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Meio ambiente e cultura no Estado Democrático de Direito.

Algumas digressões e reflexões

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Agenda 15/12/2009 às 00:00

SUMÁRIO: 1. Meio Ambiente e Constituição 2. Cultura e Constituição 3. Cultura e a língua portuguesa – breves, porém relevantes comentários 4. Algumas digressões e reflexões em relação à transição de nossa justiça no Estado Democrático de Direito 5. Conclusão 6. Referência bibliográfica.


1.Meio Ambiente e Constituição

Consabido por todos que o meio ambiente adquiriu sua efetiva proteção, a partir do tecido constitucional de 1988 (ex vi do art. 225), Capítulo VI.

Falo aqui em "tecido" constitucional, pelo simples fato de que a Constituição deverá ser interpretada e concretizada com a conjugação sistêmica de variados preceitos, regras, regramentos (como queiram alguns), princípios (conjugar, de forma efetiva, aquele previsto no art. 170, VI), postulados normativos como defende o ilustre Prof. Humberto Ávila. [01] O tema é vasto, rendendo até mesmo livros a respeito do assunto, o que, também não se afigura o escopo central do presente trabalho.

A nossa Constituição é muito maltratada, nem mesmo os fundamentos (ex vi do art. 1º) e objetivos (ex vi do art. 3º) da República Federativa são respeitados em sua plenitude, apenas e tão-somente de maneira paliativa, bem como suas garantias (ex vi do art. 5º) e o piso vital mínimo (ex vi do art. 6º), todos inerentes a salvaguardar o meio ambiente; doa a quem doer.

Eis as perfeitas colocações do mestre Prof. Celso Antônio Bandeira de Mello: "(...) À vista deste panorama, ainda incipiente, mas desde logo preocupante, é difícil prenunciar, nestes umbrais do próximo milênio, o que seus albores reservam para a sobrevivência da democracia e, muito mais, portanto, para as possibilidades dos países subdesenvolvidos acederem às condições propiciatórias de uma democracia substancial. É que os subdesenvolvidos têm sido e são, naturalmente, meros piões no tabuleiro de xadrez da economia e, pois, da política internacional; logo, por definição, sacrificáveis para o cumprimento dos objetivos maiores que movem as peças. (...) Talvez se possa concluir, apenas, que as condições evolutivas para aceder aos valores substancialmente democráticos, como igualdade formal, segurança social, respeito à dignidade humana, valorização do trabalho (todos consagrados na bem concebida e mal-tratada Constituição Brasileira de 1988), ficarão cada vez mais distantes à medida em que os Governos dos países subdesenvolvidos e dos eufemicamente denominados em vias de desenvolvimento – em troca do prato de lentilhas constituído pelos aplausos dos países cêntricos – se entreguem incondicionalmente à sedução do canto da sereia proclamador das excelências de um desenfreado néo-liberalismo e pretensas imposições de uma idolatrada economia global. Embevecidos narcisisticamente com a própria ‘modernidade’, surdos ao clamor de uma população de miseráveis e desempregados, caso do Brasil de hoje, não têm ouvidos senão para este cântico monocórdio, monolítica e incontrastavelmente entoado pelos interessados". [02]

Com as brilhantes observações do mestre administrativista, pode-se chegar à conclusão que sempre defendemos, ou seja, sem a íntegra valorização do trabalho humano, sem salário digno, sem saúde digna, sem moradia digna e segura, resumindo sem a concreta operacionalização do texto constitucional; o meio ambiente irá, com toda certeza, sucumbir debaixo de nossos olhos, ou como dizia o poeta e cantor Caetano Veloso ("Debaixo dos caracóis dos seus cabelos", e, acrescento, debaixo dos nossos também!).

Em outra oportunidade, demonstramos tal indignação fazendo, inclusive, alusão ao poeta e cantor Renato Russo, em sua música "Que País É Este?".

Importante digressão é que, nos idos da ditadura militar, fervilhavam intensos movimentos culturais.

Chega de mentiras ou adoção de medidas paliativas, o mundo precisa de uma mudança com atitude radical (com utilização do bom senso e transparência), logicamente, sem engessar o desenvolvimento, como pretendem alguns ou vários.


