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Corrupção política e atividade tributária

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Agenda 08/02/2010 às 00:00

3 A ATIVIDADE FINANCEIRA DO ESTADO

O Estado ainda é visto como ente insubstituível na prestação de algumas atividades que o indivíduo, isolada ou coletivamente organizado, não tem condições de realizar. Com a finalidade de atender as demandas coletivas, o Estado desenvolve inúmeras atividades.

As atividades estatais são classificadas em essenciais e complementares. Nas primeiras, segundo Nogueira (1980, p. 2), "O Estado tem de realizá-las sob pena de não ser Estado, como a defesa externa, a manutenção da ordem interna, a atividade financeira, a função de dizer o Direito e essas funções são indelegáveis em razão da indisponibilidade do interesse público [...]". Já as complementares representam os interesses secundários do Estado. Tais atividades podem ser desenvolvidas diretamente pelo Estado ou por terceiros, através de concessões, autorizações ou permissões estatais. No rol de atividades complementares encontram-se, por exemplo, a educação, saúde e o transporte coletivo.

Porém, ao lado das atividades estatais que objetivam a realização do bem comum, o Estado realiza outras de natureza instrumental, como a atividade financeira. Segundo Sousa (p. 4-5 apud BORGES, 1998, p. 27):

Simultaneamente com as atividades políticas, sociais, econômicas, administrativas, educacionais, policiais, etc., que constituem a sua finalidade própria, o Estado exerce também uma atividade financeira, visando a obtenção, a administração e o emprego de meios patrimoniais que lhe possibilitem o desempenho daquelas outras atividades que se referem à realização dos seus fins.

A atividade financeira do Estado pode ser disposta em três momentos distintos, a saber: gestão e planejamento financeiro (orçamento público); obtenção de ingressos públicos (receitas e créditos públicos); e dispêndio de recursos públicos (despesas públicas).

O primeiro momento relaciona-se, primordialmente, com as leis orçamentárias, nos termos do art. 165 da Constituição Federal: plano plurianual (PPA), lei de diretrizes orçamentárias (LDO) e lei orçamentária anual (LOA); todas de iniciativa do Chefe do Poder Executivo. Para Oliveira (2006, p. 305):

[...] o orçamento se constitui em peça importante no mundo jurídico de hoje, na vida das nações. Deixa de ser mero documento financeiro ou contribui para passar a ser o instrumento de ação do Estado. Através dele é que se fixam os objetivos a serem atingidos. Por meio dele é que o Estado assume funções reais de intervenção no domínio econômico. Em suma, deixa de ser mero documento estático de privação de receitas e autorização de despesas para se constituir no documento dinâmico solene de atuação do Estado perante a sociedade, nela intervindo e dirigindo seus rumos.

Com efeito, as leis orçamentárias representam instrumento normativo de otimização dos recursos públicos, uma vez que é através delas que os entes federados indicam a origem de suas receitas, a destinação dos recursos públicos, bem como a previsão do endividamento público. As leis orçamentárias refletem, portanto, o plano de governo ao revelar as prioridades, em determinado lapso temporal, do Estado. Neste sentido, as leis orçamentárias irão indicar se determinado governo, por exemplo, privilegia o desenvolvimento social ou se seus esforços financeiros concentram-se no mero desenvolvimento econômico do país.

O segundo momento diz respeito à forma de financiamento estatal. O Estado, independentemente da exploração de seu próprio patrimônio, dispõe de fontes eventuais e não-eventuais que propiciam recursos públicos necessários a sua manutenção financeira. Tais recursos podem ser classificados em meros ingressos, ou entradas; e receitas públicas. Os meros ingressos representam entradas provisórias de recursos financeiros no caixa do Estado, sem representar, contudo, qualquer incremento no patrimônio estatal. Ressalte-se que esses recursos estão condicionados à restituição posterior, implicando em recuperação dos valores emprestados ou cedidos ao Estado. Os exemplos clássicos de meros ingressos são as cauções, as fianças, os depósitos recolhidos ao Tesouro e o crédito público, dentre outros. Já as receitas públicas representam ingressos definitivos no caixa do Estado, verificando-se a incorporação dos montantes financeiros ao patrimônio estatal.

Dentre as inúmeras classificações, as receitas públicas podem ser divididas em receitas originárias e derivadas. No primeiro caso, estão incluídas os ingressos de direito privado, tais como as receitas industriais e de serviços, resultantes da exploração do patrimônio do Estado. Aqui, depara-se com atividades estatais equiparável à atividade dos agentes privados. No caso das receitas derivadas, incluem-se os ingressos de direito público, tais como tributos e multas administrativas. Tais receitas resultam do poder de império do Estado, exigidas do patrimônio e rendas dos particulares, cuja aquisição é compulsória. Neste sentido, representam mecanismos estatais de interferência na riqueza privada.

No Estado moderno, as receitas tributárias representam quase a totalidade das receitas públicas, o que deixa transparecer o problema crucial da tributação: a escolha política dos agentes privados que irão suportar a manutenção financeira do Estado.

O terceiro momento da atividade financeira do Estado abarca as despesas públicas. O conceito de despesas públicas tem duas concepções: uma formal e outra material. No primeiro caso, a despesa pública representa uma mera previsão em lei dos dispêndios do Estado, ou de qualquer pessoa de direito público, com serviços públicos, obras públicas e outras atividades estatais. Nesta perspectiva, a despesa pública apenas integra o orçamento público, sendo, portanto, um ato político, uma autorização legislativa para gastos estatais. Já a segunda acepção representa uma aplicação de um determinado montante de recurso público pela autoridade competente, com um emprego concreto das receitas públicas para o custeio das diversas atribuições do Estado.

O dispêndio concreto com as despesas públicas necessita de procedimento administrativo específico, cujas etapas são: prévio empenho, liquidação, ordem de pagamento e efetivo pagamento. Esse procedimento na execução das despesas públicas cria no entorno da administração pública uma zona de confluência de interesses públicos e privados.

