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O Direito Internacional, meio ambiente e a Pan-Amazônia

Agenda 24/03/2010 às 00:00

RESUMO

Este trabalho apresenta a relação entre o Direito Internacional, a questão ambiental e a proteção da Amazônia através de mecanismos convencionais, os quais tenham como paradigma interpretativo o jus cogens internacional, ou seja, o direito impositivo, o qual prevê o respeito aos princípios da independência, soberania e autodeterminação dos povos da Amazônia em gerenciarem seus recursos.

Palavras-chave: Direito Internacional, Meio Ambiente, jus cogens, Amazônia.


INTRODUÇÃO

Meio ambiente é a base natural sobre a qual se estruturam as sociedades humanas. O ar, a água, o solo, a flora e a fauna dão o suporte físico, químico e biótico para a permanência das civilizações sobre o planeta.

Em outras palavras, pode-se defini-lo como o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica que permite e dirige a vida em todas as suas formas.

Entre os bens e valores que passaram a merecer proteção e garantia pelo direito, mas que acima disso é aquele que mais tem chamado a atenção, preocupação e proteção por parte da sociedade civil, juristas e cientistas é, sem dúvida alguma, o meio ambiente.

De fato, deve-se atentar ao vertiginoso crescimento da abordagem ambiental nos últimos tempos, sendo que

El origen puede ubicarse en dos documentos de Naciones Unidas: a la Carta de Estocolmo de 1972, y la Carta de La Natureza de 1982. El clímax se encuentra, constituido por los documentos aprobados em la celebre Cumbre de Rio en 1992. [01]

Com efeito, nas palavras de Daniella Dias, visualiza-se que o direito ao ambiente equilibrado é condição para uma vida sadia em sociedade. Objetiva a promoção da harmonia e a integração entre o homem e a natureza bem como entre aquele e seus semelhantes. [02]

Já a relação de interdependência entre os direitos humanos e os direitos ambientais se centra principalmente em dois aspectos. Em primeiro lugar, a proteção do meio ambiente pode ser concebida como um meio para conseguir o cumprimento dos direitos humanos, tomando-se em conta que um entorno ambiental destruído contribui diretamente a violação dos direitos humanos à vida, à saúde, ao bem estar.

Em segundo lugar, os direitos ambientais dependem do exercício dos direitos humanos para terem eficácia. Através do direito à informação, à liberdade de expressão, à tutela judicial, à participação política no Estado que em vivem, os indivíduos poderão reivindicar e possuir direitos ambientais.

Nesse sentido, a exigência de proteção ao meio ambiente propicia a salvaguarda e proteção de outros direitos diretamente relacionados [03], em especial aos direitos humanos. Sem dúvida a sobrevivência da espécie humana e sua qualidade de vida dependem de um meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Ao tratar da evolução da preocupação internacional com o meio ambiente, no Pós-Primeira Guerra Mundial, Alexandre Kiss defende que:

La finalité est de servir um objectif plus éloigné qui est l’intérêt commun de tous les humains: prevenir les tensions internationales pouvant être dangereuses pour le maintien de la paix, respecter et faire respecter la dignité et les droits et libertes fondamentaux de tous les humains, empêcher l’exploitation destructrice et égoiste de ressources naturelles. On peut même dire que l’intérêt commun de l’humanité peut être identifié précisément parce que ces conventions ne comportent aucune réciprocité [04]

Desse modo, destaca-se que o meio ambiente está inserido no corpo normativo do jus cogens [05] e, em um âmbito regional tem um importante instrumento garantidor do seu respeito que é o Tratado de Cooperação Amazônica, e que demonstra as vantagens, através de uma ação conjunta entre os Estados membros, do implemento da proteção ao meio ambiente. Nesse sentido, en effet, elles ne comportent généralement pas d’avantages immediats pour les Etats contractants : leur finalité est de protéger les espéces de la faune et de la flore sauvages, les océans, l’air, les sols, les paysages. [06]

Diante do caráter vital da coexistência e harmonia entre o meio ambiente e os direitos humanos, e reconhecendo a dependência das sociedades em relação à natureza, a Constituição Brasileira, em seu artigo 225 diz que todos

Têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

A mesma preocupação orientou a formulação do conceito de desenvolvimento sustentável, ou seja, aquele que não ponha em risco as gerações futuras, devido ao esgotamento dos recursos naturais produzido pela geração presente.