2.Cultura e Constituição

A Cultura em nosso país é tratada em tópico especial, ou melhor, na Seção II, do Capítulo III, de nossa Constituição (ex vi dos arts. 215 e 216).

Entretanto, não vislumbramos, ainda, qualquer interesse real e concreto em prol de sua efetiva proteção.

Um país aculturado, com certeza, dominável ou já dominado! E naquela época, do regime militar, as informações eram decotadas, para atenderem apenas aos interesses dos dominantes, com o devido respeito.

Percucientes as observações do mestre Prof. Paulo Affonso Leme Machado: "A democracia nasce e vive na possibilidade de informar-se. O desinformado é um mutilado cívico. Haverá uma falha no sistema se uns cidadãos puderem dispor de mais informações que outros sobre um assunto que todos têm o mesmo interesse de conhecer, debater e deliberar." [03]

A Cultura implica em variadas perspectivas, as quais deverão ser de igual forma e qualidade preservadas pela Sociedade e Poder Público, s.m.j..

É claro que nosso país possui uma enorme diversidade cultural, o que, a toda evidência, deverá ser respeitada.

A própria Constituição traz em tópico apropriado, como dito anteriormente, a afirmação de sua proteção, bem como indica implicações para possíveis e concretas transgressões.

O meio ambiente (e nele, com toda lógica, a Cultura), segundo nosso entendimento, afigura-se direito fundamental à sobrevivência e convivência.

A informação transparente, idônea e desgarrada de interesses escusos consubstancia-se num dos principais alicerces de nossa Cultura.

E mais, as peculiaridades de nossa Cultura exigem respeito e proteção.

Afirma o mestre alemão Prof. Peter Häberle: "No âmbito constitucional, os feriados pertencem a uma tríade de ‘elementos de identidade cultural do Estado constitucional’. Ela consiste em feriados, hinos nacionais (sobre isso a recente monografia do autor de 2007) e bandeiras nacionais (a respeito também o livro: Nationalflaggen als bügerdemokratische Identitätselemente und internationale Erkennungsymbole, 2008).

Em alguns países, as bandeiras, os hinos, e os feriados nacionais são vivenciados ‘conjuntamente’ de forma intensiva num único dia. O Estado constitucional aberto necessita de elementos culturais de base. Cultura é o ‘húmus’ de toda sociedade aberta. Ela é que lhe confere ‘fundamento e motivos!’. Sem cultura, o homos politicus ficaria sem chão. O economicismo de nossos dias não fornece sustentação interna, mesmo que uma economia eficaz continue a ser tão importante. Por isso, é importante que uma teoria constitucional, entendida como ciência da cultura, se ocupe monograficamente desses temas citados e literalmente os ‘vincule’. (...) Tais dias da Constituição não podem ser, de forma alguma, teoricamente sobre-estimados: eles servem à possível identificação do cidadão com seu Estado constitucional nacional, à conscientização de seus valores e à sustentação interna da sociedade aberta. A ciência também deveria contribuir para o êxito de tais acontecimentos, como através de grandes preleções de estudiosos do Estado ou seminários conjuntos com estudantes". [04]

A partir do momento em que a Constituição afirma a valorização do trabalho humano e um de seus fundamentos, qual seja, a dignidade humana, todo cidadão tem direito a esse bem dotado, como dito alhures, de peculiaridades próprias, que, afinal de contas, convergem às diretrizes do Estado Democrático de Direito.

Em relação à efetiva proteção da Cultura e da língua portuguesa em suas diversidades, imperioso destacar primoroso trabalho elaborado pela insigne Profa. Inês Virgínia Prado Soares: "A cultura é o conjunto dos traços distintivos espirituais e materiais, intelectuais e afetivos que caracterizam uma sociedade ou um grupo social e que abrange também as artes e as letras, os modos de vida, as maneiras de viver juntos, os sistemas de valores, as tradições e as crenças. Dentre os traços integrante da cultura, a linguagem é um dos mais significativos, não somente para a presente e as futuras gerações como para a compreensão da humanidade em sua trajetória na terra.