O Estado despende recursos públicos na manutenção institucional dos Poderes; gastos com a segurança nacional e na pública; na prestação dos diversos serviços públicos; no pagamento de salários do funcionalismo público; no pagamento da dívida pública e no serviço da mesma; na transferência de renda através de benefícios previdenciários e sociais; na aquisição de produtos, bens, mercadorias e serviço, dentre muito outros. Neste sentido, atualmente o Estado figura como ente de maior capacidade financeira destinada a investimentos; ao consumo de produtos, de bens, mercadorias e serviço; e à transferência de renda, dentre outros.

3.1 ATIVIDADE TRIBUTAÇÃO: RELEVÂNCIA E VULNERABILIDADE

Com o acréscimo de atribuições coletivas, surge para o Estado a necessidade de gerar receitas públicas além daquelas proporcionadas pela exploração do seu próprio patrimônio. A manutenção financeira do Estado passa, então, a ser suportada, prioritariamente, pelas receitas públicas tributárias.

O poder de tributar é inerente ao Estado e decorre do seu poder de império. Para Bastos (1998, p. 97), só Estado "[...] reúne poderes que lhe permitem arrecadar recursos financeiros de forma impositiva e coercitiva, é dizer, com uma força jurídica tal, que independe da vontade individual do contribuinte". O motivo pelo qual o Estado se imiscui na riqueza individual tem fundamento no bem-estar da coletividade, que, como sabemos, sobrepuja o interesse privado. Segundo esclarecimentos de Mello (1995, p.44):

O princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado é princípio geral de direito inerente a qualquer sociedade. É a própria condição de sua existência. Assim, não se radica em dispositivo específico algum da Constituição [...] Afinal, o princípio em causa é um pressuposto lógico do convívio social.

Brüning (1997, p.9) ressalta, ainda, que a "supremacia do interesse público, segundo a qual o desejo social de um grupo, comunidade ou sociedade, deve prevalecer sobre o individual, é um princípio ético que, uma vez desrespeitado, abre as portas à corrupção".

Nos dias atuais, a atividade tributária assume relevante preeminência sobre diversos outros setores da administração pública, posto que sem receitas tributárias o Estado tem sua existência material prejudicada. Assim, a Constituição Federal de 1988 previu expressamente as competências e atribuições das administrações tributárias e das autoridades fazendárias, conforme disposições transcritas:

Art. 37. [...]

XVIII – a administração fazendária e seus servidores fiscais terão, dentro de suas áreas de competência e jurisdição, precedência sobre os demais setores administrativos, na forma da lei;

[...]

XXII – as administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, atividades essenciais ao funcionamento do Estado, exercidas por servidores de carreiras específicas, terão recursos prioritários para a realização de suas atividades e atuarão de forma integrada, inclusive com o compartilhamento de cadastros e de informações fiscais, na forma da lei ou convênio;

[...]

Como vemos, a Carta Magna nada mais fez do que reconhecer explicitamente a relevância da administração tributária e, implicitamente, que a mesma é essencial à própria existência fática do Estado. Em outras palavras, mesmo diante da existência formal do Estado, sem as receitas tributárias inexiste, materialmente, o Estado.

Segundo Guadagni (apud BORDIN, 2002, p. 40), "Administração Tributária é a função de Estado que tem por missão otimizar a receita, a fim de viabilizar a satisfação das necessidades coletivas públicas".

O tema administração tributária tem merecido atenção de muitos estudiosos. Bordin e Lageman (apud BORDIN, 2002, p. 36), por exemplo, apontam como fatores de êxito consagrados em matéria de Administração tributária:

[...]

8 – Vontade política de arrecadar impostos para evitar que grupos de pressão importantes fujam à tributação.

9 – Despolitização do órgão fiscalizador, evitando nomeações políticas dos agentes fiscais.

10 – Fortalecimento do órgão fiscalizador: reorganização administrativa e combate à corrupção fiscal.

Diante da atual relevância das receitas tributárias, não é difícil associá-la ao interesse que pode despertar em determinados segmentos. Por isso, torna-se evidente que a responsabilidade financeira atribuída às administrações tributárias é exagerada para ficar sujeita apenas à vontade dos gestores do Poder Executivo. De fato, a falta de independência política da administração tributária a torna refém de interesses escusos pela ausência de mecanismos eficazes de controle das atividades de arrecadação e fiscalização tributária.

A regra é separar a tributação, que é atividade de Estado (permanente), das demais atividades de governo (transitórias). Neste sentido, surge a necessidade do afastamento dos problemas e interesses políticos do cotidiano das atividades de arrecadação e fiscalização tributária.

3.2 INTERFERÊNCIA DOS PODERES POLÍTICO E ECONÔMICO

Baleeiro (apud BORDIN, 2002, p. 15) aponta que o "exercício do poder de tributar é fenômeno de caráter essencialmente político [...]. A escolha dos instrumentos de imposição, na prática, tem obedecido menos a inspirações econômicas do que a considerações políticas".

Com muita felicidade, Teixeira (2001) diz que:

[...] os delitos cometidos contra a Administração Pública, invariavelmente são cometidos por aqueles que detém poder, em maior ou menor escala, o que faz com que disponham de mecanismos mais eficientes para atuar criminosamente, além de poderem mais facilmente apagarem qualquer vestígio de sua atuação.

Ramina (2002, p. 30), ao comentar a definição de corrupção dada pelo Grupo Multidisciplinar sobre Corrupção do Conselho da Europa, esclarece de forma precisa a relação entre poder e fragilidade da administração pública quando diz que "pode-se dizer que a corrupção constitui o efeito combinado do monopólio de poder e da discricionariedade no poder de decisão na ausência de responsabilidade".

Para Grondona (apud BRÜNING, 1997, p. 24) a corrupção política "é muito mais grave [...] Já não se trata de funcionários que cobram baixos salários e, quase como uma extensão da microcorrupção cotidiana, pedem propinas em troca de favores específicos. Neste segundo tipo de corrupção estão envolvidas as autoridades eleitas pelo povo [...]".

