1 INTRODUÇÃO
O Estado moderno desenvolve a atividade tributária não só com o objetivo de obtenção de receitas públicas (finalidade fiscal), mas, principalmente, como instrumento de intervenção econômica (finalidade extrafiscal). A política pública tributária, dentro de sua finalidade extrafiscal, estabelece critérios tributários para o desenvolvimento da atividade econômica. Dentro deste contexto, destaca-se a política de incentivos fiscais, com inúmeras possibilidades de desoneração tributária para os agentes econômicos em troca, por exemplo, da geração de emprego e renda ou da redução dos preços finais de produtos, mercadorias e serviços.
Os agentes econômicos são destinatários de mandamento constitucional de estímulo ao desenvolvimento, materializado em uma política tributária extrafiscal destinada à renúncia de suas obrigações tributárias. É certo que o Estado se utiliza de ferramentas dessa natureza para intervir no setor produtivo e interagir ativamente no processo de desenvolvimento econômico e bem-estar social.
Contudo, não é suficiente que os instrumentos de estímulo à atividade econômica de uma determinada política tributária estejam explicitados em normas jurídicas ou que o gestor público aplique estas norma a situações concretas. Faz-se necessário mensurar os efeitos concretos da política de tributária, de forma a identificar se os resultados estão em sintonia com o bem-estar social e o desenvolvimento econômico.
A tributação é fato jurídico-econômico-social que transcende a vontade individual. Todos os agentes econômicos inseridos na sociedade (pessoas físicas e jurídicas) são impelidos a contribuir para a manutenção do Estado. Contudo, a tributação sobre a pessoa física tem sido agravada, através dos tributos diretos incidentes sobre a renda e o patrimônio e dos tributos indiretos incidentes sobre o consumo. Em sentido inverso, constata-se a crescente desoneração tributária do capital, da produção, enfim, da pessoa jurídica.
A tributação direta se distancia cada vez mais da atividade econômica privada e, no caso de impossibilidade do afastamento da incidência tributária, à pessoa jurídica é conferida a faculdade de agregar o ônus tributário ao preço dos bens, produtos, mercadorias e serviços vendidos, repassando também o ônus financeiro à sociedade.
Diante desse quadro, é colocada a questão dos incentivos estatais à atividade econômica através da maciça concessão de benefícios fiscais, especialmente sobre os tributos indiretos. Neste particular, o problema assume contornos mais preocupantes. A concessão de benefícios fiscais nos tributos indiretos representa ofensa ainda mais grave à sociedade, porque, neste caso, o ônus tributário não é atribuído à pessoa jurídica, mas àquele que consome. Na verdade, a concessão de benefícios fiscais nos tributos indiretos é medida que além de onerar a sociedade – uma vez que é esta que arca com o ônus tributário – ainda desvirtua a lógica da tributação, na medida em que introduz mecanismo de transferência de riqueza da sociedade para a atividade econômica.
Diante deste quadro, coloca-se, então, o seguinte problema: com fundamento na Análise Econômica do Direito, quais as relações entre a política de incentivos fiscais do Estado da Paraíba e a geração de emprego e renda, no recorte temporal de 2002 a 2008?
O presente trabalho tem os seguintes objetivos específicos:
i) descrever as relações entre Estado, políticas públicas e desenvolvimento sócio-econômico;
ii) apontar os pressupostos microeconômicos dos incentivos fiscais no campo do ICMS [01];
iv) analisar arranjos institucionais e custos de transação associados à circulação de produtos e mercadorias (ICMS);
iii) apontar os resultados macroeconômicos dos incentivos fiscais no campo do ICMS no Estado da Paraíba;
iv) apurar, no recorte temporal de 2002 a 2008, o montante de receitas públicas, de receita do ICMS e de benefícios fiscais no Estado da Paraíba;
v) analisar, no recorte temporal de 2002 a 2008, as relações entre benefícios fiscais e indicadores econômicos, de emprego e de mercado de trabalho no Estado da Paraíba;
O presente trabalho se enquadra em dois gêneros de pesquisa: teórica e empírica. Para Demo (1995, p. 13), a pesquisa teórica se dedica "[...] a formular quadros de referência, a estudar teorias, a burilar conceitos", enquanto a pesquisa empírica está "[...] dedicada a codificar a face mensurável da realidade social".
É importante ressaltar que a opção pela pesquisa empírica fez-se necessária diante do viés metodológico proposto pela escola do pensamento jurídico denominada de Análise Econômica do Direito, metodologia esta que "[...] tem sido entendida, de modo geral, como sendo a utilização da teoria econômica e métodos econométricos para o exame do Direito e instituições jurídicas" (CALIENDO, 2009, p. 14). Segundo Wooldridge (2006, p. 1) "A econometria é baseada no desenvolvimento de métodos estatísticos para estimar relações econômicas, testar teorias, avaliar e implementar políticas de governo e de negócios". Por isso, os métodos econométricos se apresentam pertinentes quando há "[...] uma teoria econômica para testar ou quando temos em mente uma relação que apresenta alguma importância para decisões de negócios ou estimar uma relação". (WOOLDRIDGE, 2006, p. 2).
Quanto aos métodos de procedimento, a pesquisa adotará, conforme classificação de Marconi e Lakatos (2005, p. 106-108), o método comparativo, para a pesquisa teórica; e o método estatístico, para a pesquisa empírica.
Através do método comparativo, a pesquisa procurou explicar se, no recorte temporal de 2002 a 2008, a política de incentivos fiscais foi capaz de alterar o quadro sócio-econômico do Estado da Paraíba. Dentro deste contexto, buscou-se identificar relações entre questões sócio-econômicas e o aumento dos benefícios fiscais no campo de incidência do ICMS, de forma a esclarecer os comportamentos convergentes ou divergentes entre política de benefícios fiscais e crescimento econômico, de emprego e de mercado de trabalho.
O método comparativo também teve a pretensão de identificar se o argumento que fundamenta a concessão de benefícios fiscais é compatível com os resultados sócio-econômicos do Estado da Paraíba. Neste sentido, o discurso, inclusive o oficial, justifica o tratamento diferencial à atividade econômica com base na premissa de que o desenvolvimento econômico, por si só, é capaz de alterar a realidade social e econômica do Estado.
Já método estatístico, segundo Marconi e Lakatos (2005, p. 108):
[...] significa redução de fenômenos sociológicos, políticos, econômicos etc. a termos quantitativos e a manipulação estatística, que permite comprovar as relações dos fenômenos entre si, e obter generalizações sobre sua natureza, ocorrência ou significado.
Com a devida vênia, contrariando a citação acima, não nos encanta a idéia de estabelecer relações de causa e efeito ou generalizações a partir de levantamentos meramente quantitativos. O dado numérico, por si só, não permite a compreensão de fenômenos sociais. Há que ter uma referência teórica que justifique os resultados numéricos obtidos, por isso, com muita propriedade, Demo (1995, p. 141-142) afirma:
Toda sensação de evidência não provém [...] do dado, mas do quadro teórico em que é colhido. Para quem estiver mal aparelhado em termos de referencial técnico ou deste falto – se isto fosse possível – qualquer dado nada diz.
Por isso, a preocupação metodológica de inserir a pesquisa quantitativa na corrente do pensamento jurídico chamada de Análise Econômica do Direito, utilizando elementos não jurídicos na compreensão das normas tributárias que veiculam a política de benefícios fiscais.
É importante salientar que os dados oficiais carregam, em si, uma preocupação ideológica que muitas vezes falseiam a realidade. A esse respeito, Demo (1995, p. 141) afirma:
[...] o dado é muito mais um produto do que um achado. Nos dados do IBGE não está pura e simplesmente a realidade brasileira, mas uma forma de interpretá-la, certamente mais "oficial" do que real. Isto explica por que do mesmo dado se pode fazer interpretações diferentes e mesmo contraditórias.
Também é possível afirmar que dados não-oficiais padecem do mesmo mal: estão eivados de tendências ideológicas. Assim sendo, na pesquisa empírica desenvolvida neste trabalho preocupou-se, sempre, em indicar tendências estatísticas, nunca relações deterministas de causa e efeito.
2 ESTADO, POLÍTICAS PÚBLICAS E DESENVOLVIMENTO SÓCIO-ECONÔMICO
2.1 ESTADO E POLÍTICAS PÚBLICAS
Nas últimas décadas o Estado tem retomado o protagonismo na indução do desenvolvimento sócio-econômico. Como ator central na condução da sociedade, com relevante papel no fomento da economia, na redução das desigualdades de renda e na proteção de direitos de propriedade, dentre inúmeras outras atribuições, do Estado exige-se uma forte presença, sem que isso represente qualquer traço de dirigismo ou planificação da economia ou da vida social.
Com a finalidade de alcançar seus objetivos, o Estado necessita desenvolver inúmeras atividades-fim, tais como saúde, educação, segurança, tutela jurisdicional e defesa externa; e atividades-meio ou instrumentais, tal como a atividade financeira. É evidente que tais atividades estatais devem ser minimamente planejadas, coordenadas, dirigidas e controladas. Para tanto, o Estado estabelece políticas públicas, que expressam os objetivos e intenções estatais envolvidos na realização de determinado fim, visando, por exemplo, estimular a atividade econômico-privada; fomentar a geração de emprego e renda; diminuir as desigualdades sociais; proteger a criança e o adolescente; tutelar o consumidor; valorizar o idoso ou prestar a tutela jurisdicional em tempo hábil, dentre outros.
Através das políticas públicas o Estado organiza e redireciona a sociedade, em sintonia com as mutações político-sócio-econômicas observadas em determinado momento histórico. Neste sentido, as políticas públicas representam o esforço estatal de conduzir e conciliar interesses coletivos.
