissões jurídicas têm por primeira obrigação esforçar-se por assegurar a assistência judiciária adequada. Todavia, o Estado e a comunidade têm, de seu lado, a obrigação de ajudar as profissões jurídicas no cumprimento desse dever" [16].

Flagrante e indiscutível a omissão do Poder Público no encargo que lhe foi deferido por norma de índole constitucional, pode-se perfeitamente adotar a alternativa posta em lei e que permite a nomeação de defensores dativos com remuneração a ser paga pelos cofres públicos. E a OAB, atenta à função que lhe é deferida em lei e que se acha voltada, consoante específica previsão inscrita no art. 44, I, da Lei 8.906/94, deve adotar providências que possam contribuir para a solução de tal problema.

Oportuno dizer que a assistência jurídica deve deixar de ser enfocada apenas através da óptica da pobreza e passar a ser visualizada na perspectiva do cidadão envolvido na complexidade e, às vezes, nos conflitos da sociedade em que vive. Deve-se investigar a realidade social para melhor organização da Justiça [17].

4.2. FALTA DE INFORMAÇÃO

Segundo Adriana dos Santos Silva [18], referindo-se à obra Cortes Arbitrais: doutrina, prática, jurisprudência e legislação, de Vítor Barbosa Lenza, vários são os fatores que emperram o livre acesso judicial, e o que se reputa mais sério é a desinformação. O cidadão, quando se encontra em uma situação adversa, passando por um constrangimento qualquer, por ser analfabeto ou de pouca instrução, não sabe que atitude tomar, a quem ou a qual serviço procurar que possa restaurar o seu direito ameaçado ou lesado.

Grande parte dos cidadãos não conhece e não tem condições de conhecer seus direitos. Na sociedade contemporânea, torna-se muito difícil, principalmente aos pobres, a percepção da existência de um direito. Tal dificuldade poderia ser contornada se os mais humildes tivessem acesso à orientação e à informação jurídicas. Os pobres percebem a existência de problemas, mas não conseguem, geralmente, configurá-los de natureza jurídica. Quanto mais pobre é o cidadão, mais difícil é o seu contato com um advogado, não só porque os advogados não fazem parte do seu círculo de relações, mas também porque os escritórios de advocacia, em geral, ficam localizados em regiões centrais, distantes dos locais em que os menos favorecidos residem. A dificuldade de consulta a um advogado é mais um obstáculo que o pobre enfrenta para ter acesso à justiça [19].

4.3. DEMORA PROCESSUAL

Revelam-nos Mauro Cappelletti e Bryant Garth [20] que

"Em muitos países, as partes que buscam uma solução judicial precisam esperar dois ou três anos, ou mais, por uma decisão exeqüível. Os efeitos dessa delonga, especialmente se considerados os índices de inflação, podem ser devastadores. Ela aumenta os custos para as partes e pressiona os economicamente fracos a abandonar suas causas, ou a aceitar acordos por valores muito inferiores àqueles a que teriam direito. A Convenção Européia para Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais reconhece explicitamente, no artigo 6º, parágrafo 1º que a Justiça que não cumpre suas funções dentro de ‘um prazo razoável’ é, para muitas pessoas, uma Justiça inacessível".

Reiterando tal pensamento, o desembargador e ex-presidente da Associação dos Magistrados do Brasil, Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho, expôs que 60% dos processos que chegam à Justiça brasileira são absorvidos pelos Juizados Especiais. Segundo ele, a demora nos processos se deve à conjugação de dois problemas: excesso de demanda e escassez de juízes. No Brasil, há 1 (um) juiz para 30.000 (trinta mil) habitantes, enquanto na Europa a média é de 1 (um) juiz para cada 7.000 (sete mil) pessoas. Na Alemanha, há 1 (um) juiz para cada grupo de 3.000 (três mil) habitantes [21].

Outrossim, deve-se ponderar que os hospitais, delegacias, estão sempre de plantão. A Justiça, não. Esta não pode e não deve dormir. O Fórum tem que permanecer "aceso" para o povo, funcionando não apenas no período costumeiro, devendo solucionar os litígios também em outros períodos. É uma tese muito polêmica, mas viável. As experiências de alguns juizados especiais que funcionam 24 horas têm sido concretizadoras, como no Distrito Federal. A experiência será válida e concreta se adotada nos Juizados Especiais Federais [22].

