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A intributabilidade das horas extraordinárias trabalhadas pelo imposto sobre a renda

Agenda 05/12/2009 às 00:00

A 1ª Turma do STJ passou a consentir com a incidência do Imposto sobre a Renda e proventos de qualquer natureza (IR) sobre as horas extraordinárias trabalhadas, sob o argumento de que possuem natureza salarial.

A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do Recurso Especial n. 695.499 / RJ, alterou o posicionamento até então adotado e passou a consentir com a incidência do Imposto sobre a Renda e proventos de qualquer natureza (IR) sobre as horas extraordinárias trabalhadas, sob o argumento, em suma, de que as mesmas possuem natureza remuneratória (salarial) e proporcionam acréscimo patrimonial para quem as recebe.

Não obstante, há que se analisar detida e cautelosamente cada situação fática levada ao Poder Judiciário a fim de que não se generalize de forma indevida essa questão, permitindo-se tributação pela exação em comento onde não há espaço para a mesma.

A situação fática enfocada é a dos trabalhadores que buscaram o Judiciário Trabalhista pleiteando o pagamento de horas extraordinárias laboradas além do permitido pelo ordenamento jurídico brasileiro e obtiveram decisão favorável, incidindo, sobre a quantia recebida, o Imposto sobre a Renda, fato este que, conforme se exporá, é incompatível com os conceitos jurídicos que circundam esse gravame.

O Imposto sobre a Renda e proventos de qualquer natureza tem a sua instituição autorizada pela Constituição Federal, conforme dispõe o artigo 153, III.

A Constituição traz em seu bojo um conceito implícito de renda e de proventos de qualquer natureza, o qual é delineado, de maneira limitada, pelo legislador infraconstitucional.

Assim, estabelece o artigo 43 do Código Tributário Nacional (CTN):

"Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:

I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;

II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior".

Infere-se do dispositivo acima que a definição legal de renda e de proventos de qualquer natureza exige, inexoravelmente, que se tenha, tanto em uma quanto em outra situação, acréscimo patrimonial em proveito do sujeito passivo da relação jurídico-tributária.

Nesse sentido, Roque Antônio Carrazza ensina que "renda e proventos de qualquer natureza são acréscimos patrimoniais experimentados pelo contribuinte ao longo de um determinado período de tempo". [01]

Do contrário, isto é, não advindo acréscimo patrimonial para o sujeito passivo, esse não se apresenta como tal, ou seja, não será sujeito passivo, uma vez que não haverá renda ou provento tributável.

Sabe-se que o legislador – por meio do processo legislativo – e as autoridades fazendárias – por meio de atos administrativos – não podem impor tributação através do Imposto sobre a Renda como bem entenderem, assim como é sabido que os mesmos, reiterada e inconstitucionalmente, o fazem.

Se o Imposto sobre a Renda apenas pode alcançar a renda e os proventos que ofereçam acréscimo patrimonial ao sujeito passivo da relação jurídico-tributária e não podendo o legislador denominar renda ou provento aquilo que não é, se restar demonstrado que não há, em dada situação, acréscimo patrimonial, não há que se falar em tributação dos valores percebidos.

Conforme Hugo de Brito Machado, "Sem o acréscimo patrimonial não há, segundo o Código, nem renda, nem proventos". (...) "Como se vê, o Código Tributário Nacional estreitou o âmbito do legislador ordinário, que não poderá definir como renda, ou como proventos, algo que não seja, na verdade, um acréscimo patrimonial". [02]

Nessa medida, aquilo que se deve entender por renda e proventos (acréscimo patrimonial), para fins de tributação pelo IR, é incompatível com o que se deve entender por indenização, a qual é voltada a reparar uma prévia situação lesiva que reduziu o patrimônio (material ou imaterial) de alguém, restabelecendo o status quo ante do patrimônio, o que, via de regra, ocorre por meio de pagamento em pecúnia ao lesado.

Acerca da intributabilidade, pelo Imposto sobre a Renda, das indenizações recebidas, assevera Roque Antônio Carraza:

"É o caso das indenizações. Nelas mostra-se de todo ausente este sentido de acréscimo patrimonial; transparece, ao revés, sua vocação meramente compensatória ou reparatória, por perdas sofridas.