Caliendo (2009, p. 17) descreve as relações entre economia e políticas públicas:
É praticamente certo em termos econômicos que nenhuma economia pode operar sem a existência de uma base mínima de organização institucional e que, por sua vez, esta base requer ser financiada (... laws cannot be policed free of costs). Portanto, desse fato duas ordens de preocupação têm sido desenvolvidas na teoria econômica: eqüidade e eficiência.
De um lado, o Estado deve implementar suas políticas com o mínimo de efeitos para a sociedade (minimum loss to society). Minimizar seus efeitos é uma das exigências da eficiência econômica. Por outro lado, o Estado deve agir para obter a mais eqüitativa distribuição de bens na sociedade, especialmente, perante o fato de vivermos em uma sociedade em que o mercado é imperfeito e existem motivações decorrentes de vontade de promoção de políticas públicas de bem-estar social.
É evidente a necessidade da presença do Estado na condução de elementos institucionais mínimos que organizem a vida em sociedade, que protejam direitos de propriedade, que estimulem a atividade produtiva, enfim, que promovam as condições ideais de desenvolvimento sócio-econômico, sem que esta presença afete as escolhas individuais.
As políticas públicas apresentam um espectro muito amplo de objetivos. Por isso, faz-se necessário efetuar um recorte de forma a delimitar nossa atenção à política pública tributária e, especialmente, a política de incentivos fiscais destinada à indução do desenvolvimento sócio-econômico, ou mais especificamente ainda, a política de incentivos fiscais destinada à geração de emprego e renda.
2.2 TRIBUTAÇÃO COMO POLÍTICA PÚBLICA
O Estado ao estabelecer as políticas públicas, traça ações que serão implementadas com a finalidade de promover o bem-estar social. Neste sentido, a política tributária tem ocupado o palco das grandes discussões nos cenários político, econômico e social brasileiros. Dentro deste contexto, Caliendo (2009, p. 4), ao discorrer sobre a teoria pragmático-sistêmica de Luhmann, destaca que "diversos elementos se demonstram fundamentais para a compreensão do fenômeno da tributação como um fenômeno social, especialmente como um fenômeno que envolve a política, o direito e a economia".
A tributação, ou sua ausência, como atividade estatal coordenada e dirigida, apresenta-se, também, na forma de política pública, entendida como o somatório das ações integradas, programas e projetos que constituem um conjunto de comportamentos estatais que visam à efetivação do exercício, pelo Estado, do poder de tributar.
A política tributária – a sua concretização se dá através da atividade tributária – tanto possui natureza fiscal, cuja finalidade é obter receitas tributárias; como natureza extrafiscal, que tem como finalidade possibilitar a realização de outras atribuições estatais como, por exemplo, o fomento ao desenvolvimento econômico e social; o controle e o planejamento da economia, do comércio exterior e do câmbio; e a redistribuição da renda.
A política tributária possui aspectos subjetivos e objetivos. Os aspectos subjetivos dizem respeito à intenção estatal de tributar determinado grupo social, ou seja, dentro de inúmeras possibilidades de imputação tributária, o Estado elege aqueles agentes econômicos inseridos na sociedade, pessoas físicas ou jurídicas, que devem contribuir para a manutenção do ente estatal. Os aspectos subjetivos da política tributária só implicitamente vêm expressos nas ações estatais relacionadas com o poder de tributar. Por serem subjetivos antecedem a própria formalização da política tributária.
Os aspectos objetivos da política tributária se relacionam com o arcabouço jurídico-institucional criado com a finalidade de fazer incidir e cobrar o tributo. Encontram-se aqui, dentre outros aspectos, as diversas espécies de tributos, as estruturas administrativas encarregadas de arrecadar o tributo, os instrumentos jurídicos de cobrança do tributo, sejam eles espontâneos ou coercitivos. É através dos aspectos objetivos da política tributária que a intenção de determinado grupo político dominante se concretiza socialmente.
2.2.1 Ônus tributário e consenso social
Como se sabe, o Estado é um acontecimento artificial, onde o homem se agrupa socialmente sob a égide de um ente que se sobrepõe à autonomia individual. Com o Estado, o homem se organiza politicamente, ou seja, determinado grupo social passa a ter domínio sobre os demais. Para Harvey (2003, p. 104):
O Estado, constituído como sistema coercitivo de autoridade que detém o monopólio da violência institucionalizada, forma um segundo princípio organizador por meio do qual a classe dominante pode tentar impor sua vontade [...] Os instrumentos vão da regulação do dinheiro e das garantias legais de contratos de mercado leais às intervenções fiscais, à criação do crédito e às redistribuições de impostos, passando pelo fornecimento de infra-estrutura sociais e físicas, controle direto das alocações de capital e de trabalho, bem como dos salários e dos preços, nacionalização de setores essenciais, restrições ao poder da classe trabalhadora [...].
É claro que a idéia de Estado se assenta no exercício do poder, já que o Estado é aquela "instituição social, que um grupo vitorioso impôs a um grupo vencido, com o único fim de organizar o domínio do primeiro sobre o segundo" (OPPENHEIMER, 1954, p. 5 apud BONAVIDES, 1995, p. 64).
As regras constitucionais e legais refletem o modelo político adotado em determinado Estado, em um lapso temporal. A conotação dada ao vocábulo político relaciona-se com a própria organização social e a institucionalização do Estado. Neste sentido, político indica uma etapa da evolução da sociedade onde um determinado grupo social passa a dominar os demais grupos, prevalecendo, assim, a vontade de uma determinada minoria, que nas sociedades democrática se dá através do consenso social (espaço político). O Estado é, pois, uma associação de pessoas, uma forma de a "[...] humanidade organizar-se politicamente" (BASTOS, 1996, p. 4). Mas, a existência do Estado pressupõe o atendimento de certos fins coletivos, como o bem-estar social.
Baleeiro (apud BORDIN, 2002, p. 15) aponta que o "exercício do poder de tributar é fenômeno de caráter essencialmente político [...]. A escolha dos instrumentos de imposição, na prática, tem obedecido menos a inspirações econômicas do que a considerações políticas". Como fenômeno associado ao exercício do poder, a tributação apresenta-se ainda mais vulnerável as indevidas relações entre poder político e atividade pública, direcionando, por exemplo, o ônus tributário a um determinado segmento social. Para Caliendo (2009, p.92)
Estudos sobre a carga tributária nacional demonstram que em um Estado Democrático de Direito a carga fiscal representa o equilíbrio entre os interesses de diversos grupos sociais, com visões conflitantes sobre as tarefas do Estado de seu financiamento.
Desnuda-se, então, a tributação como instrumento do exercício de poder dos grupos político e econômico dominantes.
O fenômeno da tributação mexe de forma direta na riqueza individual, retirando parcela da riqueza, transferindo-a a coletividade. O motivo pelo qual o Estado se imiscui na riqueza privada tem fundamento no bem-estar: o interesse público se sobrepõe ao interesse individual. Contudo, o princípio da supremacia do interesse público não poderá afrontar outros princípios, tais como o princípio da legalidade tributária, o princípio da capacidade contributiva ou o princípio da livre concorrência.
Contrapondo-se à vontade geral e em atendimento à vontade dominante, é possível ocorrer o direcionamento da política tributária com o fim de desonerar a atividade econômica privada e imputar o ônus tributário à sociedade. Por exemplo, o Estado pode impor maior carga de tributos sobre o consumo e os salários que sobre o capital, o lucro e o patrimônio, privilegiando, portanto, determinados grupos sociais:
A tributação como fato político está muito ligada à luta de classes por ser este elemento subjacente do fenômeno da conquista e manutenção do poder [...] Tributar – exigir dinheiro sob coação – é uma das manifestações do exercício do poder. A classe dirigente, em princípio, atira o sacrifício às classes subjugadas e procura obter o máximo de satisfação de suas conveniências com o produto das receitas. (BORDIN, 2002, p. 16).
Por outro lado, a política tributária pode privilegiar a tributação indireta e, ao mesmo tempo, desonerar o capital, o lucro e o patrimônio. Segundo Caliendo (2009, p. 34):
James Buchanan irá ressaltar a possibilidade do uso indevido dos mecanismos de consenso social para a realização de objetivos egoísticos de grupos de pressão.
[...]
[...] por detrás de um discurso em favor de incentivos fiscais benéficos a toda a sociedade pode se esconder um privilégio odioso para um pequeno grupo econômico.
Sem dúvida, a questão do ônus tributário é um dos temas mais controvertido, exatamente porque a democracia e o consenso social não foram capazes de equacionar a relação ônus tributário e equidade.
2.2.1.1 Classificação econômica dos tributos
Quanto ao ônus financeiro, os tributos podem ser classificados em diretos e indiretos. É importante salientar que a classificação dos tributos em diretos e indiretos não atende a critérios jurídicos, mas econômicos. Ataliba (2002, p. 143), ao se referir aos impostos diretos e indiretos, afirma:
É classificação que nada tem de jurídica; seu critério é puramente econômico. Foi elaborada pela ciência das finanças, a partir da observação do fenômeno econômico da translação ou repercussão dos tributos.
É verdade que parte considerável da doutrina jurídica não aceita esta classificação. Para Carrazza (1996, p. 286):
Esta classificação, em rigor, não é jurídica, já que, perante o Direito, é despiciendo saber quem suporta a carga econômica do imposto. O que importa, sim, é averiguar quem realizou seu fato imponível, independentemente de haver, ou não, o repasse do valor do imposto, para o preço final do produto, da mercadoria, do serviço etc.
Com a devida vênia, a se confirmar tal entendimento, é patente o conflito interno do Direito como Ciência Social Aplicada, posto que a criação de norma jurídica tributária socialmente injusta passaria a ser admissível a partir de um ideologia meramente positivista. Apesar da discussão doutrinária, é evidente que interessa aos estudiosos do Direito, sim, saber se o ônus tributário é socialmente justo e capaz de alterar a realidade sócio-econômica brasileira.
