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A Criminologia como ciência do controle sociopenal

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Agenda 06/12/2009 às 00:00

Resumo: O presente artigo trata dos postulados da criminologia e de sua contribuição no campo jurídico penal, visando uma difusão desta área de conhecimento na atuação dos juristas. Através da pesquisa bibliográfica, buscou-se o conceito e os fundamentos desta área de conhecimento, bem como os seus estudos evolutivos realizados e as perspectivas adotadas. A perspectiva abordada é a que perquire uma reflexão crítica da atuação estatal penal, conduzindo-se à uma análise da dogmática penal sob a ótica da criminologia crítica, e à análise de alguns primados constantes na Carta Magna, desvalorados pelo poder político. Incorpora-se à temática o cotejo entre o direito penal, a política criminal e a criminologia, passando a demonstrar, por fim, a contribuição da criminologia para a reflexão sobre o direito penal e processual penal.

Palavras-chave: Criminologia; mudança de paradigma; atuação estatal penal; Criminologia Crítica; Positivismo Jurídico; Política Criminal; controle sociopenal.


Introdução

O presente artigo procura transparecer o modo como os estudos criminológicos podem adentrar na área jurídica, especialmente no campo penal, ressaltando que não se trata de se desfazer do formalismo das construções jurídicas, mas de enriquecê-las, comprometendo-as com a realidade vigente.

O artigo se inicia com uma breve explanação do objeto, dos fundamentos, do enquadramento científico e da metodologia da criminologia. Passa a discorrer a sua trajetória, desde a sua cogitação até a aquisição da nomenclatura de ciência pelos estudos de Lombroso. Este panorama se conduz à uma mudança de paradigma, em que a perquirição sobre a criminalidade tomou um rumo transversal para adentrar na gênesis do sistema jurídico-penal. Através da criminologia crítica, apresenta-se a problemática a respeito da atuação estatal penal sobre o criminoso: a ascensão da dogmática penal pelo positivismo jurídico e, com isso, as desproporcionalidades verificadas entre a realidade fática e a atuação do direito penal e os primados que a regem. Por fim, procura-se demonstrar a contribuição que os diversos estudos criminológicos podem proporcionar visando uma atuação jurídica mais ampla e dinâmica, condizente com o princípio constitucional basilar da dignidade da pessoa humana.


1.A Criminologia: apresentação da ciência

O Direito Penal tutela os bens jurídicos fundamentais elencando determinadas condutas como desvaloradas em um conjunto de normas e estabelecendo sanções. Todavia, o estudo de tais condutas em meio a biografia do sujeito e as interferências na vida social não compõe o seu objeto de estudo. Para tais questões, erguem-se as chamadas "ciências de conduta" (PIERANGELI; ZAFARONI, 1999:137). A partir da inter-relação dessas ciências é que surgiu uma área de conhecimento distinta do Direito Penal, que trata tanto do sujeito na sociedade como da questão criminal: a Criminologia.

Esta se ocupa do estudo do delito, do delinqüente, da vítima e do controle social formal e informal. Embora esta área de conhecimento tenha adquirido o status de ciência somente no final do século XIX, desde o seu marco, houve um significativo desenvolvimento de teorias e modelos tratando da perquirição das causas da criminalidade focadas na pessoa do delinqüente até os reflexos da atuação estatal sobre ele (ARAÚJO, 2007:8).

1.1Conceito e a questão da cientificidade

Do termo "criminologia", etimologicamente constata-se como o estudo do crime (FERNANDES, 1995:24). Porém, com a crescente ampliação do objeto desta área de conhecimento, abordam-se outros aspectos que rodeiam o crime, como por exemplo, o estudo da vítima e do controle social. Frise-se que o estudo do crime está presente em outros ramos do saber, fato que amplia o rol de perspectivas que a criminologia possa tomar, tornando-a operante além do conceito normativo de crime, devendo ainda conhecer os processos sociais antecedentes desse conceito, bem como os posteriores à intervenção estatal diante da ocorrência de crimes.

