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A obrigatoriedade das empresas prestadoras de serviço contribuírem para o SESC e o SENAC

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Agenda 01/06/2000 às 00:00

6. AS FORMAS DE DIFERENCIAÇÃO ENTRE AS SOCIEDADES CIVIS E COMERCIAIS

Haroldo Malheiros Verçosa, em trabalho publicado na Revista de Direito Mercantil(5), indica que podem ser estabelecidas diferenciações utilizando-se os critérios histórico, legislativo e da dependência ou conexão.

Passaremos a ver cada um deles.

Diz aquele autor que "a pesquisa da história do Direito Mercantil nos mostra que certos campos de atuação profissional foram considerados comerciais e legalmente tratados como tal".

"Partindo do nascimento do Direito Comercial e de sua evolução notamos que, fundamentalmente, as atividades daquelas épocas tuteladas pelo Direito Romano, origem e base do Direito Civil, até hoje pertencem ao campo deste último. É o que acontece com negócios relacionados aos imóveis, agricultura, a pecuária e às profissões liberais".

Aponta ele como exemplo de legislação, ainda que revogada, que porém fornece subsídios para a compreensão do estado atual da matéria, o Regulamento 737, de 1850, que define, em seu art. 19, o que é mercancia como sendo:

a) operações de compra, revenda e locação de coisas móveis;

b) operações de bancos;

c) operação de mediação de negócios (corretagem);

d) operações de fábricas, de comissões, de depósito, de consignações, de transporte e de espetáculos públicos;

e) operações relativas a navegação marítima.

Tem-se aí um universo bem amplo, no qual atua o Direito Comercial, segundo o critério do entendimento histórico, em contrapartida a outras áreas próprias do Direito Civil.

Como exemplo da determinação da diferença pelo critério legislativo, aponta aquele autor a regra do § 10 do art. 20, da Lei nº 6.404 (Lei das S.A.), pelo qual "qualquer que seja o seu objeto, a sociedade anônima é mercantil" e deve obedecer a legislação própria, não importando se trata de uma fazenda, de uma clínica médica ou de uma corretora de imóveis; sendo organizadas sob a forma de sociedade anônima, passam a disciplinarem-se e a sofrer os efeitos do Direito Comercial.

Pelo critério da determinação legislativa, também são incluídas no rol das sociedades mercantis:

a) seguro;

b) navegação aérea;

c) títulos de crédito em geral.

A Lei nº 4.068, de 9 de julho de 1962, dispôs, em seu artigo 1º, que são comerciais as empresas de construção.

O critério de dependência ou de conexão busca classificar as sociedades em função de realizarem elas atos cuja conexão com o comércio se presume, isto é, atos praticados por sociedade comercial. São os chamados atos do comércio por conexão, cujo exemplo nos é dado pelo art. 280 do Código Comercial:

"Só terão natureza de depósito mercantil o que for feito por causa proveniente de comércio, em poder de comerciante, ou por conta de comerciante".

O Professor Romano Cristiano em sua obra "A Empresa Individual e a Personalidade Jurídica" (6), apresenta a Teoria da Interposição, do jurista italiano Alfredo Rocco, pacificamente aceita pela nossa melhor doutrina, como critério mais lógico e seguro de se determinar distinção segura entre a atividade civil e a atividade comercial.

A teoria de interposição conclui que para diferenciação das atividades civis e comerciais, se faz necessário considerar interposição na efetivação da troca, que o citado autor exemplifica da maneira seguinte:

"Com base nessa teoria, e para torná-la, inclusive, mais clara e explícita, podemos fazer uma série de considerações.

Qualquer ser humano normal está quase que constantemente à procura de inúmeras coisas, bens, materiais ou imateriais, de que precisa para viver ou que deseja para viver melhor. Muitos desses bens, ou até mesmo todos, ao menos em tese, poderia obtê-los ele mesmo, diretamente, estabelecendo assim o contrato de troca: ele receberia o bem almejado e daria em troca outro bem, dinheiro na maioria dos casos.

Mas, pelos mais diversos motivos, geralmente não pode ou não quer fazê-lo. É preciso, então, que outrem o faça por ele. Exemplificando, há milionários que têm cinema em casa. Para isso, escolhem uma sala dentro de casa, montam a tela, compram o projetor, alugam um filme qualquer e, a seguir, estão em condições de assistir ao espetáculo. Essa atividade é de natureza civil, pois no caso, é o próprio usuário que entra em contato direto com os fornecedores

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Mas a grande maioria das pessoas não tem possibilidade para isso. Então, alguém o faz para ele, cobrando importância relativamente pequena.