A tributação indireta é, hodiernamente, mais apta à atual política tributária, já que desonera importantes bases monetárias de incidência tributária, como o capital, o lucro e a renda, passando a tributar o consumo. Este fato é observado, por exemplo, na alteração da base de incidência das contribuições especiais, que passaram a ter como fatos econômicos tributados o consumo, a exemplo do que ocorre com a CIDE sobre os combustíveis. Os esforços na recomposição ou aumento das receitas tributárias passam necessariamente por bases econômicas de incidência presuntiva da renda, tal como o consumo.
A tributação indireta também se apresenta mais propensa ao fenômeno da ilusão fiscal. Caliendo (2009, p. 32), ao tratar da ilusão fiscal, afirma:
[...] o grupo dominante deve tentar na maior medida criar para os contribuintes a ilusão fiscal de que a carga tributária suportada pela classe dominada é inferior à realmente existente; bem como demonstrar que os investimentos públicos são muito mais relevantes do que realmente são.
[...] a tributação sobre o consumo, em que o tributo incide sobre parcela do preço, contudo, não fica transparente para o contribuinte o montante do tributo suportado por ele.
Outra forma de ilusão apresentada por Puviani está na criação de programas e despesas fiscais que aparentemente são provisórios e de curto prazo, mas na verdade trata-se de despesas que uma vez criadas não serão mais descontinuadas, sob a falsa alegação de despesas ocultas (sunk costs).
Na tributação direta, o "contribuinte de fato", aquele que arca com o ônus financeiro, coincide com o "contribuinte de direito", aquele que a lei elegeu para cumprir a obrigação tributária. Segundo Carrazza (1996, p. 286) os "[...] impostos diretos ou que não repercutem são aqueles cuja carga econômica é suportada pelo contribuinte, isto é, pelo realizador do fato imponível [...]".
Já na tributação indireta, ocorre o distanciamento entre aquele que deve cumprir a obrigação tributária, "o contribuinte de direito", e aquele que efetivamente arcará com o ônus financeiro do tributo. Neste caso, o "contribuinte de fato" pagará ao "contribuinte de direito" não só o valor das mercadorias, produtos ou serviços vendidos, mas também o montante do tributo devido. No entanto, caberá, exclusivamente, ao "contribuinte de direito" a obrigação de repassar aos cofres públicos os montantes tributários que, efetivamente, foram pagos pelos "contribuintes de fato", isto é, consumidores. Acerca do tema, Carrazza (1996, p. 286) destaca:
[...] impostos indiretos ou que repercutem são aqueles cuja carga econômica é suportada não pelo contribuinte, mas por terceira pessoa, que não realizou o fato imponível. Esta pessoa geralmente é o consumidor final da mercadoria ou do produto. É o caso do ICMS. Quem suporta sua carga não é o patrimônio, p. ex., do comerciante, que vendeu a mercadoria, mas o patrimônio do consumidor final desta mercadoria.
A tributação indireta, também chamada de tributação sobre o consumo, aparta a obrigação jurídica tributária da capacidade financeira, o que implica na impossibilidade de se identificar a capacidade contributiva individual, já que o ônus tributário não é assumido pelo sujeito passivo, mas por aquele que consome. Neste sentido, Coêlho (2002, p. 17) afirma:
Nos impostos que percutem (chamados de "indiretos" ou de "mercado") entra em cena o contribuinte de fato, diferente do ‘de jure’, e a capacidade contributiva realiza-se imperfeitamente.
Os tributos indiretos são tidos como socialmente injustos, visto que implicam em idêntico ônus tributário para pessoas que se encontram em situações econômicas distintas e incidem em valores nominais idênticos sobre as disponibilidades financeiras das pessoas, independentemente da capacidade econômica individual:
[...] é o caso do ICMS, visto que a carga tributária desse imposto é repassada ao contribuinte através do preço da mercadoria. Quem realmente suporta o ônus econômico desse imposto não é o contribuinte (o comerciante, o industrial ou o produtor que praticou a operação mercantil) e sim o consumidor final da mercadoria. Esta carga tributária será a mesma, seja o consumidor final rico ou pobre. (CALIENDO, 2009, P.297).
Logo, assume foro de grande relevância a questão do limite possível da interferência estatal na riqueza individual através dos tributos. No caso dos impostos, a Constituição Federal de 1988, em seu art. 145, §1º, estabelece que "sempre que possível [...] serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte [...]". Entretanto, inexiste critério objetivo que estabeleça um limite da incidência dos impostos.
2.2.2 Política de incentivos fiscais
A desoneração tributária da atividade econômica privada pode ser efetuada através de uma política de incentivos fiscais, legalmente denominada de renúncia de receita. A Lei Complementar nº. 101, de 04 de maio de 2000, dispõe:
Art. 14. [...]
§ 1º. A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado.
A preocupação com a renúncia de receitas tributárias [02] é justificável, em especial em atendimento ao princípio republicano aplicado à tributação, que determina tratamento tributário isonômico aos agentes econômicos. Não é suficiente que a norma tributária estabeleça apenas a igualdade formal entre os agentes econômicos. Pelo contrário, a tributação, ou sua ausência, deverá respeitar tanto a eqüidade vertical como a eqüidade horizontal. Na primeira situação, a norma tributária deverá tratar desigualmente os agentes privados que se encontram em situações econômicas distintas, na proporção de suas desigualdades econômicas. Já na segunda situação, a norma tributária deverá tratar igualmente os que se encontram em situações econômicas idênticas.
O tema ainda não é pacífico nem os resultados foram ainda concretamente mensurados. Há inúmeras questões ainda não resolvidas, como, por exemplo, a concessão graciosa de benefícios fiscais sem qualquer contrapartida do agente econômico, tais como a geração de empregos ou a redução de preço final de bens, mercadorias e serviços. Neste caso, os benefícios fiscais representam mera transferência de recursos da sociedade (consumidores) para determinados agentes econômicos (empresas), com substancial aumento da lucratividade privada, sem estes, no entanto, despenderem qualquer esforço de gestão ou qualquer contrapartida social. Nesta situação, ocorre o fenômeno que pode ser denominado de privatização dos tributos – toda a coletividade contribui financeiramente com recursos individuais que serão destinados à atividade econômica privada, como se esta por si só não fosse capaz de gerar riquezas. Esse fenômeno representa, apenas, como anotou Chomsky (2002, p. 25), "[...] um subsídio do contribuinte fiscal para o lucro e o poder privados".
Com muito zelo, apesar da inexpressiva efetividade, a Constituição Federal de 1988 determina:
Art. 165 [...]
[...]
§ 6º O projeto de lei orçamentária será acompanhado de demonstrativo regionalizado do efeito, sobre receitas e despesas, decorrente de isenções, anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária e creditícia.
Embora a norma constitucional e as normas infraconstitucionais disponham sobre os elementos jurídicos acerca da finalidade dos benefícios fiscais, os instrumentos reais de controle ainda são extremamente insuficientes. Não é uma tarefa fácil conhecer os montantes tributários renunciados, os agentes econômicos beneficiados e o efetivo objetivo da política de incentivos fiscais. Por isso, passa a ser uma preocupação a ofensa ao princípio da publicidade dos atos da administração tributária, em especial porque são inacessíveis à sociedade informações acerca dos recursos públicos renunciados.
No presente trabalho, entretanto, buscar-se-á evidenciar, especificamente, as relações diretas e indiretas existentes entre política de incentivos fiscais e emprego e renda. Inexistem dúvidas de que essas relações podem ser muito bem manejadas através de uma política de incentivos fiscais associada à geração de empregos ou, até mesmo, à manutenção dos atuais empregos formais. O Estado, neste caso, aloca ou direciona recursos públicos para que determinados agentes se desenvolvam economicamente e proporcionem empregos e renda à sociedade.
No entanto, a lógica aparente da relação entre benefícios fiscais e geração de emprego e renda pode abrigar outras intenções ou comportamentos inadequados por parte dos agentes econômicos beneficiados. É o caso, por exemplo, da indústria automobilística, um dos principiais setores econômicos a serem beneficiados com a redução do IPI, que demitiu ou, pelo menos, desejou demitir durante os primeiros meses da crise financeira de 2008. Neste episódio específico fez-se necessária a atuação ríspida do governo federal no sentido de impor limites claros ao comportamento oportunístico dos agentes econômicos: i) se desejarem a redução do IPI, devem manter os empregos ou ii) se desejam demitir, devem prescindir da redução do IPI.
Por esses e outros comportamentos, paira sempre a dúvida acerca das vantagens sociais dos benefícios fiscais, tendo em vista que o ganho social (por exemplo, geração de emprego e renda) pode ser menor que o benefício atribuído ao agente econômico (desoneração tributária), provocando desequilíbrio entre o sistema de produção e o sistema de trabalho, e até entre os próprios agentes econômicos. Dentro deste contexto, Caliendo (2009, p.331) afirma:
[...] a concessão de benefícios fiscais para determinados setores ou fases do ciclo econômico de tributação que nos leva ao consumo ou da redução da base de cálculo ou concessão de isenções pode distorcer a concorrência, afetar a capacidade contributiva e afetar a neutralidade fiscal.
