"Você me diz que seus pais não lhe entendem, mas você não entende seus pais. Você culpa seus pais por tudo; isso é absurdo. São crianças como você, o que você vai ser quando você crescer."
Renato Russo
RESUMO
Analisa a possibilidade de que a criança concebida pelo método de reprodução artificial heteróloga venha investigar sua paternidade biológica. Verifica a evolução jurídico-normativa do estado de filiação no Direito brasileiro, constatando como uma das mais importantes conquistas a supressão da discriminatória classificação dos filhos em espécies, conforme havidos ou não na constância do vínculo matrimonial. Apresenta as diversas espécies de paternidade, quais sejam: a) paternidade biológica; b) paternidade civil; c) paternidade jurídica; d) paternidade socioafetiva. Aborda os métodos e técnicas de reprodução humana medicamente assistida, com sua implicação no campo da bioética. Trata a questão da paternidade socioafetiva na reprodução artificial heteróloga, apontando a fixação do vínculo paterno-filial entre a criança e o casal receptor pelo afeto, em detrimento do vínculo biológico existente entre aquela e o terceiro doador do material genético. Conclui que a investigação da paternidade biológica pela criança concebida por reprodução artificial heteróloga, em já estando fixada a paternidade socioafetiva, será possível apenas para o efeito de se revelar a identidade civil do doador, sem suscitar, no entanto, direitos à sucessão, nome ou alimentos. Tal investigação será cabível em apenas três hipóteses: a) necessidade psicológica da criança em conhecer sua origem biológica; b) intuito de preservar os impedimentos matrimoniais; c) tratamento de doenças genéticas ou hereditárias.
Palavras-chave: reprodução humana medicamente assistida; reprodução artificial heteróloga; bioética; investigação de paternidade; paternidade socioafetiva.
abstract
It analyzes the possibility of that the child conceived for the method of heterologous artificial reproduction comes to investigate its biological paternity. It verifies the legal-normative evolution of the state of filiation in the Brazilian Right, evidencing as the one of the most important conquests suppression of the discriminatory classification of the children in species, as had or not in the constancy of the marriage bond. It presents the diverse species of paternity, which are: a) the biological paternity; b) civil paternity; c) legal paternity; d) social-affectionate paternity. It approaches the methods and techniques of reproduction human being medically attended, with its implication in the field of the bio-ethical. It deals with the question the social-affectionate paternity in the heterologous artificial reproduction, pointing the setting of the bond paternal-branch office between the child and the receiving couple for the affection, in detriment of the existing biological bond between that one and the third giver of the genetic material. It concludes that the inquiry of the biological paternity for the child conceived for heterologous artificial reproduction, in already being fixed the social- affectionate paternity, its just will be possible for the effect of revealing the donor''s civil identity, without exciting, however, rights to the succession, name or foods. Such inquiry will be reasonable only in three hypotheses: a) the psychological necessity of the child in knowing his/her origin biological; b) intention to preserve the conditions that prohibit the marriage; c) the treatment of diseases genetic or hereditary.
Key-words: reproduction human medically attended; heterologous reproduction artificial; bio-ethical; investigation of paternity; social-affectionate paternity.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO . 2A PATERNIDADE COMO VÍNCULO JURÍDICO-BIOLÓGICO NO DIREITO BRASILEIRO . 2.1 Evolução Jurídico-Normativa do Estado de Filiação . 3 Espécies de Paternidade . 3.1 Paternidade Biológica . 3.2 Paternidade Civil . 3.3 Paternidade Jurídica .3.4 Paternidade Socioafetiva . 4 A FILIAÇÃO NA REPRODUÇÃO HUMANA MEDICAMENTE ASSISTIDA . 4.1 A Reprodução Assistida, os Conflitos de Paternidade e a Bioética . 4.2 Principais Técnicas de Reprodução Assistida (RA) . 4.2.1 Inseminação Artificial (IA) . 4.2.2 Fertilização In Vitro (FIV) . 4.2.3 Reprodução pelos Gametas (GIFT) . 4.2.4 Reprodução com Zigotos (ZIFT) . 4.2.5 Reprodução com Embriões (FIVET) . 4.2.6 Reprodução pela Clonagem . 5A PATERNIDADE SOCIOAFETIVA NA REPRODUÇÃO ARTIFICIAL HETERÓLOGA . 5.1 Investigação da Paternidade Biológica . 5.1.1 Efeitos Jurídicos . 5.1.1.1 Necessidade psicológica . 5.1.1.2 Impedimentos matrimoniais . 5.1.1.3 Doenças genéticas ou hereditárias . 6 CONCLUSÃO . REFERÊNCIAS . ANEXOS . ANEXO A – Resolução nº 1.358/92, do Conselho Federal de Medicina
1 INTRODUÇÃO
Tem-se vivido nos últimos anos uma era revolucionária no campo da biotecnologia. O avanço da ciência tem atingido as mais diversas áreas da vida humana, representando, por um lado, inegável contribuição à sociedade, na medida em que tem proporcionado a solução de problemas das mais variadas ordens, a pouco de difícil ou até mesmo inimaginável solução.
