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A denúncia espontânea tributária e a exigência da multa de mora

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Agenda 23/11/2009 às 00:00

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com a conclusão da análise proposta, denota-se que a responsabilidade referida no artigo 138 do Código Tributário Nacional refere-se ao ato ou omissão praticados com o fim de subtrair à tributação o fato gerador do tributo, não se incluindo nesta hipótese o atraso no pagamento do tributo, em vista do prazo fixado na legislação emitida pela pessoa política tributante, dentro de sua competência constitucional.

A norma geral, sendo uma moldura, não poderá interferir no conteúdo específico da norma individual, embora lhe defina o contorno. As disposições fixando prazo para pagamento de tributos e estabelecendo multa para o atraso são parte do conteúdo e não podem sofrer interferência da norma geral.

Assim, o contribuinte pode ter excluída a responsabilidade pela infração, desde que efetue o pagamento do tributo até o prazo estabelecido na lei ordinária, vale dizer, até a norma geral respeita a competência constitucional da pessoa jurídica tributante para fixar prazo a sancionar a sua inobservância.

É de importância fundamental o respeito à competência constitucional tributária das pessoas políticas, na recepção de normas nacionais anteriores à Constituição de 1988, como é o caso do Código Tributário Nacional.

A regulação de uma conduta juridicamente, para sua efetividade e eficácia, exige coordenadas de tempo e de espaço. No caso de tributos, tais delimitações estão na lei ordinária editada pelas pessoas políticas constitucionalmente designadas.

Por esta interpretação, a multa de mora não passa de um plus indenizatório ao tributo, decorrente de seu não pagamento até o prazo legal.

O prazo, uma vez vencido, é inexorável, não tendo o sujeito passivo como renunciar ao proveito do atraso e eximir-se da multa de mora.

O caráter não punitivo, mas indenizatório, da multa de mora retira validade da premissa básica da tese que sustenta a exclusão desta espécie de multa no caso de denúncia espontânea.

Ressalte-se ainda que as Súmulas 192 e 565 da Suprema Corte aplicam-se restritamente em matéria tributária após o início da vigência do artigo 29, da Lei 6830, de 22/09/1980, que exclui do processo de falência as execuções fiscais.

É de se deduzir que a pretensa exclusão da multa moratória na denúncia espontânea, se adotada em caráter erga omnes, causaria enorme insegurança jurídica, anarquia e caos tributário, pois a partir de tal momento, ninguém mais se sentiria obrigado a pagar tributo no prazo, já que o fraco aparato fiscal da União, dos Estados e dos Municípios não teria capacidade logística para autuar a verdadeira avalanche de inadimplências decorrentes daquela facilidade prática. Isto sem considerar a presumível queda drástica que seria provocada na arrecadação geral de tributos, podendo essa situação comprometer seriamente o funcionamento dos serviços públicos.

Neste caso, as normas de competência da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, que prescrevem prazos para pagamento dos tributos, na prática, teriam apenas repercussão moral subjetiva, considerando que a capacidade prática da fiscalização de tributos, nem de longe poderia acompanhar e autuar a provável inadimplência em massa daí resultante.

Pelo caráter social do tributo, contrariamente à superada ideologia liberal individualista, não é razoável imaginar-se como justa a situação de algum cidadão ser submetido ao risco de vida nas filas de espera dos ambulatórios públicos, por falta de verbas, enquanto se estabelece uma brincadeira de "gato e rato" entre o fisco e o contribuinte beneficiado pela ocultação das infrações até ser eventualmente descoberto pelo aparato de fiscalização, para imposição da multa de mora indenizatória das carências sociais provocadas pelo não ingresso dos recursos do tributo devido e sonegado.

Nova questão se coloca: a que plano ficaria relegado o princípio de que ‘a ninguém é dado auferir proveito de sua própria transgressão’? Se o prazo para pagamento do tributo já venceu, não há como o sujeito passivo pagar o tributo fora do prazo sem auferir enriquecimento sem causa ou, mais precisamente, enriquecimento advindo de transgressão à Lei, com ônus maior para os contribuintes que pagam seus tributos em dia.

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Por outro lado, deflui deste princípio que a denúncia espontânea pode caracterizar arrependimento posterior, mas não eficaz, em relação ao atraso no pagamento do tributo.

Evidencia-se que só não haverá dano nem proveito ao devedor se a denúncia espontânea for procedida até o vencimento do prazo para pagamento do tributo.

Não podem coexistir, de um lado, normas que estabelecem prazos para cumprimento da obrigação tributária e, de outro, interpretações doutrinárias que entendem existir uma espécie de moratória de caráter permanente, retirando o efeito coercitivo destas mesmas normas.

Sem o risco de confundir mora com moratória, a permissão do pagamento do tributo fora do prazo, a qualquer tempo, sem o pagamento da multa moratória, pode ser vista como um tipo de suspensão permanente da exigência do recolhimento do crédito tributário no prazo legal.

Sendo a moratória o alargamento dos prazos para o cumprimento da obrigação tributária, justifica-se apenas nos casos de calamidade pública, enchentes e catástrofes que dificultem aos contribuintes o pagamento dos tributos. Mas não aproveita aos casos de dolo, fraude ou simulação do sujeito passivo ou de terceiro em benefício daquele.

A moratória só pode existir através de lei específica que a institua e delimite seus efeitos no tempo e no espaço.