No âmbito das competências tributárias dos Estados-membros, é possível apontar algumas finalidades da política de benefícios fiscal, tais como: i) geração de emprego e renda; ii) redução dos preços finais de produtos, bens, mercadorias e serviços, cujo exemplo mais contundente é o setor de informática, cuja redução de alíquota para 7% destina-se a incentivar a produção e o consumo de produtos eletrônicos de informática; e iii) atração de grandes investimentos, já que o benefício fiscal, neste caso, assemelha-se a uma remuneração do capital investido, resultado na redução do prazo de retorno do investimento. Assim, tendo em vista que determinados investimentos do porte de refinarias de petróleo, siderúrgicas, indústria automobilística tem o condão de atrair uma grande quantidade de empreendimentos periféricos e de gerar emprego e renda, a sociedade deve, de alguma forma reconhecer e se sacrificar para atrair estes investimentos.
No plano federal a política de benefícios fiscais tem uma outra dimensão ao abarcar outras finalidades econômicas, tais como balança comercial, controle inflacionário, proteção do mercado interno e etc.
2.2.2.1 Normas tributárias indutoras
A tributação, ao interferir na riqueza privada, também afetar a conduta individual, seja de forma imediata ou mediata. Neste ponto, é interessante apontar a natureza indutora implícita à norma tributária. Acerca das normas tributárias indutoras, Schoueri (2005) descreve os elementos objetivos e subjetivos que adjetivam as normas tributárias indutoras, com a ressalva de que tais elementos não são suficientes para abarcar os resultados concretos da atividade tributária.
Em qualquer situação, observa-se que a norma tributária, de natureza fiscal ou extrafiscal, tem potencialidade de alterar comportamentos privados, tendo em vista a interferência estatal na riqueza individual [03]. Para Becker (apud SCHOUERI, 2005, p.26):
Na construção jurídica de todos e de cada tributo, nunca mais estará ausente o finalismo extrafiscal, nem será esquecido o fiscal. Ambos coexistirão sempre – agora de um modo consciente e desejado – na construção jurídica de cada tributo; apenas haverá maior ou menor prevalência neste ou naquele sentido [...].
Por exemplo, a edição de norma tributária de natureza fiscal, cujo objeto de incidência seja determinada operação financeira, como os fundos de investimento, resultará, a princípio, em incremento de arrecadação do imposto sobre operações financeiras (IOF). Porém, de forma secundária e, talvez, imprevisível, poderá induzir outros comportamentos privados, tais como a migração do capital especulativo para o setor produtivo (indução positiva) e o incremento do consumo decorrente do desestímulo à poupança individual [04]. Por outro lado, a desoneração de determinada operação financeira poderá induzir comportamentos contrários aos anteriores citados, tais como a migração do capital produtivo para setor especulativo ou o estímulo à poupança individual e o conseqüente decréscimo do consumo.
Em sentido inverso, a edição de norma tributária de natureza extrafiscal, cujo objeto de incidência seja a importação de determinados produtos industrializados, resultará na proteção de um determinado setor produtivo de nossa economia [05]. Contudo, de forma secundária, além do incrementar na arrecadação do imposto de importação (II) ou do imposto sobre produtos industrializados (IPI), tal norma poderá induzir, por exemplo, o isolamento tecnológico do setor produtivo beneficiado (indução negativa) ou o encarecimento dos produtos nacionais, com conseqüente desestímulo ao seu consumo [06].
Assim, ao lado dos elementos objetivos e subjetivos é necessário apreender os resultados concretos da aplicação da norma tributária. Da confluência dos três elementos, objetivo, subjetivo e concreto, é possível, então, apontar a natureza indutora da norma tributária.
O quadro 1 sintetiza os elementos necessários à identificação do fim primário da norma tributária.
Com muita propriedade Caliendo (2009, p. 12) levanta as seguintes questões:
[...] em que medida as normas tributárias influenciam o comportamento dos agentes econômicos? Quais os reflexos de normas econômicas sobre a decisão dos agentes econômicos a respeito de investimentos e gastos? De que modo as normas econômicas podem auxiliar a distribuição e a produção de riquezas?
As duas primeiras questões podem ser explicadas pela microeconomia e a terceira pela macroeconomia. Por isso, faz-se necessário entender os pressupostos microeconômicos e os resultados macroeconômicos advindos do atual modelo da política de benefícios fiscais. Isto é o que se intentará fazer a seguir.
3.1 BREVÍSSIMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO
Em condições perfeitas, os agentes econômicos buscarão satisfazer suas necessidades individuais com o menor consumo de recursos. Nestas condições ideais, a interação entre agentes econômicos, segundo as regras de mercado, será suficiente para a maximização os resultados. Segundo Pinheiro e Saddi (2005, p. 60):
Quando há concorrência perfeita, as interações entre empresas e consumidores no mercado são suficientes para gerar um equilíbrio em que o bem-estar é maximizado.
Na realidade, o mercado não se apresenta perfeito, as regras de mercado não são suficientes para reger as interações econômicas e os agentes não conseguem satisfazer suas necessidades com o menor consumo de recursos. Por outro lado, a análise microeconômica tradicional não consegue alcançar todos os custos inerentes às interações no mercado, e daí advém sua impossibilidade teórica e empírica de apresentar soluções que preservem à eficiência econômica em condições distintas da perfeita. Em sentido contrário à análise tradicional, Coase (2009, p. 13) empenhou-se em "mostrar la importancia que tiene para el funcionamiento del sistema económico lo que puede llamarse la estructura institucional de la producción". Sua pretensão era estudar o sistema econômico não como idealizado na mente dos economistas, mas como ele é no mundo real (COASE, 2009, p.15). Segundo Caliendo (2009, p. 19):
Coase demonstrou que as análises tradicionais sobre a teoria microeconômica eram incompletas, visto que unicamente incluíam os custos de produção e transporte e negligenciavam os custos de celebração e execução de um contrato, bem como de administrar uma firma. Segundo o autor, esses custos podem ser denominados de custos de transação, visto que representam uma parte considerável dos recursos de uma sociedade utilizados para manter o mecanismo social de trocas e negociação.
Diferentemente da análise econômica tradicional, Coase mostrou que os mecanismos de determinação de preços trazem subjacentes outros custos associados às interações econômicas, como, por exemplo, a busca de um contratante, a formalização e execução de um contrato ou o exercício de um direito de propriedade. Tais custos passam a ser relevantes na medida em que determinam, inclusive, o surgimento das empresas como forma de redução dos custos de transação:
[...] la existencia de los costes de transacción lleva al surgimiento de la empresa. Pero sus efectos impregnan toda la economia. Los empresários cuando deciden la forma de negociar o que producir tienen en cuenta los costes de transacción. (COASE, 2009, p. 19).
Mas, o que são custos de transação? Segundo Cooter e Ulen (2002, p. 121) os custos de transação:
[...] son los costos del intercambio y éste tiene tres pasos. Primero, debe localizarse un sócio para el intercambio, lo cual implica encontrar a alguien que desee comprar lo que se quiere vender, o vender lo que se quiere comprar. Segundo, deberá llegarse a un arreglo entre las partes que intercambian. Este arreglo se logra mediante una negociación exitosa, lo que podría incluir la redacción de un convenio. Tercero, una vez celebrado un acuerdo, deberá ejecutarse. La ejecución implica monitorear el cumplimento de las partes y castigar las violaciones al acuerdo. Podemos llamar a las tres formas de los costos de transacción en correspondência con estos tres pasos de un intercambio; 1) costos de búsqueda, 2) costos del arreglo y 3) costos de la ejecución.
Logo, a interação dos agentes econômicos no mercado é influenciada não apenas pelo sistema de preços da microeconomia tradicional, mas principalmente pelos custos de transação envolvidos nas interações, determinando, inclusive, a forma de organização dos agentes econômicos. Neste sentido, as instituições e o ambiente institucional são elementos necessários à minimização dos custos de transação. Para Caliendo (2009, p.77) "As instituições e normas jurídicas podem ser entendidas como instrumentos para encorajar ou manter um ambiente de eficiência econômica".
O ambiente institucional tem a função primordial de possibilitar a redução de custos de transação através da criação de aparatos formais e materiais para a realização de trocas que maximizem os lucros dos agentes econômicos. Isto é conseguido através, por exemplo, do estabelecimento da estrutura necessária ao exercício dos direitos de propriedade, à execução dos contratos e à simetria da informação, dentre outros. Williamson (apud PINHEIRO; SADDI, 2005, p. 63) descreve o que seja ambiente institucional:
"o ambiente institucional é baseado em regras políticas, sociais e legais fundamentais que estabelecem a base para a produção, a troca e a distribuição [...]".
No ambiente institucional inclui-se o sistema lega. Neste sentido, Caliendo (2009, p.77) destaca as relações entre Direito e eficiência econômica:
Como o Direito pode encorajar a eficiência nas transações? O direito realiza essa tarefa por diversos meios, dentre os quais podemos destacar: i) corrigindo ou prevenindo as falhas de mercado (market failure) [...]; ii) garantindo a previsibilidade e o cumprimento de promessas negociais ou iii) regulando as externalidades, ou seja, os custos que não são diretamente refletidos nos preços de bens e que são transferidos para terceiros de modo involuntário.
É evidente que em algumas situações, o ambiente institucional tem exatamente a função inversa de elevar os custos de transação associados ao exercício dos direitos de propriedade ou à execução de um contrato, tais como, por exemplo, quando o Município estabelece alíquotas diferenciadas do IPTU conforme o uso do imóvel (CF, art. 156, § 1°, inc. I) ou obriga seu "adequado aproveitamento, sob pena [...] de parcelamento ou edificação compulsórios" (CF, art. 182, § 4°, inc. I). Mais recentemente as questões ambientais ganharam relevância e passaram a compor sérias restrições aos agentes econômicos no exercício dos direitos de propriedade. São as funções sociais da propriedade.
O ambiente institucional também tem a função de, dentre inúmeras outras, regular a atividade econômica; possibilitar a manutenção financeira do ente estatal; proteger a parte hipossuficiente na relação de consumo. Nestes casos, o ambiente institucional será um minimizador dos lucros. É onde a busca pela eficiência econômica encontra limites sociais.