O preceito constitucional em questão é seguido por seis parágrafos que atribuem ao Poder Público deveres específicos para lhe dar efetividade, sendo certo que o artigo 225 da Constituição Federal deva ser lido em conformidade com os princípios fundamentais inseridos nos artigos 1° e 4 °, que fazem da tutela ao meio ambiente um instrumento de realização da cidadania e da dignidade humana.

Além disso, a partir da constatação de que, especialmente nos países ricos e na elite dos países pobres há o que se chama de superconsumo, ou seja, um consumo exacerbado que representa o principal elemento da crise ecológica mundial, é que surge a ideia de desenvolvimento sustentável.

Assim, desenvolvimento sustentável ou ecodesenvolvimento pressupõe a conjugação de três pressupostos básicos, que são: desenvolvimento econômico-social, preservação do meio ambiente e melhoria da qualidade de vida, sendo aquele que prima pelo atendimento das necessidades das gerações atuais e futuras.

Trata-se da necessidade de reorganizar a produção e o consumo de tal forma que o uso dos recursos naturais seja equilibrado, enquanto as necessidades dos seres humanos sejam atendidas da melhor forma possível.

Toda a temática em torno da sustentabilidade gira em torno de uma equidade, isto é, o que se consome hoje não pertence unicamente a nós, mas a nossos filhos e netos também, as gerações futuras têm igual direito de consumo, portanto os recursos naturais só podem ser utilizados na proporção em que não comprometam o uso pelas gerações futuras.

Para Alexandre Kiss ainsi, le droit à l’environnemente qui est une des formes de l’expression de la dignité humaine complete lês droits de l’homme pour le presént et em garantit les conditions de réalisation pour l’avenir. [07]

Nesse contexto é que se observa a necessidade de um reforço nas normas internacionais com relação à proteção dos recursos naturais existentes, no qual está inserido o papel do jus cogens como um ponto inicial desse percurso.

Identifica-se aqui a relação com pelo menos duas regras atinentes ao jus cogens, quais sejam: o Princípio do respeito universal e efetivo dos direitos do homem e o Princípio da Igualdade Soberana e Independência dos Estados.

Quanto ao primeiro não há dúvida de que se trata de uma vinculação indissociável, haja vista, que como já defendido, o direito a um meio ambiente sadio está atrelado à ideia de respeito e garantia aos direitos do homem. Com relação aos seguintes há que se ater a uma análise mais minuciosa, diante da relação com meio ambiente e soberania, em especial as controvérsias relacionadas à defesa da Amazônia.


1. Os princípios da igualdade soberana, da autodeterminação dos povos e a proteção da Amazônia

Não há como dissociar do presente estudo a relação entre o avanço na discussão geopolítica relacionada com a soberania e com a exploração dos recursos naturais da Amazônia e a necessidade de um reforço na cooperação entre os Estados que a compõem com vistas ao respeito e observância das normas imperativas do jus cogens.

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A Amazônia é uma floresta rica em uma variedade de espécies animais, vegetais, minerais e hídricas, sendo composta pela Amazônia Legal, a qual abrange as áreas pertencentes ao Brasil, isto é aos Estados do Pará, Amapá, Amazonas, Acre, Rondônia, Roraima, Tocantins, além de parte do Mato Grosso e Maranhão e pela Pan-Amazônia, composta pelo Brasil e seus países fronteiriços, ou seja, Bolívia, Colômbia, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Suriname e Venezuela.

Não há dúvida de que a grande parcela de extensão da Região Amazônica é a pertencente ao Brasil [08], onde se insere uma vital preocupação com o gerenciamento dos recursos dessa região de forma soberana e independente por parte desse Estado, já que se constata um aumento gradativo nas pressões internacionais sobre a Amazônia.