Com efeito, o descumprimento, por parte de alguém, de seu dever jurídico faz nascer em favor do terceiro que, em razão deste fato, sofreu prejuízos o direito de ser indenizado, ou seja, de receber o equivalente pecuniário ao dano sofrido.

Como já se visualiza, a indenização serve para coibir os prejuízos causados, de forma que o equilíbrio patrimonial do credor lesado se restabeleça. O montante da indenização é correlato ao valor do bem lesado: restabelece o equilíbrio rompido pelo causador do dano. Quem indeniza repara – isto é, compensa – prejuízos.

(...) É substituição da perda sofrida por seu correspondente valor econômico" (grifado). [03]

Note-se que o entendimento esposado pelo doutrinador citado refere-se à indenização de maneira ampla, como reparação por lesão ao direito de outrem, sem especificar o tipo do dano proporcionado, isto é, se físico/patrimonial (material) ou moral (imaterial).

O certo é que independente da espécie de dano (patrimonial ou moral), toda vez que um direito é violado e reparado não se caracteriza acréscimo patrimonial a respectiva indenização, pois, quer seja o patrimônio material, quer seja o patrimônio imaterial (moral), ambos são reduzidos pela violação ao direito juridicamente reconhecido e posteriormente restabelecidos pela indenização, afinal, " a indenização não passa da solução possível que o Direito concebeu como forma de contrapor, em moeda, irremediáveis perdas, sofrimentos ou danos experimentados" (grifado). [04]

Ainda acerca da indenização por dano moral (imaterial) sofrido e a correlata intributabilidade pelo IR, continua o insigne tributarista:

"Os valores monetários percebidos, nesta hipótese, não trazem ao indenizado acréscimo patrimonial algum, no sentido tributário da expressão; apenas transformam em moeda os gravames que injustamente experimentou (...), recompondo-lhe em pecúnia o patrimônio moral vilipendiado.

(...)

Vai daí que também nas indenizações por dano moral economicamente dimensionado não há espaço jurídico à tributação em estudo" (grifado). [05]

Isso posto, tem-se que o dano moral é toda violação a algum direito juridicamente reconhecido que não seja de ordem material, isto é, patrimonial.

Trata-se de desrespeito a um direito de outrem, independentemente de sofrimento, dor, angústia ou qualquer outro sentimento que a pessoa possa sentir ou não sentir, até porque as pessoas jurídicas podem ser indenizadas por danos morais sofridos e as mesmas não possuem sentimentos para serem abalados, baseando-se tal indenização em um desrespeito a algum direito seu que não seja de ordem material, portanto, moral (imaterial).

Nesse sentido, Maria Helena Diniz explica o dano moral apoiada na lição de Zanoni, transcrita ipsis litteris:

"O dano moral, ensina-nos Zanoni, não é a dor, a angústia, o desgosto, a aflição espiritual, a humilhação, o complexo que sofre a vítima do evento danoso, pois estes estados de espírito constituem o seu conteúdo, ou melhor, a conseqüência do dano. (...) O direito não repara qualquer padecimento, dor ou aflição, mas aqueles que forem decorrentes de privação de um bem jurídico sobre o qual a vítima teria interesse reconhecido juridicamente". (grifado) [06]

Nessa medida, tem-se que a Constituição Federal assegura em seu artigo 6º, caput, o direito de todos ao lazer.

Esse direito é demasiadamente amplo, nele se incluindo o direito ao descanso, o direito de estar com a família, o de realizar práticas esportivas, de se divertir com os amigos, de viajar ou quaisquer outros entretenimentos, dentre tantas outras situações abarcadas pelo conceito de "lazer".

A Lei Maior ainda prevê, no artigo 7º, incisos XIII e XIV, respectivamente, a duração da jornada de trabalho de "oito horas diárias e quarenta e quatro semanais" e "seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos".

Ora, está implícito na Constituição Federal que a jornada de trabalho é dever do cidadão trabalhador e o seu lazer é um direito.