A ONU, segundo Ramina (2002, p. 45), "apontou que, quando a corrupção ocorre em altos escalões, é um problema para os subordinados a assunção de uma conduta diferente daquela dos superiores".

Como fenômeno associado ao exercício do poder, a tributação apresenta-se ainda mais vulnerável as indevidas relações entre poder político e atividade pública, já que através da indicação política para as principais funções diretivas é possível dar o viés de conduta das atividades fiscalizatórias. Assim, a administração tributária, muitas vezes, se vê presa ao dirigismo interno, concretizado pelo distanciamento de ações fiscalizatórias de determinada empresa ou setor empresarial. Com isso, uma simples decisão superior tem o condão de impedir, por exemplo, a emissão de ordem de serviço para a execução de auditoria fiscal-contábil destinada à apuração da legalidade dos lançamentos tributários.

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Por outro lado, é pertinente supor que boa parte das atividades de coerção à fraude tributária se vê frustrada por iniciativas descabidas de incentivo à sonegação, sempre veiculada sob a forma de diplomas legais. É impossível apurar se a permissão legal para a fraude tributária é fruto da ignorância ou de vontade dirigida do legislador ou do administrador público, sendo que nada muda o resultado, pois as conseqüências são desastrosas para a sociedade.


4 A CORRUPÇÃO NA ATIVIDADE TRIBUTÁRIA

4.1 COMPORTAMENTOS DANOSOS

Os comportamentos danosos à atividade tributária são identificados em todos os três Poderes e percorrem todas as esferas de poder. Tanto no Executivo, no Judiciário, como no Legislativo, dentro do exercício de suas regulares atribuições, é possível encontrar comportamentos danosos à atividade tributária, tipificados como corrupção ou qualificados como corrupção política.

É importante salientar que nem todo comportamento danoso à atividade tributária corresponde a um tipo penal. São meros comportamentos, regulares e legais, que não provocarão nenhuma responsabilização penal, mas que resultarão em subtração, total ou parcial, de receitas tributárias.

São comportamentos inerentes à lógica do poder (Legislativo), à instrumentalização da legislação tributária (Judiciário) e aos comportamentos perante os administrados (Executivo). Não se questiona aqui se os atos emanados dentro da expressa tripartição do poder são ou não constitucionais e/ou legais. A questão central gira em torno de se saber se o modelo do exercício de poder (aspecto político) e sua correspondente positivação legal (aspecto jurídico) atendem as expectativas da sociedade atual.

De forma simplificada os comportamentos danosos à atividade tributária podem ser representados através da seguinte figura:

O quadro acima é meramente exemplificativo e não tem a pretensão de apontar todas as possibilidades de comportamentos danosos à atividade tributária. Presta-se, apenas, a enumerar algumas ocorrências danosas, que em determinadas situações correspondem a crimes tipificados na legislação penal e em outras não se verifica qualquer comportamento vedado. Neste último, estão incluídas aquelas situações políticas e jurídicas ainda aceitas em nossa sociedade, que decorrem do modelo de poder adotado no Brasil e da ordem jurídica imposta pela primeira.

4.1.1 Comportamentos externos

O presente texto não tem a pretensão de tratar da questão dos crimes de corrupção nos intestinos dos Poderes Legislativo e Judiciário. Passando ao largo deste importante problema, aqui serão privilegiados aqueles comportamentos externos à administração tributária, inerentes à tripartição constitucional de Poder, e que direta ou indiretamente atingem a atividade tributária.

4.1.1.1 No âmbito do Poder Legislativo

As disposições constitucionais e legais refletem o modelo político adotado no Brasil. A conotação dada ao vocábulo político relaciona-se com a própria organização social e a institucionalização do Estado. Neste sentido, político indica uma etapa da evolução da sociedade onde um determinado grupo social passa a dominar os demais grupos, prevalecendo, assim, a vontade de uma determinada minoria.

Como se sabe o Estado é um acontecimento artificial, onde o homem se agrupa socialmente sob a égide de um ente que se sobrepõe à autonomia individual. Com o Estado, o homem se organiza politicamente, ou seja, determinado grupo social passa a ter domínio sobre os demais.

Para Harvey (2003, p. 104):

O Estado, constituído como sistema coercitivo de autoridade que detém o monopólio da violência institucionalizada, forma um segundo princípio organizador por meio do qual a classe dominante pode tentar impor sua vontade [...] Os instrumentos vão da regulação do dinheiro e das garantias legais de contratos de mercado leais às intervenções fiscais, à criação do crédito e às redistribuições de impostos, passando pelo fornecimento de infra-estrutura sociais e físicas, controle direto das alocações de capital e de trabalho, bem como dos salários e dos preços, nacionalização de setores essenciais, restrições ao poder da classe trabalhadora [...]

É claro que a idéia de Estado se assenta no exercício do poder, já que o Estado é aquela "instituição social, que um grupo vitorioso impôs a um grupo vencido, com o único fim de organizar o domínio do primeiro sobre o segundo" (OPPENHEIMER,1954, p. 5 apud BONAVIDES, 1995, p. 64),

O Estado é, pois, uma associação de pessoas, uma forma de a "[...] humanidade organizar-se politicamente" (BASTOS, 1996, p. 4). A existência do Estado pressupõe o atingimento de certos fins coletivos, como o bem-estar social.

Desnuda-se, então, a tributação como instrumento do exercício de poder dos grupos político e econômico dominantes. Neste contexto, não é prudente olvidar que sempre "[...] una minoría poderosa se reserva en las sociedades democráticas [...] el monopolio de las grandes decisiones que afectan a millones de ciudadanos" (VARELA; ALVAREZ-URÍA, 1989, p. 22).