A soberania, segundo, Adherbal Meira Mattos é :

A supremacia da ordem jurídica, do Direito-norma (Kelsen), do Direito-conduta (Cóssio) e do Direito fato-mutável (Bobbio). É um dos objetivos nacionais permanentes, ao lado da democracia e da paz social, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º da CF/88). [09]

Considerada por algumas como uma questão já superada no mundo globalizado, no qual as fronteiras e a capacidade de ação autônoma do Estado estariam sendo continuamente suplantadas pela dinâmica das relações internacionais no plano econômico e tecnológico, a soberania parece, no entanto resistir bravamente a sua morte prematura anunciada, apesar da necessidade de adaptações teórico-práticas em relação aos fenômenos por ela representados.

De fato, as riquezas da região amazônica, mais do que as preocupações ecológicas, levam alguns países a contestar a soberania dos Estados que a integram, razão pela qual o respeito a esse princípio deve ser continuamente reforçado.

Nesse aspecto, Dalmo Dallari é contundente ao analisar a noção de soberania e as relações entre os Estados no seio internacional, e defende que:

A conceituação jurídica de soberania, no entanto, considera irrelevante, em princípio, o potencial de força material, uma vez que se baseia na igualdade jurídica dos Estados e pressupõe o respeito recíproco, como regra de convivência. Neste caso, a prevalência da vontade do Estado mais forte, nos limites da jurisdição de um mais fraco, é sempre um ato irregular, antijurídico, configurando uma violação de soberania, passível de sanções jurídicas. E mesmo que tais sanções não possam ser aplicadas imediatamente, por deficiência de meios materiais, o caráter antijurídico da violação permanece, podendo servir de base a futuras reivindicações, bem como à obtenção de solidariedade de outros Estados. [10]

Deveras, o conceito de soberania tem uma nuance interna e uma externa. Aquela é definida como a autoridade, o poder que o Estado possui perante seus súditos em uma escala vertical, não se admitindo qualquer ingerência ou limitação de outro poder. Por outro lado, no plano externo, trata-se de uma ideia horizontalizada de relação entre Estados soberanos, na qual se destaca a independência, isso porque no seio internacional configura-se uma relação de coordenação, igualdade, respeito e reciprocidade, não havendo subordinação entre os Estados.

Toda e qualquer vinculação estatal que se dê diante de relações internacionais não deve ser encarada como uma condução inexorável da soberania ao acaso, ao abandono, como entende Kildare, por exemplo, o qual alerta para uma crise da noção de soberania em decorrência da superação do Estado Nacional, por outras formas de convivência social [11].

De outro lado, vê-se a necessidade de observância ao Princípio da Autodeterminação dos Povos, o qual não encontra melhor conceituação do que aquela disposta na Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, ou Convenção de Viena de 1993, a qual em seu artigo 1º, 2, declara que:

Todos os povos têm direito à autodeterminação. Em virtude desse direito, determinam livremente sua condição política e promovem livremente seu desenvolvimento econômico, social e cultural.

Levando em consideração a situação particular dos povos submetidos à dominação colonial ou outras formas de dominação estrangeira, a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos reconhece o direito dos povos de tomar medidas legítimas, em conformidade com a Carta das Nações Unidas, para garantir seu direito inalienável à autodeterminação. A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos considera que a negação do direito à autodeterminação constitui uma violação dos direitos humanos e enfatiza a importância da efetiva realização desse direito.

De acordo com a Declaração sobre os Princípios do Direito Internacional Relativos à Relações Amistosas e à Cooperação entre Estados em conformidade com a Carta das Nações Unidas, nada do que foi exposto acima será entendido como uma autorização ou estímulo à qualquer ação que possa desmembrar ou prejudicar, total ou parcialmente, a integridade territorial ou unidade política de Estados soberanos e independentes que se conduzam de acordo com o princípio de igualdade de direitos e autodeterminação dos povos e que possuam assim Governo representativo do povo como um todo, pertencente ao território sem qualquer tipo de distinção [12].

Entende-se que a soberania, assim como a autodeterminação dos povos são normas peremptórias, as quais devem ser continuamente reforçadas diante de fenômenos como a Globalização, por exemplo, o qual requer uma convergência entre os Estados, em busca da garantia e respeito mútuos de valores éticos e maiores, reconhecidos universalmente como o direito a um desenvolvimento igualitário às nações, à efetividade dos direitos do homem, da proteção do meio ambiente, enfim de uma cooperação eficaz em prol do bem comum universal.