Logo, o dever dos trabalhadores tem que ser cumprido durante oito horas diárias e quarenta e quatro semanais ou seis horas diárias (para o trabalho realizado em turnos ininterruptos), sendo o restante do dia, ou seja, as demais dezesseis ou dezoito horas, ou o que exceder às quarenta e quatro semanais, seu direito ao lazer.

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Toda vez que o patrão, direta ou indiretamente, explícita ou implicitamente, invade a esfera de direito de um empregado de forma desarrazoada / ilegal / inconstitucional, está lhe privando de um direito seu juridicamente reconhecido, qual seja, o direito constitucionalmente previsto ao lazer.

E como tal violação não lhe acarreta, a priori, um prejuízo material, está-se diante de um caso de dano imaterial, ou seja, moral.

Aferir quando o recebimento de valores por horas extraordinárias trabalhadas possui natureza salarial ou indenizatória requer um exame detido de cada situação fática.

Nem sempre as horas extras irão possuir natureza salarial. Aliás, raras são as situações em que isso se verificará. É preciso analisar cada situação específica para lhe conferir tal natureza ou natureza diversa, pois dela decorrerão diversos efeitos, dentre eles, os tributários.

Com apoio no entendimento de Amauri Mascaro Nascimento, tem-se que "A lei brasileira permite horas extraordinárias em cinco casos: acordo de prorrogação, sistema de compensação, força maior, conclusão de serviços inadiáveis e recuperação das horas de paralisação". [07]

E continua o mesmo autor, ao classificar as horas extras:

"Finalmente, existem horas extras lícitas e ilícitas, estas últimas caracterizando-se sempre que contrariadas as hipóteses legais".

(...)

"São ilícitas as horas extras prestadas com violação do modelo legal". [08]

Ora, se a legislação brasileira permite o trabalho além da jornada ordinária apenas nas cinco hipóteses mencionadas, em todas as outras hipóteses em que houver labor excessivo estar-se-á violando o ordenamento jurídico e o direito ao lazer do trabalhador.

Em casos onde o trabalhador labora excessivamente em decorrência da ganância dos empresários e do abuso do poder patronal que acompanha a maioria dos empregadores, não se amoldam as horas extraordinárias trabalhadas em nenhuma das cinco modalidades legais de trabalho extraordinário acima mencionadas e permitidas.

Se trabalho extra – exceto as cinco hipóteses antes mencionadas – não é permitido, ferindo as disposições do ordenamento jurídico nacional, e o patrão faz com que o funcionário trabalhe mais do que o instituído pela Constituição Federal e por lei pratica ato ilícito, violando direito de outrem, e dessa forma fica obrigado a INDENIZAR o funcionário (Código Civil, art. 927).

Portanto, simples é concluir que as verbas recebidas por trabalhadores em demanda judicial trabalhista a título de horas extraordinárias laboradas em situações que não sejam as permitidas pelo ordenamento jurídico pátrio, as quais foram abordadas pelo doutrinador trabalhista citado, possuem nítida natureza indenizatória e não salarial/remuneratória.

E se indenizatórias são, como de fato são, não há que se cogitar de incidência de Imposto sobre a Renda, por não haver acréscimo patrimonial em proveito do trabalhador, mas mera recomposição de seu patrimônio imaterial, qual seja, o seu direito ao lazer, o qual foi violado pelo empregador ao exigir, direita ou indiretamente, o labor extraordinário em situações que não são as permissivas.

Nessa medida, o pagamento de Imposto de Renda incidente sobre tais verbas é indevido. Não há obrigatoriedade de o contribuinte realizar esse recolhimento aos cofres da União e, se o mesmo se der face à responsabilidade tributária por substituição, mediante retenção na fonte, é inconstitucional, por afrontar os conceitos jurídicos de renda e proventos de qualquer natureza implícitos no texto da Carta Magna e delineados pelo legislador infraconstitucional no Código Tributário Nacional, cabendo, perfeitamente, uma repetição de indébito, nos moldes do artigo 165, I, desse último diploma legal.