Lira enquadra a criminologia na categoria de ciências sociais ou humanas (LIRA, 1964:39). Pierangeli e Zaffaroni se posicionam de forma a enfatizar a importância prática dos conhecimentos da criminologia para o direito penal e para a política penal de modo a atuar racionalmente no aspecto do controle social, independentemente dela se tratar de uma ciência ou uma hipótese de trabalho (PIERANGELI; ZAFARONI, 1999:158). Já Elbert sustenta a postura de que a criminologia seja uma disciplina científica, uma vez que esta possui seus métodos de pesquisa, utiliza-se de métodos trazidos de outras ciências, desenvolvendo uma técnica e objeto de pesquisa únicos (ELBERT, 2000:64). Figueiredo Dias explicita as idéias de interdisciplinariedade e integração metodológica e a possibilidade destas de atingir um estágio de investigação criminológica com novas perspectivas (DIAS, 1997:117). Mas é Molina quem defende a positivação científica deste ramo de pesquisa. Assim, tomando as considerações dos autores acima aludidos quanto ao objeto, a metodologia e as peculiares características da criminologia, exponho o conceito proposto pelo último deles:

ciência empírica e interdisciplinar, que se ocupa do estudo do crime, da pessoa do infrator, da vítima e do controle social do comportamento delitivo, e que trata de subministrar uma informação válida, contrastada, sobre a gênese, dinâmica e variáveis principais do crime – contemplado este como problema individual e como problema social -, assim como sobre os programas de prevenção eficaz do mesmo e técnicas de intervenção positiva no homem delinqüente e nos diversos modelos ou sistemas de resposta do delito(MOLINA, 2002:39).

São atendidas pela definição sugerida a gênese e a etiologia do crime (teorias da criminalidade), bem como o exame dos processos de criminalização. Ou seja, diferentemente de outras definições convencionais, a definição proposta corresponde a uma imagem moderna da criminologia, em sintonia com os conhecimentos e tendências atuais do saber empírico, mas pretende respeitar, ao mesmo tempo, as origens desta disciplina e a experiência acumulada por ela depois de um século.

1.2.Método

MOLINA diz ser empírico o método da criminologia – método da análise, da observação e da indução dos fenômenos sociais -, pois seu objeto corresponde a uma "parte do mundo ‘real’, como fatos e fenômenos incontestáveis, mensuráveis e quantificáveis", que servem de informação para transformar em conhecimento. No que tange ao seu relacionamento com a ciência do Direito, enquanto a criminologia se pauta nas questões da realidade (do "ser") para explicá-la, o Direito (ciência do "dever ser") se utiliza de critérios axiológicos para ordená-la e orientá-la (MOLINA, 2002:44). Alguns dos métodos criminológicos e técnicas de investigação dispostas pelo mesmo autor são as estatísticas, as pesquisas sociais, os reconhecimentos médicos, a entrevista, o questionário, a observação, a experimentação e os métodos sociométricos (MOLINA, 2002:48).

Predomina ainda o seu caráter interdisciplinar. Newton e Valter Fernandes mencionam disciplinas como Psicologia Geral, Sociologia, Medicina, Ciências Sociais e Direito como fundamentais para a atuação de um criminólogo, para que os esforços de cada especialidade se unam em prol de uma criminologia uniforme (FERNANDES, 1995:602).


2. Perspectiva histórica da Criminologia e a mudança de paradigma

Apresentadas as reflexões sobre a identidade e autonomia científicas da criminologia, cumpre tratar agora sobre a sua evolução histórica. Assinala Figueiredo Dias que, para a conferência dessa categoria de ciência, faz-se pertinente a análise da fase precedente à ela, ou seja, a pré-científica (DIAS, 1997:4).

A escola clássica adotou as orientações iluministas dos reformadores e do Direito Penal clássico para se valer de ideais filosóficos e metafísicos, mantendo uma pressuposição do humanismo racionalista, ou seja, de que o ser humano era dotado de livre-arbítrio, de modo que se ele realizava um ato delitivo, não se levava em conta outros fatores que tenham influenciado em seu comportamento (MOLINA, 2002:176). Assim, restava indagar a respeito da lei (DIAS, 1997:7). O notável nome deste período é Cesare Beccaria; seus principais postulados consistem no estabelecimento das penas dos delitos unicamente através das leis e a utilidade da pena condizente com a natureza do contrato social e da prevenção (BECCARIA, 2002:27). Embora uma expectativa quanto às reformas penal e penitenciária tivesse sido despertada no Iluminismo, a criminalidade se diversificara ainda mais. Este panorama se conduziu para a inquirição da natureza e das causas do crime (DIAS, 1997:10), com o advento da escola empírica.

