"Misoneísmo e idealismo são excludentes, portanto mãos à obra, porque só a boa vontade de fazer o melhor é capaz de produzir verdadeiros milagres e, a humanização da Justiça passa inexoravelmente pelo uso da nossa melhor parte – a inteligência de cada um." (Ministra Fátima Nancy Andrighi).
RESUMO
A presente monografia trata da Súmula Impeditiva de Recursos, mais precisamente denominada de Súmula Impeditiva de Apelação, introduzida no nosso ordenamento jurídico através da Lei Federal nº 11.276, de 07 de fevereiro de 2006, a qual torna inadmissível o recurso de apelação contra sentença proferida em consonância com entendimento sumulado do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal. Inicia-se o estudo com uma abordagem sobre a teoria geral dos recursos, onde são tratados assuntos relevantes ao tema proposto, como o duplo grau de jurisdição, juízo de admissibilidade e de mérito, bem como os efeitos gerados com a interposição de recursos. Na sequência, suscita a tão propalada morosidade processual/recursal como uma das principais causas da incredibilidade no Poder Judiciário e, em seguida, trata da solução atualmente encontrada pelos doutrinadores e legisladores, que é a tendência de vinculação das decisões e das súmulas, da qual decorre o tema deste trabalho, que, apesar de não dispor expressamente o seu efeito vinculativo, confere valorização às decisões proferidas de acordo com as súmulas dos Tribunais Superiores. O presente estudo pretende demonstrar que a nova redação do art. 518, § 1º, do CPC, não é capaz de impedir os recursos procrastinatórios e nem de conferir maior efetividade às decisões de primeiro grau, objetivos ensejadores de sua criação, mas que, se utilizada por bons profissionais, compromissados com a concretização do direito, não deixa de ser mais uma ferramenta em prol da celeridade e da efetividade processual, tão desejada por todos nós.
PALAVRAS-CHAVE: Apelação. Celeridade. Efetividade. Morosidade. Recursos. Súmula Impeditiva. Vinculação.
ABSTRACT
The present monograph deals with the Impeditive Abridgement of Resources, more necessarily called of Impeditive Abridgement of Appeal, introduced in our legal system through the Federal Law nº 11,276, of 07 of February of 2006, which becomes inadmissible the appeal to the mertis of the case against sentence pronounced in accord with sumulado agreement of the Superior Court of Justice or the Supreme Federal Court. The study with a boarding is initiated on the general theory of the resources, where excellent subjects to the considered subject are treated, as the double degree of jurisdiction, judgment of admissibilidade and merit, as well as the effect generated with the interposition of resources. In the sequência, it excites so divulged recursal procedural morosidade/as one of the main causes of the incredibilidade in Judiciary Power e, after that, deals with the currently joined solution for the doutrinadores and legislators, who are the trend of entailing of the decisions and the abridgements, of which the subject of this work elapses, that, although not to make use its vinculativo effect express, it confers valuation to the pronounced decisions in accordance with the abridgements of the Superior Courts. The present study it intends to demonstrate that the new writing of art. 518, § 1º, of the CPC, are not capable to hinder the procrastinatórios resources and nor to confer greater effectiveness to the decisions of first degree, objectives ensejadores of its creation, but that, if used for good professionals, compromissados with the concretion of the right, it does not leave of being plus a tool in favor of the celeridade and of the procedural effectiveness, so desired for all we.