Com efeito, à guisa de fecho, coloca-se a expectativa de que o produto desta modesta incursão de estudo possa refletir-se como contribuição efetiva para o debate e no sentido do alcance da justiça fiscal na interpretação e aplicação da norma tributária.


NOTAS:

  1. ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. 14 ed. Trad. Landro Konder. Rio: Bertrand Brasil, 1997. p.191.
  2. Conforme KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6 ed. Trad. João Baptista Machado. S. Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 5.
  3. MARTINS, Ives Gandra da Silva. Da sanção tributária. S. Paulo: Saraiva, 1980. p.XI.
  4. BECKER , Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 3 ed. S. Paulo: Le Jus, 1998. p. 57.
  5. Ver: ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 5 ed. S.Paulo: Malheiros, 1998.
  6. HABERMAS, Jürgen. Passado como futuro. Trad. Flávio Beno Siebeneicher. Rio: Tempo Brasileiro. p. 105.
  7. VILLEGAS, Hector. Direito penal tributário. Trad. Elisabeth Nazar et alii. S. Paulo: Resenha Tributária, 1974. p. 21.
  8. OLIVEIRA, Fábio Leopoldo de. Curso expositivo de direito tributário. S. Paulo: Resenha Tributária, 1976. p. 385.
  9. KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do Estado. 2 ed. Trad. Luís Carlos Borges. S. Paulo: Martins Fontes, 1995. p. 53.
  10. MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de direito tributário. 1 ed. Rio: Forense, 1987. p. 714.
  11. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 8 ed. S. Paulo: Saraiva, 1996. p. 356.
  12. CARVALHO, Paulo de Barros. Op. cit. p. 354.
  13. DENARI, Zelmo et alii. Infrações tributárias e delitos fiscais. 3 ed. S. Paulo: Saraiva, 1998. p. 22.
  14. KELSEN, Teoria geral do direito e do Estado. Cit. p. 46.
  15. Ver TEUBNER, Gunther. O Direito como sistema autopoiético. Trad. José Engrácia Antunes. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1989. p. 160, 183.
  16. Op. Cit. p. 188.
  17. SÚMULA 191: "Inclui-se no crédito habilitado em falência a multa fiscal simplesmente moratória". SÚMULA 192: "Não se inclui no crédito habilitado em falência a multa fiscal com efeito de pena admnistrativa". SÚMULA 565: "A multa fiscal moratória constitui pena administrativa, não se incluindo no crédito habilitado em falência". Fonte: ASSOCIAÇÃO DOS ADVOGADOS DE SÃO PAULO. Súmulas. 1994. p. 61-164.
  18. Ver nota inserida em: BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 11 ed. Rio: Forense, 2000. p. 769.
  19. BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. Cit. p. 769.
  20. REIS, Élcio Fonseca. Federalismo Fiscal - Competência concorrente e normas gerais de Direito tributário. B. Horizonte: Mandamentos , 2000. p. 69.
  21. REIS, Élcio Fonseca. Federalismo fiscal Cit. p. 205.
  22. AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro.5 ed. S. Paulo: Saraiva, 2000. p. 431.
  23. AMARO, Luciano. Op. Cit. p. 432.
  24. CARVALHO, Paulo de Barros. Op. Cit. p. 354.
  25. ESTADO DE SANTA CATARINA. Diário Oficial. Ed. 26/12/96.
  26. A respeito, ver REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar. 8 ed. S. Paulo: Saraiva, 1983. p. 131 (v.1).
  27. Revogadas pela SÚMULA 565. Vide item 3.3, p. 70.
  28. GOMES DE SOUSA, Rubens. Compêndio de legislação tributária. 4 ed. S. Paulo: Resenha Tributária, 1982. p.139-140.
  29. GOMES DE SOUSA, Rubens. Op. Cit. p. 142.
  30. FANUCCHI, Fábio. Curso de direito tributário brasileiro. 4 ed. S. Paulo: Resenha Tributária, 1986. p. 411 (v. 1).
  31. ROSA JR., Luiz Emygdio F. da. Manual de direito financeiro e direito tributário. 11 ed. Rio: Renovar, 1997. p. 517.
  32. Acórdãos também publicados na página da internet "
  33. http://juris.trf1.gov.br".
  34. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 11 ed. Rio: Forense, 1991. p. 333-334.
  35. CARRAZZA, Roque Antonio. Direito constitucional tributário. 11 ed. S. Paulo: Malheiros, 1998. p. 64-66.
  36. BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças. 14 ed. Rio: Forense, 1984. p. 151.
  37. BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. Cit. p. 764.
  38. MINATEL, José Antonio. Denúncia espontânea e multa de mora nos julgamentos administrativos. In: Revista Dialética de Direito Tributário n. 33, Jun/1998, S. Paulo: Dialética. p. 83-92.
Sobre o autor
Ivo Zanoni

Auditor Fiscal da Receita Estadual/SC, bacharel em Direito, Mestre em Ciências Jurídicas (UNIVALI/ITAJAÍ), Doutorando em Direito (UCSF, Universidad Catolica de Santa Fe, Argentina)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ZANONI, Ivo. A denúncia espontânea tributária e a exigência da multa de mora. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2336, 23 nov. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13902. Acesso em: 5 nov. 2024.

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