01-INTRODUÇÃO
A modernidade encerra sua fase histórica: vivemos a era daquilo que se denominou pós-modernidade com sua lógica de pós-capitalismo avançado e globalizado. Valores, ideologias, modelos e sistemas econômicos, sociais e jurídicos são questionados, desconstituídos ou simplesmente abandonados. [01]
Conceitos como nação e soberania são postos em xeque pelos interesses do capitalismo globalizado e pelo império liderado pelos E.U.A., que através de instrumentos como o F.M.I., a Organização Mundial do Comércio, a ALCA e o Banco Mundial, monitoram, impõem (ou tentam impor) modelos, práticas econômicas e comerciais, quando não políticas e jurídicas [02].
Apesar desse quadro, como assinala JAMESON [03], o estado-nação permanece sendo um foro privilegiado de resistência e luta. A defesa da legislação trabalhista e previdenciária contra a pressão do capitalismo global, bem como a implantação de políticas de resistência econômica e cultural, são imperativos de qualquer Estado comprometido com o bem-estar social de sua população.
A Pós-Modernidade denota também a busca desenfreada do consumo, quadro disseminado por quase todo o mundo. É a "cultura do consumo", expressão do sociólogo escocês LESLIE SKLAIR, caracterizada pela geração de valores, desejos e necessidades artificiais, destinados a criar um universo de consumidores para a produção cada vez mais de produtos e serviços [04]. BAUMAN [05] retrata com precisão toda essa artificialidade.
Desse painel chegamos ao gosto desmedido pelo efêmero, novidades e modas que se sucedem cada vez mais rápido. Padrões de condutas, gostos, modas, preferências, modelos jurídicos e sociais são abandonados e descartados com uma "sem-cerimônia" digna de registro, sempre atendendo, contudo, a imperativos do mercado e dos interesses econômicos e políticos dominantes [06].
No campo das relações laborais, a pós-modernidade é marcada pela flexibilização dos processos e mercados de trabalho, com o objetivo de aumentar a produtividade os ganhos do capital e, por fim, enfraquecer os movimentos dos trabalhadores [07].
Por outro lado, os mercados de trabalho nacionais são ameaçados pelas corporações mediante a transferência de suas operações para estados, países ou continentes que ofereçam redução ou isenção de impostos, mão-de-obra barata, etc.
Assim, são utilizados todos os instrumentos de pressão para impor contratos de trabalho mais flexíveis ou até mesmo a precarização absoluta do trabalho.
Também no contexto da pós-modernidade no campo trabalhista, constata-se que a prestação de serviços ganha novas características: múltiplas tarefas, com eliminação ou atenuação das atribuições de cada função [08] e apropriação dissimulada do saber do trabalhador (centro de controle de qualidade, reuniões de aperfeiçoamento, etc.).
Percebe-se, por conseguinte, uma mudança radical no modo de ser do trabalho, inclusive quanto ao que se espera do trabalhador. Este deve ser capaz de criar, laborar agilmente e contribuir com inovações em prol da empresa. Por sua vez, o capital faz exigências contínuas para aumentar a precarização do trabalho sob o argumento de que experiências como a flexibilização e a desregulamentação do trabalho aumentariam o nível de emprego e trabalho [09].
Contudo, o desemprego não diminui [10]. Ao contrário, aumenta, bem como o subemprego, apesar de toda a retórica dos empresários e legisladores [11]. A segurança e as condições de trabalho não avançam, ao contrário, tornam-se cada vez mais precárias no trabalho terceirizado e flexibilizado. E, se algo pode ser ainda pior, a desigualdade social e econômica entre países ricos e pobres não cessa de aumentar [12].
Nessa reengenharia do trabalho e do sistema empresarial, renasce o labor no âmbito doméstico, o trabalho a domicílio que, em determinadas circunstâncias, recebe a denominação de "teletrabalho". Também emergem as "microempresas" e "pequenas sociedades" para a realização de atividades em benefício da grande empresa, mediante o trabalho de ex-empregados ou de "empresários" que não são outra coisa que trabalhadores qualificados ou de confiança do tomador dos serviços.