Dessa forma, qualquer um assiste ao espetáculo cinematográfico exatamente como o milionário que tem cinema em casa. A atividade, pois, desenvolvida pelo empresário de cinemas, aquele que monta o cinema para o grande público, é tecnicamente a mesma atividade do milionário do nosso exemplo.

Juridicamente, porém, as duas atividades são diferentes: a do milionário, como já dissemos, é de natureza civil, ao passo que a do empresário de cinemas é de natu-
reza comercial.

Essa diferença se dá pelo seguinte: no caso do milionário, é o próprio usuário que entra em contato direto com os fornecedores. No outro caso, temos uma terceira pessoa que se interpõe entre o usuário e os fornecedores.

Essa terceira pessoa, portanto, efetua uma ‘mediação’ ou ‘interposição na troca’, sendo uma atividade tipicamente comercial. A argumentação até aqui desenvolvida aplica-se, perfeita e totalmente, a nosso ver, ao caso mencionado no início: oficina de conserto de automóveis em geral.

Se uma pessoa qualquer quisesse consertar ela mesma o seu automóvel, deveria arranjar local adequado, móveis e utensílios, fazer pequenas instalações, comprar instrumentos, aparelhos e até mesmo pequenas máquinas, fazer provisão de peças e outros materiais para substituições e restaurações.

Não é muito raro encontrar quem o faça. Mas a verdade é que a grande maioria das pessoas prefere não fazê-lo. Sabemos o que acontece para a solução desse problema: uma terceira pessoa monta a oficina e, a seguir, começa a consertar os automóveis dos outros.

Também aqui a interposição é típica. O dono da oficina mecânica se interpõe entre o usuário - proprietário do automóvel - e os fornecedores em geral".

(grifos nossos)

Ainda Romano Cristiano apresenta outros traços distintivos entre as atividades civis e comerciais, em trabalho intitulado "Elementos Característicos da Atividade Comercial"(7), onde leciona que:

"A primeira característica da atividade comercial é ser ela econômica, isto é, de fins lucrativos. Não é raro encontrar, hoje em dia, associações e fundações que exercem, no todo ou em parte, atividades idênticas às de empresas comerciais. Tais atividades, no entanto, são civis, uma vez que fundações e associações são pessoas jurídicas de fins não lucrativos.

A segunda característica da atividade comercial é ser ela profissional, isto é, dotada da qualidade da habitualidade. Qualquer ato econômico isolado será sempre como aquela andorinha que não consegue fazer verão: nunca poderá ser um ato de comércio.

A terceira característica da atividade comercial é conter intermediação. Numa relação comum de troca há sempre alguém que dá e outro que recebe, entregando, via de regra, dinheiro em contrapartida. Teoricamente, as trocas deveriam ocorrer sempre de forma direta; afinal, se o cidadão A precisa de algo que o cidadão B possui em excesso, deveria entender-se diretamente com este último, sem preocupar-se em fazer contato com o cidadão C, que nada tem a ver com o problema.

Na prática, porém, as coisas se passam de forma diferente. Na maioria dos casos, A não tem forças financeiras suficientes para conseguir de B o que ele deseja; sendo que B, por sua vez, não tem vontade de ir à procura de outras pessoas nas mesmas condições de A. Surge então C, que não tem o desejo de A, mas tem vontade de agir e recursos financeiros, com os quais ele realiza relação de troca com B, e passa a resolver o problema de A e de quantos se encontram nas mesmas condições, eis que a multiplicação de pessoas (atual ou potencial) na posição de A permite facilitar cada uma das novas relações de troca".

(grifos nossos)

Como se vê, as sociedades prestadoras de serviços podem apresentar-se estruturadas segundo qualquer tipo societário admitido na legislação brasileira, mas não será o seu tipo societário que definirá sua natureza jurídica.

Será necessário, então, o socorro dos critérios diferenciadores dos elementos constitutivos da sociedade civil e da sociedade comercial e uma análise do objeto da sociedade prestadora de serviços e da finalidade de lucro a que ela visa, para que se possa enquadrá-las como civis ou comerciais e extrair-se desse enquadramento os efeitos dele decorrentes, tal como a condição de contribuintes do Sesc e Senac.

É de se notar que os elementos indicados pelos autores citados são parâmetros seguros e razoáveis para a diferenciação entre o que seja atividade civil e atividade comercial.

Com efeito, podemos encontrar associações civis e fundações que exercem atividades idênticas às empresas comerciais.

Um exemplo que podemos trazer à colação é a Fundação Centro Brasileiro de Televisão Educativa, fundação pública exercente de atividade tipicamente civil, por lhe faltar o requisito da lucratividade.

Porém, não cabe argumentar ser a atividade televisiva uma atividade não comercial, pois é sabido que o único objetivo das emissoras de televisão é o auferimento de lucro através da venda de tempo para a exibição de anúncios comerciais.