Contrapondo-se a vontade geral e em atendimento à vontade dominante, é possível ocorrer o direcionamento da política tributária com o fim de desonerar a atividade econômica privada e imputar o ônus tributário à sociedade. Por exemplo, o Estado pode impor maior carga de tributos sobre o consumo e os salários que sobre o capital, o lucro e o patrimônio, privilegiando, portanto, determinados grupos sociais:

A tributação como fato político está muito ligada à luta de classes por ser este elemento subjacente do fenômeno da conquista e manutenção do poder [...] Tributar – exigir dinheiro sob coação – é uma das manifestações do exercício do poder. A classe dirigente, em princípio, atira o sacrifício às classes subjugadas e procura obter o máximo de satisfação de suas conveniências com o produto das receitas. (BORDIN, 2002, p. 16).

Por outro lado, a política tributária pode privilegiar a tributação indireta e, ao mesmo tempo, desonerar o capital, o lucro e o patrimônio. Pode, também, criar um ambiente jurídico propício ao cometimento de infrações tributárias, seja através de uma legislação tributária complexa, seja através de mecanismos de amparo àqueles que cometem tais infrações, tal como ocorre com o disposto no art. 34, da Lei n° 9.249, de 26 de dezembro de 1995.

4.1.1.1.1 Poder político e política tributária

A tributação tanto possui natureza fiscal, cuja finalidade é obter receitas tributárias; como natureza extrafiscal, que tem como finalidade possibilitar a realização de outras atribuições estatais como, por exemplo, o fomento ao desenvolvimento econômico e social, o controle e o planejamento da economia, do comércio exterior e do câmbio, e a redistribuição da renda. Sendo assim, a tributação, como atividade estatal coordenada e dirigida, também se apresenta na forma de política pública, denominada de política tributária.

A política tributária possui aspectos subjetivos e objetivos. Os aspectos subjetivos dizem respeito à intenção estatal de tributar determinado grupo social, ou seja, dentro de inúmeras possibilidades de imputação tributária, o Estado elege aqueles agentes privados inseridos na sociedade, pessoas físicas ou jurídicas, que devem contribuir para a manutenção do ente estatal.

Os aspectos subjetivos da política tributária só implicitamente vêm expressos nas ações estatais relacionadas com o poder de tributar. Por serem subjetivos antecedem a própria formalização da política tributária, porém, a análise do sistema tributário nacional pode indicar as reais intenções de determinado grupo político dominante.

Os aspectos objetivos da política tributária se relacionam com o arcabouço jurídico-administrativo criado com a finalidade de fazer incidir e cobrar o tributo. Encontram-se aqui, dentre outros aspectos, as diversas espécies de tributos, as estruturas administrativas encarregadas de arrecadar o tributo, os instrumentos jurídicos de cobrança do tributo, sejam eles espontâneos ou coercitivos. É através dos aspectos objetivos da política tributária que a intenção de determinado grupo político dominante se concretiza socialmente.

4.1.1.1.2 Poder político e desoneração tributária

A desoneração tributária da atividade econômica privada pode ser efetuada através de uma política de incentivos fiscais, legalmente denominada de renúncia de receita. A Lei Complementar nº 101, de 04 de maio de 2000, mais conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal, dispõe:

Art. 14. [...]

§ 1º. A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado.

A preocupação com a renúncia de receita tributária [03] é justificável, em especial em atendimento ao Princípio Republicano aplicado à tributação, que determina tratamento tributário isonômico. Com muito zelo, apesar da inexpressiva efetividade, a Constituição Federal de 1988 determina:

Art. 165 [...]

[...]

§ 6º O projeto de lei orçamentária será acompanhado de demonstrativo regionalizado do efeito, sobre receitas e despesas, decorrente de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia.

Em flagrante ofensa à disposição constitucional, o Estado brasileiro ainda não dispõe de mecanismos exatos de controle das renúncias fiscais concedidas à atividade econômica privada, via benefícios como isenções, anistias e remissões. É preocupante, também, a ofensa ao princípio da publicidade dos atos da administração tributária, em especial porque são inacessíveis à sociedade informações acerca dos recursos públicos renunciados.

A preocupação com as políticas de renúncia de receitas tributárias decorre da evidente ofensa à sociedade, à economia, à segurança pública, enfim, ao Estado. Só em casos especiais é socialmente aceitável a concessão de benefícios fiscais: primeiro, porque parte considerável da carga tributária brasileira recai sobre as pessoas físicas, através de tributos diretos e tributos indiretos; segundo, porque a concessão à atividade econômica privada de benefícios fiscais redunda em diminuição de disponibilidades financeiras do Estado para gastos sociais.

É interessante apontar que, via de regra, a concessão de benefícios fiscais à iniciativa econômica privada é efetuada de forma graciosa, sem nenhuma contrapartida que onere a pessoa jurídica, como a redução de preço dos bens, mercadorias e serviços, ou o aumento dos postos de trabalho. Representa, então, mera transferência de recursos da sociedade para a atividade privada.

Nesta situação, ocorre o fenômeno que pode ser denominado de privatização dos tributos – toda a coletividade contribui financeiramente com recursos individuais que serão destinados à atividade econômica privada, como se esta por si só não fosse capaz de gerar riquezas. Comportando-se assim o Estado tem contribuído para o aumento da lucratividade das empresas, sem estas, no entanto, despenderem qualquer esforço de gestão ou qualquer contrapartida social. Esse fenômeno representa, apenas, como anotou Chomsky (2002, p. 25), "[...] um subsídio do contribuinte fiscal para o lucro e o poder privados".

Ainda é pertinente dizer que a concessão de benefícios fiscais nos tributos indiretos representa ofensa ainda mais grave à sociedade, porque, neste caso, o ônus tributário não é atribuído à pessoa jurídica, mas àquele que consome. De concreto, a concessão de benefícios fiscais nos tributos indiretos é medida que, além de onerar a sociedade, uma vez que é esta que arca com o ônus tributário, ainda desvirtua a lógica da tributação, na medida em que introduz mecanismo de transferência de riqueza da sociedade para a atividade econômica privada.