A retomada do trabalho a domicílio termina por ressuscitar o regime de superexploração vivido no século XIX e no início do século XX [13]. O teletrabalho, muitas vezes, dá origem também a jornadas extremamente dilatadas e fatigantes. Aliás, sequer a suposta e trombeteada liberdade do trabalhador de empregar livremente o seu tempo é confirmada pelos fatos e pelos pesquisadores. RICHARD SENNETT [14], estudando essa modalidade de labor nos EUA, conclui que:
"Criou-se um monte de controles para regular o processo de trabalho concreto dos ausentes do escritório. Exige-se que as pessoas telefonem regularmente para o escritório, ou usam-se controles de intra-rede para monitorar o trabalhador ausente; os e-mails são freqüentemente abertos pelos supervisores."
"Um trabalhador em flexitempo controla o local de trabalho, mas não adquire maior controle sobre o processo de trabalho em si. A essa altura, vários estudos sugerem que a supervisão do trabalho muitas vezes é maior para os ausentes do escritório que para os presentes". (Jeremy RifKin, "The End of Work", New York: Putnam, 1995) [15].
Portanto, as novas tecnologias não diminuem ou extinguem o poder de controle do empregador e a exploração do trabalho. O que ocorre é que agora seu exercício se faz de maneira mais complexa, mais difusa, tendo os juristas e aplicadores do direito cada vez mais dificuldade em identificar e tratar esse fenômeno.
Já o regime de trabalho através das microempresas ou das sociedades de pequena monta – por demais comum nas práticas de terceirização e franchising – não raro corporificam fraudes escancaradas à legislação trabalhista [16]. Com efeito, proliferam, com o estímulo das grandes empresas, "empreendimentos" de autênticos empregados, transvestidos de pequenos empresários. [17] [18]
Esse perfil da pequena e da microempresa, forjada pelos interesses do grande capital, é alvo de análise do professor de Filosofia do Direito da PUC-SP, o jurista e filósofo WILLIS SANTIAGO GUERRA FILHO, que destaca as consequências daninhas para o "novo empresário":
"Além de ganhar menos, o trabalhador termina tendo que trabalhar mais, principalmente quando tem "seu próprio negócio", submetido à pressão de um mercado, onde é obrigado a atender as exigências de quantidade e qualidade da produção, estabelecidas por seu único comprador, a grande empresa terceirizada, ou, então, sucumbir à concorrência. Retorna, assim, com todo rigor, nesse final de século XX, a mais-valia absoluta, como forma mais adequada de obter mais-trabalho" [19].
Em igual diapasão, GIOVANNI ALVES, professor de sociologia da Unesp, demonstra que, por trás da revitalização do mito da pequena empresa, está o interesse do grande empresário em diminuir custos através da precarização do trabalho e o objetivo de controle da força de trabalho, além de criar um modelo apto à flexibilização do capital e do emprego:
"Não obstante o fato de que as grandes empresas sempre precisaram das pequenas, como se observa com a existência da subcontratação sob a grande indústria, sob a mundialização do capital, em que o espírito do toyotismo impulsiona novos estilos de acumulação capitalista, a utilização das pequenas empresas torna-se uma estratégia de organização industrial voltada para o controle do trabalho e do emprego, adequada à nova época de crise de valorização do capital, na qual a instabilidade perpétua impõe a constituição, pelas corporações transnacionais, de um "colchão" de pequenas empresas capazes de amortecer as inconsistências dos mercados" [20].
Destarte, em que pese o processo produtivo e as relações trabalhistas não se prenderem mais ao modelo arcaico denunciado por ZOLA no "Germinal", tampouco aquele, típico da modernidade, do regime taylorista e fordista, tratado com tanta graça e perspicácia por CHAPLIN em "Tempos Modernos", as novas formas em curso mantêm, contudo, o domínio do empregado e o seu controle da prestação dos serviços, quando não da própria pessoa do trabalhador. Essas novas medidas apelam para a precarização do trabalho, preservando, com novas roupas, práticas remotas de exploração. Por isso, permanece a necessidade de limitação da jornada, estipulação de períodos de repousos, inclusive anuais, estabelecimento de meios para assegurar o emprego ou uma compensação substancial pela sua perda, edição de normas de higiene, fixação de um salário mínimo, etc [21].