Diante desse contexto só há que se falar em cooperação social, integração econômica, garantia dos direitos do indivíduo, desenvolvimento global com o respeito à soberania e independência dos Estados, pois estes agem por vontade própria, ou seja, assumem compromissos internacionais, buscando o bem comum, mas sempre com base no seu consentimento livre.

É como se fosse uma relação circular em que as normas do jus cogens servem de parâmetro a serem observadas pelos atos estatais, mas ao mesmo tempo representam uma garantia da manutenção dos direitos mínimos desses Estados e, consequentemente, aos seus súditos.

Desse modo, diante da preocupação com a proteção da Amazônica, em 3 de Julho de 1978, foi assinado em Brasília o Tratado de Cooperação Amazônica ou Pacto Amazônico, com a participação do Brasil, Venezuela, Equador, Bolívia, Guiana, Peru, Suriname e Colômbia. As conversações para a formalização do Tratado começaram em 1977 e Guiana e Suriname só integraram o acordo depois que a proposta já estava encaminhada.

Ao tratar da importância do Tratado, Georgenor Franco afirma que nesse sentido o Pacto representa o esforço sub-regional no sentido do desenvolvimento e da cooperação das respectivas regiões amazônicas dos signatários. [13]

Entende-se que, para os Estados que fazem parte do Pacto Amazônico, este representa um importante elemento de desenvolvimento e cooperação, no qual estão contidas e respeitadas as normas peremptórias, todas de vital importância na garantia do gerenciamento pleno dos recursos amazônicos.

Esse entrelaçamento entre o jus cogens e o TCA demonstra que, na prática, os países amazônicos devem de modo coeso, solidário, buscar soluções aos problemas regionais, já que esse Pacto defende o desenvolvimento e o meio ambiente da Área, com base no respeito à Soberania dos países membros, numa linha de cooperação econômico-social. [14]

No que tange ao caráter jurídico desse Tratado, há que se mencionar as palavras de Lindenberg Balcazar, segundo o qual:

El Tratado de Cooperación Amazónica, desde el punto de vista jurídico, podría entenderse como un conjunto de normas y principios comunes para la regulación de las relaciones internacionales entre los países de la subregión amazónica. Además, se trata de un instrumento jurídico cuyo texto ha sido redactado con especial apertura que facilita la concertación de acciones binacionales y multinacionales a través de la planificación conjunta de programas y proyectos para el desarrollo amazónico. Por otra parte el Tratado significa limitación alguna para que los países miembros concreten acuerdos bilaterales o multilaterales sobre temas específicos que no sean contrarios a los objetivos comunes consagrados en el instrumento. Es decir, los principios recogidos en el Tratado representan la reivindicación de los derechos y responsabilidades de los países signatarios sobre sus respectivos territorios amazónicos, en lo que se refiere al destino y utilización de los recursos de la Hoya Amazónica. [15]

Com relação aos objetivos e aspectos técnico-formais do Tratado, destaca-se que

O Pacto Amazônico tem aspectos materiais, organizacionais e formais. Os aspectos materiais compreendem o estudo do território e dos recursos naturais da Pan-Amazônia; rios: recursos hídricos, transportes e comunicações; pesquisa e equilíbrio ecológico; saúde; recursos humanos e naturais: ação conjunta e ação isolada; comércio e varejo; e turismo e conservação de riquezas etnológicas e arqueológicas. Os aspectos organizacionais compreendem seus principais Órgãos: Reunião dos Ministros das Relações Exteriores, Conselho de Cooperação Amazônica, Secretaria, Comissões Nacionais Permanentes e Comissões Especiais. Nos aspectos formais, temos a possibilidade de veto; a proibição de reservas, de declarações interpretativas e de adesões; a ratificação, a denúncia, o depósito, etc [16].

Por sua vez, as preocupações de destaque desse acordo internacional são: cooperação entre os integrantes, buscando uma união de esforços em prol do desenvolvimento, bem como o respeito à soberania e a preservação do meio ambiente, através da utilização racional dos recursos existentes na região amazônica.

