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Responsabilidade civil por dano à honra

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Agenda 28/04/2010 às 00:00

CAPÍTULO 2
CONCEITUAÇÃO

Sumário: 1. Conceito – 2. Conceito múltiplo e proteiforme – 3. Bem interno e externo – 4. Honra profissional – 5. Honra do Estado – 6. Honorificência – 7. Honra familiar – Memória do morto – 8. Honra do incapaz – 9. Vida privada e vida pública – 10. Honra e intimidade – 11. Interesse público – 12. Vida política – 13. Honra e identidade pessoal (direito ao nome) – 14. Honra e imagem – 15. Honra – Criações do espírito – Propriedade industrial – 16. Exceptio veritatis – 17. Conceito das figuras penais.

1. Conceito

Sem dúvida que, entre as várias categorias de bens, a dos bens personalíssimos é fundamental e a honra, o bem jurídico de maior apreciação da personalidade humana, porque representa o seu campo moral e social.

Não existe dificuldade alguma em relação à nomenclatura do direito em exame, e os doutrinadores que trataram do assunto referem-se ao direito à honra sem divergências. Alguns aludem ao direito à integridade moral ou honra, sem distinguir o gênero da espécie.

Aos elementos integrantes de seu conceito, todos se referem e, apenas quanto ao enquadramento do elemento subjetivo (sentimento ou consciência da própria dignidade), é que reinava certa indecisão.

De modo geral, os doutrinadores argumentaram que, além do respeito à integridade física da pessoa, deve haver o respeito à sua integridade moral.

"Nella conservazione del’onore si può ravvisare l’integrità morale della persona, come nella conservazione della vita e dell’incolumità si ravvisa la sua integrità fisica."1

Esta afirmação encerra a equiparação da honra à vida, que afirmamos nas primeiras linhas deste estudo.

Conforme ressaltou Santos Cifuentes, a honra consiste numa qualidade moral do ânimo, que pode ser ferida, sofrer menoscabo e que acontece ser defendida com o mesmo afinco, com a mesma força de quem se afana entre a vida e a morte e

"(...) quien se sienta irremisiblemente deshonrado pierde las bases anímicas de la lucha y la superación, decae, debilita y padece el desgajamiento de los más arrinconados y firmes soportes de su individualidad; queda expuesto a la burla de los demás, al reproche y la indiferencia, a un sentimiento de fracaso, de vergüensa o turbación. El alma está herida".

Poderá a lesão acarretar até alterações psíquicas ou orgânicas, reflexos na atividade econômica, insegurança, perda da confiança etc.2

Longe vai o tempo em que a honra do indivíduo estava ligada ao domínio, isto é, o homem valia pelo que possuía, ou por aquilo com que contribuía para com os gastos do Estado ou da Igreja.

Portalis (pai), considerando o elemento objetivo da honra, via no indivíduo três espécies de reputação: a reputação da probidade; a reputação da virtude; a reputação do talento e mérito e considerava a lesão da probidade a mais nefasta.3 Apesar da crítica a esta divisão tricotômica, o autor ganhou o apoio de Campos Maia, que considerou correta a distinção entre probidade e virtude. Afirmou este último: a probidade constitui um dever, um imperativo da moral; a virtude não. Todo homem tem obrigação de ser probo e não de ser virtuoso.4

Grellet-Dumazeau preocupou-se, sobremaneira, com a honra como valor interno do homem, distinguindo a honra da consideração social:

"A honra é um sentimento que nos dá a estima de nós mesmos, pela consciência do cumprimento do dever; a consideração é uma homenagem prestada por aqueles que nos cercam, em virtude de nossa posição social. Um homem considerado pode ser sem honra, um homem honrado pode ser sem consideração. Contestar a probidade de uma pessoa é atacar sua honra; contestar seu crédito é atacar sua consideração."5

Enneccerus, Kipp y Wolff declararam que o conceito de honra não pertence ao direito, mas reconheceram a honra civil, que tem uma significação moral, social e jurídica, e que encerra o grau de estima e reconhecimento, que corresponde a todo homem inatacável. apesar disso, não a admitiram, no direito alemão, como verdadeiro direito subjetivo, pelo teor dos §§ 823, 2, e 824 do BGB.6

Parece-nos confuso o pensamento dos autores, pois se a honra tem uma significação jurídica, poderá ter conceituação neste campo.