KEYWORDS: Appeal. Celeridade. Effectiveness. Morosidade. Resources. Impeditive abridgement. Entailing.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO.1 TEORIA GERAL DOS RECURSOS. 1.1 Conceito. 1.2 Duplo Grau de Jurisdição. 1.3 Juízo de Admissibilidade e Juízo de Mérito do Recurso. 1.4 Efeitos dos Recursos. 1.4.1 Impedimento ao Trânsito em Julgado. 1.4.2 Efeito Devolutivo. 1.4.3 Efeito Suspensivo. 1.4.4 Efeito Translativo. 1.4.5 Efeito Regressivo. 1.4.6 Efeito Expansivo. 1.4.7 Efeito Substitutivo. 2 RECURSO E MOROSIDADE PROCESSUAL. 3 TENDÊNCIA DE VINCULAÇÃO DAS DECISÕES E AS SÚMULAS COMO SOLUÇÃO PARA A MOROSIDADE PROCESSUAL. 4 SÚMULA IMPEDITIVA DE APELAÇÃO (ART. 518, § 1º, DO CPC) . CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
Este é um trabalho monográfico que busca analisar o novo instrumento processual previsto no art. 518, § 1.º, do CPC, introduzido pela Lei Federal n.º 11.276, de 07 de fevereiro de 2006. Trata-se da Súmula Impeditiva de Recursos ou, para ser mais precisa, Súmula Impeditiva de Apelação, já que é restrita a este tipo de recurso, e surgiu no nosso ordenamento jurídico com o escopo de aprimorar e agilizar a prestação jurisdicional, através de uma maior efetivação das decisões de primeiro grau e da tentativa de impedir recursos meramente protelatórios. Consiste em mudança no juízo de admissibilidade efetuado pelo magistrado de primeiro grau, que não receberá o recurso de apelação quando a decisão impugnada estiver em consonância com súmula dos Tribunais Superiores.
Desenvolvido pelos princípios do método dedutivo, ou seja, mediante a utilização de premissas verdadeiras que devem gerar uma conclusão também verdadeira, o presente trabalho foi elaborado através de pesquisas bibliográficas e jurisprudenciais.
O estudo faz uma abordagem acerca da teoria geral dos recursos, com ênfase em tópicos relevantes para o tema principal, tais como a natureza do duplo grau de jurisdição, os juízos de admissibilidade e de mérito e efeitos dos recursos. A partir dessa contextualização, passa-se à análise da morosidade recursal e da solução atualmente encontrada por nossos doutrinadores e legisladores, que é a tendência de vinculação das decisões dos Tribunais Superiores, desaguando na Súmula Impeditiva de Apelação, que é mais um dispositivo decorrente dessa tendência vinculativa.
A presente monografia pretende suscitar alguns pontos polêmicos da reforma do Poder Judiciário, empenhada com a adoção de medidas para uma prestação jurisdicional mais célere e eficiente. A realidade retrata que os tribunais pátrios se encontram abarrotados de recursos, reflexo da falta de estrutura necessária para acompanhar a nossa Constituição Cidadã, que prevê inúmeros direitos e garantias, não poucas vezes desrespeitados, restando ao jurisdicionado bater às portas do Poder Judiciário, em busca da concretização de seus direitos. O que ocorre, no entanto, é uma demasiada demora na resposta jurisdicional, gerando o descrédito hoje vivido pelo Poder Judiciário.
A reforma surge nesse contexto fático e, no afã de dar uma reviravolta nessa situação, o legislador começa a agir de forma e com o desejo de que os resultados cheguem com a mesma velocidade que o aumento da demanda recursal nos tribunais. Esquece-se, no entanto, de que aquela falta de estrutura antes falada não é tão simples de ser resolvida, pois exige não só verdadeiras mudanças legislativas, mas, principalmente, culturais. A Súmula Impeditiva de Apelação é uma dessas reações imediatas e, como tal, merece uma análise mais acurada, especialmente no tocante à sua compatibilidade com o nosso sistema jurídico (civil law), à observância das garantias constitucionais e, finalmente, à sua utilidade prática, que são apenas alguns dos pontos polêmicos apontados nesta monografia.
Justifica o presente trabalho a preocupação com a morosidade processual/recursal e a forma como vem se tentando extirpá-la da nossa realidade. Sem qualquer sombra de dúvida, a lentidão é o mal maior do Poder Judiciário e não é um problema exclusivamente brasileiro. A celeridade é elemento essencial à efetividade do direito, mas nem sempre se pode afirmar que a resposta rápida efetiva a concretização do direito.