O jurista italiano Vittorio Denti [23] aponta que "a tutela jurisdicional somente é efetiva quando é tempestiva".Marinoni continua: "a morosidade da justiça prejudica a efetividade dos direitos fundamentais". E o pior é que, algumas vezes, a morosidade da justiça é opção dos próprios detentores do poder. Não é intuitiva, por exemplo, a razão de ser da lei que proibiu, à época do denominado ‘Plano Collor’, a concessão da medida liminar e a execução provisória da sentença na cautelar e no mandado de segurança? O uso arbitrário do poder, sem dúvida, caminha na razão proporcional inversa da efetividade da tutela jurisdicional. Esse caso evidencia claramente que os propósitos arbitrários do poder se dão muito bem com a morosidade da justiça e, nessa dimensão, que a tempestividade do processo, embora constitua dever do Estado, nem sempre é do gosto dos governantes.

Citando ainda Marinoni, este aduz que pode existir falta de vontade política para a redução da demora processual. Tal demora não seria meramente acidental, mas fruto de vários interesses, até mesmo o de limitar o afluxo de litígios ao Poder Judiciário. Devemos afastar, porém, a ideia simplista de que o juiz é o culpado pela demora do processo, ou mesmo pela falta de qualidade do seu serviço. Essa questão, obviamente, passa por uma dimensão muito mais profunda, ou seja, pela própria ideologia que permite que o Poder Judiciário seja o que é, pois, como é intuitivo, nada, absolutamente nada, possui uma determinada configuração sem razão ou motivo algum. Nessa perspectiva, nenhuma "justiça" é boa ou má, ou efetiva ou inefetiva, já que ela sempre será da "forma" que os detentores do poder a desejarem e, portanto, para alguns, sempre "boa" e "efetiva" [24].

4.4. ESTRUTURA DO JUDICIÁRIO

A nossa estrutura judiciária é sabidamente arcaica, montada no modelo francês, de inspiração napoleônica, e cujo objetivo era fazer dos órgãos superiores, constituídos pela vontade dos Poderes Executivo e Legislativo, verdadeiros órgãos de dominação dos órgãos inferiores do Poder Judiciário. Não é por acaso que essa estrutura tem a forma piramidal. Ademais, os Processos e procedimentos adotados pelo Código de Processo Civil desconhecem a geografia brasileira, sendo concebidos com as vistas voltadas para regiões desenvolvidas, como a sul e a sudeste, pelo que não se adéquam a regiões de parco desenvolvimento econômico, como a norte e nordeste, sendo idênticos os prazos para a prática de atos numa região metropolitana, e naquelas em que o transporte ainda se faz em canoa, movida a remo, ou em lombo de jegue, movido a chibata; embora o artigo 182 do referido código outorgue ao juiz, nas comarcas onde for difícil o transporte, prorrogar quaisquer prazos, mas nunca por mais de sessenta (60) dias [25].

Por isso, faz-se mister um sistema processual uniforme para todo o país, mas com uma diversidade procedimental que atenda a essa diversidade geográfica, deixando a cargo de cada Estado-membro normatizar os procedimentos judiciais, de acordo com os seus padrões sociais, econômicos e culturais.

A problemática da organização judiciária, contudo, também tem a ver com a forma de recrutamento dos magistrados, repousando na questão do ensino jurídico, atualmente tão desprezado, com faculdades germinando em todos os cantos do país, onde a preocupação é muitas vezes nenhuma com o ensino, mas fundamentalmente com os lucros. Cresce, assim, em razão da precariedade do ensino jurídico, a responsabilidade das Escolas de Magistratura, que devem fornecer não só formação jurídica, mas também conhecimentos extrajurídicos e preparação psicológica adequada, firmando a convicção de que toda decisão judicial é um compromisso político e ético [26].

4.5. QUESTÃO PSICÓLOGICA

O pobre, por uma série de motivos, sente-se intimidado diante de determinadas formas de manifestação do poder. As pessoas de renda mais baixa temem, de certo modo, os advogados e os membros do Ministério Público e da Magistratura. Para não se falar que alguns não confiam na figura do advogado e que os mais humildes sempre temem represálias quando pensam em recorrer à justiça e sanções da parte contrária [27].