Valencia Zea conceituou a honra, tomando-a num sentido global, genérico e em sentido restrito, técnico-jurídico:

"El honor se traduce en un conjunto de cualidades (o virtudes) que resultan del cumplimiento de los deberes jurídicos, morales y sociales, como de la realización de obras que prestan un grand interés a la colectividad. pero el honor civil que retiene el derecho, se limita unicamente al cumplimiento de las normas del derecho y de la moral, de onde resulta un importante valor cuyo respeto se impone a los demás."7

Referiu-se a alguns deveres gerais que se caracterizam por atitudes negativas (como não matar, não furtar) e a outros que se traduzem em atos positivos (dever de fidelidade, de cumprimento das obrigações assumidas etc.). E enfatiza:

"Finalmente, ajustar nuestra conducta a los preceptos de la moral, es fuente de cualidades que contribuyen a reforzar el contenido del honor civil de las personas."8

A referência aos preceitos da moral bem procede, principalmente no que tange à honra subjetiva, uma vez que na ação ética o indivíduo não foge ao campo social e não há como abster-se dele, embora a estimação dessa conduta esteja essencialmente na subjetividade do agente. Mas que é importante para o direito, já que os valores subjetivos devem ser preservados.

"Em se tratando, porém, da conduta jurídica, na qual a objetivação social do liame intersubjetivo é típica, o problema apresenta conhecidas dificuldades, pois, de um lado, é imprescindível preservar os valores da subjetividade, aquilo que constitui o núcleo individualizador de cada pessoa, e, de outro, é necessário, concomitantemente, salvaguardar a coexistência harmônica e pacífica das subjetividades, ou a ordenação objetiva das relações entre todas as pessoas, o que não pode ser obtido sem a disciplina da liberdade e o recurso a processos compulsórios de respeito mútuo."9

A honra é um patrimônio moral da pessoa, de conteúdo abrangente.

Para o mestre Carrara, a honra vincula-se a três concepções:

–sentimento da própria dignidade;

–estima ou boa opinião que os demais têm do indivíduo;

–virtude inerente a toda boa reputação de proporcionar certas vantagens pessoais.10

E Dernburg distinguia a honra externa (que se apóia sobre o reconhecimento na sociedade) e a honra interna (quando se apóia sobre o próprio sentimento).11

As proposições acima têm o inconveniente de não dar ao direito à honra, um conceito único.

Se os autores antecedentes incorreram na falha de tratar da honra numa concepção puramente objetiva ou subjetiva, ou mesmo de biparti-la em dois sentidos, coube ao mestre de Peruggia açambarcá-las, em um critério completo e claro, e, em sua esteira, Santos Cifuentes, Recasens e Tobeñas.

Com efeito, para De Cupis, a honra encerra:

–o valor moral íntimo do homem;

–a estima dos outros, a consideração social, o bom nome ou boa fama;

–o sentimento ou consciência da própria dignidade.

Como valor moral íntimo, está subtraída às ofensas alheias e, conseqüentemente, à tutela jurídica, pois este valor íntimo situa-se em campo acima de qualquer proteção e é um valor maior que qualquer ofensa de terceiros. É algo interno.

Entendida no valor de estima pela sociedade, bom nome, boa fama, como também na consciência da própria dignidade (sentidos objetivo e subjetivo) as lesões à mesma são merecedoras de proteção legal. e resumiu o aludido mestre que a honra è la dignità personale riflessa nella considerazione dei terzi e nel sentimento della persona medesima.12

Recasens Siches conceituou a honra como

"(...) una especie de patrimonio moral de la persona, consistente en aquellas condiciones que ésta considera como expresión concreta de su propia estimación, la qual, en el fondo, se basa en un sentimiento de la dignidad individual. Por consiguiente, los ataques contra la honra y el honor serían todas aquellas condutas – injustificadas – de otras personas encaminadas a disminuir esas condiciones morales en las que la dignidad se manifiesta o que sirven de base para la propia estimación que una persona ha menester; serían aquellos – ilegítimos – ataques que humillasen a la persona, que la estorbasen sentir el respeto de sí misma".13