No quesito do direcionamento das leis tributárias para atendimento de interesses privados, impera a total irresponsabilidade por danos sociais e financeiros causados pelos agentes políticos. É impossível comprovar se o descuido com a legislação tributária é decorrente da ignorância do legislador ou fruto da intenção deliberada de propiciar ferramental jurídico para ganhos privados indevidos e cometimentos de fraudes contra a Fazenda Pública.

Talvez a evidência mais concreta das relações de interesse entre poder político e atividade econômica venha à tona a partir do financiamento de campanhas eleitorais por empresas detentoras de benefícios fiscais, comportamento este, aliás, ainda não vedado em lei.

4.1.1.2 No âmbito do Poder Judiciário

Alguns comportamentos danosos à atividade tributária praticados no âmbito do Poder Judiciário estão relacionados, primordialmente, a concessão de medida liminar em ações cautelares e de mandado de segurança. Como ato de livre-arbítrio do magistrado, a concessão de liminares resulta do poder de cautela do mesmo.

Como instrumentos processuais que visam afastar temporariamente os efeitos dos atos administrativos impugnados pelo sujeito passivo, há evidente preocupação com as medidas liminares que suspendem a exigibilidade do crédito tributário, conforme art. 151, IV e V, do Código Tributário Nacional, ou que impedem o regular exercício da atividade tributária.

Em determinadas situações a atuação legal da administração tributária é obstaculada através de medidas liminares que impossibilitam a cobrança do tributo contemporaneamente à concretização do fato gerador ou ao cometimento da infração à legislação tributária. Em momento posterior, mesmo diante do lançamento tributário, inexistem instrumentos processuais para reaver os montantes subtraídos aos cofres públicos. É a situação denominada de periculum in mora inverso, que ocorre seja pelo desaparecimento do devedor tributário seja pela impossibilidade material de cumprimento da obrigação tributária. Nestas situações, concretamente o que interessa compreender é que o prejuízo à Fazenda Pública é objetivo e que este independe da subjetiva intenção do magistrado ao decidir o caso concreto. O fato é que, independentemente do dolo ou da culpa do magistrado, a execução fiscal torna-se inócua e nenhum montante do tributo será recuperado.

É necessário salientar que a tributação é atividade de Estado e não mera atividade de governo, que esta atividade é desempenhada dentro dos estreitos limites legais e que, em determinadas situações, uma vez dispensada a cobrança imediata do tributo, fórmulas mágicas, meramente processuais, não possuem o condão de reaver as receitas tributárias.

Não é o caso de se desprezar direitos certos e líquidos do sujeito passivo diante das arbitrariedades cometidas pela administração tributária. A própria Constituição Federal incluiu dentre os direitos e garantias fundamentais a certeza de que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". Contudo, a tutela jurisdicional, claro, não poderá sobrepor-se ao interesse coletivo. Neste sentido, o livre convencimento do julgador não autoriza a sua irresponsabilidade pública. Faz-se, então, necessário inquirir se a tutela de direitos e garantias individuais sobrepuja o interesse público e os direitos sociais. A resposta mais imediata a tal questionamento, ao que tudo indica, é que a tutela de direito individual não pode se sobrepor ao direito do Estado obter receitas tributárias, tendo em vista a supremacia do interesse público sobre o interesse privado.

Dentro deste contexto, é possível indicar que a ordem jurídica já dispõe de mecanismo processual simples que tem o condão de afastar o periculum in mora inverso e, consequentemente, o prejuízo financeiro do Estado. É o caso, por exemplo, da contra-cautela, que se materializa com o simples depósito do montante do tributo devido ou estimado, a fim de evitar alteração no equilíbrio das partes, garantindo ao Estado a possibilidade material de lançar e cobrar o tributo em instante posterior à decisão [04]. Por outro lado, o depósito assegura ao sujeito passivo certa tranqüilidade na liquidação de débitos tributários. Para Cassone e Cassone (2000, p. 224):

[...] o depósito é sempre útil, não só ao processo, como também às partes, especialmente ao contribuinte, que se perdedor, poderá encontrar sérios problemas de capital de giro – salvo se procedeu a reserva financeira, o que nem sempre é fácil empreender.

A história recente da jurisprudência no Brasil tem demonstrado o dano irreparável de determinadas decisões liminares. Por exemplo, até a década de 1990 prevaleceu em parte considerável do Judiciário a tese da inconstitucionalidade e ilegalidade da substituição tributária progressiva. Bases econômicas relevantes foram desoneradas temporariamente, tal como as operações de combustíveis, até que a Emenda Constitucional nº 3, de 17 de março de 1993, constitucionalizou a matéria. Posteriormente prevaleceu a tese da ofensa ao princípio da não-cumulatividade. Ao final, contudo, o Supremo Tribunal Federal, reiteradamente, reconheceu à constitucionalidade do regime de substituição tributária, bem como a não ofensa ao princípio da não-cumulatividade (STF, RE 190317/SP, DJU 01/10/99, p.49).

Outro exemplo mais recente envolve as empresa de construção civil. Floresceu a inusitada tese, albergada por parte do Judiciário, de que as empresas de construção civil não se enquadravam dentre os contribuintes do ICMS, sendo, portanto, indevida a cobrança do diferencial de alíquota do imposto estadual nas aquisições interestaduais de insumos (material de consumo). No entanto, as empresas de construção civil pleiteavam, também, a manutenção de suas inscrições estaduais no cadastro de contribuintes do ICMS. É evidente o contra-senso: as empresas de construção civil necessitavam da inscrição estadual para aquisição de insumos com alíquota interestadual, mas para o pagamento do diferencial de alíquota deveriam ser reconhecidas como não contribuintes do ICMS. A intenção é, portanto, adquirir material de construção em operações interestaduais com alíquota de 7% ou 12%, a depender do Estado de origem, e não pagar o diferencial de alíquota devido ao Estado de destino.

