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O crime de excesso de exação.

Um levantamento processual nas varas criminais no município de Campina Grande

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RESUMO. A atividade tributária deve ser desenvolvida dentro dos estreitos limites previstos na Constituição e em lei. A cobrança de tributo indevido e/ou a utilização de meio vexatório na cobrança de tributo devido são condutas tipificadas como crime de excesso de exação, cuja pena é superior, inclusive, as dos crimes contra a ordem tributária. O crime de excesso de exação é de ação pública incondicionada. No entanto, deparamo-nos com sérias deficiências no controle das condutas das Autoridades Fazendárias que exorbitam os limites legais. Associada à ausência de controle interno, evidencia-se a inércia do titular da ação penal e, até mesmo, do sujeito passivo lesado, colocado em vulnerabilidade diante da dificuldade de identificação da conduta delituosa praticada pela Autoridade Fazendária; do desconhecimento do tipo legal ou do manifesto temor de represálias da própria Administração Tributária.

Palavras-chave: Tributação, excesso de exação, ação penal.

ABSTRACT. A fiscal activity should be conducted in strict limits predicted on the Constitution and law. Undue tax collection and/or the use of constraining means to collect taxes are conducts judged as crimes against fiscal order. Crime of exaction excess is treated as an unconditional public action crime. Despite this, we have faced strong barriers in our controlling tax collectors’ conducts who have exceeded legal limits. Associated with the lack of internal control, lies the Public Ministry’s ineffectiveness and the offended passive subject’s unwillingness to fight for his/her rights due to the difficulty in identifying an offensive conduct, besides ignoring legal aspects and fearing retaliations from the Fiscal Administration.

Keywords: Taxation; Exaction excess; Penal action


1. INTRODUÇÃO

A administração pública detém a prerrogativa e o dever de exercer o controle interno das condutas funcionais que possam resultar em ofensa ou ameaça a direitos fundamentais previstos na Constituição Federal. Este controle faz-se ainda mais necessário quando o Estado invade a esfera patrimonial individual através da tributação, principalmente porque esta se encontra adstrita, única e exclusivamente, à vontade da lei.

No exercício da atividade tributária, determinadas condutas funcionais resultam na cobrança de tributo indevido ou na utilização de meios transversais de constrangimento público do sujeito passivo da obrigação tributária. Na primeira situação, verifica-se a oneração ilegal da riqueza individual e, na segunda, a exposição e o constrangimento públicos do sujeito passivo através da utilização de meios vexatórios na cobrança de tributo devido. A nossa ordem jurídica penal tipifica ambas as condutas como crime de excesso de exação. O crime de excesso de exação está previsto no art. 316, §1º, do Código Penal, e compreende a conduta de funcionário público que exige tributo ou contribuição social indevido ou que utiliza meio vexatório ou gravoso na cobrança de tributo devido. Esse delito, na modalidade de cobrança de tributo indevido afeta, mormente, a garantia constitucional do contribuinte prevista no art. 150, I da Carta Federal, e na modalidade de cobrança vexatória pode mortificar especialmente os princípios constitucionais dispostos no art. 5º da Carta Magna.

O Ministério Público tem o dever de oferecer a denúncia nos casos do crime de excesso de exação, independente de qualquer provocação (delito de ação pública incondicionada), o que não impede que o contribuinte lesado ou qualquer pessoa (interessada ou não) leve ao conhecimento as informações fáticas sobre a ocorrência do crime. Admite-se a representação do contribuinte prejudicado, apesar de entendida como inadequada, porque ela será considerada como notícia do crime.

É patente que as Administrações Tributárias não se obrigam a tutelar direitos dos sujeitos passivos diante do cometimento, por Autoridade Fazendária, de crime de excesso de exação. Interesses corporativos ou, até mesmo, a disposição de influenciar o aumento da arrecadação de tributos impedem, na prática, que as Administrações Tributárias tomem as devidas providências nas esferas administrativa e penal contra as Autoridades Fazendárias infratoras. Dentro deste contexto, coloca-se, então, a questão da não responsabilização penal das Autoridades Fazendárias que, ao exorbitar suas atribuições funcionais, efetuam cobrança de tributo indevido ou utilizam meios vexatórios e gravosos na cobrança de tributo devido.