Do quadro que viemos de demonstrar, emerge o questionamento sobre o sujeito da proteção assegurada pela legislação trabalhista e previdenciária. Com efeito, no universo dos trabalhadores, os empregados têm merecido atenção especial do legislador, sobretudo no Direito do Trabalho. Contudo, outras espécies de trabalhadores, excepcionado o avulso (art. 7º, XXXIV, da CF), não recebem no nosso país o mesmo destaque, apesar das semelhanças de condições de vida e de labor.
Disso resulta duas orientações que não se excluem. A primeira trilha no sentido de considerar como empregado obreiros que estão na chamada zona cinzenta ou nebulosa, onde nem sempre se pode precisar a natureza da relação mantida entre as partes, porque não muito claros os requisitos definidos na lei como caracterizadores do vínculo de emprego, notadamente a subordinação. A segunda, mais recente e com cores mais profundas, repensa o próprio conceito de subordinação, procurando estender o Direito do Trabalho e Previdenciário ao maior número possível de trabalhadores.
Essas vertentes têm na subordinação seu ponto de partida, seja para tentar encaixar os fenômenos trabalhistas em sua moldura, seja para superá-la.
02-A SUBORDINAÇÃO E O TRABALHO NO SÉCULO XXI
A subordinação é tradicionalmente vista sob o aspecto puramente jurídico. O trabalhador está sujeito às ordens do seu empregador a quem pertine o poder ou o direito de comando que se traduz na direção, mando, organização e fiscalização da prestação de serviços. Matizes de ordem técnica e econômica são, em geral, desprezados pela doutrina. Assim, só se poderia cogitar da aplicação das normas protecionistas dos empregados quando demonstrada a subordinação jurídica.
Problemas, contudo, surgem dessa formulação teórica restrita e irrealista, ultrapassada pelas metamorfoses ocorridas nas relações do trabalho.
É que a nova realidade social trabalhista trouxe a transmutação da subordinação clássica e a aproximação de fato entre empregados e trabalhadores ditos autônomos.
Com efeito, a diferença entre trabalho subordinado e independente é cada vez mais tênue em determinados segmentos da economia [22], sobretudo naqueles que, em sua estrutura operacional, utilizam os serviços em rede de pequenas e microempresas, profissionais especializados, terceirização de serviços, trabalho a domicílio (teletrabalho, confecção, fabricação de componentes para a grande contratante, consultoria, etc.), pequenas empreitadas e subempreitadas, firmas de distribuição e franchise.
Difícil, não raro impossível, é distinguir nesse movediço terreno quem é trabalhador independente e quem não é, até porque, com frequência, a fraude veste os empregados com o manto da autonomia.
O modelo de rede empresarial traz uma aparente autonomia nas funções exercidas pelo empregado [23]. E, mais, significativo, uma dependência que não raro ganha contornos de pura e simples submissão do prestador de serviços autônomos, pois, além do serviço contratado pela organização consistir em sua fonte de sobrevivência, não tem autorização ou condições de laborar ou de contratar com outrem [24]. SUPIOT alude a várias pesquisas realizadas neste campo na Europa que põem em evidência a integração entre microempresários e pequenas empresas na estrutura empresária dominante. Estes autênticos trabalhadores devem observar regulamentos que tratam de preços, atendimento à clientela, técnicas e normas de qualidade, agenciamento e de gerência, que são ministrados pela empresa dominante e beneficiária da atividade. Esta termina por controlar e dar ordens a esses "empresários"25-a. Algumas dispõem até sobre a indenização em caso de ruptura do contrato de seu dependente25-b.