Resolvidas as questões jurídicas, resta sempre ao Poder Público saber como recuperar os montantes devidos. Em muitos casos inexistem meios materiais para cobrança dos tributos devidos, restando apenas o prejuízo às Fazendas Públicas.

4.1.2 Comportamentos internos

A obrigação tributária nasce, única e exclusivamente, com a ocorrência concreta de um fato, ato ou situação jurídica tipificado de forma abstrata em lei tributária. Enquanto não se verificar a ocorrência concreta da hipótese prevista em lei, não há que se falar em obrigação tributária.

Não basta, no entanto, que a legislação tributária determine que o sujeito passivo cumpra monetariamente a obrigação tributária. Segundo Coêlho (2002, p. 421):

É necessário que um agente da Administração pratique atos de individualização da norma (ato administrativo de aplicação da lei), subsumindo o fato à norma, determinando os contribuintes e quantificando os que devem pagar, isto é, fixando quanto é devido por cada um a título de tributo (o crédito tributário), quando, como, onde e a quem pagar.

A administração tributária não dispõe de espaço para discricionariedades, pois o Direito Tributário obedece a fórmulas jurídicas rígidas, afastando a subjetividade da relação jurídico-obrigacional tributária. Para Machado (2002, p. 152-153):

A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória sob pena de responsabilidade funcional. Tomando conhecimento do fato gerador da obrigação tributária principal, ou do descumprimento de uma obrigação tributária acessória, que a este equivale porque faz nascer também uma obrigação tributária principal, no que concerne à penalidade pecuniária respectiva, a autoridade administrativa tem o dever indeclinável de proceder ao lançamento tributário. O Estado, como sujeito ativo da obrigação tributária, tem um direito ao tributo, expresso no direito potestativo de criar o crédito tributário, fazendo o lançamento. A posição do Estado não se confunde com a posição da autoridade administrativa. O Estado tem um direito, a autoridade tem um dever.

Como não são autorizados atos discricionários na atividade do lançamento tributário as práticas danosas se voltam para outras atividades, antecedentes ou posteriores à atividade do lançamento tributário. No entanto, a autoridade fazendária que pratica atos distintos daqueles previstos em lei tributária, ao invés de obedecer a vontade legal, cumpre sua vontade própria ou alheia. Neste sentido, Ramina (2002, p. 31) ressalta que:

[...] o elemento coerção ou ameaça de coerção que existe por trás do lançamento de tributos e o fato de que os agentes públicos lidam sempre com o dinheiro do povo trazem razões adicionais para que os agentes públicos sejam mais honestos e justos.

As condutas tipificadas de corrupção ou qualificadas de corrupção política praticadas no interior administração tributária são concretizadas através de mecanismos menos explícitos, já que a lei vincula os atos administrativos do lançamento tributário. Tais condutas seguem dois caminhos bem distintos: o primeiro, diz respeito aos atos mais gerais, posto que refletem o direcionamento da instituição Administração Tributária; já o segundo, representa aqueles atos praticados pelos autoridades fazendárias encarregadas da execução das atividades de fiscalização tributária.

4.1.2.1 Comportamentos institucionais

O entendimento atual acerca da tributação indica sua natureza de atividade de Estado, apartando-a das meras atividades de governo. Contudo, o modelo de administração tributária adotado no Brasil a vincula ao Poder Executivo. Nos Estados democráticos, onde o governo é transitório e as atividades de Estado não podem ser afetadas nos momentos de descontinuidades de governo, a evidente falta de autonomia da administração tributária pode resultar em sérios problemas de direcionamento da atividade tributária. Quando determinado grupo político e econômico democraticamente se instalar no poder, a administração tributária fica vulnerável a determinadas interferências externas. Por exemplo, os cargos que imprimem a direção a ser seguida serão preenchidos, prioritariamente, por aqueles que comungam o mesmo posicionamento político.

Dessa forma, cria-se uma relação estreita entre poder político-econômico e gestores tributários. É claro que cada grupo político dominante imprimirá à administração tributária sua fisionomia para conceder, por exemplo, privilégios não extensíveis aos demais grupos.

É prudente ressaltar que a instituição Administração Tributária não dispõe de vontade própria, sendo, apenas, a síntese da vontade dominante. Logo, por atos institucionais deve ser entendida a associação de vontades e condutas individuais com a finalidade de se chegar um fim comum. Por outro lado, os atos institucionais adquirem autonomia em relação aos atos individuais que o formaram. Passam a ter existência, natureza e força coercitiva distintas daqueles individuais que os originaram. Portanto, para que haja atos institucionais danosos à Fazenda Pública faz-se necessário que gestores tributários e autoridades fazendárias pratiquem, individualmente, atos tipificados de corrupção ou qualificados de corrupção política que, associados, exprimem a vontade dominante e resultem em privilégios não extensíveis aos demais membros da sociedade.

Na atividade tributária é possível apontar atos institucionais que reúnem condutas tipificadas de corrupção ou qualificadas de corrupção política, tais como as concessões de benefícios fiscais indevidos e o direcionamento da fiscalização tributária, dentre outros.

4.1.2.1.1 Concessão de benefícios fiscais indevidos

Na esteira da autorização constitucional para tratamento diferenciado encontram-se instrumentos permissivos de benefícios fiscais que, muitas vezes, denotam fragilidade lógica e jurídica. Muitos dos favores tributários veiculam não um mandamento justo para com a atividade produtiva, mas um encontro de vontades abjetas entre grupo político dominante e iniciativa privada.

Os benefícios fiscais alteram a dinâmica jurídica do tributo, de tal forma que o mesmo se conforme a necessidade empresarial, criando indevidamente espécies privilegiadas de sujeitos passivos que obtém vantagens tributárias que não são estendidas à grande maioria. Assim, ocorre, por exemplo, com a famigerada guerra fiscal entre os Estados, no qual os benefícios fiscais são veiculados através de "termos de acordo", elaborados de forma casuística para atender necessidades empresárias específicas.