Vislumbra-se uma inquietação, que não é tão recente, com o grande número de processos/recursos em tramitação em todo o país, havendo uma mobilização no sentido de reduzir os quantitativos expressos nas estatísticas. Nessa diretriz, o CNJ - Conselho Nacional de Justiça, órgão criado com a finalidade de controlar e aperfeiçoar o serviço público de prestação da Justiça, tem adotado a implementação de metas para o Poder Judiciário nacional, tal como a denominada Meta 2, em que é pretendido o julgamento, até o final do ano em curso, de todos os processos/recursos distribuídos até 31 de dezembro de 2005. Não deixa de ser uma tentativa de empreender celeridade aos feitos, mas será que esta "celeridade" vem trazendo respostas efetivas? Por outro lado, não se vê qualquer campanha pela qualidade das decisões. E, para tanto, elas não precisam ser lentas.
A realidade brasileira presencia uma cultura recursal, onde parece que uma única resposta não tem validade, mas apenas se esta for confirmada e reconfirmada. Há uma desvalorização do juiz de primeiro grau, visto como incapaz de afirmar a resposta correta da questão. E isto é fruto da nossa legislação, que permite essa eterna "dúvida" do jurisdicionado e, por conseguinte, a eternização do conflito, resultando nessa atual incredibilidade no Poder Judiciário. Assim sendo, a solução encontrada, e até coerente com o nosso sistema irracional de recursos, é a vinculação das decisões dos Tribunais Superiores. Se o magistrado de primeiro grau não merece confiança, que ele seja obrigado/seduzido a seguir a orientação dos Tribunais Superiores.
A Súmula Impeditiva de Apelação não obriga o magistrado a julgar de acordo com o entendimento jurisprudencial dos Tribunais Superiores, mas se assim o fizer, não receberá eventual recurso de apelação. A medida é interessante, já que não é razoável que se permita um recurso referente à questão de entendimento já pacificado e que está fadado a ser improvido, servindo apenas para adiar a concretização do direito de quem tem razão. No entanto, a decisão que inadmitir o processamento da apelação pode ser atacada através de agravo de instrumento.
Diante de todo esse contexto, este trabalho busca trazer elementos para identificar se realmente a Súmula Impeditiva de Apelação alcançará seu objetivo maior de reduzir a demanda recursal e se pode ser considerada como medida eficaz para garantir a concretização do direito.
Sem a pretensão de esgotar o tema, em face de sua complexidade, fazemos votos de que o presente estudo alcance seu objetivo essencial, que é contribuir para as discussões em prol de um processo mais célere e eficaz.
1 TEORIA GERAL DOS RECURSOS
A insatisfação em face de uma decisão desfavorável é algo natural e até mesmo instintivo, decorrendo da própria natureza humana. Diante disso, os sistemas processuais oferecem formas de impugnação para reexame das decisões proferidas, objetivando sua reforma, invalidação, esclarecimento ou integração.
Apesar de todos os meios de impugnação terem como objetivo a revisão dos atos judiciais, nem toda impugnação pode ser caracterizada como recurso. Humberto Theodoro Júnior (2008, p. 636) faz a diferenciação, caracterizando o recurso como o meio idôneo para reexame da decisão dentro do mesmo processo em que foi exarada. No mesmo sentido, Marinoni e Arenhart (2007, p. 499) definem os recursos como os meios de impugnação de decisões judiciais, voluntários, internos à relação processual em que se insere a decisão atacada, aptos a obter desta a anulação, reforma ou aprimoramento. Já as demais formas de impugnação, também chamadas de sucedâneos recursais, constituem ação própria, ensejando um novo processo. Didier Jr. e Cunha (2009, p. 27) diferem a ação autônoma de impugnação do sucedâneo recursal, entendendo este como categoria que não é recurso e nem ação autônoma, tais como pedido de reconsideração, pedido de suspensão da segurança, remessa necessária e correição parcial. Como exemplo de ação autônoma de impugnação, tem-se o mandado de segurança, os embargos de terceiro, embargos do executado e a ação rescisória. Importante que não se confunda novo processo com autos apartados. Alexandre Freitas Câmara (2006, p. 56) lembra bem a existência do agravo de instrumento, que é formado em autos separados, mas não perde sua natureza de recurso, uma vez que não enseja um novo processo, mas apenas um desdobramento do procedimento, que prosseguirá simultaneamente no juízo de primeiro grau e no tribunal.