Outro aspecto que torna também difícil a caracterização da exata natureza da relação jurídica mantida pelas partes reside na alteração do modo de se externar a obrigação principal do trabalhador: o trabalho. Isso também devido aos novos traços da estrutura hierárquica empresarial. Os assalariados, em diversas ocasiões, são inseridos em sistema de trabalho e remuneração que, com certa frequência, induzem a erro a fiscalização e o magistrado no que toca ao exato enquadramento do elo jurídico mantido entre o tomador de trabalho e o prestador de serviços. Por exemplo, pagamentos com base nos resultados da empresa que, sendo positivos, garantem uma remuneração constante trazem grande perplexidade.
03 – CRITÉRIOS PARA CARACTERIZAÇÃO DA RELAÇÃO DE EMPREGO EM SITUAÇÕES CONTROVERTIDAS E NEBULOSAS
Conforme já destacamos, torna-se cada vez maior a dificuldade do operador do direito apurar, nos casos concretos que lhe são submetidos, a relação de emprego, em especial o traço característico consagrado pela doutrina tradicional, a subordinação jurídica, frente aos novos contornos das relações econômicas e jurídicas advindas da pós-modernidade.
Inicialmente são lembrados o critério da inversão do ônus probandi em favor do trabalhador, a presunção da existência de vínculo de emprego em caso de dúvida acerca da exata natureza da relação de trabalho e a teoria da subordinação objetiva.
Outros modos de alargar a noção do contrato de trabalho e sua caracterização são ainda mencionados em doutrina, reafirmando os métodos e orientações tradicionais. Entre eles podemos citar a teoria da Integração a um serviço organizado que, em muito, se assemelha à idéia da subordinação objetiva. Analisa-se a situação do trabalhador, indagando-se se o mesmo está integrado em uma organização econômica controlada por outrem [25].
Essa noção permite alargar os contornos da subordinação jurídica a partir do momento que não afasta a possibilidade do assalariado possuir uma certa autonomia no exercício de suas funções [26], como alguns prestadores de serviços [27] (chapas, subcontratados, "locatários" de veículos como os motoristas de empresas de táxi, motoristas entregadores e seus ajudantes de supermercado e hipermercados), trabalho por conta e benefício de uma empresa ou conglomerado [28].
As teorias e técnicas acima expostas são extremamente valiosas na caracterização in casu da relação de emprego, estendendo a tutela da lei aos trabalhadores em situação nebulosa. Contudo, são insuficientes, ainda, no tocante a uma gama de prestadores de serviços que, apenas mediante uma reformulação dos parâmetros tradicionais, poderiam ser incluídos no seu âmbito, até porque os indicadores acima noticiados continuam presos à concepção da subordinação jurídica, pois visam apenas evidenciá-la ou, quando muito, impõem sua admissão em concreto como que por ficção [29].
04 – A DEPENDÊNCIA ECONÔMICA
Essas dificuldades têm levado estudiosos de grande envergadura a questionar a subordinação jurídica como nota típica do contrato de trabalho ou, ao menos, como o elemento preponderante para aplicação ou não do Direito do Trabalho [30]. Este questionamento vem dando frutos na legislação estrangeira [31] e na jurisprudência de diversos países [32].
Com efeito, em decorrência da imperiosa urgência em alargar o campo de aplicação do Direito do Trabalho para incluir em seu âmbito todo o universo do trabalho, reafirma-se o critério da dependência econômica [33], descartado pelos juslaboralistas tomados pelo afã de emprestar tal particularidade ao seu campo de estudo que terminam por adotar uma visão excludente e prejudicial àqueles que vivem do trabalho prestado a outrem sem a devida proteção social [34].
Assim, França, Alemanha, Países Baixos, Itália, Inglaterra e Portugal aplicam total ou parcialmente, o Direito do Trabalho sob o critério da dependência econômica ou de conceitos assemelhados ("parassubordinação", "quase assalariados", "pessoas assimiladas a trabalhadores", etc.) [35].
Sem qualquer pretensão de esgotar o tema, traçaremos algumas linhas gerais, com o objetivo de despertar o interesse dos advogados, estudiosos, legisladores e magistrados.