Distinguindo entre os dois aspectos conceituais da honra Santos Cifuentes empregou as expressões honor, para significar a qualidade moral, que leva o indivíduo a cumprir seus deveres perante si e as demais pessoas e representa a boa reputação, virtude, mérito, que depende dos costumes e é variável conforme a época e cada país; honra, significando a estima e respeito da própria dignidade e constituindo uma qualidade invariável, imanente à natureza humana.14

A bipartição da honra nos dois aspectos, objetivo e subjetivo, apresenta-se mais didática, possibilitando delinear o conteúdo deste direito, porém não oferece um critério objetivo para sua conceituação do ponto de vista jurídico, vez que, quando ocorre a lesão a qualquer dos dois aspectos, o prejuízo reflete-se na pessoa mesma, ficando difícil isolar-se um do outro. Se há ofensa à reputação ou ao bom nome atinge-se, no mais das vezes, a autovaloração ou auto-estima da pessoa.

A conceituação proposta por De Cupis é a que adotaremos neste estudo e o desenvolvimento e as proposições aqui contidas terão em vista o conceito único da honra, considerada objetiva e subjetivamente: a honra encerra o respeito e consideração social aliados ao sentimento ou consciência da própria dignidade.

2.Conceito múltiplo e proteiforme

Asseguraram os autores ser difícil conceituar a honra, já que esta sofre, através dos tempos, mutações. A falha na sua conceituação, advertiu Jiménez Asenjo, cabe aos juristas, que não cuidaram muito de pôr um pouco de ordem na matéria, preferindo não discuti-la, remetendo para o juiz sua determinação em cada caso concreto.15

Reafirmando a sua variação no tempo, assim decidiu a Corte de Cassação italiana, em 29.02.1960:

"La reputazione morale dell’individuo esprime um giudizio positivo di valore, che concreta e si identifica nella ritenuta conformità della condotta consueta dell’individuo ai precetti dell’honeste vivere e dell’honeste agere, valevoli in un determinado ambiente ed in una determinada época:" (omissis).16

"Il concepto di onore é assai relativo, tanto é vero che il valore offensivo di una espressione varia notevolmente con i tempi, i luoghi, le circostanze personale e il grado di sviluppo della societá."17

Se hoje a honradez reveste-se de inúmeros elementos, época houve em que se poderia considerar um homem honrado aquele portador de algumas qualidades, essenciais àquele tempo ou àquela conjuntura social. Assim, temos que a honra, apesar de constituir-se em um direito único, encerra aspectos múltiplos e proteiformes. Fala-se da honra individual (dignidade da própria pessoa, e que faz parte de sua existência moral, a qual o indivíduo não perde, mesmo sendo desprezível. Honra tem o ladrão, a adúltera, o mendigo...); de uma honra profissional (ligada ao meio econômico, literário, artístico, científico); da honra política (que se relaciona à conduta política); da honra familiar (onde se considera o grupo social); honra do Estado etc.

Em cada época, um ou outro desses aspectos ganhou maior importância para o indivíduo e para a sociedade, sobrepujando os demais. Assim é que, durante séculos, preponderou a concepção de uma honra atada à classe e títulos nobiliárquicos (estes atualmente no quadro do direito à identidade pessoal e do direito à honorificência), sem considerar que a honra, verdadeiramente, liga-se à dignidade do homem, ao seu instinto de conservação, que orbita em torno de sua integridade moral.

No direito à integridade moral, além da honra, distinguimos o direito à honorificência, do qual trataremos oportunamente.

Hodiernamente a concepção jurídica considera a honra como inerente à pessoa, constituindo o reflexo da sua personalidade, configurando, por isso, um direito essencial da pessoa.

Até aqui cuidamos estabelecer o conceito de honra. Entendemos ser necessário, a partir daqui, conceituar alguns de seus elementos, os quais oferecem incertezas aos doutrinadores, que chegam a consignar alguns deles como sinônimos, como em dignidade e decoro, reputação e decoro.

Reputação – é a valorização que os demais fazem da personalidade moral e social do indivíduo. Segundo Manfredini, "a reputação é a honra social, isto é, o grau de dignidade moral que deriva da valorização ambiental da pessoa e a consideração de sua posição, de sua qualidade concreta. É uma condição objetiva que corresponde aos fatos sociais de estima, opinião pública, etc. É um meio social de explicação da personalidade".18

E Manzini: Reputação é a opinião que os outros têm da honra ou do decoro de uma pessoa, tanto no sentido positivo como no negativo.19

No ordenamento jurídico-penal brasileiro, pela incriminação da injúria, tutela-se a honra subjetiva (dignidade e o decoro) e pela difamação protege-se a reputação.