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2.1.O paradigma etiológico

Do contrário da escola clássica, aqui passou a existir a preocupação com a etiologia do crime, substituindo a especulação, a intuição e a dedução pela análise, observação e indução para identificar o criminoso, distinguindo o delinqüente do não delinqüente, e atentando-se para a prevenção da segurança na sociedade (MOLINA, 2002:177).

Dentre as principais investigações realizadas, está a chamada "Ciência penitenciária" de Jeremy Bentham (SOARES, 1986:71); o mapeamento do cérebro realizado pelos fisionomistas e frenologistas Lavater e Gall correlacionando à personalidade do delinqüente; a distinção entre o doente mental e o criminoso feita pelo psiquiatra Felipe Pinel (SENDEREY, 1978:22); no âmbito da antropologia, as questões como a evolução e a extinção das espécies relacionadas ao meio e o atavismo foram suscitadas por Charles Darwin (SOARES, 1986:73), e; Adolphe Quetelet que, considerando a criminalidade como fenômeno normal na sociedade, relacionou-a com fatores climáticos, regionais, pessoais, defendendo a estatística como meio assecuratório de prevenção dos delitos (LIRA, 1964:63).

No clima das investigações explicitadas é que se ergueu a escola positiva italiana e, juntamente, a criminologia científica, e como bem assinala ANDRADE, "segundo os pressupostos epistemológicos do positivismo" (1996:276). Nesse período, em meio a críticas às proposições da escola clássica, deu-se um tratamento diferenciado ao crime pela utilização do método causal-explicativo. Pautava-se na naturalidade do fenômeno delitivo - passível de determinação causal - e na centralização do homem delinqüente como indivíduo diferenciado na sociedade. Tal panorama atribuía ao Direito Penal apenas o reconhecimento e a positivação desse fenômeno, e a partir daí, as demais ciências se incumbiriam no combate em defesa da sociedade (ANDRADE, 1996:277).

A primeira proposição para as causas do crime foi dada por César Lombroso com a sua teoria do "delinqüente nato", onde se baseou no determinismo biológico para afirmar que o delinqüente possui estigmas que possibilitam denotar degenerações comportamentais, psíquicas e sociais, transmissíveis hereditariamente (MOLINA, 2002:191). Em seguida, Enrico Ferri atuou de uma forma diferenciada, pois adotou uma perspectiva sociológica sobre aqueles estudos. Suas teses abarcaram as questões da imputabilidade, tendo sido o pioneiro a classificar as causas dos delitos em: biológicas (herança, constituição), físicas (meio ambiente cosmotelúrico – clima, umidade, etc.) e sociais (ambiente social), afirmando que, com o prévio conhecimento das causas do crime, a pena não consistiria em castigo, mas em defesa social (SENDEREY, 1978:41). Ao verificar que Lombroso e Ferri foram omissos quanto a definição de delito, o jurista Rafael Garofalo se prontificou a defini-lo, baseando-se em estudos da pena, da política criminal e dos grupos sociais de diversos períodos: "o delito natural é a ofensa feita a parte do senso moral formado pelos sentimentos altruístas de piedade e de probidade" (GAROFALO, 1893:35). Quanto ao tratamento a ser dado ao delinqüente, argumentou que como os delitos legais foram regulamentados com benevolência, bastariam para adverti-lo e fazê-lo com que reparasse o dano causado (SENDEREY, 1978:48).

Segundo MOLINA, esse panorama criminológico se convergiu basicamente em três orientações: a biologia criminal, a psicologia criminal e a sociologia criminal. A primeira abarca uma variedade de hipóteses provenientes dos ramos da biologia para identificar no organismo os fatores diferenciais possíveis de definir as causas do comportamento delitivo, que é visto como uma patologia. A segunda se pautou na psicopatologia e na psicanálise para explicar o comportamento delitivo do ponto de vista anímico do homem (MOLINA, 2002:214). Nesse ínterim, os estudos se direcionam para a natureza social do fenômeno delitivo; trata-se da terceira orientação: a sociologia criminal. Consumado o fator patológico como causador do crime, o domínio sociológico parte do pressuposto de que o crime é decorrente da adaptação individual ou coletiva à estrutura social ou cultural (DIAS, 1997:31). Em razão das transformações sociais e o crescimento do crime nos Estados Unidos, a sociologia criminal americana demonstrou expressividade com sua pesquisa expansiva sobre as causas do crime, partindo da Escola de Chicago, de onde progressivamente surgiram outros estudos teóricos.