O acordo de vontades na seara tributária, além de não autorizado por lei, possibilita a ocorrência de encontros entre gestores tributários, agentes políticos e representantes da iniciativa privada com a finalidade de discutir a carga tributária final, fórmulas de tributação e prazo de recolhimento, dentre outros aspectos, possibilitando um consenso quanto à forma tributação a ser aplicada a determinada empresa ou setor produtivo.

Ao dispensar tratamento tributário individualizado para atender a vontade dominante, a administração tributária desprezará o Princípio Republicano, bem como seu sub-princípio da isonomia. Este fato possibilita a ocorrência de dois fenômenos distintos: primeiro, os gestores tributários e as autoridades fazendárias, pessoas que são, sempre estarão sujeitos a ceder diante pressões ou vantagens de qualquer espécie; e segundo, nem todos os sujeitos passivos têm a facilidade de tramitação dentro do poder público, seja através da via política, seja através do poderio econômico, fazendo surgir uma zona de intermediação de interesses privados no entorno da administração tributária.

Portanto, a concessão de benefícios fiscais só se justifica se houver permissivo legal que estabeleça parâmetros objetivos e relevância social, como a geração de emprego ou redução final dos preços das mercadorias e serviços.

4.1.2.1.2 Direcionamento da fiscalização tributária

A administração tributária pode, indevidamente, direcionar as atividades de fiscalização através da exclusão de determinados sujeitos passivos dos controles e fiscalização tributários.

Diante da imperiosa necessidade de resguardar direitos do sujeito passivo, a lei não atribuiu à autoridade fazendária a competência de escolher quais sujeitos passivos deverão ser fiscalizados. Apenas o Estado, através da administração tributária, detém a prerrogativa de autorizar a autoridade fazendária a adentrar no ambiente privado do sujeito passivo para proceder as verificações necessárias à apuração do tributo devido. A autoridade fazendária carece, portanto, de autonomia, posto que esta não age por vontade própria, mas sob a tutela do Estado. Aliás, a autoridade fazendária, no exercício regular de suas funções, deverá mesmo ser privada de atos próprios, cabendo unicamente à administração tributária, autorizar a realização de qualquer atividade de fiscalização.

O problema não está na ausência de autonomia da autoridade fazendária, tendo em vista que este exerce suas funções constitucionais nos estreitos limites autorizados, mas na manipulação da fiscalização tributária pelo gestor tributário, uma vez que este ao cumprir vontade estranha ao interesse público, poderá afastar a fiscalização tributária de determinados sujeitos passivos.

4.1.2.2 Comportamentos individuais

4.1.2.2.1 Na execução de procedimentos de fiscalização

O Direito Tributário interessa-se pela verdade material ou real. Não se contenta apenas com a verdade formal, qual seja, aquela extraída de documentos e declarações.

As operações tributáveis sempre envolvem elementos monetários, quantitativos e qualitativos. No entanto, a verdade material de tais operações encontra-se restrita ao conhecimento das partes. Faz-se, então, necessária a declaração da existência da operação tributável em toda a sua extensão, passando este a ser formalmente descrito através, por exemplo, de uma nota fiscal, de um contrato ou de qualquer outro instrumento juridicamente aceito.

Os documentos que exteriorizam a verdade formal são meros instrumentos de prova da existência de uma operação tributável. O legislador entendeu que tais documentos não são títulos representativos de bens, produtos, mercadorias, serviços e operações tributáveis, já que é possível a não coincidência entre as verdades formal e material. Por exemplo, pode ocorrer a emissão de documento fiscal que efetivamente não represente uma operação tributável ou, ao contrário, a ocorrência de operação tributável sem a efetiva emissão do documento fiscal.

As informações extraídas de livros e documentos fiscais e contábeis expressam, apenas, a realidade formal das operações tributáveis. Apesar de a administração tributária fazer uso, inicialmente, dos elementos quantitativos das operações formalmente declaradas, não será prudente transformar os documentos fiscais em meio essencial à comprovação da ocorrência do fato gerador e, principalmente, à determinação da base de cálculo. Tais elementos da obrigação tributária poderão ser desvendados através de qualquer um dos meios de prova admitido em lei.

A legislação tributária, quando da descrição da base de cálculo, preocupou-se com o valor da operação, e não com a existência de documento fiscal, restringindo, assim, o elemento quantitativo da obrigação tributária à verdade material. Não que documentos fiscais sejam preteridos, mas diante da incerteza das informações declaradas, preferiu o legislador a realidade material, ou seja, o valor efetivo da operação tributável. Portanto, pouco importa para efeitos tributários a existência ou não de documento fiscal. O que determina o nascimento da obrigação tributária, bem como o montante devido à Fazenda Pública, é a ocorrência efetiva da hipótese de incidência e o valor real da operação tributável.

A simples existência de documento fiscal que acoberte operação tributável não tem o condão de encerrar a responsabilidade tributária. Tal documento, no máximo, comprova a existência da operação, podendo, se necessário, ser trazido à tona a extensão monetária da obrigação tributária através de outros meios de prova admitidos em lei.

O documento fiscal deve ser entendido como mero elemento de prova da existência de operações tributáveis, cabendo sempre a administração tributária, através do devido processo legal, a possibilidade de questionar os valores monetários, quantitativos e qualitativos ali declarados.

A fiscalização tributária se desenvolve, prioritariamente, através da auditoria de livros e documentos fiscais e contábeis. Do confronto da movimentação empresarial com as informações registradas em livros e documentos apura-se parte considerável das infrações tributárias.

O Código Tributário Nacional, em seu art. 194, prescreve que:

Art. 194. A legislação tributária, observando o disposto nesta Lei, regulará, em caráter geral, ou especificamente em função da natureza do tributo de que se trata, a competência e os poderes das autoridades administrativas em matéria de fiscalização da sua aplicação.