Corroborando o entendimento em epígrafe, elucidativo o voto do Ministro José Delgado, do Superior Tribunal de Justiça, no Agravo Regimental no Recurso Especial n. 974.879 – DF, onde se discutia essa questão, in verbis:

"PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. VERBAS INDENIZATÓRIAS. HORAS EXTRAS TRABALHADAS (IHT). NÃO-INCIDÊNCIA DE IMPOSTO DE RENDA. SÚMULAS Nºs 125 E 136/STJ. PRECEDENTES.

(...)

3. O imposto sobre a renda tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica da renda (produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos) e de proventos de qualquer natureza (art. 43 do CTN).

4. A jurisprudência do STJ é vasta no sentido de que a indenização de horas trabalhadas (IHT) não configura acréscimo patrimonial de qualquer natureza ou renda e, portanto, não é fato imponível à hipótese de incidência do IR, tipificada pelo art. 43 do CTN. A referida indenização não é renda nem proventos" (grifado). [09]

O mesmo entendimento vem exposto no REsp n. 584.182 / RN:

"TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. INDENIZAÇÃO. NÃO-INCIDÊNCIA.

1. É correto o entendimento manifestado nos autos de que "a hora-extra, de regra, possui natureza salarial, pois se trata de complementação vencimental ...".

2. Não menos correta, também, a conclusão de que quando o pagamento, embora feito a título de hora-extra, consagra verba indenizatória, não sofre a incidência de imposto de renda.

3. Situação fática em que o empregado recebe valores de caráter indenizatório por não lhe ter sido possível gozar repouso remunerado, por interesse do empregador" (grifado). [10]

Esse entendimento, que infelizmente sofre alteração hodiernamente, parece, data venia, ser o mais acertado. Todavia, a ânsia arrecadatória do fisco parece ter impregnado uma das altas Cortes da nação, ou parte dela, qual seja, a Primeira Turma do STJ.

Noutro giro, além dos argumentos acima articulados, outras razões atestam a natureza indenizatória das verbas trabalhistas recebidas a título de horas extraordinárias trabalhadas, conforme segue.

Há quem pretenda, equivocadamente, possuírem natureza remuneratória as verbas recebidas quando o empregado efetivamente labora e indenizatória apenas as decorrentes de períodos não trabalhados. Explica-se.

Assim, seria remuneratória a verba decorrente de pagamento de horas extraordinárias trabalhadas e indenizatórias quando decorrentes de demissão sem justa causa com posterior recolocação do empregado em seu cargo. Nesse último caso, o período em que ficou indevidamente afastado de seu labor será indenizado, por ser considerada ilícita a demissão.

O equívoco em que tal entendimento incorre é de que as horas efetivamente trabalhadas possuem, sempre, natureza salarial por se tratar de retribuição aos serviços prestados e, consequentemente, sobre as mesmas deva incidir o Imposto sobre a Renda por refletirem acréscimo patrimonial.

Note-se que o Superior Tribunal de Justiça editou Súmulas que contrariam essa assertiva:

Súmula n. 125: "O pagamento de férias não gozadas por necessidade de serviço não está sujeito à incidência do Imposto de Renda".

Súmula n. 136: "O pagamento de licença-prêmio não gozada por necessidade de serviço não está sujeito ao imposto de renda".

Extrai-se das Súmulas retro que, quando não gozadas, as férias e a licença-prêmio pagas possuem natureza indenizatória e sobre tais valores não incide Imposto sobre a Renda. Noutras palavras, o numerário percebido indeniza o direito de férias e de licença-prêmio da pessoa que não gozou de tais direitos.

Ora, quem não gozou férias, trabalhou. Quem não gozou a licença-prêmio, trabalhou. Não incide, nessa medida, o Imposto sobre a Renda sobre períodos trabalhados. E tal trabalho extraordinário não se encontra dentre uma das cinco hipóteses permissivas alhures mencionadas. Em decorrência disso, as verbas recebidas são verbas indenizatórias, não se cogitando de tributação pelo gravame em análise.