A pesquisa desenvolvida se enquadra nos gêneros teórica e empírica. A pesquisa teórica se dedica "[...] a formular quadros de referência, a estudar teorias, a burilar conceitos", enquanto a pesquisa empírica está "[...] dedicada a codificar a face mensurável da realidade social" [01]. O método de abordagem adotado foi o indutivo, que "[...] parte do particular e coloca a generalização como produto posterior do esforço de coleta de casos particulares" [02]. Quanto aos métodos de procedimento, a pesquisa adotou o método funcionalista, para a pesquisa teórica, e a entrevista com questionário semi-aberto para a pesquisa empírica [03]. Através do método funcionalista, a pesquisa procurou explicar as ações e reações sociais diante da complexa estrutura de indivíduos. Neste sentido, coloca-se de forma bem nítida um segmento social, que denominaremos de sujeito passivo da obrigação tributária, agindo e reagindo a comportamentos do Estado, posto em movimento por comportamentos institucionais e individuais dos agentes públicos, no caso específico das Autoridades Fazendárias. Neste sentido, "[...] o papel das partes nesse todo é compreendido como funções no complexo de estrutura e organização" [04]. Pretendeu-se entender a inércia do Ministério Público nos crimes de excesso de exação, bem como os motivos que levam o indivíduo lesado pelo Estado a não procurar a tutela jurisdicional.

Nesta etapa, o levantamento de dados utilizou a técnica de pesquisa bibliográfica e de observação indireta intensiva, através de entrevistas, presencial ou não, com questionário padronizado com questões abertas e fechadas direcionadas aos Juízes e Promotores de Justiças de Varas Criminais. O questionário teve como objetivo capturar informações, opiniões e experiências das autoridades entrevistadas quanto ao crime pesquisado. Buscou-se saber se durante a vida profissional, ou até mesmo na condição de contribuintes, os Juízes e Promotores Criminais já haviam se deparado com alguma situação tipificada como crime de excesso de exação; se tinham conhecimento de que a recriminação penal no crime de excesso de exação é superior aos dos crimes contra a ordem tributária; se poderiam elencar os principais motivos para a ausência de ações penais relativos a este crime e, por fim, se seriam capazes de identificar as possíveis relações entre crime de excesso de exação e ofensa às garantias individuais.


2. A ATIVIDADE TRIBUTÁRIA

O Estado apresenta-se como ente insubstituível na prestação de inúmeras atividades que o indivíduo, isolada ou coletivamente organizado, não tem condições de realizar. As atividades estatais são classificadas em essenciais e complementares. Nas primeiras, "O Estado tem de realizá-las sob pena de não ser Estado, como a defesa externa, a manutenção da ordem interna, a atividade financeira, a função de dizer o Direito. Essas funções são indelegáveis em razão da indisponibilidade do interesse público [...]" [05]. Já as complementares representam os interesses secundários do Estado, porém não menos relevantes. Neste sentido, tais atividades podem ser desenvolvidas diretamente pelo Estado ou por terceiros, através de concessões, autorizações ou permissões estatais. No rol de atividades complementares encontram-se, por exemplo, a educação, saúde e o transporte coletivo.

Ao lado das atividades estatais que objetivam a realização do bem comum, o Estado realiza outras de natureza instrumental, como a atividade financeira. Assim, "Simultaneamente as atividades políticas, sociais, econômicas, administrativas, educacionais, policiais, etc., que constituem a sua finalidade própria, o Estado exerce também uma atividade financeira, visando a obtenção, a administração e o emprego de meios patrimoniais que lhe possibilitem o desempenho daquelas outras atividades que se referem à realização dos seus fins" [06]. Evidentemente que o Estado moderno trouxe para si uma gama enorme de responsabilidades. Serviços públicos, tais como saúde, segurança, educação, previdência e assistência social, dentre outros, passaram a ser desempenhados de forma exclusiva, concomitante ou subsidiária pelo Estado.

