CONSIDERAÇÕES FINAIS
Do apanhado acima, podemos deduzir, ao cabo, que as normas introduzidas pela Lei nº. 11.232/2005 ao processo civil, especificamente no que concerne ao cumprimento da sentença que define obrigação de pagar quantia certa (ou a ser fixada em liquidação), são aplicáveis ao processo do trabalho, pela análise principiológica do problema.
Dessa forma, pode-se
justificar o desuso de determinados procedimentos pertencentes a um dado subsistema processual em favor de uma ferramenta nova que, embora do domínio de outro subsistema, seja com aquele compatível, seja no plano normativo interno, seja, principalmente, no plano valorativo e principiológico imanente ao subsistema, que lhe dá sentido e o orienta (CHAVES, 2007, p. 412-413).
A aplicação da Lei 11.232/2005 encontra sintonia nos Princípios da Proteção, Celeridade, Igualdade, Eficiência e da Duração Razoável do Processo, de forma que obstaculizá-la ao processo laboral, por interpretação literal do art. 769. da CLT, significa violação dos mencionados preceitos.
Nesse enfoque, transgredir um princípio é muito mais grave do que violar uma regra. (LEITE, 2008, p. 613).
Como visto, a legislação deve ser interpretada dentro do conceito de sistema ordenado e unitário. Conforme ensina Claus-Wilhelm Canaris (2002, p. 22),
longe de ser uma aberração, como pretendem os críticos do pensamento sistemático, a idéia do sistema jurídico justifica-se a partir de um dos mais elevados valores do Direito, nomeadamente do princípio da justiça e das suas concretizações no princípio da igualdade e na tendência para a generalização. Acontece ainda que outro valor supremo, a segurança jurídica, aponta na mesma direcção.
Ideal seria, obviamente, que o legislador tomasse a iniciativa de promover as adequações necessárias, especialmente pelo novo conceito de sentença. Enquanto isso não ocorre, curial uma releitura do microssistema processual trabalhista, conferindo uma nova interpretação, por meio da heterointegração ou intersistematização entre o direito processual civil e trabalhista.
Portanto, não mais se sustenta a negativa de aplicação das regras de cumprimento de sentença ao processo do trabalho, se mais adequadas, axiologicamente, às necessidades atuais; basta realizarmos uma reinterpretação.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Imaginemos, hipoteticamente, a aplicação do caput do art. 475-J do CPC, o qual comina multa de 10% ao valor fixado na sentença ou liquidação, caso não pago em 15 dias. O § 1º dispõe que, não havendo pagamento, será implementada a penhora e avaliação de bens, podendo o executado oferecer impugnação. Assim, difícil imaginarmos a situação do devedor se lhe fosse tolhida a interposição da impugnação no prazo de 15 dias, com admissão estrita dos embargos previstos no art. 884. da CLT. Parece-nos, pois, que arranharia o princípio da segurança jurídica transportar parcialmente os preceitos, razão pela estudaremos a possibilidade, ou não, de aplicação do novel sistema processual civil.
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Essa modalidade de execução, segundo o Prof. José Carlos Barbosa Moreira, "tem por fim a entrega, ao credor, de uma soma em dinheiro." (MOREIRA, 1983, p. 307).
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MARINONI, Luiz Guilherme. Do processo civil clássico à noção de direito a tutela adequada ao direito material e à realidade social. Disponível na Internet: <https://www.mundojuridico.adv.br>. Acesso em 14 de março de 2009. Prossegue Marinoni, ao justificar o motivo da dicotomia entre o processo de conhecimento e execução: "[...] a gênese do processo de conhecimento, concebido como palco da verificação dos fatos e da declaração da lei, está justamente na tentativa de nulificação do poder do juiz. A separação entre conhecimento e execução teve o propósito de evitar que o juiz concentrasse, no processo de conhecimento, os poderes de julgar e de executar."
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Nesse sentido, o art. 475-I do CPC: O cumprimento da sentença far-se-á conforme os arts. 461. e 461-A desta Lei ou, tratando-se de obrigação por quantia certa, por execução, nos termos dos demais artigos deste Capítulo. (Acrescentado pela Lei nº. 11.232, de 22.12.2005, DOU 23.12.2005, efeitos a partir de 23.06.2006).
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De Plácido e Silva melhor conceitua a citação, no sentido de que "exprime o ato processual pelo qual se chama ou se convoca para vir a juízo, a fim de participar de todos os atos e termos da demanda intentada", bem como "anuncia à parte adversária da intenção do autor de propor contra ela a demanda, já ajuizada", de forma que "sempre se induz ato inicial do processo." (DE PLÁCIDO E SILVA, 1978, p. 338).