Desse modo, os Estados integrantes comprometeram-se a realizar ações conjuntas para promover a conservação e o uso de recursos naturais da Amazônia com resultados equitativos e de aproveitamento mútuo.

Essa tendência de união regional entre Estados soberanos buscando a consecução de fins comuns é de extrema importância hodierna, mas já é reconhecida desde a Carta de São Francisco em 1945, quando a mesma em seu artigo 1º, 3 afirma que:

PROPÓSITOS E PRINCÍPIOS

ARTIGO 1 - Os propósitos das Nações unidas são:

3. Conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário, e para promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião [17]

Outrossim, para Lindenberg Balcazar:

Las experiencias concretas de cooperación se multiplican en un mundo interdependiente, algunas con mayores éxitos que otras. En América Latina han transcurrido décadas en que los Estados de forma global y regional ensayan y ejecutan experimentos cooperativos. Entretanto, las características locales – donde el subdesarrollo es un punto común – no apenas hacen necesario y urgente el esfuerzo cooperativo, sino que también presentan una serie de dificultades que convierten la efectiva cooperación en una meta a alcanzar en la mayoría de los casos. [18]

O Tratado de Cooperação Amazônica está atrelado à noção sedimentada no Direito Internacional de obediência às normas imperativas, ao dispor em seu artigo 4º que a utilização dos recursos naturais da Amazônia é direito soberano dos Estados que a compõem:

Artigo IV - As Partes Contratantes proclamam que o uso e aproveitamento exclusivo dos recursos naturais em seus respectivos territórios é direito inerente à soberania do Estado e seu exercício não terá outras restrições senão as que resultem do Direito Internacional [19].

Seguindo uma preocupação com outra norma peremptória do Direito Internacional, isto é, o direito humano a um meio ambiente sadio, defendem a adoção de metas comuns a serem observadas, quais sejam:

Artigo VII - Tendo em vista a necessidade de que o aproveitamento da fauna e da flora da Amazônia seja racionalmente planejado, a fim de manter o equilíbrio ecológico da região e preservar as espécies, as Partes Contratantes decidem:

a)promover a pesquisa científica e o intercâmbio de informações e de pessoal técnico entre as entidades competentes dos respectivos países, a fim de ampliar os conhecimentos sobre os recursos da flora e da fauna de seus territórios amazônicos e prevenir e controlar as enfermidades nesses territórios;

b)estabelecer um sistema regular de troca adequada de informações sobre as medidas conservacionistas que cada Estado tenha adotado ou adote em seus territórios amazônicos, as quais serão matéria de um relatório anual apresentado por cada pais [20].

Tomando como exemplo o Tratado de Cooperação Amazônica, pode-se constatar que, de fato, os acordos internacionais estão atrelados à noção do jus cogens, mas, acima disso, têm nele uma garantia de que, não somente os Estados que fazem parte do tratado obedecerão às normas imperativas, mas também a sociedade internacional como um todo deverá observar essas normas, já que as mesmas alcançam um patamar de importância superior, por trazer, como já dito, os valores mais básicos a serem implementados.

Vê-se a necessidade, em relação à Amazônia, de uma crescente reavaliação e reforço nas normas imperativas em prol do respeito a toda a região, diante do que se abstrai da afirmação abaixo:

Hoje, com a nova Ordem Mundial o Estado-Nação convive com as corporações Financeiras Transnacionais (TNC´s), em que a soberania (absoluta) convive com Direitos Soberanos (relativos), num mundo Globalizado, em termos econômicos, financeiros, políticos, estratégicos e jurídicos. Num mundo que convive com intensas e progressivas pressões internacionais, a exemplo do que ocorre com a Amazônia. [21]

De fato, o fenômeno da Globalização não reconhece fronteiras e, segundo Carlos Husek os fatores ditos globalizantes, principalmente divulgados pelos meios de comunicação, representam também instrumentos de dominação dos países mais desenvolvidos. [22]

Diante desses fatores e das chamadas "pressões internacionais" é que o reforço ao jus cogens desperta uma vital importância na garantia do gerenciamento pleno dos recursos amazônicos pelos Estados que englobam a Amazônia.