Pode-se, portanto, delinear como características principais do recurso a voluntariedade, a ocorrência dentro da mesma relação processual em que foi proferida a decisão guerreada e a possibilidade de revisão do ato judicial.
Nesse contexto, vislumbra-se que o reexame necessário previsto no art. 475 do CPC não possui a natureza de recurso, em face da ausência da voluntariedade. Trata-se de condição de eficácia da sentença nos casos ali previstos, obrigatória por disposição legal, o que descaracteriza por completo sua natureza recursal.
Outro aspecto importante a ser analisado no recurso é o resultado buscado pela parte, que pode ser a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração da decisão atacada.
Caso o interessado vislumbre a existência de um erro de julgamento (error in iudicando), onde houve uma declaração equivocada da vontade da lei (seja ela norma de direito material ou processual), o objeto do recurso será a reforma da decisão. Ocorrendo a hipótese do chamado error in procedendo, onde o ato impugnado evidencia um vício formal, o objeto do recurso será a nulidade da decisão. Pode acontecer também da decisão impugnada necessitar apenas de um esclarecimento do julgador, que deverá reexprimir sua afirmação de forma mais clara. O objeto do recurso não é a reapreciação do julgamento, mas apenas seu esclarecimento. Por fim, pode ser pretendida a integração da decisão. Neste caso, o julgador deixou de apreciar alguma questão levada ao feito, devendo reabrir sua atividade decisória para concluir o provimento jurisdicional.
Barbosa Moreira apud Sérgio Baalbaki [01], sintetiza o conceito de recurso com muita maestria como sendo "remédio voluntário idôneo a ensejar, dentro do mesmo processo, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração de decisão judicial que se impugna."
1.2 Duplo Grau de Jurisdição
Intrinsecamente ligado ao instituto do recurso, o duplo grau de jurisdição consiste na possibilidade da decisão ser reapreciada por juízo diverso.
A grande celeuma que envolve o assunto é se este duplo grau é uma garantia constitucional e se é realmente necessário para uma boa prestação jurisdicional.
Compreender o duplo grau de jurisdição como garantia constitucional é afirmar que se trata de algo absoluto, que não pode ser dispensado em nenhuma hipótese. Reconhecendo-o como princípio, há a possibilidade de seu confronto com outros princípios, afastando seu caráter absoluto.
A previsão do duplo grau de jurisdição é algo bastante claro, apesar de não expresso, já que se atribui aos tribunais a dupla função de apreciação de causas originárias e em grau de recurso, o que não implica dizer que sua aplicação é ilimitada, podendo ser restringida através de legislação infraconstitucional.
O art. 5.º, LV, da CF/88 dispõe que "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes". Numa leitura mais apressada, poderia se pensar numa relação de dependência entre o devido processo legal e o duplo grau de jurisdição. No entanto, não é necessário o duplo grau de jurisdição para que reste assegurado o devido processo legal.
Os principais argumentos favoráveis ao duplo juízo são: necessidade de controle da atividade do juiz de primeiro grau; a maior experiência dos magistrados de segundo grau; a influência psicológica sofrida pelo julgador quando sabe que sua decisão poderá ser revista; e, segundo Cintra; Grinover e Dinamarco (1995, p. 75), o principal e mais forte motivo seria de cunho político, no sentido de que o Poder Judiciário, de menor representatividade, já que seus membros não são escolhidos pelo povo, necessita de um controle interno maior sobre suas decisões.