É claro que cada responsabilidade atribuída ao Estado necessita ser custeada por uma correspondente fonte de financiamento que dê cabimento à prestação satisfatória dos serviços atribuídos ao poder público. Os recursos financeiros necessários ao desempenho das atividades públicas podem derivar da exploração do próprio patrimônio estatal ou da subtração de parcela da riqueza individual. No primeiro caso, encontram-se as receitas públicas originárias; no segundo, as receitas públicas derivadas, dentre os quais se incluem os tributos. Contudo, com o acréscimo das atribuições, os recursos proporcionados pela exploração do próprio patrimônio estatal mostram-se insuficientes. Por isso, torna-se imperioso ao Estado a obtenção de recursos derivados da riqueza privada. Este momento da evolução estatal é reconhecido como a passagem do Estado Patrimonialista ao Estado Fiscal.

O Estado, através dos tributos, retira parcela da riqueza privada transferindo-a para a coletividade. É claro que ao Estado são permitidas outras formas de interferência na riqueza privada, tais como a desapropriação e o confisco, estas sempre usadas como meios de exceção. Contudo, apenas a tributação tem o condão de retirar de forma não eventual parcela da riqueza individual dentro da estrita legalidade que o sistema normativo permite.

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O poder de tributar é inerente ao Estado e decorre do seu poder de império. Só Estado "[...] reúne poderes que lhe permitem arrecadar recursos financeiros de forma impositiva e coercitiva, é dizer, com uma força jurídica tal, que independe da vontade individual do contribuinte" [07]. O motivo pelo qual o Estado se imiscui na atividade privada tem fundamento no bem-estar da coletividade, que sobrepuja o interesse privado [08].

A tributação, pois, é fato jurídico-econômico-social que transcende a vontade individual. Toda a sociedade e entes privados são impelidos a contribuir com a manutenção do Estado, através do pagamento de tributos. Claro que o sacrifício financeiro individual destinado à manutenção do ente estatal deve se ater aos limites materiais de cada um, em respeito à capacidade econômica individual. Para a cobrança do tributo, no entanto, faz-se necessário revelar a capacidade contributiva individual, posto que "a cobrança há de ser feita na oportunidade, pela forma e pelos meios estabelecidos em lei, sem que à autoridade caiba decidir se cobra de fulano ou deixa de cobrar de beltrano, por este ou por aquele motivo. Ou o tributo é devido, nos termos da lei, e neste caso há de ser cobrado, ou não é devido, também nos termos da lei, e neste caso não será cobrado" [09]. Contudo, não basta que a lei tributária determine que o sujeito passivo cumpra monetariamente a obrigação tributária, "É necessário que um agente da Administração pratique atos de individualização da norma (ato administrativo de aplicação da lei), subsumindo o fato à norma, determinando os contribuintes e quantificando os que devem pagar, isto é, fixando quanto é devido por cada um a título de tributo (o crédito tributário), quando, como, onde e a quem pagar" [10].

É patente que Administração Tributária não tem espaço para a prática de atos distintos daqueles previstos em lei tributária. As Autoridades Fazendárias recebem um conjunto de poderes que lhes cabe exercer com atenção especial ao princípio da legalidade. Ao se afastar dos ditames da lei, a Autoridade Fazendária, ao invés de obedecer à vontade legal, cumpre sua vontade própria ou alheia.

2.1. OS CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA

Em decorrência da relevância das receitas tributárias para o Estado moderno, determinados comportamentos de evasão de recursos públicos passaram a ser tipificados como crime. Na seara tributária, a Lei nº. 8.137, de 27 de dezembro de 1990, reuniu condutas vedadas, passando a prever um novo tipo penal específico, denominado de crime contra a ordem tributária (art. 1º ao 3º). Tal tipo penal restringe-se exclusivamente a comportamentos comissivos ou omissivos que resultem na supressão ou redução de tributo ou contribuição social. É crime material. Por isso, "[...] se não houver supressão ou redução, não haverá crime, ou seja, o crime não estará caracterizado [...] o momento consumativo do crime dá-se ao reduzir ou suprimir o tributo ou contribuição [...]" [11].