4.1– FRANÇA
Em situação de acentuada dependência econômica, a jurisprudência francesa tem pugnado pela equiparação do profissional ao trabalhador regido pelo contrato de emprego [36].
Isso porque são numerosos os comerciantes, trabalhadores de firma individual, microempresas ou de pequenos empreendimentos e franqueados que se encontram nesse estado de dependência econômica [37]. O montante não cessa de aumentar, segundo o testemunho de FRANÇOIS GAUDU e RAYMONDE VATINETT [38], gerando a necessidade de um tratamento legal apropriado para esse obreiros, que os trate de forma idêntica aos assalariados [39].
Importante passo nesta direção é o art. 781-1, §2º, do Código do Trabalho, que estende a proteção trabalhista aplicável aos empregados àqueles que exercem atividade consistente em recolher encomendas, realizar serviços de manutenção ou transporte, fabricação de objetos, prestação de serviços, colocação de produtos no mercado por conta de uma empresa, em estabelecimento fornecido por ela (ou agregado), que fixa as condições contratuais e do negócio, bem como o preço. Isso se dá sem que haja necessidade de estabelecer um elo de subordinação jurídica, pois é suficiente apenas a dependência econômica [40].
Essa assimilação compreende inclusive os que estão sob contrato de franquia ou de distribuição, com condições, tarifas e preços impostos pela empresa concessionária, franqueadora ou beneficiária da atividade daqueles que não são nada mais de que uma peça na engrenagem empresarial [41][42].
4.2- ALEMANHA
O Direito alemão utiliza a técnica do <<arbeitnehmerähnliche Personen>>, pessoas assimiladas a trabalhadores ou "quase-assalariados". Estas pessoas são assim definidas pela Lei sobre a Contratação Coletiva de 1974 (art. 12º) como obreiros juridicamente autônomos mas economicamente dependentes, que necessitam, por isso, de proteção semelhante àquela ministradas aos empregados.
A lei exige a denominada dependência pessoal do trabalhador, ou seja, a maior parte de seu trabalho, ou se seus ganhos, devem vir de uma só pessoa, entidade ou instituição [43], compreendida nessa idéia o grupo econômico ou financeiro, mesmo destituído de personalidade jurídica.
Após amplo debate, ficou estabelecido que aos assimilados ao assalariado seriam aplicáveis algumas leis trabalhistas e institutos de Direito do Trabalho e Previdenciário [44] (férias, convenções coletivas, leis dos Tribunais do Trabalho) [45].
4.3- HOLANDA
Na Holanda a assimilação entre os campos da autonomia da relação de emprego é também uma realidade.
A lei que trata das despedidas econômicas é em certos pontos aplicável àqueles que não são titulares de uma relação de emprego, cuja situação de dependência econômica possa ser evidenciada pelos seguintes critérios: a) pessoalidade do trabalho prestado; b) no máximo dois empregadores como beneficiários da atividade; c) limite de até dois auxiliares ou ajudantes a serviço do dependente econômico; d) a atividade do dependente econômico não pode ter caráter acessório [46].
4.4- ITÁLIA
A noção italiana de parassubordinação estendeu aos agentes e representantes comerciais, bem como a outras relações de trabalho, os direitos atinentes à categoria dos empregados, desde que haja uma prestação de trabalho contínua, pessoal e coordenada, sendo para tal irrelevante a presença da subordinação jurídica [47].
Nesse conceito, ficam evidentes a idéia de dependência econômica [48] e a concepção de uma categoria aberta [49] onde podemos encontrar advogados, médicos e prestadores de serviço que laboram à distância [50].
Como destaca AFFONSO DALLEGRAVE, os adeptos do neoliberalismo no Direito do Trabalho, buscaram, através da parassubordinação, afastar a tutela trabalhista. Essa tentativa parece ter malogrado, pois os trabalhadores parassubordinados obtiveram pela via da negociação coletiva vantagens que ultrapassam de longe o mínimo legal [51].