Nesta análise proposta, não se cogita de outra coisa a não ser o trabalho efetuado além da jornada permitida fora das hipóteses admitidas pelo ordenamento jurídico brasileiro como lícitas, exigindo, o empregador, que o trabalhador exceda os limites laborais, violando-lhe o direito ao lazer, ao descanso.

Nesse caso, outra coisa não faz o empregado a não ser trabalhar em horários não exigidos pelo ordenamento jurídico, assim como nos casos aventados pelas Súmulas transcritas.

Portanto, assim como nas situações que ensejaram a edição das Súmulas acima, as horas extraordinárias trabalhadas, tanto quanto as férias trabalhadas e o período de licença-prêmio trabalhado, quando questionados judicialmente e tendo o reclamante ganho de causa, ensejam o pagamento de VERBAS INDENIZATÓRIAS e conforme a argumentação exposta, os precedentes jurisprudenciais e entendimentos doutrinários colacionados não há que se tributar tais valores como se renda ou proventos de qualquer natureza fossem, pois nitidamente não são.

A esse respeito, em mais um precedente do Superior Tribunal de Justiça, através do Ministro José Delgado, verificou-se a razão que assiste a esse pensamento:

"Ocorre que a referida indenização não é renda nem pode ser tida como proventos, pois não representa nenhum acréscimo patrimonial.

Esse entendimento acima explicitado está fortalecido com suporte nas Súmulas nºs 125 e 136, editadas por esta distinta Casa Julgadora, as quais enterram a pretensão da recorrida, "litteratim":

SÚMULA Nº 125: "O pagamento de férias não gozadas por necessidade do serviço não está sujeito à incidência do Imposto de Renda."

SÚMULA Nº 136: "O pagamento de licença-prêmio não gozada por necessidade do serviço não está sujeito ao imposto de renda."

Assim, pacificado o assunto no seio jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, não havendo mais dissídio a respeito da matéria, cabe-se permitir o provimento do recurso.

Por tais razões, DOU provimento ao recurso (art. 557, § 1º, do CPC).

Inversão dos ônus sucumbenciais, os quais devem ser arcados, na íntegra, pela Fazenda Nacional."

(...)

Restou devidamente consignado que:

- o imposto sobre a renda tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica da renda (produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos) e de proventos de qualquer natureza (art. 43 do CTN);

- a indenização especial, as férias, o abono pecuniário não gozados, assim como a indenização de horas trabalhadas (IHT), não configuram acréscimo patrimonial de qualquer natureza ou renda e, portanto, não são fatos imponíveis à hipótese de incidência do imposto de renda, tipificada pelo art. 43 do CTN. A referida indenização não é renda nem proventos;

- aplicam-se, em conseqüência, as Súmulas nºs 125 e 136/STJ.

Este é o entendimento pacífico desta Corte, conforme, dentre tantas, as ementas a seguir: (...)" (grifado). [11]

Concluir pela não incidência do Imposto de Renda sobre férias não gozadas e licença-prêmio não gozada e não adotar o mesmo posicionamento quanto ao direito ao lazer (repouso) não gozado caracteriza, além de tributação inconstitucional, ofensa ao princípio da isonomia, tanto da isonomia jurídica (CF, art. 5º, caput), quanto da isonomia tributária (CF, art. 150, II), pois estar-se-ia desigualando pessoas em situações análogas e tributando, por conseguinte, de forma diversa quem se encontra em situação equivalente.

A esse respeito, assevera Hugo de Brito Machado:

"O princípio da igualdade é a projeção, na área tributária, do princípio geral da isonomia jurídica, ou princípio pelo qual todos são iguais perante a lei. Apresenta-se aqui como garantia de tratamento uniforme, pela entidade tributante, de quantos se encontrem em condições iguais". [12]

No mesmo sentido, preleciona Eduardo Sabbag:

"(...) a adoção de um dado fator de discriminação, sem qualquer correspondência com a lógica racional de diferenciação, colocará em xeque a almejada ideia de igualdade".

(...)

"Se o postulado da isonomia tributária preconiza que é defeso instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação de equipolência, mostra-se, nessa dimensão negativa, como cláusula de defesa do cidadão contra o arbítrio do Estado, aproximando-se da ideia da isonomia na lei (ou através da lei)’.