Diz o artigo 140: "Injuriar alguém ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro". Explicou Magalhães Noronha que lexicologicamente dignidade e decoro são sinônimos, mas que, no dispositivo legal, apresentam nuanças. Dignidade é o juízo que a pessoa tem da própria honra ou honorabilidade e que é ofendida por expressões tais como: estelionatário pederasta etc.

Decoro é decência, respeitabilidade e consideração que merecemos e que é lesado, por exemplo, quando se diz: ignorante, estúpido. No caso de lesão ao decoro, para o autor, não há ofensa à honra, mas ao respeito pessoal.20

A distinção entre honra e dignidade (decoro) também é notada no Direito Penal italiano, em cujo artigo 594 há referência à honra e ao decoro.21 A honra diz respeito à qualidade moral e decoro refere-se a condições que concorrem para a formação do valor social do indivíduo.

Para Manzini o decoro apresenta-se sob dois aspectos: subjetivo representação interna daquilo que, por consenso, é conforme à própria dignidade; objetivo significa o estado individual exterior, resultante do respeito elementar que os homens costumam observar reciprocamente em torno da personalidade moral de cada um deles.22

De Cupis afirmou que não se deve esquecer que a honra compreende também o decoro. Este pode ser lesado tanto por atribuições de qualidade ou atos eticamente degradantes, quanto por manifestações depreciativas, como defeitos físicos, intelectuais, posição econômica ou social inferior. Neste caso, a ofensa diz respeito especificamente ao decoro da pessoa.23

Castro y Bravo, aclarando os conceitos, distinguiu a honra e reputação (o que ele denominou de Fama), salientando que, constantemente, esses dois elementos são confundidos:

"Semánticamente, el honor está referido directamente al trato dado o recibido por o de los demás (‘honorem habere’, ‘honorem tribuere’); la fama (rumor, voz pública, renombre) está relacionada con el eco que la persona produce en la opinión pública."

Ambos configuram o estado social da pessoa e representam valores relativos.24

3.Bem interno e externo

Conforme ficou assentado, a honra é um bem precioso da pessoa humana, equiparado à própria vida. Faz parte da essência moral da pessoa, ou seja, é um bem que esta traz em si mesma e não um bem externo, como a propriedade.

Contudo, se, pela própria natureza, o bem da honra, como outros bens, é imanente ao homem, mesmo assim existe um nexo que não pode ser excluído do mundo exterior, social, circunstancial.

Como a liberdade, a honra desenvolveu-se e desenvolve-se atada a circunstâncias do mundo exterior, tanto assim que o acréscimo da dignidade pessoal, além de depender do desenvolvimento dos bens morais, como educação e cultura, depende ainda de bens exteriores. Esses bens exteriores poderão desempenhar uma função conservadora e integradora do bem interior e, de outro lado, correlativamente, o bem interior, como a honra, poderá permitir ao indivíduo conseguir bens exteriores, revestidos de utilidade econômica. É uma projeção do bem moral no mundo material. Desta forma, a honra, arrimados na conceituação que formulamos, é um bem interno e externo. Um não é dissociado do outro.25

A honra torna possível a aquisição de outros bens providos de utilidade econômica.

4.Honra profissional

Os direitos da personalidade encontram-se fora do comércio, não sendo susceptíveis de uma avaliação econômica. Ninguém pode dispor de sua vida, nome, corpo, como também não poderá dispor da sua honra. Porém, a honra não deixa de ter reflexo no patrimônio. O campo onde se reflete de mais aguda forma é o das relações econômicas. Uma lesão à honra de um empresário, tido como honrado, poderá repercutir de modo tão grave que o levará, por certo, ao desastre econômico.

A honra profissional diz respeito a certas qualidades que não são gerais e sim especiais em relação ao exercício de determinadas profissões. Em cada profissão existe um conjunto de normas que obrigam a determinada conduta e, se esta conduta não for observada, por não-cumprimento do dever, pela omissão, pela comissão de fatos proibidos, que repercutem na reputação, configura-se conduta desonrosa. Se toda pessoa tem a sua própria honra, cada classe ou profissão poderá também ter a sua; o direito não só deve proteger o homem intuitu personae, mas igualmente o seu grupo social. Os homens ligam-se pela profissão e pelo trabalho, que os unem na incessante luta pela vida. Devemos considerar, neste campo, tanto as relações internas como as externas. No âmbito interno, o comportamento desonroso é analisado pelo próprio grupo social, que poderá excluir de seu seio o componente desonroso. E, no campo externo, a proteção da honra se dá por meio de normas jurídicas.