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A linguagem, forma de expressão estreitamente ligada à liberdade e à essência da vida humana, pode ser tratada no plano jurídico como bem cultural viabilizador de direitos humanos e como vetor do patrimônio cultural imaterial. Nesse sentido, a utilização da língua é exercício dos direitos culturais lingüísticos, contrapartida dos direitos de liberdade de expressão e comunicação e materialização do bem cultural intangível (forma de expressão).

Em razão disso, a língua é elemento fundamental da diversidade cultural e, portanto, não se pode falar em direitos culturais lingüísticos e em direito fundamental ao patrimônio cultural lingüístico sem considerar o acolhimento, pelo ordenamento jurídico, do respeito à língua materna e do reconhecimento direito da comunidade de se expressar de acordo com os valores que afirmam sua identidade cultural". [05]


3.Cultura e a língua portuguesa – breves, porém relevantes comentários

A Cultura e a língua oficial de nosso país, ou seja, a portuguesa (ex vi do art. 13, caput, da CF/88), são bens tutelados pela Constituição.

Aproveitando o percuciente raciocínio da insigne Profa. Inês Virgínia Prado Soares, se se tratarmos a língua portuguesa como elemento fundamental da diversidade cultural, então, já adiantamos que esse mesmo elemento integra fundamentos e objetivos de nossa República, portanto, sua alteração como, aliás, aconteceu, via acordo para integração entre países, não seria viável nem por emenda constitucional, uma vez que agride, com o devido respeito às opiniões contrárias, a própria forma federativa do país, constante do rol das cláusulas pétreas de nossa Constituição (ex vi do art. 60, § 4º, I).

Essa é a nossa singela, porém necessária opinião.

Não somos avessos à diversidade cultural existente em nosso país, somente não concordamos, com o procedimento (rectius: trâmite), com que foram conduzidas e empreendidas as alterações ortográficas de nossa gramática.

Outro ponto merecedor de destaque é que a informação em nosso país, infelizmente, ainda, está longe de sua transparência, tanto é verdade, que, inúmeras pessoas com altos níveis de formação, ainda, vacilam em seus escritos, divulgando, o que, diríamos, "a má digestão de uma verdadeira manipulação".

Incertezas, ainda, permanecerão, o que, traz insegurança jurídica a todo país, levando-se em consideração a má técnica legislativa conduzida pelo legislador, em sua desregrada legiferância!

As regras ortográficas empreendidas escapam ao conteúdo deste singelo estudo.

Parece, ao que tudo indica, confundirem o desenvolvimento da língua portuguesa com a integração do país.

Isso implica diversidade cultural, social, econômica, histórica, meio ambiente, e, diga-se de passagem, todos os países que entabularam o acordo, transformando-o em texto legal, enfrentam sérias dificuldades em toda diversidade mencionada, s.m.j..

E as audiências públicas (verdadeiro momento de exercício da cidadania) abertas à comunidade científica jurídica e aos demais cientistas da área específica?

E isso, com certeza, atinge diretamente nossa Federação, nossa Soberania!

Não estamos aqui, querendo colidir opinião com exímios conhecedores de nossa língua oficial (v.g., o ilustre Prof. Dr. Evanildo Bechara), mas apenas fomentar salutar debate jurídico a respeito de temática importantíssima ao fortalecimento do Estado Democrático de Direito.


4.Algumas digressões e reflexões em relação à transição de nossa justiça no Estado Democrático de Direito

Cumpre colacionarmos bela passagem erigida pelo ilustre Prof. Celso Lafer, em dezembro de 1981, quando da elaboração do posfácio da grandiosa obra "A condição humana", de Hannah Arendt: "Em The Human Condition Hannah Arendt apresenta uma das mais brilhantes e originais análises da natureza, do mecanismo, da complexidade, do «pathos» e do significado da ação. Esta análise está a serviço da esperança de democracia, que é a sua mensagem maior, pois, neste livro, Hannah Arendt mostra como ação, palavra e liberdade não são coisas dadas, mas requerem, para surgirem, a construção e a manutenção do espaço público. A liberdade é um «a fortiori» da auto-revelação humana no seio de uma comunidade política no qual existe espaço público. A vocação da liberdade, que assegura o espaço público, exige, por isso mesmo, coragem para expôr o ser em público – coragem que nunca faltou a Hannah Arendt e sem a qual também não se constrói democracia. Esta é a sua lição: uma lição de criatividade intelectual e coragem política, das mais oportunas na presente conjuntura brasileira." [06]

