A polêmica existente a respeito do término do processo (não entraremos no debate se processo ou procedimento) administrativo tributário como condição de procedibilidade para ação penal envolvendo crimes tributários é antiga.
A primitiva lei de sonegação (4.357/64) só previa delitos formais e tinha como elementar do tipo penal à configuração do delito tributário a fraude.
Com a vinda da lei 8.137/90, duas elementares passaram a ser exigidas para a configuração do crime tributário: (i) a fraude; e (ii) o tributo.
Assim, a partir de 1990, iniciou-se forte debate a respeito da necessidade ou não do fim do processo administrativo tributário como condição objetiva de procedibilidade para a persecução da Ação Penal dos crimes tributários, diante da elementar criada com a lei 8.137/90 (tributo).
Nesse sentido, verificavam-se duas correntes: (i) o término do processo fiscal é condição objetiva de processamento da ação Ação Penal Tributária; e (ii) a Ação Fiscal não interfere na persecução criminal, diante da autonomia do Direito Penal.
Com frequência, diante dessa realidade e posições antagônicas, observavam-se ações penais e fiscais correndo em paralelo. Não raro o contribuinte que se sagrava vencedor em processo fiscal via-se constrangido a uma eventual condenação em processo criminal, demonstrando incongruência e insegurança do sistema jurídico dos crimes tributários.
Como poderia não ser devedor de tributo, mas ser considerado sonegador?
Em 1996, com a vinda do art. 83 da Lei nº 9.430/96, acirrou-se a disputa, já que este artigo previa expressamente que a representação fiscal para fins penais só teria cabimento com o encerramento do processo fiscal tributário.
As interpretações ao aludido art. 83 foram variadas: (i) seria norma dirigida à Administração Pública; (ii) criara questão prejudicial (art. 93 e segs. do CPP) à ação penal; (ii) seria condição objetiva de procedibilidade para a ação penal; (iv) não seria nem condição nem questão prejudicial.
O Supremo Tribunal Federal fechou a questão do art. 83 no julgamento da ADIN 1.571, entendendo ser norma voltada à administração e não ao Ministério Público, pois este oferece a denúncia criminal quando convicto de sua necessidade (prova de materialidade e autoria).
Essa decisão do Supremo criou mais polêmica e abriu espaço para a coexistência de processos fiscais e penais em paralelo e com a possibilidade de decisões divergentes.
Contudo, a questão do término do processo fiscal e a ação penal por crime tributário chegou ao Supremo por meio de caso concreto (recurso extraordinário).
O Supremo Tribunal Federal encerrou essa disputa, entre a necessidade do fim do processo fiscal e o início da Ação Penal Tributária, entendendo que o crime fiscal é material e depende de sua constituição definitiva em processo administrativo tributário, sendo o final do processo o marco para a contagem do prazo prescricional para a Ação Penal, ao julgar o HC nº 81.611/SP, leading case, seguindo-se os julgamentos dos HCs 83.414/RS e 84.092/CE, respectivamente, 1ª e 2ª Turmas.
Contudo, ocorre que esse entendimento da necessidade do fim do processo fiscal, de certa forma, segundo alguns interpretam a posição do Supremo, restringiu-se aos crimes previstos no art. 1º da Lei 8.137/90, afastados os crimes tributários previstos pelo art.2º da Lei 8.137/90 e nessa mesma esteira os delitos de sonegação previdenciária e a apropriação indébita previdenciária (formais é que não dependem de resultado e não exigiriam fim do processo fiscal).
Decisões do STF (INQ 2.537-GO; HC 95392) e do STJ (HC 96.348; HC 60817; 69998) não fizeram essa distinção para aplicar o precedente do Supremo quanto à matéria (HC 81.611/SP), atentos à regra das duas elementares do tipo penal do crime tributário imposta pela Lei 8.137/90: (i) a fraude; e o (ii) tributo).
Essa questão seria objeto de súmula vinculante e o Supremo editaria verbete no sentido de que sem o término do processo fiscal não seria admissível a Ação Penal por crime tributário.
Entretanto, por forte manifestação da Procuradoria da República (Ministério Público Federal) reacendeu-se o debate acerca da aplicabilidade ou não do leading case do Supremo aos crimes tributários previstos pelo art. 2º da Lei 8.137/90 e aos de sonegação previdenciária e de apropriação indébita previdenciária.
Em que pese essa divergência apontada, cremos que é de ser observada a necessidade comprovação das duas elementares exigidas pela Lei nº 8.137/90 para a configuração do crime contra a ordem tributária (tributo e fraude), não havendo razão para a distinção.
Contudo, a distinção foi realizada, como se nota da edição da súmula vinculante nº 24 do STF:
"Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo".
Por outro lado, vislumbramos novo debate acerca do alcance da aludida súmula.
Quando se vislumbrará o lançamento definitivo do tributo? Com a notificação de lançamento a que alude o art. 142 do Código Tributário Nacional, ou com o término do processo administrativo tributário discutindo tributo enquadrado no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90?
Cremos que a súmula não alcançou seu fim.
Isto porque o crédito tributário não comporta lançamento provisório, apenas definitivo. E a existência de processo administrativo tributário discutindo a relação tributária em defesa regular determina a suspensão da exigibilidade do tributo que, ao final do processo, pode ser anulado ou validado, total ou parcialmente.
Esse era o teor das decisões do Supremo que originaram a aludida súmula.
Assim, imaginamos que novas querelas serão travadas tendo como objeto o alcance e conteúdo da súmula nº 24.
É esperar para ver.