Dentre os modelos sociológicos, a conclusão pela existência de inúmeros fatores que levariam a causar a incidência da atitude criminosa foi dada pelas teorias multifatoriais, onde merecem destaque o casal Glueck e os estudiosos Mabel A. Elliot e Fracis E. Merril (MOLINA, 2002:338). As décadas de 20 e 30 coincidem com a época das imigrações e das industrializações, o que favoreciam os conflitos culturais e a formação de grandes metrópoles. Este quadro inspirou trabalhos empíricos voltados às mudanças sociais das grandes cidades, levando a formulação da teoria ecológica, que procurou tratar do problema dos guetos (DIAS, 1997:33). A teoria estrutural-funcionalista denota a relação funcional que o crime possui com a estrutura social; Robert Merton reelaborou a teoria de Durkheim denominando-a como teoria da anomia, afirmando como as possíveis reações ao descompasso entre os meios socioestruturais e as expectativas culturais, os comportamentos rebelde, liberalista, individualista e o criminoso (MOLINA, 2002:352). As teorias conflituais consideram a ordem social garantida através do conflito; o Direito corresponde aos valores da classe dominante; o Estado aplica as leis de acordo com o seu interesse e o crime retrata a reação à desigual distribuição de poder e riqueza (MOLINA, 2002:356). Há ainda a tese advinda dos pensamentos marxista e não marxista na década de 50, em meio a algumas atitudes repreendidas pela lei penal dos Estados Unidos e da Europa (MOLINA, 2002:361). As teorias subculturais fazem referência à cultura das classes - étnica, política, racial, cultural, etc. - menos favorecidas, partindo-se da existência de um sistema de classes, em que a subcultura resulta da existência de um mosaico de grupos, fragmentado e conflitivo, com diversos códigos de valores (DIAS, 1997:291).

Pela insatisfação explicativa das teorias estruturalistas, adentraram à sociologia criminal, na década de 60, as teorias do processo social, que abrangiam as interações psicossociais do indivíduo e os diversos processos da sociedade como as manifestações responsáveis do crime, com a afirmação de que qualquer indivíduo está suscetível à delinqüência, mesmo os de classe média e alta. São as principais orientações pertencentes à este pensamento as teorias da aprendizagem social, as teorias do controle social e a teoria do etiquetamento (labelling approach). Nas primeiras, afirma-se que o indivíduo, por meio da interação e comunicabilidade com diversos grupos e meios, pode aprender as condutas delinqüentes assim como se aprende as atividades lícitas. Os vínculos sociais que neutralizam o comportamento desviado são tratados nas segundas, de forma a demonstrar que a quebra desses vínculos é que produz o crime, porque fracassados os mecanismos de controle e o lógico submetimento à ordem social. A teoria do labelling approach - rotulação social ou etiquetagem - parte da análise do crime como subproduto do controle social (MOLINA, 2002:372). A partir daqui, ao não mais se perquirir sobre os fundamentos do paradigma etiológico-determinista da criminologia positivista nem sobre o indivíduo meramente em seu contexto social, passou-se a indagar as condições da criminalidade, ou seja, a criminalidade como conseqüência da intervenção do controle social formal (ARAÚJO, 2007:8).