Todavia, noutro vértice, toda evolução social traz consigo inovações que, naturalmente, não são de plano abarcadas pelo ordenamento jurídico. Nesse contexto, surgem conflitos de difícil solução, uma vez que o aplicador do Direito vê-se diante de uma verdadeira carência normativa, o que, como é cediço, não o eximirá de dar solução ao caso concreto.
Desde meados do século passado até os dias atuais, assiste-se a uma verdadeira revolução tecnológica no campo da biomedicina, e, em particular, no que tange à reprodução humana medicamente assistida. Diversas técnicas têm sido criadas, estudadas, experimentadas e aperfeiçoadas, aumentando-se cada vez mais as possibilidades de se promover a reprodução humana de maneira "não natural", ou seja, em laboratório.
As técnicas de reprodução assistida são indicadas a casais que não tenham obtido sucesso através dos métodos "naturais" de concepção. Possibilitam, portanto, a intervenção médica com o escopo de "auxiliar" e assistir o processo de fertilização dos gametas em laboratório (in vitro).
As técnicas de reprodução assistida podem ser divididas basicamente em dois grupos: homóloga e heteróloga. A reprodução homóloga ocorre quando se utiliza o material genético (gametas masculino e feminino) do próprio casal que deseja submeter-se à técnica. Já na reprodução heteróloga, é utilizado o material genético de, pelo menos, um terceiro, alheio ao casal receptor.
Notadamente, esta última espécie apresenta uma problemática muito mais complexa e com deslindes muito mais difíceis de serem solucionados. Por envolver a figura de um terceiro doador de material genético, estranho ao casal receptor, a reprodução heteróloga suscita implicações extremamente conturbadas acerca de sua eticidade, bem como no tocante à relação paterno-filial existente entre a criança concebida por esta técnica e seus "pais" biológicos e afetivos.
Quanto à reprodução heteróloga, acorda-se que deva ser empregada em casais realmente impossibilitados de terem filhos, não só de forma natural, mas também quando se mostra inviável a reprodução artificial homóloga. Nesse caso, o casal contará com a "ajuda" de um terceiro doador do material genético, por intermédio dos chamados bancos de sêmen, os quais preservam o anonimato do doador.
Cria-se então, entre o casal submetido a essa técnica e a criança por ela havida, uma relação paterno-filial socioafetiva, de amor, afeto e carinho, transcendendo aos limites do vínculo genético-biológico, tal qual se verifica no instituto da adoção.
O casal que se submete a essa técnica abdica do tão venerado vínculo biológico para com a criança, no anseio puro e simples de poderem ser pais. Dessa forma, se fixa o vínculo afetivo de paternidade, vínculo este que, tal qual ocorre na adoção, é irrevogável.
Por outro lado, inegavelmente subsiste entre a criança e o doador o vínculo biológico.
Assim, surge notável e até mesmo previsível problemática, qual seja: poderá a criança concebida por esse método pretender investigar futuramente sua "paternidade" biológica, sua ancestralidade genética?
Todavia, em que pese a relevância do tema, frise-se, não há ainda legislação dispondo sobre a matéria, fato este que, por certo, implicará uma maior dificuldade em se dar solução ao caso concreto por parte do operador do Direito.
2 A PATERNIDADE COMO VÍNCULO JURÍDICO-BIOLÓGICO NO DIREITO BRASILEIRO
Historicamente, a relação paterno-filial é calcada nos princípios norteadores do direito de família, tendo no vínculo matrimonial a gênese de toda a constituição familiar.
No direito romano, o modelo familiar patriarcal outorgava ao pater familias autoridade absoluta sobre toda a descendência, na qualidade de pai, sacerdote e juiz, inclusive com poderes de vida e morte sobre o grupo familiar.