Por outro lado, apenas o ambiente institucional não é capaz de potencializar todas as condições necessárias à maximização da eficiência econômica. Por isso, os arranjos institucionais aparecem como mecanismos de redução de custos de transação e, consequentemente, de maximização do lucro. Neste sentido, Pinheiro e Saddi (2005, p. 62) dizem:
Os custos de transação são o principal elemento motivador da Teoria Neo-Institucional, de acordo com a qual o principal papel das instituições econômicas é reduzir o valor desses custos.
Foi com a finalidade inicial de entender institutos jurídicos subjacentes ao sistema econômico, tal como direitos de propriedade e contratos, que os economistas passaram a estudar o sistema legal. Segundo Coase (2009, p. 58-59):
Muchos economistas se han dado cuenta recientemente de que hay partes de los otros sistemas tan entremezclados con el sistema económico como del sociológico, el político o el legal. Así pues, apenas es posible hablar del funcionamiento del mercado sin considerar a naturaleza del sistema de derechos de propriedad, el cual determina lo que se puede comprar y vender; esto es, al influenciar en los costos de diferentes tipos de transacciones mercantis, determina lo que, de hecho, se compra, se vende y por quién.
A aproximação das abordagens econômica e jurídica propiciou também um movimento na direção inversa, ou seja, a "aplicação de conceitos e métodos não jurídicos no sentido de entender a função do Direito e das instituições jurídicas" (CALIENDO, 2009, p. 8). Cooter e Ulen (2002, p. 11-12) descrevem o início da análise econômica do Direito:
Hasta hace poco tiempo, el derecho confinaba el uso de la economía a las áreas de las leyes antimonopólicas, las industrias reguladas, los impuestos y la determinación de daños monetários.
Esta interacción limitada cambió drásticamente a principios de los años sesenta, cuando el análisis econômico del derecho se expandió a las áreas más tradicionales del mismo, como la propriedad, los contratos, los ilícitos culposos, el derecho penal y procesal penal, y el derecho constitucional.
Na verdade, a análise econômica do Direito não foi desenvolvida diretamente por Coase, mas é um subproduto ou, melhor dizendo, um desdobramento de suas teorias sobre os custos de transação e como estes influenciam as interações entre agentes econômicos. Aliás, a transposição da análise jurídica ao sistema econômico ou, o contrário, a transposição da análise econômica para o sistema jurídico é visto com certa cautela por Coase (2009, p. 55):
Puesto que los individuos que actúan en el sistema económico son los mismos que encontramos en el sistema legal y político, es de esperar que su comportamiento sea, a grandes rasgos, similar. Pero de ahí no se puede inferir que el enfoque que há sido desarrollado para explicar em comportamiento dentro del sistema económico vaya a tener el mismo éxito en las otras ciencias sociales.
Contudo, não é possível despreza as contribuições dos estudos interdisciplinares entre Economia e Direito. Na verdade, representam faces distintas de uma mesma realidade social, quais sejam, as interações econômicas entre agentes inseridos na sociedade. Por isso, Coase (2009, p. 58) também aponta as vantagens de se investigar as demais ciências sociais sob o enfoque econômico:
Una ventaja es, creo, que estudian el sistema económico como un sistema interdependiente unificado y, por lo tanto, tienen más probabilidades de describir las interrelaciones básicas dentro de un sistema social que alguien que esté menos habituado a ver el funcionamiento de un sistema como un conjunto [...] Outra ventaja es que un estudio económico dificulta que se ignorem factores que son claramente importantes y que desempeñan un papel en todos los sistemas sociales [...]
Assim, surge a Análise Econômica do Direito. Para Caliendo (2009, p. 13):
A análise econômica do Direito (Law and Economics) é uma reação também ao entendimento predominante no ambiente jurídico norte-americano de que o direito deve ser entendido como uma realidade e disciplina autônoma.
[...]
A análise econômica do Direito (Law and Economics) possui como características: i) rejeição da autonomia do Direito perante a realidade social e econômica; ii) utilização de métodos de outras áreas do conhecimento, tais com economia e filosofia; iii) crítica à interpretação jurídica como interpretação conforme precedentes ou o direito, sem referência ao contexto econômico e social.
Contudo, a análise econômica do Direito não chega a ser uma unanimidade. Há muitas vozes dissonantes. Por exemplo, Da Rosa (2009, p. 7) é enfático ao afirmar:
[...] preponderância de um discurso silencioso condicionador do jurídico, implementado a partir da construção da imagem neutra da economia universal e inevitável.
De fato, não podemos deixar de indicar a coincidência histórica entre o surgimento daquilo que se denomina de Análise Econômica do Direito com o ressurgimento do liberalismo econômico, agora denominado de neoliberalismo. Este último nada mais fez que propor, mais uma vez, o modelo de organização social com fundamento na prevalência das interações econômicas sobre as relações políticas e sociais. Não deixa de ser uma forma ideológica de enxergar o mundo.
Na doutrina neoliberal as diferenças materiais justificam as diferenças formais e a própria lei deve ser o vetor indutor dessas diferenças ao propor tutelas (por exemplo, através de reserva de mercado), privilégios (via de regra, através da desregulamentação dos direitos alheios, tais como os trabalhistas e previdenciário) e recursos públicos (por exemplo, através de financiamento estatal da atividade econômica e dos benefícios fiscais) para fomentar a atividade econômica. Há nítida prevalência do econômico sobre o indivíduo e o coletivo, cabendo, então, a ordem política o dever desregulamentar muitos aspectos da vida social, das relações de trabalho e do controle ambiental, dentre outros, em atendimento ao princípio da eficiência econômica.
Na verdade, as diferenças sociais decorrem das diferenças políticas e a Análise Econômica do Direito não sugeriu, ainda, nenhum método para alcançar ou minorar esta falha. Por isso, Análise Econômica do Direito apresenta-se como um sistema hermético, fechado em si mesmo, que não consegue alcançar os desdobramentos políticos e sociais (por exemplo, desequilíbrios de mercado, inquietações sociais, transferência de recursos do público para o privado, dentre outros) advindos da prevalência econômica.
3.1.1 Alguns obstáculos metodológicos
A Análise Econômica do Direito apresenta severos problemas de validação científica, dentre eles i) circularidade sistêmica, ii) generalização das conclusões fundamentadas em meros estudos de caso e iii) reducionismo tecnicista.
A primeira deficiência metodológica, a circularidade, decorre do fato de que o modelo econômico dominante fornece os aportes teóricos para a análise do sistema legal pela Análise Econômica do Direito, que por sua vez justifica, através de sua análise, o modelo econômico. Isto se torna um obstáculo ao desenvolvimento de uma abordagem científica crítica e dinâmica, posto que, conforme diz Gaboriau (apud DEMO, 1995, p. 217), "os sistemas, tomados isoladamente, caracterizam-se mais pela resistência à mudança que pelo dinamismo".
Da Rosa (2009, p. 53) sintetiza o fenômeno da circularidade sistêmica com bastante preciosidade quando diz que a Análise Econômica do Direito "[...] é a legitimação racional da ordem existente, na leitura hegemônica do capital". Este fenômeno pode ser representado através do quadro 2.
O imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação (ICMS) tem como características principais ser um imposto incidente sobre o consumo, indireto e não-cumulativo. Por imposto indireto entende-se aquele no qual o contribuinte de direito não coincide com o contribuinte de fato. No caso especifico do ICMS, quem suporta o ônus tributário não é o contribuinte de direito (a empresa), mas aquele que consome produtos, bens, mercadorias e serviços.
Já a não-cumulatividade garante a compensação do tributo cobrado nas operações anteriores, sendo devido em cada operação apenas a diferença entre o montante do tributo relativo à operação atual e o cobrado nas operações anteriores. A não-cumulatividade é princípio expressamente previsto no texto constitucional, conforme dispõe o art. 155, § 2º, I, da Constituição Federal de 1988:
Art. 155 [...] Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre [...]
II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior [...]
§ 2º. O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
I – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;
Extrai-se da norma constitucional que o direito de utilização de crédito fiscal referente ao montante do tributo pago nas operações anteriores não é mera faculdade outorgada ao sujeito passivo, mas mandamento irrenunciável.
A não-cumulatividade tem o condão de afastar o ônus tributário anterior. Cada etapa da tributação carrega seu próprio ônus. Neste caso, o tributo incide apenas sobre o valor agregado em cada etapa da produção ou circulação.
As operações de produção e de circulação envolvem diversas etapas, cada qual agregando valor à operação anterior. O preço final é, então, o somatório dos montantes agregados ao longo da cadeia de produção e de circulação. Como o ICMS incide a cada operação de circulação jurídica, é necessário excluir o montante pago nas operações anteriores. Sem este mecanismo, a incidência não se daria apenas sobre o valor agregado na própria operação, mas, também, sobre os valores agregados nas operações anteriores.
3.2.2 Circulação jurídica versus circulação física
À expressão "circulação de mercadorias" são aplicados os mais variáveis entendimentos. Genericamente, o vocábulo "circulação" expressa a idéia de movimento físico, de algo que se encontra em posição não estática, que passa de um lugar para outro. Entretanto, este não é o seu sentido jurídico.
Na seara tributária, especificamente no campo de incidência do ICMS, "circular" extrapola o sentido meramente físico para alcançar seus aspectos jurídicos. Neste sentido, circulação de mercadorias é aquela que apresenta conseqüências jurídicas, que afeta a titularidade. Ataliba e Giardino (apud MELO, 2000, p. 16), esclarecem que:
Circular significa, para o Direito mudar de titular. Se um bem ou uma mercadoria mudam de titular, circula para efeitos jurídicos. Convenciona-se designar por titularidade de uma mercadoria, à circunstância de alguém deter poderes jurídicos de disposição sobre a mesma, sendo ou não seu proprietário (disponibilidade jurídica).