2.2.O paradigma da reação social

Demonstrada a inconsistência epistemológica do paradigma etiológico, uma nova abordagem da ciência da criminologia adentra a década de 60, com a teoria do labelling approach (ARAÚJO, 2007:8). Influenciada pelas correntes sociológicas do interacionismo simbólico e da etnometodologia, e partindo-se dos termos "conduta desviada" e "reação social", é formulada a tese de que a conduta não possui intrinsecamente a qualidade do desvio ou da criminalidade, mas lhe é atribuída uma etiqueta em razão dos complexos processos de interação social. São processos estigmatizantes o da definição do crime pelo legislador e o da seleção do indivíduo como criminoso pela sociedade (ANDRADE, 1996:280). O processo da rotulagem pode tornar propícia a mudança de identidade do infrator, favorecendo o desenvolvimento da carreira criminosa(ARAÚJO, 2007:8), ou ainda, a falta de expectativa que o indivíduo se depara ao terminar de cumprir sua pena, pois continua "rotulado", desta vez como "ex-detento".

Certificando-se de que no labelling existe um deslocamento de interesse no sistema penal, Figueiredo Dias ostenta o dinamismo deste, de modo que as instâncias formais de controle não se considerem auto-suficientes ou auto-reguladoras. Consciente das mudanças sociais, o legislador criminal, a polícia, o ministério público e o tribunal devem se ater à uma articulação que permita um funcionamento íntegro do sistema (DIAS, 1997:373).


3. A atuação estatal penal sob a ótica da Criminologia Crítica

O importante passo dado na criminologia revelou a renúncia à perquirição das causas da criminalidade para se ater às condições da criminalização. É neste paradigma que a criminologia contemporânea vem se desenvolvendo, tratando fundamentalmente da análise dos sistemas penais vigentes (ANDRADE, 1996:283). A dimensão de poder que abarca os processos de definição e a reação social é desenvolvida pela criminologia crítica através de uma teoria crítica e sociológica do sistema penal (ANDRADE, 1997:214). ANDRADE afirma que a criminologia opera "como uma instância desempenhando uma função imediata e diretamente auxiliar, relativamente a ele e à política criminal oficial" (1996:285).

Segundo NINA, algumas das questões que a criminologia crítica tem enfrentado atualmente com relação a atuação estatal perante a criminalidade são:

- Un estado débil en general en su gestión de prevenir el crimen en la sociedad, salvo en sus formas de excepción, cuando ha sido fuerte con los disidentes.

- Una sociedad civil reguladora del orden social, la cual en muchas ocasiones ejerce más poder coercitivo y represivo que el propio estado, por ejemplo el caso de Colombia.

- La utilización de la cárcel como sanción principal de prevención del acto criminal, donde el encarecimiento de las condiciones cárcelarias contrarias a los derechos humos es significativa (NINA, 2000:205).

Dentre outras questões que Nina menciona está a impunidade dos atos violadores dos direitos humanos pelos oficiais do estado e a perda das garantias constitucionais. Ao meu ver, esta segunda questão evidencia a síntese da problemática abordada pela criminologia crítica, vez que estamos inseridos em um estado democrático de direito onde os direitos e garantias fundamentais não estão sendo amparadas pela Carta Magna em sua plenitude.

3.1.O Positivismo Jurídico e a dogmática penal

A criminologia positivista partia do pressuposto de que a sociedade consistia em um bem a ser preservado, ao passo que o desvio criminal consistia no mal a ser eliminado. Nesse contexto se ergueu uma política criminal, que acreditaram ser legitimadora para a tutela da maioria, constituindo em um controle social repressivo, mas necessário (ZACKSESKI, 2007:6). Assim como a sanção imposta, a norma penal que tipificou as condutas consideradas "desviantes" veio a se tornar em uma exteriorização da ordem jurídica, positivada pelo Estado, "determinante (...) como um valor básico a ser preservado universalmente, como um ‘dever ser’ a-histórico e absoluto" (ALVES, 2002:9). Neste aspecto é que surgiu, no início do século XIX, o positivismo jurídico com o intuito de tornar o estudo do direito próximo da cientificidade das ciências exatas (BOBBIO, 1999:139), possuindo em sua gênese elementos característicos como as definições axiológicas de acordo com a realidade fatual, a validade e a eficácia das normas - segundo o comando coativo do Estado - e o formalismo. Alves reconhece, a partir desse formalismo jurídico, a viabilidade do cálculo, da previsão e da manipulação dos meios voltados ao controle e à instrumentalização do social, porém denuncia uma ciência dogmática muito adstrita às próprias normas positivadas, levando a obstar a intermediação entre o Estado e a sociedade civil (ALVES, 2002:2). O fato de uma ciência se basear sobre a norma positivada relegando-se aos âmbitos axiológico e fático se conduz ao conceito de dogmática de WARAT: "uma atividade que não só acredita produzir um conhecimento neutralizado ideologicamente mas também desvinculado de toda preocupação seja de ordem sociológica, antropológica, econômica ou política" (WARAT, 1995:41). O direito penal, como ramo do sistema jurídico, não poderia ser diferente da metodologia jurídica - o método dogmático foi difundido por Von Jhering (PIERANGELI; ZAFARONI, 1999:144). Contudo, nota-se uma exacerbação dessa dogmática no âmbito penal moderno.