O princípio da igualdade tributária é também conhecido por ‘princípio da proibição dos privilégios odiosos’, na medida em que visa coibir a odiosidade tributária, manifestável em comandos normativos discriminatórios, veiculadores de favoritismos por meio da tributação". [13]

E ainda que se cogitasse, nesse contexto enfocado, a natureza remuneratória das horas extras trabalhadas, assim se caracterizaria apenas quando o pagamento das mesmas fosse efetuado concomitantemente aos períodos em que ocorressem.

Noutras palavras, no mês em que se trabalhou extraordinariamente deveria ser paga a jornada excessiva, pois se necessário for ajuizar uma demanda trabalhista para recebê-las, patente estará a violação ao direito do trabalhador de receber essa quantia, haja vista o mesmo ter sido obrigado a se valer do Judiciário para que seu direito seja observado.

Se assim ocorrer, o empregador, não pagando as horas extraordinárias no momento oportuno, estará violando o direito do trabalhador de recebê-las e, também nessa hipótese, a condenação judicial estará determinando a indenização desse último, tornando em indenizatória a natureza das horas extras que inicialmente eram tidas como remuneratórias, não incidindo, portanto, o Imposto de Renda sobre essa quantia.

Urge mencionar que se trata de hipótese de não incidência e não de isenção, como atecnicamente versado em alguns textos e julgados. A diferença entre imunidade, isenção e não incidência é gritante, não sendo pertinente a confusão entre tais institutos.

Finalizando, apenas para aguçar o raciocínio e fomentar os debates, coloca-se frente a frente as ideias exprimidas no precedente inicialmente mencionado, ou seja, o Recurso Especial n. 695.499 / RJ, que parece ter sido o precursor do posicionamento que hoje vem defendendo alguns Ministros do STJ, e no novel entendimento da mesma Corte no que tange às indenizações por dano material e moral, as quais encontram-se em desarmonia com a tributação pelo IR.

O Recurso Especial em alusão possui a seguinte ementa:

"TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. PAGAMENTO, FEITO PELO EMPREGADOR A SEU EMPREGADO, DE INDENIZAÇÃO POR HORAS EXTRAORDINÁRIAS. NATUREZA. REGIME TRIBUTÁRIO DAS INDENIZAÇÕES. DISTINÇÃO ENTRE INDENIZAÇÃO POR DANOS AO PATRIMÔNIO MATERIAL E AO PATRIMÔNIO IMATERIAL. PRECEDENTES (RESP 674.392-SC E RESP 637.623-PR).

1. O imposto sobre renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador, nos termos do art. 43 e seus parágrafos do CTN, os ‘acréscimos patrimoniais’, assim entendidos os acréscimos ao patrimônio material do contribuinte".

2. Indenização é a prestação destinada a reparar ou recompensar o dano causado a um bem jurídico. Os bens jurídicos lesados podem ser (a) de natureza patrimonial (= integrantes do patrimônio material) ou (b) de natureza não-patrimonial (= integrantes do patrimônio imaterial ou moral), e, em qualquer das hipóteses, quando não recompostos in natura, obrigam o causador do dano a uma prestação substitutiva em dinheiro.

3. O pagamento de indenização pode ou não acarretar acréscimo patrimonial, dependendo da natureza do bem jurídico a que se refere. Quando se indeniza dano efetivamente verificado no patrimônio material (= dano emergente), o pagamento em dinheiro simplesmente reconstitui a perda patrimonial ocorrida em virtude da lesão, e, portanto, não acarreta qualquer aumento no patrimônio. Todavia, ocorre acréscimo patrimonial quando a indenização (a) ultrapassar o valor do dano material verificado (= dano emergente), ou (b) se destinar a compensar o ganho que deixou de ser auferido (= lucro cessante), ou (c) se referir a dano causado a bem do patrimônio imaterial (= dano que não importou redução do patrimônio material).