A mulher detinha condição equiparada à dos próprios filhos, em relação ao chefe da entidade familiar, eis que todos estavam sob sua total e incondicional autoridade.
No curso da história, o Estado vem a desempenhar papel marcante na regulamentação e codificação das relações familiares, mormente no que tange às relações conjugais e paterno-filiais, intervindo de maneira crucial nessas relações, ditando direitos e deveres, traço este característico do sistema jurídico romano-germânico.
Hodiernamente, as relações que envolvem questão de paternidade estão galgadas a um status de direitos personalíssimos e indisponíveis, a uma condição de ordem pública, onde a análise e interpretação das normas e sua aplicação ao caso concreto dão-se à luz de princípios próprios e característicos.
Segundo Luiz Roberto de Assumpção, [01] é possível visualizar o sistema jurídico nacional em três momentos, quais sejam, o da pré-codificação, o da codificação propriamente dita e o da pós-codificação (contemporâneo).
O primeiro momento histórico diz respeito à "descoberta" e à colonização portuguesa. Consistiu na implantação do ordenamento jurídico lusitano (Ordenações) em solo pátrio; é o chamado "colonialismo jurídico".
O processo de colonização, transcendente aos limites do território nacional, e imposto precipuamente pelos europeus, implicou um fenômeno de padronização, e conseqüente desconsideração de toda e qualquer forma de expressão cultural, atingindo ainda, na perspectiva jurídica, todo um conjunto de normas organizacionais de conduta, assim como práticas nativas consuetudinárias, por parte do colonizador, em detrimento das diversas nações indígenas existentes à época.
Nesse período, a ordem jurídica tinha como base as Ordenações do Reino de Portugal, as quais possuíam conteúdo assento no direito romano, inspirado em valores divinos.
Com a Independência, nasce a Constituição Política do Império do Brasil, de 1824, e posteriormente, com a proclamação da República, a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, em 1891.
Nota-se, num primeiro momento, a consolidação de poder da Coroa Portuguesa sobre a colônia, e num segundo, do infante Estado brasileiro, o que denota ser o exercício da própria soberania.
Mesmo com a Independência em 1822, no aspecto jurídico, ainda remanesceram alguns laços entre Brasil e Portugal. Ainda à época da Carta de 1824, primeira Constituição do Estado Brasileiro, havia disposição legal no sentido de que, enquanto não fosse criado um Código, aplicar-se-ia a legislação civil portuguesa, precipuamente as Ordenações. Tal Constituição, por sua vez, conforme observa Maria Helena Diniz,nada continha sobre o casamento e muito menos sobre o concubinato, reinando, então, o casamento religioso provado pelo registro paroquial. [02]
Após inúmeras tentativas de codificação, tem-se em 1916 a elaboração do Código Civil Brasileiro. Ressalte-se, porém, que o Código Criminal já havia sido elaborado em 1831.
O processo de codificação representou muito mais que uma necessidade histórica. Sob marcante influência dos movimentos europeus, seguindo o modelo romano-germânico, representou o ingresso do Brasil na modernidade jurídica.
No entanto, o que se observa é que o modelo jurídico importado não traduzia a realidade social brasileira da época.
Com efeito, enquanto o continente Europeu vivia um momento histórico de antinomia ao modelo feudal, e crescente processo de industrialização, o Brasil, recém "descoberto", possuía uma sociedade eminentemente rural, católica, dominada pelos coronéis e senhores de escravos.
Desta forma, a elaboração de uma legislação civil codificada era vista pelos juristas como a possibilidade de transformação da sociedade. Keila Grinberg destaca a visão de Clóvis Beviláqua sobre o Código novecentista, o qual, segundo o autor,
devia ser dotado de um caráter teórico, desvinculado mesmo de alguns aspectos da realidade do país. Dissociar o Código Civil dos próprios costumes da sociedade seria a única maneira de reformá-la, formulando regras abstratas que, ao serem aplicadas à sociedade brasileira, acabaria por forçar a sua transformação. [03]
Todavia, não foi o que ocorreu.
O Código Civil brasileiro de 1916 teve dupla influência. Com relação à forma, remete ao Código Civil alemão (Burgerlich Gesetzbuch – BGB, de 1900), quando da divisão entre Parte Geral e Parte Especial. No tocante ao conteúdo, vislumbra-se a influência do Código Civil francês de 1804, fundado em idéias do Iluminismo, bem como do próprio BGB alemão.