Já a corrente contrária afirma que os juízes de segundo grau também são passíveis de erros; que o recurso se torna inútil quando confirma a decisão atacada; que a reforma da decisão ocasiona incerteza e desprestígio do Poder Judiciário, pois revela a divergência de interpretação; que tal princípio ofende os princípios da oralidade e da celeridade processual, além de revelar a desconfiança do juiz de primeiro grau.
O argumento de que o duplo grau de jurisdição controla a atividade do juiz funda-se na concepção de que há uma subordinação entre os juízes de primeiro e segundo grau e não uma subordinação de todos à aplicação da lei. No entanto, o recurso tem a função de controlar a justiça da decisão, permitindo uma revisão do julgado, e não verificar se a atividade do juiz é lícita ou não, cabendo isto aos órgãos corregedores existentes.
A experiência dos magistrados de segundo grau também não justifica a desconfiança do juiz de instância inferior. Este tem melhores condições de ditar uma decisão mais adequada, visto que está mais próximo da realidade, em contato direto com as provas e as partes, em total sintonia com os benefícios do princípio da oralidade. Achar também que o magistrado fará uma decisão de melhor qualidade só porque esta pode ser revista é outra grande desvalorização do juiz de primeiro grau. Este deve estar preparado para assumir a responsabilidade do cargo que ocupa e para exercer suas funções com o zelo e o conhecimento necessários à efetividade da prestação jurisdicional.
Marinoni e Arenhart (2007, p. 497) concluem afirmando que o legislador infraconstitucional pode dispensar a dupla revisão ao mérito, principalmente porque a Constituição Federal garante a todos o direito à tutela jurisdicional tempestiva, o que não pode ser desconsiderado para garantir a segurança da parte através do duplo grau de jurisdição.
1.3 Juízo de Admissibilidade e Juízo de Mérito do Recurso
O julgamento dos recursos processa-se através de duas fases: o juízo de admissibilidade e o juízo de mérito. No juízo de admissibilidade, como o próprio nome já sugere, o magistrado verifica a possibilidade de exame do pedido, ou seja, se presentes as condições legais para apreciação da postulação recursal, decidindo se o mérito do recurso será ou não examinado. Em regra [02], os recursos são interpostos perante o juízo prolator da decisão atacada, que terá duas oportunidades para verificar a admissibilidade do recurso: no momento da sua interposição e após o oferecimento das contra-razões do recorrido. Reconhecida a presença dos requisitos de admissibilidade pelo juízo a quo, o recurso é encaminhado ao órgão ad quem, onde o relator exerce um terceiro juízo de admissibilidade. Caso positivo, é dado seguimento ao recurso e, por ocasião da sessão de julgamento, passa a peça recursal pela quarta e última apreciação de juízo de admissibilidade.
Ultrapassada tal fase e reconhecendo o órgão julgador a admissibilidade do recurso, passa-se ao chamado juízo de mérito recursal, onde será apreciada a pretensão do recorrente.
Importante frisar que não sendo reconhecida a presença dos requisitos de admissibilidade pelo juízo a quo, sempre caberá recurso contra tal decisão.
A distinção entre tais juízos (admissibilidade e mérito) ganha fundamental importância para verificação do momento da formação da coisa julgada. Não sendo admitido o recurso (negado o juízo de admissibilidade), reconhece-se que a decisão não admitia impugnação e, por conseguinte, o trânsito em julgado ocorre no momento em que se tornou irrecorrível a decisão e não após o julgamento do recurso. Isto influi para o início da contagem do prazo para ajuizamento de ação rescisória. Ainda para fins de ação rescisória, caso admitido o recurso e, portanto, julgado seu mérito, é a decisão do recurso e não a decisão guerreada que poderá ser rescindida. Caso contrário (não admitido o recurso), a eventual ação rescisória atacará aquela primeira decisão e não a proferida em grau de recurso. Isto é de fundamental importância para reconhecimento da competência recursal.