É evidente que o interesse imediato dos entes federados competentes para tributar é a obtenção de recursos financeiros. Em sentido contrário, a pretensão punitiva na seara tributária só de forma mediata interessa ao Estado. Assim, mesmo quando o sujeito passivo da obrigação tributária realiza algum comportamento tipificado como crime contra a ordem tributária, a mera satisfação da pretensão tributária (pagamento do tributo ou contribuição social devido) terá o condão de afastar a pretensão punitiva do Estado, através do instituto da extinção da punibilidade, conforme disposto no art. 34, da Lei n° 9.249, de 26 de dezembro de 1995. Logo, mesmo que a conduta do sujeito passivo seja tipificada como crime, o mero cumprimento da obrigação tributária principal – leia-se parcelamento ou pagamento do tributo, acrescido de juros de mora, correção monetária e outras obrigações acessórias – aproveita à espera penal. Satisfeita a pretensão tributária, através da extinção do crédito tributário, extinto estará a pretensão punitiva.

Uma importante questão surge quando, diante do cometimento de crimes contra a ordem tributária, as Administrações Tributárias toleram ou induzem condutas de Autoridades Fazendárias tipificadas como crime de excesso de exação. A exação, por si mesma, não é crime. Crime é o seu excesso. A definição legal do crime de excesso de exação encontra-se no §1º do art. 316 do Código Penal, cuja redação lhe foi dada pelo art. 20 da Lei nº 8.137/90. É considerado um subtipo do crime concussão. Comportamentos tipificados como crime de excesso de exação não são admitidos, em especial porque o Estado possui mecanismos instrumentais legais de coerção, de forma a cobrar, dentro da restrita legalidade, do sujeito passivo da obrigação tributária o tributo devido.

Esses desvios de conduta da Autoridade Fazendária não são admitidos em nosso ordenamento jurídico e recebem uma recriminação mais severa, resultando, inclusive, em penas mais elevadas que aquelas previstas para os crimes contra a ordem tributária. A Autoridade Fazendária que age ao arrepio da lei e imputa um maior ônus tributário ao sujeito passivo ou, quando devido o tributo, emprega na cobrança meio vexatório ou gravoso, substitui a vontade geral da sociedade, expressa na norma positivada, por sua própria vontade, seja por dolo ou culpa. A Autoridade Fazendária, cujas condutas coincidem com o tipo penal do crime de excesso de exação, extrapola seus deveres e competências funcionais.


3. O CRIME DE EXCESSO DE EXAÇÃO

O crime de excesso de exação está previsto no art. 316, §1º do Código Penal, in verbis: "Se o funcionário exige tributo ou contribuição social que sabe ou deveria saber indevido, ou, quando devido, emprega na cobrança meio vexatório ou gravoso, que a lei não autoriza: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 8(oito) anos, e multa". Há duas modalidades do excesso de exação: i) exigência indevida (excesso no modo de exação) e ii) cobrança vexatória ou gravosa não autorizada em lei (exação fiscal vexatória).

Um tributo é indevido quando não tenha sido instituído por lei, quando já tenha sido pago ou quando tenha sido exigido em quantia maior que a devida. A modalidade de excesso no modo de exação também pode ocorrer em situação de tributo instituído por lei, mas cuja cobrança tenha se apresentado indevida por causa de dúvida na interpretação da lei, ou do fato. Tributo instituído por lei que tenha sido declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, definitivamente, seja no controle direto, seja no controle difuso, quando cobrado por funcionário, gera crime de excesso de exação [12]. Na primeira modalidade (excesso no modo de exação), inclui-se, ainda, a prática de efetuar mais de um lançamento de ofício com fundamento em um mesmo fato jurídico-econômico-tributário. Por exemplo, no campo de incidência do imposto de renda pessoa física (IRPF) não é incomum a desconsideração de recibos de despesas dedutíveis – como aqueles relativos a despesas com saúde – na declaração de ajuste anual de contribuinte adquirente do serviço (destinatário do recibo) e, concomitantemente, o aproveitamento dos mesmos recibos anteriormente desconsiderados para responsabilizar, por omissão de renda, o contribuinte prestador do serviço (emitente do recibo). Parece ser razoável que um mesmo recibo não poderá ser considerado idôneo na declaração de ajuste anual do contribuinte que prestou o serviço (emitente do recibo) e, ao mesmo tempo, inidôneo na declaração de ajuste anual do contribuinte adquirente do serviço (destinatário do recibo). Se um determinado recibo foi considerado idôneo, apenas o contribuinte emitente que não o tenha incluído em sua declaração de ajuste anual deverá ser responsabilizado por omissão de renda. Já se o recibo foi considerado inidôneo em procedimento administrativo que tenha apurado a prática de compra e venda ou de falsificação de recibos, deverá ser excluído apenas das despesas dedutíveis do contribuinte adquirente do serviço.