4. A indenização que acarreta acréscimo patrimonial configura fato gerador do imposto de renda e, como tal, ficará sujeita a tributação, a não ser que o crédito tributário esteja excluído por isenção legal, como é o caso das hipóteses dos incisos XVI, XVII, XIX, XX e XXIII do art. 39 do Regulamento do Imposto de Renda e Proventos de Qualquer Natureza, aprovado pelo Decreto 3.000, de 31.03.99.

5. No caso dos autos, o pagamento refere-se a direitos trabalhistas de natureza remuneratória (horas-extras). Ainda que decorra de transação entre as partes (acordo coletivo) e seja a menor ou estimativo, tal pagamento mantém sua natureza jurídica, não podendo ser considerado indenização. E, mesmo que de indenização se tratasse, estaria ainda assim sujeito à tributação do imposto de renda, já que (a) importou acréscimo patrimonial e (b) não está arrolado entre as hipóteses de isenção previstas em lei (art. 39 do RIR, aprovado pelo Decreto 3.000/99)". [14]

Passa-se, então, a debater, sucintamente, os trechos dessa ementa, demonstrando, mais uma vez, as razões do entendimento aqui defendido.

Quanto aos itens 1 e 2, nada a discordar.

Já no que diz respeito ao item 3, começa a haver divergência de entendimentos, haja vista a própria contradição contida no precedente.

Se no item 2, ao definir indenização como reparação ou compensação a dano sofrido, sendo uma prestação substitutiva em dinheiro, o que leva à ideia de restabelecimento de um patamar prévio, ou seja, restituição do status quo ante do lesado, como pode afirmar, no item 3, que a indenização por dano moral traz acréscimo patrimonial tributável pelo IR?

Se se está restabelecendo algo, não se está acrescendo nada!

E na sequência continua, no item 4, que "A indenização que acarreta acréscimo patrimonial configura fato gerador do imposto de renda".

Ora, indenização, para fins tributários, e acréscimo patrimonial, o qual desencadearia a tributação em comento, são conceitos que nessa seara se excluem, afastando a incidência do Imposto de Renda.

Esse é o novel entendimento do Superior Tribunal de Justiça, por meio do precedente a seguir exposto:

"TRIBUTÁRIO - IMPOSTO DE RENDA - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS - NATUREZA DA VERBA - ACRÉSCIMO PATRIMONIAL – NÃO INCIDÊNCIA - PRINCÍPIO DA REPARAÇÃO INTEGRAL - PRECEDENTES DO STJ.

1. A indenização por danos materiais e morais não é fato gerador do imposto de renda, pois limita-se a recompor o patrimônio material e imaterial da vítima, atingido pelo ato ilícito praticado.

2. A negativa de incidência do imposto de renda não se faz por força de isenção, mas em decorrência da ausência de riqueza nova – oriunda dos frutos do capital, do trabalho ou da combinação de ambos – capaz de caracterizar acréscimo patrimonial.

3. A indenização por danos morais e materiais não aumenta o patrimônio do lesado, apenas o repõe, pela via da substituição monetária, ao status quo ante". [15]

Também não se cogita de isenção legal, como ventilado no julgado, mas antes de não incidência de IR sobre verbas decorrentes de horas extras trabalhadas por não estar contida, a indenização, no conceito constitucional de renda e de proventos de qualquer natureza.

E encerra, de forma equivocada, aduzindo que "mesmo que de indenização se tratasse, estaria ainda assim sujeito à tributação do imposto de renda, já que (a) importou acréscimo patrimonial e (b) não está arrolado entre as hipóteses de isenção previstas em lei (art. 39 do RIR, aprovado pelo Decreto 3.000/99)".

Primeiramente, se fosse indenização, conforme exaustivamente demonstrado, não seria passível de tributação pelo IR justamente por não importar acréscimo patrimonial.

Segundo, porque uma vez reconhecida a natureza indenizatória e a consequente não incidência do IR, não há que se falar em isenção e muito menos contestar o conceito constitucional de renda e proventos de qualquer natureza com fincas na imprevisibilidade de isenção da tributação pelo IR por um simples Decreto, o qual, nem para os mais desvairados, tem o condão de sobrepor-se aos ditames constitucionais.