Para algumas importantes digressões (nos idos das imposições autoritárias), lançamos mão da preciosa obra dos ilustres Profs. Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco: "Vista na perspectiva do tempo, a Constituição de 1937 não foi apenas um texto autoritário, como tantos outros que marcaram a nossa experiência constitucional. Foi, também, uma grande frustração institucional, como assinalou Waldemar Ferreira em palavras que, possivelmente, terão sido as mais adequadas para traduzir o que aconteceu com o estado de poder da ditadura Vargas, palavras que, por isso mesmo, merecem transcrição, ainda que extensa: ‘Desenhou-se complexamente o mecanismo do que se batizou – de Estado Novo. Não puderam os seus artífices, por isso mesmo, pô-lo em funcionamento. Não passou a carta de 1937 de engodo, destinado, pura e simplesmente, a disfarçar regime ditatorial em toda a amplitude do conceito. Destituída de sinceridade, aquela carta teve existência apenas no papel. Eis porque o seu organismo político nunca se armou. Tudo quanto nela se planejou foi mera fantasia. Não passou de cometimento demasiadamente longo para que se pudesse haver como simples tentativa; mas caracterizou-se como documento inapto, tardiamente desfeito, posto que inicialmente malogrado, para que se pudesse haver como Constituição, que assim indevidamente se qualificou. (...).

Não chegou a carta de 1937, em verdade, a adquirir foros constitucionais. Não os alcançou por faltar-lhe o alento que somente lhe poderia ter vindo de ter sido elaborada pelo povo brasileiro. Não resultou da observância e aprimoramento dos princípios constitucionais pelos quais ele sempre se orientou e se regeu. Não surgiu dele, exprimindo-lhe as aspirações e sentimentos nítida e tradicionalmente democráticos.

Pelo contrário, ela se desfechou sobre ou contra ele.

Não ganhou corpo porque, já se disse, e em reiterar nada se perde, ele não chegou a homologá-la com o seu voto, expresso em plebiscito procrastinado e nunca realizado: ela lhe foi imposta pelas forças armadas, ou com o seu assentimento silencioso de cúmplices’". [07]

Em continuação às nossas digressões (em relação à Constituição de 1946 – pós-Estado Novo), para após delinearmos algumas reflexões, importante, ainda, utilizarmos o escorreito posicionamento dos precitados constitucionalistas: "(...) Debruçando-se, igualmente, sobre o seu texto, outra não é a conclusão a que chegou Miguel Reale, para quem a Constituição de 1946, conquanto mereça louvores pelos seus acertos – e. g., a melhor distribuição das competências entre a União, os Estados e os Municípios, a fixação de diretrizes gerais de ordem econômica ou educacional, e o significativo avanço em delinear, além dos direitos políticos, também os direitos sociais -, nem por isso há de ser poupada de críticas quanto ao que ele chamou de quatro graves equívocos daquele documento político, a saber: a) o enfraquecimento do Executivo, deixado à mercê do Legislativo; b) o fortalecimento do Legislativo, mas num quadro normativo anacronicamente reduzido às figuras da lei constitucional e da lei ordinária; c) a criação de óbices à intervenção do Estado no domínio econômico, o que era incompatível co a sociedade industrial emergente; e, por fim, d) a adoção do pluralismo partidário, sem limitações nem cautelas, o que levou ao surgimento da ‘política estadual’ e à criação de ‘partidos nacionais’ de fachada, cujas siglas escondiam meras federações de clientelas ou de facções legais". [08]