Os tipos penais instituídos visavam uma garantia aos cidadãos face a opressão na atuação estatal; hoje, com a incessante busca de precisão e certeza dos conceitos, o aumento dos tipos penais proporcionou uma atuação estatal mais incisiva, suscitando questões de insegurança jurídica (COPETTI, 2000:23).

Foucault, discorrendo acerca dos sistemas disciplinares – em escolas, exércitos, etc. -, faz um cotejo com os mecanismos penais, afirmando que as punições dos primeiros têm duas naturezas: uma exteriorizada por lei ou regulamento, e outra passível de observação – do aprendizado, da duração de determinada tarefa ou do nível de aptidão. Não se visa o mero castigo, mas operacionaliza o relacionamento dos atos, os desempenhos do indivíduo no conjunto, diferenciando-os em termos quantitativos de modo a estimar o nível das capacidades. Trata-se da "sanção normalizadora" que, segundo o pensador e epistemológico francês, contrapõe-se à penalidade judiciária, que consiste na "penalidade da norma", pois esta não referencia o acompanhamento e a observação desde a aplicação da punição, mas o faz em relação ao "corpo de leis e de textos que é preciso memorizar". Além disso, a penalidade judiciária contraria os pressupostos da "sanção normalizadora" de Foucault por

não diferenciar indivíduos, mas especificar atos num certo número de categorias gerais; não hierarquizar mas fazer funcionar pura e simplesmente a oposição binária do permitido e do proibido; não homogeneizar, mas realizar a partilha, adquirida por uma vez por todas, da condenação (FOUCAULT, 2002:153).

A intervenção criminológica não é somente acadêmica, mas tem o intuito de ver refletida a produção de suas teorias na política, seja nas vertentes abolicionistas, garantistas ou do direito penal mínimo (ZACKSESKI, 2007:6). Assim como Pavarini, seguindo a cultura da criminologia crítica, defende a segurança urbana através de estratégias de governo democráticas e não repressivas (apud ZACKSESKI, 2007:6), Núñez Paz entende ser necessária a transformação dos conhecimentos criminológicos em exigências político criminais, assinalando ainda a possibilidade das investigações criminológicas se contraporem às premissas das decisões dogmáticas, que mesmo sendo tais decisões valorativas, são passíveis de investigação da realidade pela criminologia (NÚÑEZ PAZ, 2006:22).

Os princípios que regem a Carta Magna e o direito penal são defendidos tanto pelos penalistas como pelos sociólogos a fim de primar pelo controle social. O ponto de divergência entre os dois pontos de vista se situa na perspectiva de cada área de estudo, no mais, se existente ou não o respeito à eles pelo direito penal. Como se tratam de princípios constitucionalmente garantidos e o direito penal é ramo que deve se ater à Constituição, cumpre analisar os seus respectivos primados.

3.2.Alguns aspectos em desarmonia com o Estado Democrático de Direito

No entender de Araújo, Aniyar de Castro e Copetti, visando-se a redução da criminalidade e o melhor funcionamento da justiça penal, os estudos criminológicos se mostram presentes, frisando a imprescindibilidade das exigências constitucionais, de uma atuação conjunta entre o governo e a sociedade com uma política profundamente democrática, e do respeito ao princípio basilar da Lei Maior, a dignidade da pessoa humana (ARAÚJO, 2007:8; ANIYAR DE CASTRO, 2000:268; COPETTI, 2001:95). A abordagem da criminologia crítica desperta muitos aspectos da atuação do controle social formal incompatíveis com os primados do modelo estatal vigente. Passo a tratar de alguns exemplos que ferem os princípios que norteiam a ciência do direito penal e a Constituição Federal.