Com muita propriedade, Nogueira (1980, p. 242) diz que "conforme a natureza fática ou subjacência do fato gerador, também os métodos de fiscalização, especialmente de investigação, precisam ser adequados". Os procedimentos necessários ao lançamento tributário devem obedecer a esquemas rígidos através da aplicação de métodos contábeis e jurídicos aceitos, de forma a se garantir a segurança jurídica e a exatidão material do crédito tributário.

Dentre as condutas ilegais na execução dos procedimentos de fiscalização pode-se apontar: i) o desprezo aos procedimentos e técnicas de auditoria tributária; ii) a desconsideração ou a manipulação de valores declarados em livros e documentos fiscais e contábeis do sujeito passivo; ou, ainda, iii) o direcionamento dos procedimentos de fiscalização para determinadas contas ou grupos de contas.

No primeiro caso, verifica-se que o desprezo aos procedimentos e técnicas de auditoria é capaz de impedir que a verdade material se exteriorize em sua totalidade. Em qualquer tipo de auditoria, os procedimentos realizados, bem como as técnicas de auditoria, necessitam ter uma aproximação com o objeto auditado. No atual estágio do desenvolvimento da tecnologia da informação é possível aprofundar levantamentos fiscais e contábeis. Esta imensa disponibilidade de processamento de dados foi capaz, por exemplo, de tornar sem relevâncias as antigas técnicas de auditoria por amostragem, possibilitando procedimentos que dão tratamento a totalidade de documentos e operações dos sujeitos passivos. Por exemplo, é ineficaz a realização de levantamento quantitativo de mercadorias, escolhidas por amostragem, na fiscalização tributária de uma empresa varejista, que opera como milhares de mercadorias, já que tal procedimento e técnica apresentam-se inapropriados para alcançar a totalidade das operações tributáveis.

No segundo caso, os livros e documentos fiscais e contábeis podem indicar a existência de operações suspeitas, tais como empréstimos não registrados, vendas ou aquisições subfaturadas ou superfaturadas, ou seja, indícios que podem desvendar bases econômicas relevantes que não foram espontaneamente oferecidos à tributação.

No terceiro caso, ocorre porque mesmo obedecendo a métodos e técnicas fiscal-contábeis, procedimentos tributários podem indicar resultados materiais distintos. Por exemplo, a auditoria da conta Caixa pode apurar uma base de cálculo de R$ 10.000,00, enquanto a conta Fornecedores uma base de cálculo de R$ 1.000.000,00, ambos realizados dentro de parâmetros legais. Como ato-servo da lei, no lançamento não há espaço para discricionariedades com a finalidade de adequar o resultado à conveniência do sujeito passivo ou imputar um maior ônus tributário ao mesmo. Nestes casos, deve prevalecer aquela realidade que mais se aproxima da verdade real.

Dentro desta perspectiva, os procedimentos fiscalização devem ser claros e precisos, os autos devem conter os meios de prova necessários, tudo para assegurar amplas prerrogativas e garantias de defesa do sujeito passivo e permitir a administração tributária rever seus atos. Aliás, todos os atos das autoridades fazendárias devem sempre possibilitar a posterior verificação objetiva e segura dos procedimentos de fiscalização realizados, de forma que o Estado não seja subtraído de seus recursos públicos nem o sujeito passivo seja gravado além do expressamente previsto na lei tributária.

4.1.2.2.2 Na formalização do lançamento tributário

A obrigação tributária cria um vínculo jurídico-obrigacional entre os sujeitos ativo e passivo. Em sua gênese, a obrigação tributária é ainda incerta e ilíquida. Necessário se faz, então, desnudar os elementos da obrigação tributária, em especial seus aspectos quantitativos, de tal forma que o crédito tributário seja conhecido em toda sua extensão monetária.

É através do ato de lançamento tributário que a obrigação tributária se materializa. Por conseguinte, o ato declaratório do lançamento transforma o crédito tributário ilíquido e incerto em líquido e certo. Para Machado (2002, p. 152) lançamento tributário é:

[...] o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, identificar o seu sujeito passivo, determinar a matéria tributável e calcular ou por outra forma definir o montante do crédito tributável, aplicando, se for o caso, a penalidade cabível.

O lançamento tributário é vinculado à vontade da lei. Contudo, ao aplicar a norma tributária ao caso concreto a autoridade fazendária, em desvio de conduta, poderá cometer ilicitudes que vão desde a prevaricação até o excesso de exação.

Dentre as condutas ilegais na formalização do lançamento tributário pode-se apontar: i) erro na capitulação legal das infrações tributárias; e ii) erro na identificação do sujeito passivo. O primeiro, encontra guarida na possibilidade fática de divergências de interpretação da lei tributária e dos resultados dos procedimentos de fiscalização realizados. O lançamento tributário, então, estará eivado de vício na capitulação da infração, resultando em menor montante devido ou em uma multa tributária menor.

Já no segundo caso, o lançamento tributário é formalizado com a indicação equivocada do sujeito passivo ou sem a indicação daqueles agentes privados que deveriam figuram no pólo passivo da relação jurídico-obrigacional, especialmente os responsáveis tributários. O lançamento tributário ao identificar um estranho à relação tributária torna-se nulo ou, ainda, ineficaz, ao apontar como sujeito passivo agente privado incapaz de cumprir a obrigação tributária. Já ao deixar de indicar determinado sujeito passivo, a Fazenda Pública fica impossibilitada de executar a dívida tributária de todos os sujeitos passivos, seja contribuinte ou responsável tributário.

Sobre o autor
Alexandre Henrique Salema Ferreira

Professor de Direito Tributário e de Direito Financeiro do Curso de Direito da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), Auditor Fiscal da Receita Estadual da Paraíba, Mestre em Ciências da Sociedade pela UEPB e Especialista em Auditoria Fiscal-contábil pela UFPB

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Alexandre Henrique Salema. Corrupção política e atividade tributária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2413, 8 fev. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14317. Acesso em: 27 dez. 2024.

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