No Brasil, frente ao ordenamento legal e constitucional em vigor, a noção de parassubordinação só terá valia se manejada em sentido tal que venha a abranger no leque do Direito do Trabalho, as novas formas contratuais e as já tradicionais do agente e representantes comerciais, corretores, pequenos artífices e empreiteiros, prestadores de serviço em geral e aqueles que laboram sob contrato de franquia desde que presente a dependência econômica com os traços já assinalados [52]. Estes profissionais, de toda sorte, no Brasil, já têm à sua disposição ao menos a Justiça do Trabalho para buscar o pagamento se seu trabalho e as reparações de ordem patrimonial e moral (art. 114, caput e incisos, da CF, com a redação dada pela EC nº 45, de 08 de dezembro de 2004) [53].
4.5– Portugal
O trabalhador independente, por estar em estado de dependência econômica ou usufruir os frutos de sua atividade, frente àquele que toma seus serviços deve encontrar proteção trabalhista e social [54].
Essa dependência econômica requer uma relação direta entre o beneficiário da atividade e o prestador de serviços, marcada pela continuidade e pela exclusidade, caracterizando uma submissão econômica deste em relação àquele:
"Esta (dependência econômica) revela-se por dois traços fundamentais e estreitamente associados: o fato de quem realiza o trabalho exclusivo e continuamente, para certo beneficiário, encontra na retribuição o seu único ou principal meio de subsistência (há assim uma dependência da economia do trabalhador perante a do mesmo beneficiário); e, de autonomia técnica e jurídica, se inserir num processo produtivo dominado por outrem (verificando-se, pois, dependência sob o ponto de vista da estrutura do mesmo processo). Isto pode ocorrer até quando o trabalhador é juridicamente autônomo, exercendo a sua atividade em estabelecimento próprio se, porventura, todo o produto dessa atividade se destina a inserir-se num processo produtivo mais amplo, promovido e dominado por certa atividade [55]."
"Considera-se a dependência econômica relacionada com o fato de o prestador de trabalho receber encomendas do beneficiário da atividade, e de essas encomendas só terem interesse para aquele beneficiário, havendo uma exclusividade. O produto acabado, realizado pelo prestador da atividade, só interessa a um determinado beneficiário; a situação identifica-se com a de um monopólio. O prestador da atividade, por via de regra, não consegue ou não pode colocar o produto acabado para livre transação no mercado, devendo entregá-lo àquele beneficiário; normalmente, não será fácil encontrar concorrentes deste beneficiário interessados naquele mesmo resultado, até porque, por vezes, o produto realizado pelo trabalhador vai ser incorporado noutros bens produzidos na empresa beneficiária. Esta exclusidade leva a uma espécie de relação de monopólio, que conduz a um certo domínio do beneficiário da atividade relativamente ao prestador da mesma." [56]
4.6- INGLATERRA
A seção 23 (1) do "Employment Relations Act" de 1999 confere ao secretário de Estado o poder de conceder a proteção legislativa típica de empregados a quem não está, em princípio, submetido ao estatuto laboral [57]. Assim, o salário mínimo e a limitação da jornada, entre outros direitos, podem ser aplicáveis aos trabalhadores em geral e não apenas aos empregados [58]. Cogita-se até da incidência da aplicação de certos direitos laborais para o self-employed, ao menos para aqueles que estão na zona cinzenta entre empresários, empregados ou integrantes de paraempresas [59] [60].
05 – RELAÇÕES DE TRABALHO E DE EMPREGO E A NOVA COMPETÊNCIA MATERIAL
A Emenda nº 45/04 insere na competência trabalhista, de forma ampla, todas as relações típicas de trabalho:
"Art. 114 – omissis
I – as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta, exceto os servidores ocupantes de cargo criado por lei, de provimento efetivo ou em comissão, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações públicas." [61]
No Direito do Trabalho brasileiro sempre foi oferecida a distinção entre a relação de trabalho e a relação de emprego. A primeira como gênero da qual a relação de emprego seria apenas uma espécie, um desdobramento da primeira e, por sua importância, ganharia tratamento especial [62].