Segundo o artigo 36 da nova Lei de Tóxicos (Lei n. 11.343/2006), a pena cominada aos financiadores de qualquer dos crimes mencionados nos artigos 33 e 34 é pior até mesmo que o crime de homicídio, previsto no artigo 121 do Código Penal. A pena mínima aumentada para um patamar muito alto, como nesse caso, acaba atentando contra o princípio da proporcionalidade, já que a pena mínima poder ser igual ou maior que a pena mínima do homicídio simples. O caput e o § 1º do mesmo artigo (art. 33) retratam o chamado direito penal do autor, onde não se aplica o direito penal do fato, que exige a exteriorização de um fato ofensivo grave a bens jurídicos relevantes. Sobre esta temática, lecionam BATISTA; ZAFFARONI:

enquanto para alguns autores, o delito constitui uma infração ou lesão jurídica, para outros ele constitui o signo ou sintoma de uma inferioridade moral, biológica ou psicológica. Para uns, seu desvalor – embora haja discordância no que tange ao objeto – esgota-se no próprio ato (lesão); para outros, o ato é apenas uma lente que permite ver alguma coisa daquilo onde verdadeiramente estaria o desvalor e que se encontra em uma característica do autor. Estendendo ao extremo esta segunda opção, chega-se à conclusão de que a essência do delito reside numa característica do autor, que explica a pena. O conjunto de teorias que este critério compartilha configura o chamado direito penal do autor (BATISTA; ZAFARONI, 2003:131).

O Supremo Tribunal Federal, através do voto do ministro Cezar Peluso, já se pronunciou contrário a respeito do direito penal do autor frisando a não coerência com o Estado Democrático de Direito e com os princípios da dignidade da pessoa humana e da presunção de inocência. Parece-me que o posicionamento guiado por esse direito penal do autor se aproxima da concepção da criminologia positivista, penalizando o indivíduo conforme suas características biopsicossociológicas, o que realmente restaria incompatível com a atual ordem constitucional.

O novo tipo penal criado no artigo 39 afronta contra o princípio da inocência presumida e o direito ao silêncio, reconhecido no art. 5º, inciso LXIII, da Constituição Federal, já que se torna necessária a prova negativa para que se configure no tipo previsto. Há ainda um caso recente de uma jovem presa em flagrante por furto ficou detida em uma cela com cerca de vinte homens na delegacia de Abaetetuba, município de Belém, em meio a outras irregularidades no sistema penitenciário - como as torturas por carcereiros que também são casos correntes - afrontam contra o artigo 38 do Código Penal que pugna pela integridade física e moral do preso, e contra os direitos enunciados no artigo 41 da Lei de Execução Penal.

QUEIROZ afirma que o direito penal é o "braço armado da Constituição Nacional" – expressão de Luiz Carlos Perez (apud CARRASQUILA, 2002:59); tem sua natureza peculiar por ser a manifestação mais enérgica da ordem jurídica, o que torna lugar a sua intervenção somente nas hipóteses de singular afronta a bens jurídicos fundamentais, e para cuja repressão, as sanções do ordenamento jurídico são insuficientes(QUEIROZ, 2002:57). Esta é a justificativa do seu caráter subsidiário. Contudo, por ser uma das forças mais perceptíveis de contenção dos conflitos da sociedade, muitas vezes dá a impressão de ser a maneira única, imediata e a mais eficaz para o controle social. A ineficácia do direito penal se verifica a partir do momento em que as leis não tutelam adequada e suficientemente os direitos humanos, e também em razão da conduta daqueles que formam segmentos dentro do direito penal com ideologias próprias: a violência, a corrupção, a burocratização e a setorização (COPETTI, 2000:66). Copetti defende que o Direito, por se tratar de uma ferramenta disponível ao homem, deve estar atrelado à noção de homem, não deixando de estar nela compreendidas as noções de cidadania, de emancipação e liberdade (COPETTI, 2000:88).

Sobre a autora
Tania Naomi Yoshida

Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

YOSHIDA, Tania Naomi. A Criminologia como ciência do controle sociopenal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2349, 6 dez. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13970. Acesso em: 19 dez. 2024.

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