É evidente que a conduta de efetuar dois lançamentos para o mesmo fato jurídico-econômico-tributário resulta, na esfera tributária, em bis in idem e, na esfera penal, em comportamento tipificado como crime de excesso de exação. Neste caso, a lógica é bastante simples: se determinado recibo foi considerado inidôneo na declaração de ajuste anual do contribuinte que efetuou o pagamento (adquirente do serviço), reduzindo suas despesas dedutíveis, evidentemente que não poderia integrar qualquer procedimento fiscal relativo ao contribuinte que emitiu o recibo (prestador do serviço), para imputar a este omissão de renda. O contrário também é verdade. Se determinado recibo serviu de fundamento para o lançamento tributário por omissão de renda do contribuinte que emitiu o recibo, não poderia ser desconsiderado na declaração de ajuste anual do contribuinte que pagou pelo serviço prestado, reduzindo suas despesas dedutíveis.

Esta deplorável prática da Administração Tributária pode esconder, na verdade, condutas funcionais não autorizadas em lei, tal como a decretação de inidoneidade de recibos dedutíveis do IRPF sem procedimento administrativo específico, com fundamento apenas em exigências ilegais, tais como comprovação adicional de pagamento, apresentação de cópia de cheque ou movimentação bancária. Neste caso, os pagamentos em dinheiro e à vista são sumariamente desconsiderados, como se esta modalidade de pagamento fosse vedada no ordenamento jurídico brasileiro. Além disso, muitos procedimentos administrativos tributários abrigam conduta ainda mais grave, tal como a lavratura de lançamento tributário com fundamentado em confissão. Na esfera tributária a confissão é irrelevante como meio de prova. Apenas a confissão não é meio de prova suficiente para a dedução de qualquer prática de infração tributária. Assim, mesmo diante de uma confissão, o lançamento de ofício deverá ser fundamentado em outros meios de prova. Por isso, veda-se a conduta da Autoridade Fazendária que efetua lançamento tributário com fundamento em meras ilações não previstas em lei. Presunções e arbitramentos na seara tributária são matérias reservadas à lei.

Quanto à segunda modalidade típica (exação fiscal vexatória ou gravosa) sua ocorrência dar-se quando a exigência do tributo é devida, sendo a cobrança feita com o emprego de meio vexatório ou gravoso para o devedor, não autorizado por lei. Tanto na hipótese de meio vexatório, como de meio gravoso, é preciso que a lei não autorize o emprego do meio escolhido pelo funcionário. "Vexatório é o meio que expõe o contribuinte à vergonha ou humilhação (diligências aparatosas, violências física ou moral, injúria, etc)" [13]. Gravoso é o que lhe importa maiores despesas, ônus.

Correspondem à prática do excesso de exação, sob a modalidade de cobrança de tributo devido com emprego de meio vexatório ou gravoso, as sanções políticas, exteriorizadas através de práticas como interdição do estabelecimento; a apreensão de mercadorias, sem que a presença física destas seja necessária para a comprovação do ilícito; o regime especial de fiscalização; a recusa de autorização para impressão de notas fiscais; a inscrição em cadastro de inadimplentes com as restrições daí decorrentes; a recusa expedição de certidão negativa de débito quando ainda não há lançamento consumado contra o contribuinte; a suspensão/cancelamento da inscrição do contribuinte no respectivo cadastro. As sanções políticas são inconstitucionais, havendo jurisprudência sumulada pelo Supremo Tribunal Federal (Súmulas 70, 323 e 547 do STF).