A mera circulação física é imprópria para alcançar a hipótese de incidência do ICMS. Então, que a mercadoria que circula e que faz nascer a obrigação tributária não é aquela que se movimenta fisicamente, mas circula, essencialmente, sob o aspecto jurídico. Tal fato decorre da possibilidade de desconexão das duas realidades que envolvem a circulação de mercadorias, isto é, a circulação jurídica pode ou não coincidir com a circulação física. Neste mesmo sentido, Coêlho (2002, p. 308) afirma:
A mera e estrita saída física de mercadorias não caracteriza o fato jurígeno do ICMS, necessária a circulação econômica e, primordialmente, a jurídica, que se perfaz somente quando ocorre alteração na titularidade da res.
Para o nascimento da obrigação tributária decorrente da circulação de mercadorias faz-se necessária a mudança de titularidade (circulação jurídica), pouco importando se houve ou não a circulação física. Também é verdade que a mera circulação física sem mudança de titularidade não é prevista como regra-matriz de incidência do ICMS.
3.3 ARRANJOS INSTITUCIONAIS, CUSTOS DE TRANSAÇÃO E ICMS
Em obediência ao princípio da não-cumulatividade, o ICMS faz uso do sistema de débito (pelas saídas) e crédito (pelas entradas) para apurar o montante devido em cada operação de circulação. Isso significa dizer que o ICMS incide exatamente sobre o valor agregado em cada operação. O montante do ICMS devido em cada operação é, gradativamente, incorporado ao preço final dos produtos, mercadorias e serviços de forma a onerar apenas o consumidor final.
Apesar da não-cumulatividade e do ônus incidente sobre o consumidor, os arranjos institucionais alteram os custos de transação dos agentes econômicos envolvidos na cadeia de circulação de produtos e mercadorias. E esses arranjos passam a ser, exatamente, o que Coase (2009, p. 16) denominou de "[...] acuedos institucionais que rigen el proceso de intercambio".
O quadro 3 mostra a não-cumulatividade do ICMS e o ônus do consumidor final de um determinado arranjo de circulação, propositalmente escolhido para acentuar as diferenças de custos de transação diante dos arranjos estabelecidos entre os agentes econômicos.
Em determinadas situações os arranjos institucionais são incapazes de promover o desenvolvimento econômico necessário, segundo as regras de mercado, exatamente porque os custos de transação podem inviabilizar as atividades de determinados agentes econômicos. Nestes casos específicos, o Estado precisa interagir com o mercado para, por exemplo, estimular o crescimento econômico e atrair novos investimentos. Talvez a vocábulo interagir não seja o mais adequado. Na verdade, o Estado deve subsidiar as regras de mercado quando estas não são capazes, por si só, de resolver determinados impasses econômicos. Dentro deste contexto, Pinheiro e Saddi (2005, p. 64) dizem:
Custos de transação muito elevados podem inviabilizar certos mercados, a menos que, para funcionar, contem com o apoio de instituições mais complexas do que apenas as instalações físicas (mercados) em que compradores e vendedores se encontram.
Retornado aos exemplos dos quadros 5 e 6, ver-se que o melhor arranjo para a empresa industrial é localizar-se no Estado de Pernambuco, já que irá arcar com um menor ICMS a pagar e obterá um maior lucro. Mas, há outras variáveis econômicas envolvidas que podem estimular ou inviabilizar a opção apontada acima. Desde custos de planejamento e implantação, logística, mão-de-obra, matéria-prima, proximidade do mercado consumidor até as despesas com publicidade para consolidação da marca terão forte influência sobre os arranjos institucionais. Claro que o ICMS não é o único custo de transação a ser levado em consideração, mas certamente representa um montante precioso e desejado por qualquer agente econômico.
O quê, então, deverá fazer o Estado da Paraíba para atrair este investimento? Evidentemente, os custos de transação serão superiores se a empresa industrial se instalar na Paraíba e do ponto de vista econômico esta seria uma opção ineficiente e contrária à maximização do seu lucro. A solução, então, passa por uma decisão política e por um conjunto de regras legais propícias ao desenvolvimento econômico. Para Cooter e Ulen (2002, p. 127):
[...] hemos señalado los costos de transacción como si fuesen exógenos al sistema legal, es decir, como si fuesen determinados tan solo por características objetivas de las situaciones de negociación, fuera del dominio de la ley. No siempre ocurre así. Algunos costos de transacción son endógenos al sistema legal en el sentido de que las reglas legales pueden disminuir los obstáculos existentes para la negociación privada. El teorema de Coase sugiere que la ley puede alentar la negociación reduciendo los costos de transacción.
Contudo, não basta o sistema legal propiciar um ambiente favorável ao desenvolvimento econômico. Faz-se necessário ampliar a discussão. Por exemplo, quais as estratégias públicas, dentro da legalidade que cada sistema jurídico autoriza, poderão ser utilizadas para atrair um investimento privada que resultará em desenvolvimento econômico? Qual o limite de recursos públicos a serem destinados ao fomento de um empreendimento privado? Qual é a relação ideal entre custo social, representado pelo sacrifício financeiro da sociedade que arca com o ônus tributário; benefício privado, representado pela acumulação de riqueza em determinados agentes econômicos; e benefícios sociais, representados pela geração de emprego e renda? Em que medida deverá o Estado agir no sentido de estimular a atividade econômica sem sacrificar a sociedade? Que políticas públicas de desenvolvimento econômico são justificáveis do ponto de vista social?
Todas essas indagações podem ser denominadas de dilema do gestor público. Assim, se o gestor público de um determinado Estado-membro se recusar a conceder benefícios fiscais destinados à atração de investimentos privados, os gestores públicos dos demais entes federados os concederão, o que inviabilizará qualquer possibilidade de crescimento econômico do Estado-membro, com severos danos sócio-econômicos locais e regionais, tais como subdesenvolvimento, desemprego e pobreza, dentre outros.
Mas, se, ao contrário, o gestor público de um determinado Estado-membro atuar no sentido de atrair investimentos privados, possibilitará o crescimento econômico local e regional, porém não terá nenhuma garantia de que este desenvolvimento econômico resultará em desenvolvimento social, tendo em vista que o agente econômico poderá se apropriar da riqueza, resultando também em dados sócio-econômicos locais e regionais. Como se vê, a solução não é fácil.
A preocupação é pertinente na mesma proporção do sacrifício financeiro da sociedade na manutenção do ente estatal através do pagamento dos tributos, ou seja, uma política pública de desenvolvimento econômico não deve ser mero mecanismo de transferência de recursos da sociedade para os agentes econômicos.
3.3.1.1 A guerra fiscal e a concessão de crédito presumido do ICMS
Como resultado da guerra fiscal entre os Estados surge à imposição pela iniciativa privada de condições diferenciadas para a instalação de novas unidades empresariais ou, até mesmo, a permanência da organização dentro dos limites territoriais de determinado Estado-membro da federação.
Apesar da imensa variedade de benefícios fiscais, a modalidade de crédito presumido tem sido amplamente utilizada para incentivar a atividade econômica. Primeiro, porque, diferentemente dos demais benefícios fiscais, o crédito presumido reduz o ICMS devido na operação sem afetar os créditos do ICMS a serem transferidos para os agentes econômicos posteriores na cadeia de circulação; segundo, porque a operacionalização do benefício se dá através de contrato (termo de acordo) entre Secretaria de Receita e sujeito passivo, com difícil controle social dos recursos renunciados devido à evidente falta de transparência; e, terceiro, porque o montante renunciado é lançado diretamente pelo sujeito passivo em sua escrita fiscal, sem qualquer controle e/ou formalismo prévios para fruição do benefício, o que é uma garantia para o agente econômico beneficiado.
O encontro de vontades entre os gestores públicos dos Estados-membros e a iniciativa privada dá-se através de celebração de contratos que alteram a sistemática de tributação prevista na Constituição Federal de 1988 e na Lei Complementar nº. 87/96. Tais contratos, na Paraíba, são denominados de Termo de Acordo.
A figura denominada Termo de Acordo nada mais é que um contrato, que passa a reger a relação obrigacional tributária, desvirtuando alguns elementos fundamentais da regra-matriz de incidência, tais como base de cálculo e alíquota, chegando a modificar princípios constitucionais tributários, como ocorre com o princípio da não-cumulatividade.
Em regra, os termos de acordo concedem crédito presumido do ICMS de tal forma que a carga tributária máxima seja inferior às alíquotas internas e interestaduais. Como cláusula garantidora de recolhimentos mensais, é previsto o percentual que incidirá sobre o faturamento mensal da empresa, de tal forma que, mesmo na situação de saldo credor a transferir para o período de apuração seguinte, haverá ICMS a recolher.
Atualmente o Estado da Paraíba legitima a concessão de Regimes Especiais de Tributação, em substituição à sistemática normal de apuração, através de vários diplomas legais, dentre eles:
i) Decreto nº. 23.210, de 29 de julho de 2002;
ii) Decreto nº. 23.211, de 29 de julho de 2002;
iii) Decreto nº. 24.432, de 29 de setembro de 2003;
iv) Decreto nº. 24.976, de 30 de março de 2004;
v) Decreto nº. 24.979, de 31 de março de 2004;
vi) Decreto nº. 25.390, de 13 de outubro de 2004;
vii) Decreto nº. 25.515, 29 de novembro de 2004;
Por outro lado, observa-se a banalização dos critérios para concessão de benefícios fiscais. Neste particular, a Paraíba chega a conceder a empresas industriais crédito presumido, de até 45% do ICMS mensal a pagar, destinado ao financiamento de capital de giro. Tal fato pode ser observdo em alguns empréstimos concedidos através do FAIN.