E, ainda, citando pensamentos dos mestres Paulo Bonavides e Paes de Andrade: "(...) Julgando-a, favoravelmente, no entanto, Paulo Bonavides e Paes de Andrade destacam, desde logo, que a Constituição de 1946 recuperou com decisão o princípio federativo, que praticamente desaparecera sob a Carta de 1937, com a entrega do governo dos Estados a prepostos do poder central. No plano das liberdades, em geral, observam que aquela Carta declarou, solenemente, inviolável a liberdade de consciência e de crença, assim como livre o exercício de cultos religiosos, ressalvados os que fossem contrários à ordem pública e aos bons costumes. Mais, ainda, deixou assente que as liberdades e garantias individuais, de resto declaradas mais amplas do que as constantes, exemplificativamente, no corpo da Constituição, não poderiam ser cerceadas por qualquer expediente autoritário, razão por que a aprovação do estado de sítio fora reservada, com exclusividade, ao Congresso Nacional, composto, novamente, pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal. No que toca ao Legislativo e ao Judiciário, espezinhados sob a Carta de 1937, o texto democrático de 1946 buscou devolver-lhes a dignidade, pelo respeito às suas tradicionais prerrogativas e uma equilibrada partilha do poder político, apesar da opinião em contrário dos que entendem que esse modelo acabou desequilibrando a balança em favor do Legislativo e gerando, mais tarde, fricções que colaboraram para a erosão daquela lei fundamental. A criação de partidos políticos, em princípio, foi declarada livre, vedando-se, no entanto, a organização, o registro e o funcionamento de partidos ou associações cujo programa ou ação contrariasse o regime democrático, baseado na pluralidade dos partidos e na garantia dos direitos fundamentais do homem". [09]

Nestes breves rascunhos de nossa história, não titubeamos em fazer referência ao importante estudo do insigne Prof. Marcelo Neves: "(...) Estabelecido que a constitucionalização simbólica como alopoiese do sistema jurídico é um problema típico do Estado periférico, cabe, por fim, uma breve referência exemplificativa ao caso brasileiro. Em trabalho anterior já propus uma interpretação da experiência constitucional brasileira como círculo vicioso entre instrumentalismo e nominalismo constitucional. Não é este o local para uma nova abordagem interpretativa do desenvolvimento constitucional brasileiro. Aqui interessa considerar, em traços gerais, como apoio empírico da argumentação precedente, a função hipertroficamente simbólica das ‘Constituições nominalistas’ brasileiras de 1824, 1934, 1946 e 1988. Conforme já afirmei no item anterior de maneira genérica, não se nega, com isso, que as ‘Constituições instrumentalistas’ de 1937, e 1967/1969 tenham exercido funções simbólicas: a primeira, p. ex., através da declaração dos direitos sociais, que atingia apenas uma pequena parcela da população; os documentos constitucionais de 1967/1969, mediante as declarações de direitos individuais e sociais não respaldadas na realidade constitucional. Mas, em ambos os casos, desvinculava-se, a partir de dispositivos da própria ‘carta política’ ou de leis constitucionais de exceção, o chefe supremo do executivo de qualquer controle ou limitação jurídico-positiva. A legislação constitucional, casuisticamente modificada de acordo com a conjuntura de interesses dos ‘donos do poder’, tornava-se basicamente, então, simples instrumento jurídico dos grupos políticos dominantes, atuava como uma ‘arma’ na luta pelo poder. O que distinguia fundamentalmente o sistema de relação entre política e direito era, portanto, o ‘instrumentalismo constitucional’, de maneira alguma a constitucionalização simbólica". [10]

Antes de prosseguirmos, imperioso traçarmos algumas considerações de cunho explicativo. [11]

Com relação ao texto constitucional, "Constituição nominalista" (adotando construção do Prof. Marcelo Neves, com forte embasamento nas idéias de Loewenstein), seria uma carta com dispositivos contrários ao autoritarismo, entretanto, ainda, com tendências a fortes influências de determinados grupos resistentes a concretas mudanças. [12]

Mais uma vez, utilizamos o lúcido entendimento do ilustre Prof. Marcelo Neves: "(...) A constitucionalização simbólica de orientação social-democrática e restabelecida e fortificada com o texto constitucional de 1988. Com o esgotamento do longo período de ‘constitucionalismo instrumental’ autoritário iniciado em 1964, a identificação simbólica com os valores do constitucionalismo democrático deixou de ser relevante politicamente apenas para os críticos do antigo regime, passando a ser significativa também para os grupos que lhe deram sustentação. À crença pré-constituinte na restauração ou recuperação da legitimidade estava subjacente um certo grau de ‘idealismo constitucional’. O contexto social da Constituição a ser promulgada já apontava para limites intransponíveis à sua concretização generalizada. Nada impedia, porém, uma retórica constitucionalista por parte de todas as tendências políticas; ao contrário, parece que, quanto mais as relações reais de poder afastavam-se do modelo constitucional social-democrático, tanto mais radical era o discurso constitucionalista.