Em outras circunstâncias a própria Administração Tributária institucionaliza ou tolera o uso de meios vexatórios ou gravosos na cobrança de tributos. Na esfera federal esta situação pode ser perfeitamente identificada, por exemplo, quando os montantes consolidados de tributos ou contribuições sociais federais são inferiores a R$ 10.000,00. A Justiça Federal tem firmado entendimento de que "Executar um valor menor que o gasto empreendido com a própria cobrança da dívida ativa evidencia a inutilidade do procedimento executivo-fiscal [...] Os artigos 20 da Lei nº 10.522/02 e 1º da Lei nº 9.469/97 são ilustrativos da falta de interesse processual da Fazenda Pública de promover executivos fiscais de pequeno valor" (AC Nº 1999.71.08.010584-1/RS, Rel. a Exma. Sra. Desa. Federal MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA, 1ªT./TRF4, Maioria, julg. em 10/12/2003, DJ2 nº 29, 11/02/2004, p. 342.). No mesmo sentido, tem sido as reiteradas decisões do Superior Tribunal de Justiça, que tem reconhecido a possibilidade de "arquivamento, sem baixa na distribuição, das execuções de valor irrisório, possibilitando que a soma dos valores devidos retomem o curso em ações cumuladas com valores acima do mínimo estipulado" (REsp 806932/SP, Rel. Ministro Francisco Peçanha Martins, Segunda Turma, julg. em 14/02/2006, DJ 24/03/2006, p. 226).

O princípio da insignificância vem positivado no art. 20 da Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002, com nova redação dada pela Lei nº 11.033/2004, que expressamente dispõe que "Serão arquivados, sem baixa na distribuição, mediante requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, os autos das execuções fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados, de valor consolidado igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais)". No entanto, a própria Administração Tributária não obstaculiza a formalização e o envio para o Ministério Público Federal de representação fiscal para fins penais cujos créditos tributários consolidados sejam inferiores ao estabelecido na Lei nº 11.033/2004, o que cria para o contribuinte uma situação, no mínimo, esdrúxula: devido à irrelevância financeira, os créditos tributários consolidados inferiores a R$ 10.000,00 jamais serão cobrados judicialmente através de ação de execução fiscal; mas, diante da inadimplência, o contribuinte poderá ser responsabilizado penalmente por crime contra a ordem tributária. Evidentemente que nesta situação, a responsabilização penal apresenta-se como mecanismo vexatório e/ou gravoso de cobrança de tributo. Através deste artifício, a Administração Tributária coloca o contribuinte uma situação na qual a satisfação da pretensão tributária do Estado (pagamento ou parcelamento do tributo na esfera administrativa) é a única forma de afastar a pretensão punitiva (extinção da punibilidade). Assim, faz-se uso da ação penal como meio transversal de cobrança administrativa, apesar do elevado custo para o Poder Público, posto que se exige a atuação de Delegados, Membros do Ministério Público e Magistrados, dentre inúmeros outros agentes.

É importante frisar que não se questiona o dever funcional das Autoridades Fazendárias que, diante da ocorrência de comportamentos que possam resultar em crime contra a ordem tributária, têm a obrigação de formalizar representação fiscal para fins penais. Mas, faz-se necessária prudência, cautela, enfim, proporcionalidade entre meio e fim. Se o Estado reconhece ser dispendioso o exercício da pretensão tributária (cobrança judicial) de créditos tributários consolidados abaixo de determinado montante, não faz sentido o próprio Estado exercer a pretensão punitiva relativa aos créditos tributários considerados irrisórios. Neste caso, a conduta de Autoridade Fazendária apresenta-se desproporcional, custosa para o Poder Público, além de vexatória e gravosa para o contribuinte, com constrangimentos, exposição pública e onerosa para o contribuinte (por exemplo, com pagamento de advogados). Evidentemente que o desvirtuamento da ação penal, na situação descrita acima, coincide com o que Hugo de Brito Machado denomina de "sanções políticas", ou seja, a utilização, pelas Administrações Tributárias, de mecanismos transversais de constrangimento público de sujeito passivo. É evidente que estes desvios de conduta atingem mais severamente os contribuintes pessoa física, posto que estes se apresentam hipossuficientes diante da complexa estrutura administrativa-tributária e da profusão de normas tributárias. Por isso, a discussão acerca da erradicação de condutas tipificadas como crime de excesso de exação, para se efetivar, necessitará perpassar temas controversos que a cultura de poder no Brasil nunca autorizou discuti-los, posto que envolvem interesses funcionais e econômicos inestimáveis, imprevisíveis e, até então, intocáveis. Contudo, a sociedade brasileira deixa transparecer sua intolerância aos desvios de condutas na atividade tributária, passando a exigir uma completa enumeração dos limites de autuação das Autoridades Fazendárias, de forma a resguardar o sagrado direito do administrado de não ser importunado pelo Estado-tributário além do previsto em lei.