3.3.1.2 Redução dos custos de transação através da concessão de crédito presumido do ICMS
Mas, voltando ao nosso exemplo, se o gestor público desejar atrair a empresa industrial para o território do Estado da Paraíba poderá fazer uso de instrumentos de incentivos previstos no sistema legal tributário. No quadro 10 é mostrada essa possibilidade, através da concessão de crédito presumido do ICMS.
Como visto anteriormente, os benefícios fiscais reduzem os custos de transação associados à circulação de produtos e mercadorias. Desta forma, com a redução do ICMS devido pelo agente econômico, o Estado possibilita artificialmente a redução dos custos e despesas variáveis. Esta situação é mostrada no gráfico 6.
Uma política de benefícios fiscais deve ter objetivos sócio-econômicos específicos, caso contrário os ganhos poderão ser apropriados pelo agente econômico. A mera transferência de recursos públicos ao agente econômico além de representar uma ofensa à sociedade, tem o condão de afetar as condições que os agentes econômicos competem no mercado. Por isso, as políticas de benefícios fiscais só têm algum sentido sócio-econômico se houver uma contrapartida do agente econômico. Aliás, a distribuição de riqueza é pouco discutida pela economia. Segundo Cooter e Ulen (2002, p. 14-15):
Los econmistas recomiendan a menudo algunos cambios que incrementan la eficiência, pero tratan de no tomar partido en las disputas acerca de la distribución, dejando, casi siempre, a los gobernantes o los votantes las recomendaciones acerca de la distribución.
Esta terrível falha também pode ser estendida aos juristas. Ambos se furtam de discutir ou de propor modelos que compatibilizem as relações entre eficiência econômica e distribuição de riqueza, ou entre eficiência econômica e financiamento público da atividade econômica.
É evidente que o Estado deve ter alguma precaução ao interferir nos custos e despesas dos agentes econômicos, posto que cria privilégios, muitas vezes, não extensíveis a todo os agentes econômicos inseridos do mercado. Ao adentrar no ambiente econômico-privado, o Estado pode, implicitamente, criar um estímulo à ineficiência econômica, ou seja, o agente econômico não mais procurará reduzir seus custos e despesas com medidas de mercado, mas através dos benefícios fiscais. Dentre outras conseqüências, os benefícios fiscais poderão produzir um desarranjo de mercado, ao possibilitar um ganho individual com medidas externas ao mercado. Pode-se dizer, mesmo, que possibilita uma concorrência desleal entre os agentes econômicos tratados diferentemente dentro do território do ente tributante estadual, ou seja, enquanto um determinado agente, não contemplado pela norma tributária estadual, deverá buscar a eficiência econômica com medidas de mercado, um outro poderá se utilizar do expediente do benefício fiscal, igualando seus custos e despesas totais artificialmente ao de mercado.
Só em situações específicas é aceitável que o Estado conceda tais privilégios com a finalidade de possibilitar um gap ao agente econômico, destinado, por exemplo, a geração de emprego e renda ou a redução de preço ao consumidor final.
3.4.2.1 Redução dos preços finais
A determinação de preços de venda não é tarefa fácil. Dela se ocupa a Contabilidade de Custos. O preço de venda é determinado de acordo com a política de lucro da empresa industrial, levando em consideração as diversas variáveis que atuam sobre a produção. A fixação do preço de venda dos produtos acabados é obtida através da conjunção das variáveis custos, despesas e lucro. Acerca da tarefa de fixação de preço Martins (1998, p.249) comenta:
O problema de decidir o preço a ser fixado não é tarefa para solução só com dados de custos. Necessário se torna uma gama de informações sobre mercado (elasticidade, na Economia) para que se possa, casando informes internos com externos, optar pelas decisões mais corretas. Também nessa hora a Contribuição Marginal é de vital importância. Das diversas opções de preço e quantidade, interessa a que maximiza a Margem de Contribuição Total, e não a Receita total, desde que para qualquer dessas alternativas o Custo Fixo se mantenha inalterado.
Horngren et al (2000, p.302) explicitam o que seja decisões de preço:
As decisões de preço são decisões que os administradores tomam sobre o que cobrar pelos produtos e serviços que oferecem [...] Essas decisões influenciam as receitas da empresa, que devem superar os custos totais, se se deseja obter lucros. A apuração dos custos dos produtos, consequentemente, é importante para estabelecer preços. Não há, contudo, um modo único de apuração do custo de um produto que seja universalmente relevante para todas as decisões de preço.
Evidente que não é o objetivo deste trabalho discorrer sobre as teorias de preço da Contabilidade de Custos. Nosso objetivo apresenta-se mais simples, já que procura entender apenas como o ICMS afeta os custos de transação.
Com a redução dos custos de transação (custos e despesas variáveis) associados à circulação de produtos e mercadorias, o agente econômico poderá operar em um mesmo volume de produção u a um custo e despesa variáveis inferior ao de mercado. A implicação imediata é a possibilidade econômica de redução do preço final dos produtos, sem afetar o lucro. Esta situação é mostrada no gráfico 8.
A redução dos preços finais ou a geração de emprego e renda são "externalidades positivas" da política de benefícios fiscais, onde se verificam as contrapartidas sociais do agente econômico. No entanto, se o agente econômico se apropria, integral ou parcialmente, do benefício concedido, a política de benefícios fiscais não consegue cumprir seus objetivos. Neste caso, as "externalidades" ou os resultados concretos, de uma determinada política de benefícios fiscais diferem dos objetivos formalmente previstos na norma jurídica. Isto é possível a partir da confluência de comportamentos oportunistas dos agentes econômicos e da ausência de controle do Estado. Segundo Caliendo (2009, p. 60):
[...] uma última contribuição que poderia ser mais bem explorada está na aplicação do problema do carona (free rider problem) para explicar diversos fenômenos oportunísticos em tributação, tais como: sonegação, planejamento tributário, inadimplência fiscal, uso e abuso de incentivos fiscais, guerra fiscal, dentre tantos outros.
Os resultados concretos da política de benefícios fiscais dependerão dos comportamentos dos agentes econômicos (oportunísticos ou não) e do ambiente institucional (por exemplo, da flexibilidade das normas jurídico-tributárias, do maior ou menor controle e fiscalização estatal, dentre outros).
Por tudo isso, é possível afirmar que a relação entre benefícios fiscais e redução de preço ou geração de emprego e renda não é linear, ou seja, os objetivos podem ser desvirtuados, total ou parcialmente. Nestas situações, os benefícios fiscais podem não ser revertidos em desenvolvimento sócio-econômico.
3.4.3.1 Apropriação integral ou parcial dos benefícios fiscais
Como visto, os benefícios fiscais reduzem os custos de transação associados à circulação de produtos e mercadorias, com conseqüente redução nos custos e despesas variáveis. Isto possibilita ao agente econômico operar em um novo ponto de equilíbrio Pe’, com um volume de produção u’, inferior a u, e a um custo total c’, inferior a c. Esta situação é mostrada no gráfico 10.
Gráfico 10 – Representação gráfica da apropriação integral ou parcial dos benefícios fiscais
No plano macroeconômico é possível mensurar os efeitos sócio-econômicos expandidos da política de benefícios fiscais.
Na tabela 1 estão dispostos os valores nominais do PIB [07], das receitas correntes [08] e da receita do ICMS [09] do Estado da Paraíba, relativos ao período de 2002 a 2008.
A política tributária possui tanto natureza fiscal, destinada a gerar recursos públicos, como extrafiscal, destinada a fomentar a atividade econômica. Apesar do necessário financiamento das estruturas estatais imprescindíveis à vida em sociedade, à existência do mercado, ao exercício e manutenção dos direitos de propriedade e ao respeito às relações contratuais, dentre outros, a função extrafiscal da política tributária tem tomado uma relevância sem precedentes na história do desenvolvimento econômico brasileiro, com crescente desoneração de importantes setores econômicos.
No interior da política tributária, então, é possível diferenciar a política pública de benefícios fiscais, com objetivos e finalidades próprias. Tal política pública possui a potencialidade de aliar um efetivo instrumento estatal (incentivos fiscais) ao fomento do desenvolvimento sócio-econômico. No entanto, pela dimensão tomada há nítida preocupação com a política de incentivos fiscais. Só em casos especiais é socialmente aceitável a concessão de benefícios fiscais: primeiro, porque parte considerável da carga tributária brasileira recai sobre as pessoas físicas, através de tributos diretos e tributos indiretos; segundo, porque a concessão à atividade econômica privada de benefícios fiscais redunda em diminuição de disponibilidades financeiras do Estado para gastos sociais; terceiro, porque a concessão de incentivos fiscais representa interferência estatal na economia, com sérios desdobramentos sobre as regras de mercado.
Na verdade, as intenções e objetivos dos gestores públicos podem até ser formalmente exteriorizados através da norma jurídico-tributária, mas os resultados materiais de uma determinada política de benefícios fiscais devem ser concretamente mensurados para se avaliar as "externalidades" positivas ou negativas desta.
O problema central da política de benefícios fiscais no Brasil não se concentra na perda de receitas públicas, mas na ausência de mecanismos exatos de controle dos benefícios fiscais concedidos à atividade econômica. Na ausência desses mecanismos, os benefícios fiscais muito se aproximam de meras transferências de recursos públicos à iniciativa privada. É o que pode ser chamado de privatização dos tributos, com sacrifício financeiro de toda a sociedade destinada a compor a riqueza privada. Por outro lado, se realmente existe tal política de transferência de recursos públicos da sociedade à iniciativa privada, esta só pode ser perfeitamente concretizada com a redução do Estado do Bem-Estar. Por isso, deve-se questionar a veracidade do atual discurso que propaga a idéia de que a tutela social do Estado é incompatível como o desenvolvimento econômico.