Protegendo qualidades específicas, destacamos a carreira militar. Aqui a honra atinge um elevado grau, no que diz respeito ao cumprimento do dever e ao destemor. Cognominar um vendedor ou um mendigo de covarde não o atinge com a mesma intensidade que atingirá um militar, que tem no cumprimento do dever e destemor as suas maiores virtudes.

Dessa forma, em diversas profissões como a do médico, a do juiz, do advogado, do empresário, existem determinadas qualidades fundamentais, sobre as quais se constrói a reputação profissional do indivíduo. Disse Santos Cifuentes que "por la mayor altura obtenida con el esfuerzo y el estudio, se hace más sensible el honor y debe ser más refinada la vara para medirlo".26 Exemplificou afirmando que dizer a um "joão-ninguém que este não tem conhecimento nem sentido ético não é o mesmo que dizê-lo a um Prêmio Nobel de Química".27

Tanto mais se amplia o campo de proteção à honra, ou seja, mais ela se eleva, quanto mais forem os méritos da pessoa reconhecidos pelo meio social, em premiação aos esforços por ela despendidos.

Além do título profissional, que distingue o indivíduo, como premiação de seu esforço, destaca-se, na sua vida profissional, a conduta ética.

Na atividade profissional ganha a ética especial destaque, impondo determinada linha de conduta, traçada ou pela lei, costumes, cultura, hábitos àquela classe de pessoas preparadas para o exercício de determinada atividade.

Ainda subsidiados em Santos Cifuentes, destacamos: qualquer imputação de inexecução daqueles deveres específicos, próprios da profissão, por intolerável, desmedida ou falsa, fere a honra profissional. O aludido autor citava, como exemplo de exigência legal de conduta específica, para determinada profissão, o notariado. Com efeito, a lei argentina (12.990) exige para esse cargo pessoa dotada de "conduta, antecedentes e moralidade inatacáveis". Ao exercer essa função, o notário tem, por lei, a obrigação de um exercício ético, levando em conta a importância social de sua atividade e, por isso, deve receber das demais pessoas o mais cuidadoso respeito.28

E isto se aplica às diversas profissões. Estende-se a toda ocupação orgânica ou social, em que as pessoas se agrupam, objetivando promover e defender os interesses de classe. Vejamos o caso do médico, que exerce uma das mais altas atividades sociais e que tem, em decorrência disto, um código de ética, não podendo se esquecer do conteúdo moral, que deve nortear suas atividades.

A tutela da honra profissional distingue-se daquela da vida privada. Assim, a jurisprudência francesa decidiu:

Tribunal da Grande Instância de Paris, em 20/abril/1977 – "Enviasage expressément l’atteint au crédit et à la reputation causée aux acteurs par l’insertion de scénes pornographiques dans le film.

– Le juge des référés considère que le savant leprince-Ringuet se plaignait, à juste titre, de ce que le journal ‘La Gueule Ouvert’ mettait en jeu sa compétence scientifique et sa probité intellectuelle" – 24/fevereiro/1975. (Decisão de 7/abril/1973, protegendo a reputação do médico).29

E concluia Roger Nerson que, nessas hipóteses, é a vida profissional que a jurisprudência protege e não a vida privada. "Dans toutes ces hypothèses, c’est la vie professionnelle que protège la jurisprudence et non la vie privée."30

Nas relações econômicas, a honra ganha especial relevo ao ser protegida em atos de concorrência desleal, assunto do qual falaremos à frente.

5.Honra do estado

Não abordaremos neste momento a antiga e clássica discussão levantada acerca das pessoas jurídicas como titulares de um direito à honra, de que cuidaremos em outro capítulo. Aqui não indagaremos se o Estado, como pessoa jurídica de direito público externo tem ou não um direito à honra, ou seja, um direito internacional à honra e o correspectivo dever de protegê-lo. A preocupação agora é com o exame conceitual da honra e, tendo esta aspectos múltiplos, está aqui mais um desses aspectos a merecer um breve estudo.