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CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento Sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. Introdução e tradução de A. Menezes Cordeiro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2002, 3ª ed. (Titulo Original: Systemdenken und Systembegriff in der Jurisprudenz).
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Conforme Luciano Athayde Chaves, op. cit., p. 27.
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Nesse sentido, a lição de Alexandre de Moraes (2004, p. 109): "a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia conceda-lhe. Consequentemente, todas as normas constitucionais têm validade, não cabendo ao intérprete optar por umas em detrimento total do valor de outras".
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Alexandre de Moraes (2004, p. 1100) conceitua a recepção da regra nos seguintes termos: "Consiste no acolhimento que uma nova constituição posta em vigor dá às leis e aos atos normativos editados sob a égide da Carta anterior, desde que compatíveis consigo. O fenômeno da recepção, além de receber materialmente as leis e os atos normativos compatíveis com a nova Carta, também garante sua adequação à nova sistemática legal. Por exemplo: apesar de inexistir sob a vigência da Constituição de 1988 a espécie normativa Decreto-lei, o Código Penal continua em vigor, uma vez que foi material e formalmente recepcionado, sob a nova roupagem de lei ordinária."
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O princípio é a norma das normas, segundo Paulo Bonavides (2001, p. 261).
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Nas palavras do Professor Luciano Athayde Chaves (2007, p. 27).
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O Prof. Luciano Athayde Chaves fez estudo analítico a despeito das lacunas, traçando três pensadores. O primeiro, Norberto Bobbio, segundo o qual as lacunas são reais (falta de critérios válidos para decidir qual norma deve ser aplicada) ou ideológicas (existe a norma, mas sua aplicação implica injustiça). Em seqüência, cita Karl Engisch, para quem as lacunas são primárias (ausência de norma) ou secundárias (que aparecem posteriormente, em razão de fenômenos diversos, especialmente ligados à evolução). Por fim, procurou citar os conceitos elaborados por Karl Larenz, que admite o desenvolvimento aberto do direito.
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O art. 880. da CLT, desde 1943, sofreu duas modificações; ambas para incluir as contribuições sociais no mandado de citação. A primeira retificação ocorreu através da Lei nº 10.035 de 25.10.2000 e a segunda em virtude da Lei nº 11.457, de 16.03.2007. As duas, porém, mantiveram a necessidade de citação.
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A duração razoável do processo determina a eliminação de providências judiciais inócuas, que retardem o andamento da causa. A aceleração da vida cotidiana, a realização de maiores tarefas em menor prazo de tempo, entre outros fatores, constituem, inegavelmente, fatos sociais da atualidade, que não podem ser olvidados pelo Direito. Ao contrário, a legislação caminha no rastro dos fenômenos sociais. Em abono ao afirmado e apenas para ilustrar, cite-se como exemplo a redução dos prazos prescricionais pelo Código Civil de 2002, o que demonstra a visão do direito voltado aos fatos sociais.
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A propósito, o Ministro do Tribunal Superior do Trabalho Ives Gandra da Silva Martins Filho destaca a existência de dois pontos de estrangulamento do processo do trabalho (verdadeiros gargalos): a execução e o próprio TST como estrutura. Destaca o Ministro que "os paradigmas, como modelos de soluções aceitáveis para os problemas colocados pela ciência, não são imutáveis, devendo ser substituídos quando insuficientes para explicar ou resolver uma realidade cambiante e mais complexa." (MARTINS FILHO, 2007, p. 21).
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Com efeito, destaca o Ministro que "de nada adiante se conseguir, como ocorre atualmente na maioria dos TRTs, resolver uma reclamação trabalhista em 30 dias na 1ª instância e em 70 dias na 2ª, se, recorrendo a empresa para o TST, o processo levará em média cinco anos para ser apreciado. E, terminado o processo de conhecimento, de que adiante se obter o reconhecimento judicial do direito do trabalhador, se depois o processo de execução se arrasta de forma interminável?" (MARTINS FILHO, 2007, p. 14).
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Conforme ensina a doutrina de Maria Helena Diniz (2002, p. 95).
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Wolney de Macedo Cordeiro, 2008, p. 26. Para exemplificar, o autor cita a remissão celetista à ação rescisória (art. 836), conexão e continência (art. 842), litisconsórcio (art. 843), execução provisória (art 899), entre outros (op. cit., p. 27).