O traço diferenciador entre os dois vínculos, originados pelo labor humano, reside na subordinação considerada no seu aspecto jurídico, ou seja: a existência de um poder ou direito do tomador do trabalho (empregador) de dirigir e fiscalizar o serviço do obreiro (empregado), inserido em uma atividade realizada em prol daquele, que está sujeito ao comando e à disciplina do contratante do seu trabalho.
Esta nota típica nem sempre é fácil distinguir, seja pela transformação que sofre o trabalho na atualidade, gerada pela nova economia, seja pelo elo estreito existente entre determinados modos de prestação de trabalho (vendedor empregado e representante comercial; diarista e empregada doméstica, entre outros).
Essa circunstância, aliada ao quadro delimitado anteriormente, obriga-nos a repensar os moldes da relação de emprego e, mais importante, do próprio Direito Material do Trabalho, para inserir no âmbito deste ramo do direito toda forma de trabalho que guarde traço de pessoalidade, continuidade e, sobretudo, de dependência econômica [63][64].
Na esfera da nova competência, a continuidade e a dependência econômica serão fundamentais para definir o que seja relação de trabalho para efeitos do art. 114, I e VI, da CF, pois, como lecionam o culto Ministro do TST ORESTES DALAZEN [65] e o festejado autor AMAURI MASCARO NASCIMENTO [66], o movimento expassionista do Direito do Trabalho repercute, necessariamente, na ampliação da competência da Justiça do Trabalho, conforme atesta a Emenda 45/04 ao trazer para a Justiça do Trabalho do nosso país as demandas decorrentes da relação de trabalho.
Não se pode perder de vista que a CLT já admite, desde há muito, a competência da Justiça do Trabalho para apreciar litígios decorrentes de determinadas relações de trabalho, como do avulso (art. 643, caput e art. 652, V, da CLT), pequeno empreiteiro e artífice (art. 652, "a", III, da CLT), dentro da cláusula constitucional que, desde 1946, autoriza o Juiz do Trabalho conciliar e julgar outras relações de trabalho, que não a de emprego, desde que autorizado por lei.
Com a Emenda nº 45/2004, o legislador afastou a equação anterior. Assim, ao invés da relação de trabalho ser apenas excepcionalmente da competência da Justiça do Trabalho, junta-se à relação de emprego para compor a matéria básica, mais não a única (incisos II, III, VII, VIII, do artigo 114), sobre a qual irá atuar a jurisdição laboral. Com isso, reduz o legislador constitucional o fosso entre trabalhadores em geral e empregados.
Resta agora à lei, à jurisprudência, à doutrina e às entidades sindicais, a construção do arcabouço de proteção do trabalhador que, não estando sob o manto da relação de emprego, irá se dirigir à Justiça do Trabalho [67], como já o fazem avulsos que, notável exceção, gozam de ampla tutela no plano do direito substancial (artigo 7º, parágrafo único, da Constituição Federal) [68].
Aspecto relevante quanto ao alcance da expressão relação de trabalho, reside na controvérsia que começa a surgir acerca daqueles que prestam serviços no âmbito de um vínculo de consumo.
Para nós essa discussão está fora de foco. A questão não é saber se a relação de trabalho compreende as relações de consumo com prestação de serviços (arts. 2º e 3º da Lei 8078/90), mas se a relação de trabalho se apresenta marcada pela dependência econômica, com seus desdobramentos na pessoalidade e não-transitoriedade da atividade.
Estas são as características, como demonstrado acima, que assinalam toda a revisão no âmbito do Direito do Trabalho e a ampliação da competência material para alcançar relações de trabalho que não a de emprego. Este movimento em curso no direito estrangeiro é o caldo de cultura, o pano de fundo, a base mesma da opção feita na Emenda 45/04.
De modo que parece irrelevante, para efeitos da nova competência material trabalhista, indagar se o trabalho prestado se apresenta na moldura das relações de consumo ou não. O que interessa saber é se a relação de trabalho resta caracterizada pela dependência econômica, com os traços de pessoalidade e continuidade dos serviços.