3.1. O ELEMENTO SUBJETIVO

Na modalidade de cobrança de tributo indevido, o elemento subjetivo é o dolo, consubstanciado na vontade livre e consciente de exigir tributo ou contribuição social que sabe ser indevido, "com o agente sabendo que exige aquilo que é ilegal à luz do direito tributário, afrontando as normas atinentes à fixação e cobrança de tributos" [14]. Mas, a expressão "ou deveria saber" tornou o fato punível a título de dolo eventual, não admitindo, o tipo, a modalidade culposa [15] (a qual ocorre quando o agente dá causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia). O dolo eventual, também chamado de condicionado ou indireto, ocorre quando o agente não quer o resultado ilícito, mas sabe que poderá ocorrer e age assumindo esse risco [16]. Há, contudo, entendimento doutrinário em contrário, que indica que na modalidade de exigência de tributo indevido não se exige o dolo. As Autoridades Fazendárias têm o dever funcional de conhecer a legislação tributária, se não a conhece estará atuando com imperícia e, portanto, culposamente [17].

Na modalidade de cobrança vexatória ou gravosa, o elemento subjetivo "é o dolo, consubstanciado na vontade livre e consciente de empregar meio vexatório na cobrança do tributo ou contribuição devido, ciente da ausência de autorização legal para tanto" [18].

3.2. OBJETIVIDADE JURÍDICA E SUJEITOS DO DELITO

O delito de excesso de exação tem "dois bens juridicamente tutelados, a saber, a moralidade administrativa, porque a prática do crime em questão desmoraliza a administração pública, e também o direito individual do contribuinte, que é molestado com o fato" [19]. O primeiro sujeito passivo do crime é o Estado e, secundariamente, a pessoa atingida pela conduta em razão do delito molestar seu direito individual de contribuinte.

O crime de excesso de exação é funcional próprio, só podendo ser cometido por funcionário público, admitindo-se, entretanto, a participação de um terceiro, por força dos artigos 29, 30 e 327 do Código Penal. Para que haja o delito de excesso de exação, o funcionário público deve se valer de sua função ao realizar qualquer verbo do tipo, porquanto, se não for assim, ele estará cometendo o delito de extorsão (art. 158 do Código penal) [20]. É importante frisar que não há exigência de que o funcionário público seja competente para a arrecadação de tributos, podendo ser cometido por qualquer funcionário público, desde que este adote conduta própria na cobrança (lavratura do auto de infração) e meios adequados a demonstrar que o tributo há de ser pago ao ente público.

3.3. A TENTATIVA E A CONSUMAÇÃO

Por ser um crime formal, a consumação do crime de excesso de exação não dependerá da produção do resultado, assim sendo, na primeira modalidade típica, independerá do pagamento do tributo indevido, e, na segunda modalidade, independerá do efetivo recebimento do tributo.

No excesso no modo de exação, como a conduta consiste em exigir, há consumação no momento em que é formalizada a exigência do tributo indevido, pela intimação do sujeito passivo da suposta obrigação tributária, ou seja, de quem se exige o tributo. Na exação fiscal vexatória, há consumação no momento em que se emprega o meio vexatório ou gravoso, não autorizado pela lei, na cobrança de tributo devido.

A tentativa é admissível nas duas modalidades típicas. No excesso no modo de exação, estará configurada a tentativa "se o funcionário emite um auto de infração que por circunstâncias alheias a sua vontade não chega ao conhecimento do autuado" [21]. Já na exação fiscal vexatória, estará configurada a tentativa "se o funcionário emite notícia para um jornal, em que pretende publicar fatos constrangedores da vida do contribuinte, como forma oblíqua de obrigá-lo ao pagamento do tributo, e a notícia não chega a ser publicada por circunstâncias alheias a sua vontade".