Polêmica à parte, o importante é reconhecer que o Estado, por ser uma realidade viva, possui sua própria honra. O seu direito consistiria em não se ver atingido por insultos e ultrajes, quer na pessoa de seus funcionários, representantes legais, quer nas suas instituições, emblemas e signos distintivos.31 Embora os emblemas e signos distintivos não se enquadrem na definição por nós acolhida, fazem parte, ao lado da honra, da integridade moral, como espécies de identidade pessoal.

O bem da honra ensejaria a cada Estado o direito de exigir que os demais Estados, no plano internacional, inibissem manifestações de críticas ou chacotas sobre entes políticos, órgãos, instituições, emblemas, oriundas de seus servidores, bem como o dever de tutelar esses bens no âmbito do direito internacional.32

A doutrina em favor da existência de um direito à honra em nível internacional ainda não é precisa. Contra esta acolhida alegaram alguns que, em casos mais comumente ocorridos, como protestos e injúrias à bandeira ou órgão, não se verifica um direito internacional à honra e o dever do Estado, onde ocorreu a injúria, de protegê-los. Outros autores compreenderam o direito à honra do Estado em outro sentido, isto é, como direito de receber tratamento honorífico em relação aos funcionários, às autoridades representativas e aos emblemas. Cingir-se-ia, neste caso, o direito de designação oficial ao chefe do Estado (rei, presidente, imperador etc.,), de majestade, excelência, alteza etc., bem como a distinção a funcionários em missão num determinado país, com manifestações de honra e inclusão de suas pessoas nos cerimoniais.33

Não esposamos esta opinião. Os tratamentos mencionados referem-se a normas de cerimoniais e não jurídicas, de um dever de lisura, que demonstra o grau de noblesse dos representantes de cada Estado.

Entendemos que existe um direito internacional à honra, quando houver insultos e ultrajes, seja às suas instituições, aos servidores representativos de órgãos, ao próprio Estado como pessoa jurídica e ao representante legítimo deste, nesta qualidade. Na doutrina clássica, temos como atributos do conceito de Estado o território, a população, o poder, fins, ao que acrescemos, como elementos não formais, valores espirituais, históricos, passados e presentes, pelos quais o povo se identifica. Enfim, sua história vivencial e identificadora, suas lutas e suas glórias.

Dando destaque ao inquestionável patrimônio espiritual, que o Estado possui e, reconhecendo que esta integridade se dá por meio de manifestações simbólicas, Jiménez Asenjo disse que a honra do Estado é também a de todos os filhos ou indivíduos que o integram e

"(...) es, en fin, la reputación pública que goza en el concierto internacional humano, y se integra de sus glorias y fracasos padecidos en el pasado, de su reputación en el presente y su consideración para el futuro".34

Entretanto, não podemos aprisionar-nos tão-só ao conceito internacional. O direito à honra igualmente existe, tal como na formulação exposta, para os entes políticos que compõem a federação, pessoas jurídicas de direito público interno: União, Estados, Municípios, Distrito Federal. Correu no STF ação de indenização por danos morais – honra – (Pet. n. 1821-4, de 19.10.1999), movida pelo Estado de Minas Gerais contra a União Federal, Banco Central do Brasil, Fernando Henrique Cardoso e Armínio Fraga Neto. Prendia-se o pedido ao fato de pronunciamento ofensivo feito pelo presidente do Banco Central, em entrevista junto ao Conselho das Américas, em 01.10.1999, nos Estados Unidos, no qual desaconselhava investidor estrangeiro a aplicar recursos financeiros em Minas Gerais, o que foi amplamente divulgado pela imprensa . Com as mudanças do governo do Estado e do presidente da República, as partes acordaram pôr fim ao litígio, com extinção do processo nos termos do artigo 269, III e v, cpc, homologação publicada no dj. de 25.03.2004.

Vimos que poderá ocorrer ofensa à honra do estado, por meio de insultos às suas instituições, como ao representante legítimo daquele, nessa qualidade. o episódio ocorrido em 9 de maio de 2004 demonstra quão difícil se torna, na prática, deslindar se a ofensa é apenas pessoal ou se envolve a representação.