Se o Superior Tribunal de Justiça quis rever seu posicionamento, segundo o qual não incidia Imposto de Renda sobre verbas decorrentes de horas extraordinárias laboradas em decorrência de sua natureza indenizatória, deveria tê-lo feito para se adequar ao seu próprio posicionamento novo acerca da intributabilidade pelo citado gravame sobre danos patrimoniais e morais e não se valendo do julgado analisado, o qual apresenta contradições e discrepâncias.

Em conclusão, tem-se, para a situação fática analisada, há nítida natureza indenizatória das verbas recebidas a título de horas extraordinárias trabalhadas e, portanto, sobre as mesmas não pode incidir o Imposto sobre a Renda e proventos de qualquer natureza, sob pena de afronta letal à Constituição Federal e aos preceitos próprios e fundamentais do Direito Tributário.


REFERÊNCIAS BILBIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 05 de outubro de 1988. Artigos 5º, caput; 6º, caput; 7º, XIII e XIV; 150, II; e 153, III.

CARRAZZA, Roque Antônio. Imposto sobre a Renda. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

Código Civil. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Artigo 927.

Código Tributário Nacional. Lei n. 5.172, de 25de outubro de 1966. Artigos 43, I e II; e 165, I.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 7º vol. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

MACHADO, Hugo de Brito. O conceito jurídico de renda. Repertório IOB de Jurisprudência 15/217, 1998.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 33. ed. São Paulo: LTr, 2007.

SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2009.

Superior Tribunal de Justiça. AgRg no AgRg no REsp 974.879 / DF. Voto do Min. José Delgado.

Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Recurso Especial n. 670.716 - RN (2004/0104304-3). Rel. Min. José Delgado.

Superior Tribunal de Justiça. Primeira Turma. REsp n. 695.499 / RJ. Rel. Min. Francisco Flacão. Rel. p/ acórdão Min. Teori Albino Zavascki. j. 19/09/2006. DJ 23/11/2006, p. 218.

Superior Tribunal de Justiça. REsp n. 584.182 / RN. 1ª Turma. Rel. p/ acórdão Min. José Delgado.

Superior Tribunal de Justiça. REsp n. 1.068.456 / PE. 2º Turma. Rel. Min. Eliana Calmon. j. 18/06/2009. DJe 01/07/2009.

Superior Tribunal de Justiça. Súmulas n. 125 e 136.


Notas

  1. CARRAZZA, Roque Antônio. Imposto sobre a Renda. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 38.
  2. MACHADO, Hugo de Brito. O conceito jurídico de renda. Repertório IOB de Jurisprudência 15/217, 1998.
  3. CARRAZZA, op. cit., pp. 182-183.
  4. CARRAZZA, op. cit., p. 183.
  5. CARRAZZA, op.cit., p. 187.
  6. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 7º vol. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. pp. 93-94.
  7. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 907.
  8. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 33. ed. São Paulo: LTr, 2007. p. 290; 309.
  9. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no AgRg no REsp 974.879 / DF. Voto do Min. José Delgado.
  10. Superior Tribunal de Justiça. REsp n. 584.182 / RN. 1ª Turma. Rel. p/ acórdão Min. José Delgado.
  11. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Recurso Especial n. 670.716 - RN (2004/0104304-3). Rel. Min. José Delgado.
  12. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. pp. 38-39.
  13. SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2009. pp. 91; 94.
  14. Superior Tribunal de Justiça. Primeira Turma. Recurso Especial n. 695.499 / RJ. Rel. Min. Francisco Flacão. Rel. p/ acórdão Min. Teori Albino Zavascki. j. 19/09/2006. DJ 23/11/2006, p. 218.
  15. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1068456 / PE. 2º Turma. Rel. Min. Eliana Calmon. j. 18/06/2009. DJe 01/07/2009.
Sobre o autor
Ricardo Duarte Cavazzani

Advogado, pós-graduando em direito tributário

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAVAZZANI, Ricardo Duarte. A intributabilidade das horas extraordinárias trabalhadas pelo imposto sobre a renda. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2348, 5 dez. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13964. Acesso em: 5 nov. 2024.

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