Suposto que, diante da exigência de diferenciação funcional e de inclusão na sociedade moderna, é função jurídica da Constituição institucionalizar os direitos fundamentais e o Estado de bem-estar (Cap. II.1.3.D.a), não caberiam restrições ao texto constitucional, no qual as declarações de direitos individuais, sociais e coletivos são das mais abrangentes. Também quanto à prestação, seja no que se refere ao estabelecimento de procedimentos constitucionais para a solução jurídica de conflitos (due process of law) ou à previsão de mecanismos específicos de regulação jurídica da atividade política (Cap. II.1.3.D.b e c), o texto constitucional é suficientemente abrangente". [13]

E, ainda: "(...) O problema surge no plano da concretização constitucional. A prática política e o contexto social favorecem uma concretização restrita e excludente dos dispositivos constitucionais. A questão não diz respeito apenas à ação da população e dos agentes estatais (eficácia), mas também à vivência dos institutos constitucionais básicos. Pode-se afirmar que para a massa dos ‘subintegrados’ trata-se principalmente da falta de identificação de sentido das determinações constitucionais. Entre os agentes estatais e os setores ‘sobreintegrados’, o problema é basicamente de institucionalização (‘consenso suposto’) dos respectivos valores normativos constitucionais. Nessas condições não se constrói nem se amplia a cidadania (art. 1º, inciso II) nos termos do princípio constitucional da igualdade (art. 5º, caput), antes se desenvolvem relações concretas de ‘subcidadania’ e ‘sobrecidadania’ em face do texto constitucional". [14]

E arremata com a acuidade que lhe é peculiar: "Os problemas de heterorreferência são inseparáveis das questões concernentes à auto-referência do sistema jurídico ao nível constitucional (cf. item 3 deste capítulo). O bloqueio permanente e generalizado do código ‘lícito/ilícito’ pelos códigos ‘ter/não-ter (economia) e ‘poder/não-poder’ (política) implica uma prática jurídico-política estatal caracterizada pela ilegalidade. Quanto à constitucionalidade, as dificuldades não se referem apenas à incompatibilidade de certos atos normativos dos órgãos superiores do Estado com dispositivos constitucionais, como, p. ex., no caso do uso abusivo das medidas provisórias pelo Chefe do Executivo; o problema não se restringe à ‘constitucionalidade do direito’, mas reside antes na ‘juridicidade da Constituição’, ou seja, na (escassa) normatividade jurídica do texto constitucional". [15]

Em introdução à relevante obra do mestre Prof. Friedrich Müller, destaca o ilustre Prof. Peter Naumann: "(...) Deve-se chamar a atenção ao fato de que estrutura da norma designa como conceito operacional o nexo entre as partes conceituais integrantes de uma norma (programa da norma – âmbito da norma) e não, e.g., as relações entre os pontos de referência da teoria tradicional do direito (como ser e dever ser, suporte fático e conseqüência jurídica norma e conjunto de fatos). Os elementos estruturais mencionados atuam conjuntamente no trabalho efetivo dos juristas de um modo ao qual se atribuía normatividade. Normatividade não significa aqui nenhuma força normativa do fático, tampouco a vigência de um texto jurídico ou de uma norma jurídica. Ela pressupõe a concepção – a ser explicitada mais tarde – da norma como um modelo ordenador materialmente caracterizado e estruturado. Normatividade designa a qualidade dinâmica de uma norma assim compreendida, tanto de ordenar à realidade que lhe subjaz – normatividade concreta – quanto de ser condicionada e estruturada por essa realidade – normatividade materialmente determinada. Com isso a pergunta pela relação entre direito e realidade já está dinamizada no enfoque teórico e a concretização prática é concebida como processo real de decisão". [16]

As precitadas digressões e reflexões retratam a inconteste justiça transitória em nosso Estado Democrático de Direito.