3.4. A FORMA QUALIFICADA

A forma qualificada do crime de excesso de exação ocorre quando "[...] o funcionário desvia, em proveito próprio ou de outrem, o que recebeu indevidamente para recolher aos cofres públicos. Pena: reclusão, de dois a doze anos, e multa" (art. 316, §2º do Código Penal).

Note que, ao autor da forma qualificada do excesso de exação comina-se uma pena com limite mínimo inferior à forma não qualificada, já que o limite mínimo da forma qualificada é de dois anos de reclusão, enquanto a do crime simples é de três anos de reclusão. Isso configura um gritante equívoco na legislação, devendo o julgador, por coerência lógica, não impor pena inferior a 3 (três) anos de reclusão, quando se tratar da forma qualificada do excesso de exação [22].

Para que haja a configuração da forma qualificada do crime de excesso de exação o apoderamento do tributo deve ser antes de seu recolhimento aos cofres públicos, caso ocorra depois, o delito será o peculato [23]. A distinção entre o tipo qualificado e o peculato "somente é possível no caso em que o funcionário que recebe o tributo indevido não é o órgão arrecadador, e recebe o tributo em circunstâncias excepcionais, para fazer seu recolhimento aos cofres públicos, vale dizer, aos órgãos arrecadadores" [24]. Isso porque quando o funcionário competente para receber o tributo age em nome do Estado, o recebimento por ele efetuado e o recolhimento aos cofres públicos acabam por se confundir. Esta situação ainda é comum no campo de incidência do ICMS, em especial nos Estados-membros mais pobres da Federação que mantém forte fiscalização de mercadorias em trânsito em seus territórios. Detectada a infração tributária, tal como mercadorias desacompanhadas de nota fiscal, em locais isolados e com precária estrutura bancária, a cobrança do tributo é realizada no local da apuração da infração, devendo a Autoridade Fazendária receber em nome do Estado o tributo devido, que posteriormente será arrecadado aos Cofres Públicos no prazo legal; obrigando-se, no entanto, a regularizar a situação através da emissão de nota fiscal avulsa e do documento de arrecadação. Evidentemente que esta é uma situação cada vez mais rara. É sempre mais prudente privilegiar o lançamento de ofício (lavratura de auto de infração), de forma a afastar a arrecadação do tributo da Autoridade Fazendária, especialmente por questões de segurança pessoal desta.

O tipo qualificado apresenta dois elementos subjetivos: o dolo e a intenção de locupletação, contida na expressão "em proveito próprio ou alheio" [25]. A consumação do crime ocorre com o efetivo desvio do objeto, já que o tipo qualificado é crime material. Admite-se a tentativa.

3.5. AÇÃO PENAL

A ação penal é pública incondicionada. Desse modo, o Ministério Público tem o dever de agir, oferecendo a denúncia sem a necessidade de provocação. Isso não obsta, por sua vez, que o contribuinte prejudicado ofereça representação, a qual será considerada como notícia do crime, e, também, não obsta que qualquer pessoa, mesmo sem interesse pessoal no caso, dê a notícia do crime ao Ministério Público [26]. Se o Ministério Público no transcorrer de 15 dias do recebimento de provocação, não oferecer a denúncia, caberá a ação penal privada, conforme garantia prevista no art. 5º, inciso LIX da Carta Magna.

Sobre os autores
Milena da Silva Oliveira

Graduanda em Direito pela UEPB e Pesquisadora-voluntária do Programa Institucional Voluntário de Iniciação Científica (PIVIC/UEPB).

Alexandre Henrique Salema Ferreira

Professor de Direito Tributário e de Direito Financeiro do Curso de Direito da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), Auditor Fiscal da Receita Estadual da Paraíba, Mestre em Ciências da Sociedade pela UEPB e Especialista em Auditoria Fiscal-contábil pela UFPB

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Milena Silva; FERREIRA, Alexandre Henrique Salema. O crime de excesso de exação.: Um levantamento processual nas varas criminais no município de Campina Grande. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2486, 22 abr. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14724. Acesso em: 27 dez. 2024.

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