Nesse diapasão, o Brasil incorporou em seu ordenamento o Tratado de Cooperação Amazônica, por meio do Decreto nº 85.050, de 18.08.1980.

Dando continuidade ao ideal de cooperação regional em prol do respeito à soberania da Amazônia, fortalecimento das relações internacionais entre os Estados-membros, bem como almejando avançar nas propostas do Tratado, em dezembro de 1998, na cidade de Caracas, foi firmado o Protocolo de Emenda ao Tratado, estabelecendo a criação da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica – OTCA.

A OTCA é considerada como primeiro organismo internacional da região amazônica e sua criação coincide com o ideal de desenvolvimento institucional do TCA, já que, após permanecer 20 anos no esquecimento, os princípios do Tratado foram retomados por seus participantes e, objetivando implementar e dar garantias do acordado anteriormente, a OTCA, apesar de ter sido criada em 1998, só foi instaurada em dezembro de 2002, quando da transição das Secretarias Pro-Tempore do TCA à sua Secretaria Permanente estabelecida em Brasília. Nesse sentido, entende-se que,

Dessa forma, no atual contexto regional, a OTCA se torna um instrumento contemporâneo com uma ampla visão sobre a integração sul-americana, que fortalece a vocação de seus governos de construir sinergias com outras nações, organismos multilaterais, agências internacionais de fomento, movimentos sociais, comunidade científica, setores produtivos e sociedade civil, na defesa soberana da Amazônia e na busca por seu desenvolvimento sustentável [23].

O papel da OTCA como principal interlocutor entre os países amazônicos, conduz ao debate do seu fortalecimento, o qual tem como desafios:

[...] a elaboração de um Plano que estabeleça grandes eixos estratégicos que tenham correspondência com os diferentes mecanismos de decisão e gestão da organização, a fim de "ordenar" e dar "coerência" aos programas e projetos que a OTCA desenvolve e desenvolverá nos anos vindouros, permitindo definir os impactos transversais das ações empreendidas, bem como os objetivos estratégicos correspondentes [24].

Diante da latente dinâmica na cooperação amazônica e a consequente ampliação da sua projeção no cenário internacional, constata-se que inúmeras atividades e projetos começam a ser executados, dentre as quais destaca-se: o Manejo Integrado e Sustentável dos Recursos Hídricos Transfroteiriços na Bacia do Rio Amazonas, tendo como apoio o Fundo Mundial para o Meio Ambiente, do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente e da Organização dos Estados Americanos.

Não há dúvida de que, após um período histórico de inatividade do TCA, decorrente das diferentes realidades dos países amazônicos, bem como da fragilidade institucional desse Tratado, a criação da OTCA trouxe um novo e importante fôlego às obras fundamentais ao manejo das questões amazônicas, e mais, para um fortalecimento na articulação entre os Estados que o compõem nas relações internacionais.

Dessa forma, diante das chamadas pressões internacionais sobre a Amazônia, o Tratado de Cooperação Amazônica e a OTCA vêm como um instrumento para o desenvolvimento da região, mas de forma sustentável e racional, já que, diante da convicção de que a Amazônia, por possuir um dos mais ricos patrimônios naturais do Planeta, deve necessariamente estar atrelada à melhoria de condições de vida aos Estados que a compõem, sem qualquer pressão externa que implemente o desrespeito às normas cogentes de Direito Internacional.


REFERÊNCIAS:

HUSEK, Carlos Roberto. Curso de direito internacional público. 5.ed. São Paulo: LTr, 2004

JO, Hee Moon. Introdução ao Direito Internacional. São Paulo: LTr, 2000

MATTOS, Adherbal Meira. Direito e relações internacionais. Belém: Editora CESUPA, 2003.

MAZZOULI, Valério de Oliveira. Direito Internacional Público: parte geral. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004.

SEITENFUS, Ricardo, VENTURA, Deisy. Introdução ao Direito Internacional Público. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003.

SCHWARZENBERGER, Georg. International law and order. 1ed. London: Stevens & Sons, 1971.