Importante destacar que a verdade e memória afiguram-se imprescindíveis ao resgate, e, ao mesmo tempo, à afirmação de direitos constitucionais que, em certo momento, foram indevidamente coarctados, na época do AI-5 (AI – Ato Institucional), tanto assim, que o próprio Supremo Tribunal Federal (STF) teceu relevantes comentários incisivos em relação à época do regime ditatorial. [17]

A memória e a verdade são necessárias à manutenção de toda uma reação efetiva para mudanças estruturais em nosso Estado de Direito.

Tais digressões importam em revolver fatos históricos embutidos na memória de todo cidadão brasileiro, que, presenciou, diante do AI-5, a suspensão de direitos constitucionalizados (v.g., habeas corpus) e prisões indevidas.

Agora, para tecermos importantes digressões e reflexões, convém trazer à baila reportagem de Tamis Parron: "A ditadura terminou há 20 anos e parece ser uma página virada da história brasileira. Parece, mas não é. O regime militar botou o país de pernas para o alto, tanto no bom quanto no mau sentido, e provocou mudanças de fôlego que ainda hoje fazem toda diferença no nosso dia-a-dia. Parou no congestionamento? Lembre que foram os militares que consolidaram o modelo de transporte baseado no carro, iniciado por Juscelino Kubitschek. Ligou a televisão e ficou orgulhoso da qualidade de técnica da produção brasileira? Atente para o impulso que os governos autoritários deram para o setor. Fica indignado cada vez que o presidente Lula assina uma Medida Provisória? Não esqueça que as MPs são o velho decreto-lei militar repaginado.

É difícil apontar uma área da vida brasileira que não tenha sofrido influência dos governos militares. Afinal, foram 21 anos de poder exercido com mão pesada. Em alguns setores, no entanto, as pegadas do período estão mais claras. Dívida externa, política de terras, distribuição de renda, indústria automobilística e produção de energia são bons exemplos disso.

Todo balanço da ditadura acaba sendo negativo – afinal, foram anos de repressão e violência, em que a vontade dos governados contou menos que a dos governantes. Mas o tempo já permite separar o joio do trigo, admitindo ações positivas em algumas frentes.

É tarefa delicada. No campo minado das paixões que o período desperta, defensores e críticos até hoje trocam farpas. Mas se os governos militares lançaram os fundamentos da pós-graduação brasileira, de outro lado estimularam a criação indiscriminada de cursos privados. Se geraram condições para o crescimento, deixaram de distribuir rendas". [18]

Isso implica afirmar que tanto o meio ambiente como a cultura foram diretamente conspurcados pelo regime militar.

Na realidade, precisamos refletir em como operacionalizar (rectius: concretizar) os diversos princípios e preceitos erigidos em nossa Constituição, sob pena de relegarmos a oblívio o Estado Democrático de Direito. [19]

Em sua primorosa obra, destaca o mestre Prof. Peter Häberle: "(...) Ao rememorarmos o recente reconhecimento feito pelo consagrado poeta alemão Günter Grass de uma vida em mentira em relação a sua atuação nas fileiras das tropas SS da Alemanha nazista por um lado (uma vez que ele foi visto durante vários anos como a ‘consciência da Nação alemã, tão maior foi a decepção de seus leitores e admiradores há dois anos – dentre os quais figura também o autor) e o trato dos Estados Unidos da América para com a cultura indígena outrora destruída por outro lado, teremos então o seguinte resultado: a verdade é um tema da humanidade e ao mesmo tempo um tema de toda e qualquer pessoa na totalidade de sua precária existência individual. Assim, a verdade permanece um tema para todas as ciências – sobretudo para uma ciência da cultura compreendida como uma teoria constitucional com ‘weltbürgerlicher Absicht’ (intuito cosmopolita), pela qual o autor luta desde 1982". [20]

Assim, em reflexão às bem laçadas palavras do mestre alemão, tanto a memória como a verdade permanecem latentes no âmago de cada cidadão brasileiro.

Sobre o autor
Bruno Campos Silva

advogado em São Paulo e Minas Gerais, pós-graduando em Direito Processual Civil pelo Centro de Extensão Universitária (CEU)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Bruno Campos. Meio ambiente e cultura no Estado Democrático de Direito.: Algumas digressões e reflexões. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2358, 15 dez. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14017. Acesso em: 23 nov. 2024.

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