Os requisitos de admissibilidade do recurso são classificados em requisitos intrínsecos (relacionados ao direito de recorrer) e requisitos extrínsecos (relacionados ao exercício de tal direito). Os requisitos intrínsecos são: cabimento, legitimação, interesse e inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer; já os extrínsecos são: preparo, tempestividade e regularidade formal. Vejamos de forma sucinta cada um desses requisitos.
Inicialmente, há de se analisar se a decisão impugnada é passível de recurso e se o recurso utilizado é o adequado para atacar a decisão. Há três princípios dos recursos relacionados a este requisito (cabimento): princípio da fungibilidade, onde é permitida a conversão de um recurso em outro, desde que não exista erro grosseiro e não tenha decorrido o prazo para interposição do recurso adequado; princípio da unicidade, unirrecorribilidade ou singularidade, que considera a existência de um único recurso para cada caso; e o princípio da taxatividade, que admite como recurso apenas aqueles previstos expressamente em lei.
Verifica-se também a legitimidade para a interposição do recurso. De acordo com o art. 499 do CPC, são legitimados a parte vencida, o terceiro prejudicado e o Ministério Público. Como parte vencida, deve-se compreender também o terceiro interveniente, visto que este adquire a qualidade de parte através de quaisquer das modalidades de intervenção. O terceiro prejudicado é aquele que não participou do processo, mas se tornou juridicamente prejudicado com a decisão proferida, seja por que é titular da mesma relação jurídica discutida no feito ou de relação jurídica conexa a esta. Por fim, o Ministério Público, que pode recorrer tanto como parte quanto na qualidade de fiscal da lei (custos legis). Nesta última hipótese, a legitimidade do Ministério Público independe de recurso da parte.
O interesse de agir do recorrente também deve ser analisado no juízo de admissibilidade. O recurso deve ser útil, em que o recorrente vislumbre, em tese, a possibilidade de uma decisão mais vantajosa; e necessário, ou seja, que o objetivo do recorrente só possa ser efetivamente alcançado através da via recursal. Vale acrescentar que o interesse recursal não está subordinado à existência de sucumbência, bastando lembrar que o terceiro não sucumbe e é legitimado para recorrer. Didier Jr. e Cunha (2009, p. 52) sustentam que para recorrer é necessário discordar da conclusão da decisão e não apenas dos seus fundamentos, visto que a coisa julgada material não alcança a motivação do decisum. Ressalta, no entanto, que pode haver tal interesse recursal quando se trata de ação em que a coisa julgada material não ocorre se o pedido for julgado improcedente por falta de prova, como em mandado de segurança, ação popular etc., podendo o recorrente pretender que lhe seja dado o mesmo resultado de improcedência, mas por inexistência de direito, onde, neste caso, o recorrente seria beneficiado com a coisa julgada material.
Ainda como requisito intrínseco, tem-se a inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer. O recorrente não pode ter dado causa ao ato que influiu diretamente na decisão atacada. São fatos impeditivos a desistência, a renúncia ao direito sobre o que se funda a ação e o reconhecimento do pedido. São fatos extintivos a renúncia ao direito de recorrer (manifestação da vontade de não recorrer da decisão) e a aceitação (manifestação expressa ou tácita de conformação com a decisão proferida).
A tempestividade, requisito extrínseco do juízo de admissibilidade [03], consiste na observância de interposição do recurso no prazo previsto em lei, que pode ser diferenciado por regras especiais, tal como ocorre com a Fazenda Pública, Ministério Público, Defensoria Pública, autarquias e fundações públicas etc..