A transferência de recursos públicos da sociedade à iniciativa privada encontra guarida em discurso muito bem elaborado que apregoa a necessidade de estimular financeiramente a atividade econômica através "mimos" tributários, de tal forma que esta possa desenvolver-se sem as garras do Estado tributário. A realidade tem indicado que este caminho é extremamente danoso. De um lado, o Estado abre mão de suas receitas tributárias e, consequentemente, fica impossibilitado financeiramente de desenvolver programas sociais com recursos próprios; de outro, o desenvolvimento econômico pouco contribui socialmente.
A partir da idéia equivocada de que a redução de tributos redunda, necessariamente, em desenvolvimento econômico e social, o discurso corrente, inclusive o oficial, propaga a idéia de que a presença do Estado na tutela de interesses sociais se torna desnecessária, posto que o desenvolvimento econômico, por si só, proporcionará condições materiais para o desenvolvimento social. Contudo, é sempre prudente inquirir se os agentes econômicos privilegiados irão alocar os benefícios fiscais em favor da sociedade, ou seja, se os empregos gerados, diretos ou indiretamente, resultarão em renda e salários compatíveis com a desoneração tributária. Também é necessário indagar se a maximização do lucro levada ao extremo e seu desdobramento, a concentração de riqueza nas mãos de uns poucos agentes econômicos, são compatíveis com eficiência econômica. É claro que uma política de benefícios fiscais responsável pode aliar incentivos fiscais, desenvolvimento econômico e social.
Infelizmente, a atual política de incentivos fiscais, ao que tudo indica, representa mera transferência de recursos financeiros da sociedade à iniciativa privada. O problema se acentua no caso dos tributos indiretos. Por exemplo, o ônus tributário do ICMS não é atribuído à empresa, mas àquele que consome, já que o tributo se encontra embutido no preço final dos produtos, mercadorias e serviços vendidos. Assim, quando se reduz o ICMS graciosamente e o preço final permanece inalterado, nenhum benefício financeiro é transferido para o consumidor final. A lógica é simples: se, apesar da redução do ICMS, o preço para o consumidor final permanecer o mesmo, o Estado simplesmente abrirá mão de suas receitas tributárias e as atribuirá às empresas. A sociedade continuará arcando com o mesmo ônus financeiro, só que a parcela correspondente ao ICMS será destinada às empresas e não mais aos cofres do Estado. Talvez a análise isolada dos custos de transação esconda o verdadeiro custo de se viver em sociedade. Por isso, a busca desenfreada pela eficiência e racionalidade econômicas não podem suplantar o interesse coletivo.
O lado inverso deste problema se deixa transparecer através do incentivo estatal à ineficiência econômica, associado a um sistema jurídico-tributário complexo e a um imposto de natureza federal, mas atribuído aos Estados-membros, o ICMS. Disso tudo restou um conflito federativo que tem até nome e sobrenome: guerra fiscal.
O lado "positivo"da guerra fiscal é o aparente desenvolvimento alcançado por alguns Estados-membros da federação brasileira. Contudo, não devemos duvidar que este crescimento tenha si dado concomitantemente ao empobrecimento de algum outro Estado-membro. Por exemplo, a atração de um investimento já instalado e em operação para um outro Estado-membro pode até beneficiar economicamente uma determinada comunidade local e regional, mas a contrapartida será o prejuízo para a comunidade original, como o desemprego. Por isso, a sensação de que o crescimento econômico do Brasil não se dá de forma proporcional aos benefícios fiscais concedidos pelos Estados-membros da federação. As riquezas transitam entre localidades e regiões, mas ao final o resultado não é, de todo, um crescimento vigoroso. Isto é comprovado através dos resultados macroeconômicos do Brasil, cujo crescimento do PIB sequer consegue se igualar aos dos demais países emergentes. Traz, apenas, bolhas localizadas de crescimento operacionalizadas através da "transposição de riquezas" de um lado para o outro, sem implicar em um real crescimento da nação como um todo.
É evidente que a desoneração excessiva ou, até mesmo, total pode ser defendida na atração de megaempreendimentos, tais como indústria petrolífera, petroquímica, siderúrgica e automobilística. Nestes casos específicos, faz-se necessário um grande sacrifício de recursos da sociedade, justificado pela ação catalisadora destes investimentos na atração de outros empreendimentos que restituirão os recursos despendidos, ou seja, desonera-se os megaempreendimentos, mas tem-se a expectativa de que os novos empreendimentos que serão atraídos recompensarão os recursos dispensados.
Porém, este não é o caso dos Estados-membros mais pobres, que via de regra só conseguem atrair pequenos e microempreendimentos, tais como comércio distribuidor de alimentos, de bebidas e de material de higiene; comercio varejista e pequenas indústrias de produtos eletrônicos. Tais empreendimentos, por certo, não têm a vocação de alterar a realidade do mercado de trabalho, nem de atrair outros investimentos.
Dentro deste contexto, a pesquisa procurou fazer uso de elementos não jurídicos para analisar normas tributárias que veiculam os benefícios fiscais e, principalmente, os desdobramentos sócio-econômicos destas normas. Assim, foi procedida a análise econômica da política de benefícios fiscais do Estado da Paraíba. Os resultados são emblemáticos e expressam, de forma nítida, a realidade brasileira. Por exemplo, no período de 2002 a 2008, os montantes dos benefícios fiscais previstos nas leis orçamentárias apresentam-se sem qualquer critério lógico, com variações positivas e negativas bruscas. Neste sentido, a pesquisa mostra que a leis orçamentárias de 2002 e 2003 apresentam um incremento nos benefícios fiscais de 122,95%, passando de R$ 60,7 milhões para R$ 135,4 milhões. O movimento contrário ocorre em 2003 em relação a 2004, que apresenta uma redução de 43,22%, com queda de R$ 135,4 milhões para R$ 76,9 milhões.
Também é possível indicar a desproporcionalidade entre benefícios fiscais, receitas públicas e receitas do ICMS. De 2002 a 2008, os benefícios fiscais tiveram um incremento de 424,03%, enquanto as receitas públicas e as receitas do ICMS experimentaram aumentos de 131,34% e109,53%, respectivamente. Isto equivale a dizer que no período de 2002 a 2008 o incremento nos benefícios fiscais foi superior em quase 4 vezes o crescimento das receitas do ICMS.
Por esses dados já é possível vislumbrar a ausência de uma política de benefícios fiscais no Estado da Paraíba. Os valores renunciados anualmente não apresentam qualquer critério lógico que possam indicar a existência de uma ação estatal com uma finalidade a ser perseguida pelo gestor público, como, por exemplo, o desenvolvimento econômico e a geração de emprego e renda, dentre outras possibilidades. Além disso, a valoração aleatória dos benefícios fiscais impossibilita qualquer avaliação objetiva dos mesmos, deixando transparecer a existência de mero mecanismo de transferência de recursos públicos para a iniciativa privada.
Aliás, a falta de transparência nesta seara é a regra nacional. Falta ao gestor público demonstrar suas verdadeiras intenções, expressa através de uma política pública de benefícios fiscais passível de avaliação e controle. Por outro lado, a própria sociedade queda-se paralisada diante dos vultosos montantes renunciados, deixando de exercer o controle social sobre gestores públicos e empresas beneficiadas.
A pesquisa também mostrou que, no período de 2002 a 2006, as receitas públicas apresentaram incremento nominal acumulado (81,26%) compatível com o crescimento do PIB [14] paraibano (60,48%) e com as receitas do ICMS, que apresentaram um incremento nominal acumulado de 66,34%. Este dado indica que as receitas do ICMS na Paraíba apresentaram o crescimento vegetativo esperado, ou seja, proporcional ao crescimento do PIB.
Por outro lado, as análises estatísticas dos benefícios fiscais em relação aos indicadores de emprego e mercado de trabalho, no período de 2002 a 2008, indicam tendências dissonantes. Por exemplo, de 2002 a 2007, enquanto os benefícios fiscais tiveram um incremento de 288,93%, os indicadores grau de informalidade e população ocupada apresentaram índices bem mais modestos, de –2,86% e 3,93%, respectivamente. Essa tendência também se manteve em relação ao indicador total da evolução de admissão, que até 2008 teve um incremento de 38,89%, bem inferior ao aumento de 424,03% observados nos benefícios fiscais até 2008. Por isso, é possível inferir a desproporcionalidade entre benefícios fiscais e indicadores de emprego e mercado de trabalho na Paraíba.
Neste sentido, faz-se necessário questionar se a política de benefícios fiscais da Paraíba se apresenta como mecanismo apropriado para incrementar a economia, medida através do produto interno bruto, e induzir melhorias no emprego e mercado de trabalho paraibanos. Aliás, uma das justificativas para a utilização da política de benefícios fiscais é potencialidade de indução do desenvolvimento da região, com aumento na riqueza produzida e diminuição da pobreza e das mazelas sociais. Porém, os dados nos revelam, através da análise estatística, que não existe relação entre os montantes do ICMS renunciados e o crescimento do PIB na Paraíba.
Por tudo isso, é possível afirmar que inexistem ainda mecanismos objetivos que mensurem os custos/benefícios sociais dos benefícios fiscais ou que, pelo menos, indiquem os limites legais da atuação dos gestores públicos na concessão dos benefícios fiscais.
Por fim, faz-se necessário apontar o déficit democrático dos benefícios fiscais concedidos indiscriminadamente pelos gestores públicos, posto que concretamente desconsidera-se a vontade média da sociedade expressa na lei, privilegiando interesses privados em detrimento do interesse coletivo, com evidente potencialidade de ofender os espaços coletivo e o político (consenso social).