4.6. USO INDISCRIMINADO DE RECURSOS

No que tange aos recursos, parte-se da falsa suposição de que a Constituição, ao elencar os diversos órgãos que compõem o Poder Judiciário (art. 92, I a VII), teria consagrado de forma inarredável o duplo grau de jurisdição, o que não é, no entanto, verdadeiro. Os recursos, nas palavras do insigne magistrado Carreira Alvim, são a grande praga que não permite que a Justiça produza bons frutos, contaminando a esperança de tantos quantos a ela recorrem, que só veem satisfeito o seu direito material quando já exaustos de tanto demandar [28].

Mesmo quando se criam juizados especiais para determinadas causas, ou causas simples até determinado valor, ou sem nenhuma complexidade, que podem ser resolvidas pelo critério de equidade, por qualquer juiz leigo, o culto ao recurso faz com que, mesmo sem admitir o acesso à Justiça em segundo grau, se criem turmas recursais, integradas por juízes de inferior instância, para reexaminar as sentenças proferidas por juízes de igual hierarquia. No fundo, o recurso ordinário, nos juizados especiais, não passa de uma malquista modalidade de embargos infringentes do julgado, na inferior instância, só que, em vez de serem julgados pelo mesmo juiz que proferiu a decisão recorrida, o é por uma turma recursal.

Ainda quando a lei processual estabelece que o recurso não impede a execução da sentença, como na previsão do art. 497, primeira parte [29], ou que o recurso será recebido apenas no efeito devolutivo, como na previsão do art. 542, § 2º [30],ambos do CPC, o STJ e o STF admitem ação cautelar para dar aos recursos extraordinário e especial um efeito que ex vi legis eles não têm, obstaculizando a execução da sentença antes de passar materialmente em julgado. Mesmo quando não tem cabimento nenhum recurso, ou mesmo correição parcial, ou reclamação, entra em cena a tolerância dos pretórios, admitindo, para se corrigir decisões que se convencionou denominar "teratológicas", o uso do mandado de segurança contra ato judicial.

Não é que os recursos não sejam necessários, porque são, mas deveriam ser disciplinados conforme a importância da matéria decidida, de forma que nem toda causa subisse aos tribunais de segundo grau; muito menos, aos tribunais superiores, que deveriam ser os guardiães da lei infraconstitucional naquilo em que tivesse transcendência sobre a pretensão individual das partes. O mesmo se diga do STF que, sendo o guardião da Constituição, deveria proceder ao reexame apenas de matérias (questões), que pudessem, pelo fenômeno da transcendência, interessar à nação como um todo. As brigas de vizinhos devem ficar confinadas aos juizados especiais, com direito ao recursal para as turmas recursais.

4.7. OS LITIGANTES EVENTUAIS DIANTE DOS LITIGANTES HABITUAIS

Outro ponto que merece relevo liga-se à disparidade que surge quando um litigante habitual (aquele que frequentemente está em juízo) defronta-se com um litigante eventual (aquele que nunca, ou poucas vezes, sentou-se perante um juiz). Segundo Galanter, os litigantes habituais levam vantagens sobre os eventuais, a saber: a maior experiência com o direito possibilita-lhes melhor planejamento do litígio; o litigante habitual tem economia de escala, porque tem mais causas; aquele tem oportunidades de desenvolver relações informais com os membros da administração da justiça; ele pode diluir os riscos da demanda por maior número de casos; e pode testar estratégias com determinados casos, de modo a garantir expectativa mais favorável em relação a casos futuros [31].

Assim, é muito mais fácil ao empresário do que ao cidadão comum assumir os riscos de uma derrota judiciária. O empresário contabiliza a derrota como perda e facilmente encontra formas de equilibrar o seu orçamento, o que representa uma vantagem evidente sobre os pequenos litigantes, vantagem que é duplicada quando a empresa torna-se uma litigante habitual [32].

Sobre o autor
José Carlos Lima Júnior

Advogado. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Piauí. Biólogo. Graduado em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Piauí.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA JÚNIOR, José Carlos. Acesso à Justiça. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2334, 21 nov. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13901. Acesso em: 17 nov. 2024.

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