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Essa, aliás, a respeitosa posição da doutrina de Manoel Antonio Teixeira Filho (2008, p. 47), ao referir que a aplicação do cumprimento da sentença traduz "indisfarçável transgressão ao art. 769, da CLT, que estadeia a omissão como requisito fundamental para a adoção subsidiária de norma do processo civil pelo do trabalho, não se podendo considerar configurado esse pressuposto pelo simples fato de o CPC haver sido dotado de novas disposições." Além disso, refere haver "arbitrária derrogação dos dispositivos da CLT que disciplinam o processo de execução (notadamente, os arts. 880, 884 e 889), como se fosse juridicamente possível, lege lata, normas editadas com vistas ao processo civil deitarem por terra expressas disposições da CLT, que, como é óbvio, são específicas do processo do trabalho".
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O Prof. Wolney Cordeiro (2008, p. 13) ensina que "essas normas (CLT, arts. 769. e 889) foram construídas com o fito de se evitar a aplicação do formalismo inerente ao direito processual civil, mediante a fixação de barreiras protetoras dos regramentos mais flexíveis e dinâmicos do direito processual do trabalho. Acontece que, ao longo de décadas de imobilismo do processo laboral, a situação fática sofreu modificações contundentes e, em muitos aspectos, o Código de Processo Civil apresenta uma regulação bem mais benéfica das normas de procedimento."
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Essa "troca de óculos" do intérprete não significa alterar a "amplitude da norma jurídica, mas apenas contextualizá-la no âmbito das vigentes necessidades sociais" (CORDEIRO, 2008, p. 12).
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Conforme assinala o Prof. Wolney de Macedo Cordeiro (op. cit., 2008, p. 14).
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O Ministro do Superior Tribunal de Justiça Luis Felipe Salomão, em entrevista ao site Espaço Vital, refere que "vai chegar o momento em que a demora ensejará a responsabilidade do Estado. Isso já acontece em vários países da Europa. A Itália, por exemplo, é seguidamente condenada por desrespeito a esse princípio junto à Comunidade Européia. Portugal, Espanha e França já foram condenadas". (Fonte: https://www.espacovital.com.br/noticia_ler.php?id=14095.)
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A afirmação é confirmada pelo próprio sistema constitucional brasileiro, na medida em que o Capítulo III do Título IV da Magna Carta organiza a estrutura do Poder Judiciário, fragmentando a competência para melhor prestação jurisdicional.
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Art. 832. Da decisão deverão constar o nome das partes, o resumo do pedido e da defesa, a apreciação das provas, os fundamentos da decisão e a respectiva conclusão. § 1º Quando a decisão concluir pela procedência do pedido, determinará o prazo e as condições para o seu cumprimento. (sem destaque no original).
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Seria um contra-senso imaginar que no processo civil haveria maior proteção aos credores (que, em regra, mantém créditos de natureza não alimentar: instituições financeiras, por exemplo) e, em contrapartida, negar vigência das regras pertinentes ao cumprimento de sentença ao credor trabalhista, que merece maior tutela.
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Exemplos não faltam dessa influência do princípio da proteção no direito instrumental do trabalho: o arquivamento da reclamação, em caso de não comparecimento do reclamante e revelia no caso da ausência da reclamada (art. 844, CLT). A Juíza Valdete Souto Severo (2007, p. 17-19) assevera que, "ao contrário do que referem alguns doutrinadores, esse princípio tuitivo contamina, também, as regras processuais. Ora, se concebemos processo como instrumento de realização do direito material - fato nitidamente observado no texto da CLT e preconizado por toda a doutrina moderna - temos de pensar num instrumento que seja compatível com o direito que visa a realizar. A conseqüência direta desse raciocínio é a compreensão de que também o processo do trabalho é informado pelo princípio tuitivo."
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Nesse mesmo sentido, a seguinte decisão do Colendo Tribunal Superior do Trabalho: "Alega o recorrente que, em se tratando de normas processuais trabalhista, deve ser observado o Decreto-lei 779/69 e não o CPC, razão pela qual deveria haver, no caso, remessa oficial. A questão está superada pela robusta jurisprudência consolidada na Súmula nº. 303. Tem-se defendido que o artigo 475 do CPC privilegia princípios que são basilares no processo do trabalho, notadamente o da celeridade e razoabilidade. Por outro lado, consagra o princípio do tratamento dotado de isonomia entre os litigantes, ratificando o sentido social que deve ter o processo. Ademais, as hipóteses previstas no citado artigo 475 aludem a exceções, não colidindo com a regra geral disposta no Decreto-lei 779/69. Não há violação legal demonstrada. Não conheço do recurso." (Tribunal Superior do Trabalho. Proc. nº. 219/2006-351-04-00.8. Lucila Viegas de Mello x Associação Canelense de Apoio à Saúde e Município de Canela. Acórdão publicado no DJ em 05.03.2009, Relator Ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos. Disponível em www.tst.gov.br. Acesso em 15.03.2009).