Certo correspondente do " the new york times", residente no brasil, assinou matéria, publicada naquele periódico, inteiramente voltada para o hábito de beber do presidente do Brasil, Luis Inácio Lula da Silva, ("ato de bebericar do líder brasileiro se torna uma preocupação nacional").

Segundo o jornalista., o fato gerava, por parte de alguns políticos e jornalistas, dúvidas a saber se tal atitude afetaria sua capacidade de governar o país, ou, em outros termos, lançava suspeitas sobre a dependência alcóolica. A indignação contra a matéria e, sem dúvida, seu conteúdo foi injurioso e difamatório, levou o presidente a cancelar o visto de permanência do jornalista no Brasil, nos termos do art. 26, da lei n. 6.815, de 1980.

O fato gerou polêmica, tendo declarado o "new york times" que não iria retratar-se; também manifestou-se o Superior Tribunal de Justiça, em liminar, concedendo salvo-conduto ao jornalista para sua permanência no país, até julgamento do mérito do pedido de ‘" habeas corpus" que apresentou. Houve grande repercussão, principalmente no meio jornalístico, entendendo-se que o princípio da liberdade de expressão estaria sendo postergado. Com a retratação formal do jornalista, o presidente revogou o cancelamento do visto de permanência.

No caso, houve uma ofensa pessoal, injuriosa e prejudicial ao presidente; não se tratava de ofensa às instituições brasileiras nem à própria nação, e entendemos, embora a linha limítrofe seja tênue, não se configurar ofensa ao representante do país, nessa qualidade. Tudo dependerá da espécie do ato ofensivo; se alguém diz que o presidente é pessoa de vida sexual desmedida ou "gosta de um gole" ou é viciado em determinado jogo de azar ou é frequentador de noitadas que varam a madrugada ou não é muito inteligente, etc, tais ofensas apenas atingem o seu campo pessoal. mas, se se afirma que o presidente brasileiro manipula dados sobre situação financeira do país, quando de suas tratativas nternacionais, sendo que essas devem assentar-se em dados claros; quando, em cerimônias oficiais, seus discursos são acolhidos como pilhérias; quando se diz que a pessoa do presidente ou sua conduta é tão inconsequente ou irresponsável quanto o próprio Brasil frente à ordem internacional; que seu chanceler é pessoa inidônea para ocupar assento na ONU, sem apresentar razões plausíveis, a ofensa recai sobre a prória presidência da república ou nação.

O episódio, amplamente divulgado pelos meios de comunicação, não se caracterizava por invasão da esfera da vida privada, mas de conclusão abusiva e inconsequente, baseada no comportamento social, especialmente em dias festivos, quando se sabe haver comemoração com bebida alcoólica. É certo que a vida pública e até mesmo a vida privada de uma personalidade de destaque gera certa curiosidade no público, mas a imprensa responsável, cumpridora de seu papel de informar e formadora de opinião, deve cercar-se de posturas éticas e, no caso, nem havia conteúdo curioso. A grande crítica ao episódio centrou-se na reação presidencial ao ato, considerada por muitos como excessiva, mas ela bem demonstra o quanto fere atingir a honra de alguém.

6. Honorificência

Distinto da honra, mas, muitas vezes, com esta confundido, situa-se o direito à honorificência. Em sentido lato, compreende qualquer sinal distintivo conferido a determinada pessoa, elevando-lhe a reputação. É o reconhecimento público de títulos (acadêmico, profissional ou de nobreza), comendas, medalhas de valores civis e militares, prêmios culturais, esportivos etc.

Em sentido restrito, diz respeito às insígnias de uma "ordem honorífica" ou "ordem de cavalaria" (associação cavaleiresca que dava direito aos associados de usar o título de cavaleiro). Fruto da sociedade feudal, a honorificência cavaleiresca foi, por séculos, a forma instituída para premiação do indivíduo, fosse pelo mérito, devoção ao soberano, de defesa do cristianismo etc.