Assim, Clóvis Beviláqua dá início, em 1899, à elaboração do Código Civil Brasileiro, o qual será promulgado em 01/01/1916, tendo entrado em vigor em 01/01/1917, e permanecido até 11/01/2003.
Traço marcante do Código de 1916, no que tange ao direito de família, era a distinção entre filhos "legítimos" e "ilegítimos", conforme havidos ou não na constância do casamento. Dentro desta mesma classificação, vale dizer que os filhos ilegítimos eram subdivididos em "naturais" (se provindos de relação extramatrimonial entre pessoas desimpedidas ao casamento) e "espúrios" (aqueles havidos entre pessoas impedidas de se casar, compreendendo tanto os "adulterinos" – quando ao menos um dos genitores era casado com terceira pessoa –, quanto os "incestuosos" – advindos de relacionamento sexual entre parentes próximos).
A discriminação positivada foi sendo gradualmente mitigada pela legislação pós-codificada, na medida em que se buscou, ao longo do tempo, dar maior proteção aos filhos tidos por "ilegítimos", ou seja, àqueles que não se enquadravam no modelo esculpido pelo Código, o qual primava pela união sexual matrimonializada.
Após a codificação de 1916, têm-se como principais marcos legislativos, no que tange ao reconhecimento do estado de filiação, a Constituição Federal de 1988, seguindo-se o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a Lei da Averiguação e Investigação da Paternidade Extramatrimonial e o novo Código Civil.
O sistema codificado de 1916 estabeleceu o matrimônio como legitimador da filiação, repelindo de forma contundente as relações sexuais fora do casamento, limitando em conseqüência o próprio reconhecimento de filhos havidos nestas circunstâncias.
Tamanhas injustiças e discriminações, positivadas pelo Código de novecentos, refletiam a sociedade brasileira da época, patriarcal, predominantemente católica, fundada em preceitos extremamente radicais e tradicionais.
Tal distinção é observada pelo teor do art. 358 do Código Civil de 1916, o qual dispunha da seguinte maneira: "Os filhos incestuosos e os adulterinos não podem ser reconhecidos".
A evolução legislativa no tocante ao reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento foi aos poucos mitigando tais injustiças.
Antes da entrada em vigor do Código Civil de 1916, as Constituições brasileiras de 1824 e 1891 nada tratavam a respeito da família.
Já as Constituições do chamado "Estado Social" brasileiro, quais sejam, as de 1934, 1937, 1946, 1967/1969 e 1988, em contrapartida, trouxeram normas explícitas no que tange à família.
Nesse norte, vale destacar alguns dos aspectos mais significativos no tocante à evolução legislativa do direito de família no Brasil, numa ordem cronológica, passando-se desde as Cartas Constitucionais até a legislação ordinária, segundo observações de Luiz Roberto de Assumpção. [04]
A Constituição do Império de 1824, outorgada pelo Imperador, continha disposições sobre o casamento da princesa (art. 120), sobre a dotação à família imperial (arts. 107/108 e 112/114), sobre o herdeiro presuntivo (arts. 105/106) e sobre o palácio e terrenos (art. 115).
A Constituição da República de 1891, por sua vez, trouxe apenas uma disposição sobre o casamento (art. 72, §4º), estabelecendo que "a república só reconhece o casamento civil, cuja celebração será gratuita".
A Constituição de 1934 dedicou um capítulo à família (arts. 144/147), reconhecendo, contudo, apenas a família legítima "constituída pelo casamento indissolúvel".
A Carta de 1937 estabelecia que a família era constituída pelo casamento indissolúvel e estava sob a proteção especial do Estado. Por outro lado, previu em seu art. 126:
Art. 126. Aos filhos naturais, facilitando-lhes o reconhecimento, a lei assegurará igualdade com os legítimos, extensivos àqueles os direitos e deveres que em relação a estes incumbem aos pais.
Todavia, surgiu grande polêmica acerca da aplicabilidade ou não de tal dispositivo.
As Constituições de 1946 e 1967 não trouxeram qualquer disposição no tocante à filiação ilegítima.