A regularidade formal consiste na obediência aos requisitos formais exigidos em lei. A título de exemplo, os recursos, de uma maneira geral, devem ser interpostos por escrito [04], apontando as razões do ataque à decisão; o agravo de instrumento deve ser devidamente instruído com as peças processuais exigidas em lei; os recursos devem ser subscritos por advogado legalmente constituído, dentre tantos outros critérios estabelecidos na legislação. Esta regularidade formal relaciona-se com o princípio da dialeticidade, que exige a indicação dos motivos de fato e de direito que fundamentam o pedido de novo julgamento da questão objeto da decisão impugnada.
O preparo consiste no pagamento das despesas referentes ao processamento do recurso, devendo ser comprovado no momento da interposição do recurso, sob pena de deserção (art. 511, CPC), que pode ser relevada em caso de comprovação de justo impedimento. A deserção imediata prevista no dispositivo citado acima vem sendo mitigada pela doutrina, que considera o preparo como vício sanável e, portanto, perfeitamente aplicável o art. 515, § 4º, do CPC. Importante salientar que o momento de comprovação do preparo pode ser diferenciado por regras especiais, tais como ocorre nos Juizados Especiais.
Passado pelo crivo do juízo de admissibilidade, analisa-se o mérito do recurso, que é o conteúdo da impugnação à decisão guerreada. Tal juízo é, em regra, apreciado somente pelo órgão ad quem, com exceção dos embargos de declaração, que permitem que o juízo a quo reveja a decisão atacada. Conforme já apontado neste trabalho, o fato que pode gerar a reforma ou a invalidação da decisão, ou seja, a causa de pedir recursal pode ser vícios de juízo (error in iudicando) ou vícios de atividade (error in procedendo). Nestes, há uma inobservância às normas de procedimento, à forma dos atos processuais; e naqueles, discute-se o conteúdo da decisão, denunciando uma aplicação incorreta da norma ao caso, uma má apreciação da questão de direito e/ou de fato.
Reconhecida a ocorrência do error in procedendo, a decisão atacada é invalidada, havendo um julgamento rescindente, onde é determinada a prolação de nova decisão pelo juízo a quo. É claro que se houver possibilidade de aproveitamento da decisão, não será necessária a prolação de uma nova, como ocorre por exemplo, nas sentenças extra ou ultra petita, onde o tribunal pode simplesmente desconsiderar o excedente.
Já no caso de provimento ou não de recurso baseado em error in iudicando, o julgamento é substitutivo, ou seja, a decisão do recurso substitui a decisão recorrida, já que não pode haver duas decisões sobre o mesmo objeto, sendo incorreto afirmar, como corriqueiramente se faz, que foi mantida a decisão recorrida; o que ocorre é a substituição por outra decisão de igual teor.
1.4 Efeitos dos Recursos
A interposição de recursos gera diversos efeitos, dentre os quais se destacam:
1.4.1 Impedimento ao Trânsito em Julgado
É um efeito comum a todos os recursos admissíveis, tendo importância para fixar o marco inicial do prazo para interposição de ação rescisória, bem como para definir a natureza da execução de sentença (se provisória ou definitiva).
Alexandre Freitas Câmara (2006, p. 79) ressalta que este efeito só é inerente aos recursos admissíveis, pois sendo negativo o juízo de admissibilidade, a decisão terá natureza declaratória e o trânsito em julgado já teria ocorrido anteriormente à decisão que deixou de admitir o recurso.
1.4.2 Efeito Devolutivo
Consiste em devolver/transferir ao juízo recursal o conhecimento da matéria impugnada, que será limitada pela parte recorrente - tantum devolutum quantum appellatum - também chamado pela doutrina de efeito devolutivo em extensão. A matéria devolvida ao órgão ad quem é apenas aquela objeto da impugnação, ressalvadas, é claro, as matérias que a lei admite a apreciação de oficio.
Por outro lado, o tribunal é livre para examinar todos os fundamentos do pedido da peça recursal, ainda que não tenham sido expressamente expostos nas razões recursais (efeito devolutivo em profundidade). Em outras palavras, o tribunal deve se ater ao pedido recursal, mas pode utilizar em seu julgamento fundamento não alegado pelo recorrente.