No entanto, pode-se provar, pelo exemplo, que uma atividade comercial se descaracteriza quando lhe faltar o elemento básico da busca do lucro.

Tem-se, assim, que a busca do lucro é elemento fundamental para caracterização da atividade comercial.

É segundo este entendimento que já vêm decidindo alguns magistrados da Justiça Federal; e, neste sentido, com a devida venia, transcreve-se aqui trechos da sentença proferida pelo MM. Juiz Luiz Airton de Carvalho, da 2ª Vara Federal de Belo Horizonte, que ao decidir ação ordinária declaratória movida nos autos do processo nº 93.23800-0, posiciona-se pela comercialidade das empresas prestadoras de serviços, com base na moderna "teoria da empresa", da forma seguinte:

"Basta que a empresa seja um estabelecimento comercial para ser considerada contribuinte do Sesc/Senac.

A quaestio juris é o que se considera estabelecimento comercial.

No comércio tradicional, estabelecimento comercial é aquele no qual se pratica ato de comércio.

Os comercialistas, como nos ensina Rubens Requião, em Curso de Direito Comercial, não conseguiram uma teoria do ato de comércio:

‘Debateram-se sempre os comercialistas na vã empreitada de formular uma teoria unitária para os atos de comércio. Muitos, por fim, como Otávio Mendes, concluem, melancolicamente, reconhecendo francamente a falência do Direito Comercial diante do problema da definição e classificação dos atos de comércio.’

O Professo Alfredo Rocco, segundo noticia Rubens Requião, na impossibilidade de formular uma teoria do ato de comércio, pesquisou o sentido fundamental dos atos de comércio, enumerado pelo legislador positivo, concluindo pelo conceito do ato de comércio como sendo aquele que realiza ou facilita uma interposição na troca.

Chega assim, o Prof. Rocco à definição: ‘É ato de comércio todo o ato que realiza ou facilita uma interposição na troca.’(8)

São diversos os objetos da troca: mercadorias, títulos, imóveis, dinheiro a crédito, produtos de trabalho, riscos. São diversas também as formas de que a troca se reveste. Mas o fenômeno da troca por meio da interposta pessoa, esse aparece em qualquer dessas quatro categorias de atos contemplados na lei. (9) 9

O Professor Gaston Lagarde, da Faculdade de Direito de Paris, leciona que na prática do comércio, dois elementos estão presentes: a circulação de riquezas e a especulação, isto é, o objetivo de lucro:

‘O ato de comércio é um ato de intermediação na circulação das riquezas. Mas é necessário compreender que esta interposição não se reveste de caráter comercial se não for lucrativa; não pratica ato de comércio a associação caritativa que compra para revender ao preço corrente’. (10)

O Professor Willie Duarte Costa, Comercialista e Diretor da Faculdade de Direito Milton Campos, em artigo publicado na Revista da Faculdade, vol. II, pág. 265 - com o título: Comerciante : ampliação do conceito - nos diz:

‘Ficou claro que, nos precisos termos do Código Comercial de 1850, o termo comerciante ali inserido corresponde ao gênero em que se abrigam todas as espécies de profissionais que se dedicam às atividades mercantis. Já dissemos que o Código não nos dá uma definição segura de comerciante. Por isso permita-se à doutrina e à jurisprudência a construção do conceito.’

E à página 270, afirma, com base em Steban Cottcky:

‘Do ponto de vista jurídico, comerciante passou a ser gênero, com muitas espécies. O direito econômico não reconhece a diferença entre a produção agrária e a de outros setores. Defende a idéia de que o comerciante está num conceito adequado à
realidade econômica e que o comerciante é apenas um setor do empresariado, da mesma forma que existem outros setores.’

No moderno entendimento, estabelecimento comercial é a empresa que produz bens e serviços para o mercado, isto é, para venda ou intermediação na circulação de riquezas mediante uma operação de troca."

(grifos nossos)

Do mesmo entendimento é o renomado comercialista Fran Martins, que em seu Curso de Direito Comercial, edição de 1979, às fls. 109, leciona:

"Não há dificuldade para se saber se uma sociedade é comercial ou não; basta verificar qual o seu objeto. Em geral, tendo objeto econômico e o caráter de intermediação ou de prestação de serviços com caráter profissional, a sociedade é considerada comercial e, como tal, está sujeita às leis mercantis."

Sobre o autor
Dolimar Toledo Pimentel

advogado no Rio de Janeiro (RJ), assessor jurídico da Confederação Nacional do Comércio

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PIMENTEL, Dolimar Toledo. A obrigatoriedade das empresas prestadoras de serviço contribuírem para o SESC e o SENAC. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 42, 1 jun. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1422. Acesso em: 5 nov. 2024.

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