O Decreto-Lei nº 4.737, de 24/09/42, permitiu o reconhecimento voluntário e forçado dos filhos adulterinos, desde que após o desquite (um pai desquitado poderia reconhecer um filho havido fora do matrimônio). Todavia, os filhos havidos de uma segunda união de desquitados eram considerados filhos adulterinos, não podendo ser reconhecidos. Significou grande evolução legislativa.
Com o advento da Lei nº 883/49, de 21/10/49, todos os filhos havidos fora do casamento poderiam agora ser reconhecidos, desde que após dissolvida a sociedade conjugal, seja pelo desquite, pela morte de um dos cônjuges ou pela anulação do casamento. Consistiu, indubitavelmente, em grande conquista para os filhos havidos fora do casamento. Porém, manteve a restrição quanto ao reconhecimento dos filhos incestuosos e dos adulterinos, na constância do casamento, vedação esta que só foi banida pela Constituição de 1988.
A Lei nº 6.515/77, de 26/12/1977, a chamada "Lei do Divórcio", trouxe significativas alterações ao direito de família brasileiro, não apenas no tocante às causas permissivas de dissolução da sociedade conjugal, mas como no que diz respeito ao reconhecimento (voluntário e forçado) dos filhos nascidos fora do casamento. Em que pese tal lei tenha representado enorme avanço no campo do direito de família, não previu reconhecimento pleno e incondicional dos chamados "filhos espúrios".
A Lei nº 7.250/84, de 14/11/84, acrescentou o § 2º ao art. 1º da Lei nº 883/49, estabelecendo que, "mediante sentença transitada em julgado", poderia o filho havido fora do casamento ser reconhecido, "pelo cônjuge separado de fato há mais de cinco anos contínuos". Desta forma, fez-se possível o reconhecimento do filho adulterino ainda na constância do matrimônio, desde que transcorrido prazo de cinco anos da separação de fato.
A Constituição Federal de 1988, indubitavelmente, merece especial destaque como marco legislativo que representa. Expressou substancial alteração no campo do direito de família, e dentre os pontos mais significativos introduzidos pelo texto constitucional, destacam-se:
a)instituiu um novo conceito de família, como célula-base da sociedade, dando proteção à família monoparental;
b)reconheceu as uniões estáveis como entidades familiares;
c)princípio da reciprocidade de direitos e deveres entre os cônjuges no casamento;
d)princípio de igualdade de direitos e obrigações entre homens e mulheres;
e)preceito de isonomia jurídica entre os filhos de qualquer natureza e origem, havidos ou não na constância do casamento, bem como os adotivos.
Este último aspecto merece especial destaque, pois representou a definitiva extirpação do estigma que perseguiu durante a história os chamados "filhos ilegítimos" ou "espúrios", a fim de proclamar a igualdade entre todas as "classes" de filhos, sejam eles havidos ou não na constância do vínculo matrimonial.
Tal conquista veio esculpida pelo § 6º do art. 227, da Constituição Federal de 1988, o qual dispõe:
Art. 227. [...]
[...]
§ 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
A Lei nº 7.841/89, de 17/10/89, norteada pelos princípios constitucionais, revogou o art. 358 do Código Civil de 1916, o qual vedava o reconhecimento dos filhos adulterinos e incestuosos.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90, de 13/07/90) teve sua gênese nos princípios e postulados constitucionais relativos ao novo estado de filiação.
Em que pese o direito à investigação do estado de filiação houvesse sido previsto e garantido por nosso Texto Maior, em seu art. 227, § 6º, sendo portanto suficiente a extirpar qualquer entendimento em contrário, o legislador infraconstitucional veio corroborar tal princípio, através de legislação especial, pelo que dispôs o art. 27 do ECA:
Art. 27. O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de Justiça.
A Lei nº 8.560/92, de 29/12/92, representa enorme conquista no campo do reconhecimento dos filhos havidos fora da relação matrimonial. É garantido a estes o reconhecimento, sem qualquer espécie de obstáculo, sendo prevista até mesmo a averiguação oficiosa da paternidade (nos casos de filhos reconhecidos apenas pela mãe), bem como a possibilidade de o Ministério Público intentar ação investigatória de paternidade.
Assim, fecha-se o ciclo evolutivo da legislação pátria no que tange ao estado de filiação extramatrimonial, eis que reconhecidos aos filhos extraconjugais todos os direitos de filiação, fundando-se para tanto, mormente, nos princípios da igualdade, da dignidade da pessoa humana e do maior interesse da criança.