Essa delimitação da matéria recursal impede a reformatio in pejus (reforma para pior), pois o recurso só poderá aproveitar ao recorrente (princípio da personalidade dos recursos), não podendo beneficiar a parte que não interpôs recurso e, em conseqüência, piorar a situação de quem recorreu.
Para caracterização deste efeito é necessário que o órgão recursal seja diverso do órgão prolator da decisão. Os embargos de declaração, por exemplo, não geram efeito devolutivo, uma vez que é o próprio prolator da decisão impugnada que o apreciará. A matéria não é transferida a órgão algum.
Por fim, há casos em que o efeito devolutivo não é imediato. A título de exemplo tem-se o agravo retido, em que a matéria impugnada só será devolvida ao órgão ad quem em momento posterior, por ocasião de eventual apelação.
1.4.3 Efeito Suspensivo
Impede que a decisão impugnada produza efeitos antes do julgamento do recurso.
É importante observar que tal efeito suspensivo não é gerado pela interposição do recurso, pois decisões sujeitas a recurso suspensivo não produzem efeitos imediatos. O que ocorre com a interposição do recurso é apenas um prolongamento do estado de ineficácia daquelas decisões. Segundo Câmara (2006, p. 81), "o mero fato de a decisão ser recorrível através de "recurso suspensivo", isto é, estar sujeita a recurso dotado deste efeito, já é capaz de impedir a produção de seus efeitos". Na verdade, a decisão recorrida ainda não gerou efeitos, mas o recurso com "efeito suspensivo" evita que a decisão produza seus efeitos até o julgamento do recurso. Nos casos em que a decisão gera efeitos imediatos, o tribunal pode suspender os efeitos de tal decisão, vislumbrando-se nesta hipótese um verdadeiro efeito suspensivo.
No sistema recursal brasileiro, o efeito suspensivo é a regra, ficando as exceções expressamente previstas em lei. É apontado como um dos grandes vilões da celeridade processual, pois de certa forma desprivilegia a decisão de primeiro grau, dando ensejo a recursos meramente procrastinatórios.
O efeito suspensivo prestigia a segurança, evitando a geração de efeitos de uma decisão que pode ser revertida, mas de certa forma prejudica a tempestividade, pois pode retardar o direito da parte que tem razão. Desta forma, faz-se necessária uma conciliação destes elementos para que, diante do caso concreto, seja analisada a possibilidade de eventual afastamento de tal efeito.
1.4.4 Efeito Translativo
Como já visto acima, a parte recorrente é quem delimita a matéria que será submetida à apreciação do tribunal e que há determinados temas que devem ser conhecidos de ofício, independentemente de alegação da parte. O efeito translativo diz respeito a estas matérias que podem ser conhecidas em qualquer tempo ou grau de jurisdição, independentemente de manifestação do recorrente.
1.4.5 Efeito Regressivo
Permite que o próprio prolator da decisão impugnada reexamine a matéria, podendo reconsiderar seu julgamento. Trata-se de efeito inerente a poucos recursos, tais como no agravo e na apelação interposta contra sentença que indeferiu liminarmente a exordial.
1.4.6 Efeito Expansivo
Ocorre quando o julgamento do recurso é mais abrangente do que o reexame da matéria atacada, estando relacionado à interdependência dos atos processuais. O julgamento do recurso pode acarretar não só a modificação/anulação da decisão impugnada, mas também dos atos que lhe deram origem.
1.4.7 Efeito Substitutivo
Trata-se de efeito disposto no art. 512 do CPC: "o julgamento proferido pelo tribunal substituirá a sentença ou decisão recorrida no que tiver sido objeto de recurso". Sendo conhecido o recurso, qualquer que seja o seu resultado, este substitui a decisão impugnada. Em outras palavras, julgado o recurso, "desaparece" a decisão recorrida, prevalecendo apenas a decisão do tribunal, ainda que idêntica ao julgamento de primeiro grau.