TRUYOL Y SERRA, Antonio. Fundamentos de derecho internacional publico. 4.ed. Madri: Editorial Tecnos, 1977

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil . 3.ed. São Paulo: Atlas, 2003

VERDROSS, Alfred. Derecho Internacional Publico. Madrid: Aguilar, 1972

ZELEDÓN ZELEDÓN, Ricardo. Derecho agrario – nuevas dimensiones. Curitiba: Juruá, 2001.

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THIERRY, Hubert. The Thought Of Georges Scelle, Vol. 1. p. 193, 1990. Disponível em: <http://www.ejil.org/journal/Vol6/Nº1/art14.htm. Acesso em 22.8.2009

Declaração e Programa de Ação de Viena (1993). Disponível em http://www.mj.gov.br/sedh/edh/decviena.htm. Acesso em 15.9.2008

Plano Estratégico da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica, 2004-2012 – DOC/XII CCA – OTCA/047. Disponível em http://www.otca.org.br/PDF/Plano_Estrategico.pdf. Acesso em 10.10.2008


Notas

  1. ZELEDÓN ZELEDÓN, Ricardo. Derecho agrario – nuevas dimensiones. Curitiba: Juruá, 2001, p. 61
  2. DIAS, Daniella S. Desenvolvimento urbano: princípios constitucionais. Curitiba: Juruá, 2002, p. 110
  3. DIAS, op cit. p. 16
  4. KISS, Alexandre. Droit Internactional de L’environnement. Paris: Pedone, 1989, p. 16.
  5. Jus cogens é uma palavra latina que significa direito obrigatório. Constitui-se em norma maior que tem como essência a impossibilidade de violação, como por exemplo, qualquer prática que envolva genocídio, escravidão ou ameaça à integridade territorial de outro Estado vai de encontro ao jus cogens. Podem ser vistos, também, como princípios da lei internacional, assim fundamental, que nenhum Estado os pode ignorar ou tentar realizar qualquer ato que os desrespeitem.
  6. Ibid. Ibidem, p. 17
  7. KISS, op. cit. p. 21
  8. Era intenção do Brasil criar um organismo sub-regional de integração (de natureza político-econômica), o que não foi aceito por alguns países da área. Por isso, fala o TCA em cooperação (de natureza econômico-social), "para avançar no caminho da integração". (MATTOS, op. cit. p. 430)
  9. MATTOS, Adherbal Meira. Direito e relações internacionais. Belém: Cesupa, 2003, p. 137
  10. DALLARI, op. cit. p. 72
  11. GONÇALVES Carvalho, Kildare. Direito Constitucional Didático. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 78
  12. Declaração e Programa de Ação de Viena (1993). Disponível em http://www.mj.gov.br/sedh/edh/decviena.htm. Acesso em 15.09.2009
  13. FRANCO FILHO, op. cit. p. 102
  14. MATTOS, opII. cit. p. 55
  15. BALCAZAR, Lindenberg Alvaro Ulloa. Cooperacion amazonica y Bolivia in Amazônias em Tempo de Transição. Org. Edna Maria Ramos de Castro; Rosa Elizabeth Acevedo Marin. Belém: Falangola Editora, 1989, p. 480.
  16. MATTOS, op. cit. p. 55
  17. REZEK, op. cit. p. 6
  18. BALCAZAR, op. it. p. 479.
  19. REZEK,op. cit. p. 1072
  20. Ibid. Ibidem, p. 1073
  21. MATTOS, op. cit. p. 59
  22. HUSEK, op.cit. p. 141.
  23. Plano Estratégico da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica, 2004-2012 – DOC/XII CCA – OTCA/047. Disponível em http://www.otca.org.br/PDF/Plano_Estrategico.pdf. Acesso em 10.10.2008.
  24. Plano Estratégico, op. cit. p. 15. Acesso em 10.10.2008
Sobre a autora
Luna Maria Araújo Freitas

Mestre em Direito do Estado, Especialista em Direito Civil e Processo Civil, Professora de Direito Internacional Público e Privado, Ciência Política e Teoria Geral do Estado da UNAMA - Universidade da Amazônia e FABEL - Faculdade de Belém.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FREITAS, Luna Maria Araújo. O Direito Internacional, meio ambiente e a Pan-Amazônia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2457, 24 mar. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14556. Acesso em: 5 nov. 2024.

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