Na Itália, a partir do período republicano, a carta constitucional previu que o chefe de Estado não poderia criar mais ordens cavaleirescas, dando-lhe o poder de conferir título da Ordem do Mérito da República Italiana, sendo o poder normativo dessa ordem reservado ao Parlamento. Esta honorificência não constitui um direito de natureza vitalícia, pois, uma vez que a mesma tem por objetivo reconhecer o mérito de determinada pessoa, e constitui uma qualidade de honra ao agraciado, ela é incompatível com o indigno, que a terá revogada, por atos reprováveis à ordem.35

No Brasil, existiram várias ordens honoríficas, tanto no reinado como no império. Com o advento da República, Decreto n. 277-F, de 22.03.1890, foram abolidos todos os títulos e foros de nobreza e ordens honoríficas, que não se compactuam com um regime político, em que não existem privilégios de nascimento. Quarenta anos depois foram restabelecidas as ordens honoríficas,36 existindo, atualmente, inúmeras ordens, que distribuem medalhas indiscriminadamente aos agraciados, com um objetivo, por vezes, inteiramente politiqueiro.

Santoro Passarelli afirmou que estas distinções (condecorações) têm a função não de individualizar a pessoa, mas, sim, de honrá-la; por isso não lhe é concedido um direito à cessação do fato consistente na usurpação das ditas distinções, como ocorre na usurpação do nome. Ser-lhe-á concedido não mais que um direito à cessação do fato consistente no desconhecimento da dignidade, do grau acadêmico e das condecorações.

Quanto aos títulos nobiliárquicos, por serem exclusivos, tanto haverá um direito à cessação do desconhecimento, quanto à cessação da usurpação. Como não são mais criados, atualmente, no direito espanhol, os mencionados títulos, e apenas são reconhecidos os predicados dos existentes antes de 29.10.1922, conforme previsto na Constituição, eles são considerados como parte do nome.37

Na observação de Santoro Passarelli, já vista, a concessão dessas distinções objetiva honrar a pessoa e não individualizá-la. É nesta visão que se entrelaçam o direito à honra e à honorificência. Esmiuçá-los e delimitá-los é ponto que requer minucioso estudo pragmático, tais as sutilezas e meandros em que os aludidos direitos se tangenciam. Esta dificuldade, entretanto, não serve de escusa para se fugir à distinção de ambos. Destaque-se que a honorificência é um direito que encerra um plus; não é inato, vitalício, nem pertence a todas as pessoas, mas pode elevar o sentimento de honradez e a consideração social do agraciado.

A honorificência não significa direito à honra, não é espécie deste e, segundo entendemos, não chega à categoria de direito subjetivo personalíssimo com aqueles caracteres do direito à honra. O entrelaçamento delas ocorre quando da ofensa à honra, por meio das condecorações ou distinções, isto é, pelo não reconhecimento público de valores honoríficos, indiretamente é atingida a honra do indivíduo; há diminuição da consideração social pelo não-reconhecimento daqueles valores, que serviram de alvo da lesão. Para melhor compreensão do que está sendo formulado, lançamos mão da doutrina de Santos Cifuentes:

"Todo derecho personalísimo puede verse vulnerado sirviendo de medio otro derecho personalísimo, ya sea que cuadre en la integridad física, en la integridad espiritual o en la libertad; o sirviendo de medio cualquier derecho no personalísimo y aun ni siquiera con calidad extrapatrimonial."38

Referindo-se aos títulos honoríficos existentes no Brasil, observou Limongi França que não têm valor jurídico; "respeitam a uma instituição de Direito Público, mas, em certas circunstâncias, conferem ao titular um direito subjetivo, advindo de sua assimilação ao nome". E complementava que, neste último caso, são cabíveis as mesmas ações de defesa ao direito do nome, desde que se prove interesse econômico ou moral.39

Os títulos honoríficos foram colocados pelo autor na categoria do direito à identidade pessoal, razão pela qual considera sua proteção junto ao nome civil, como em geral a maioria dos autores. Esses títulos compartilham também da natureza do direito à honorificência.

7. Honra familiar – memória do morto

A família distingue-se tanto pelas pessoas que a compõem quanto pelo patrimônio econômico, que lhe dá suporte. Constitui um núcleo formado de pessoas ligadas pelo sangue e pelo afeto, inserido no complexo organismo social e é o primeiro agrupamento do qual o homem faz parte. Este grupo, reconhecemos, dotado de honra própria. Os membros de uma família são regidos por normas imperativas de conduta, traçadas por ela, e que dizem respeito ao comportamento pessoal, tradição, princípios e fins.

A importância da família é notória e tempos houve em que ela constituiu o núcleo essencial da vida. Havia os cognominados Tribunais Familiares, que extirpavam do seu seio os desonrosos. O pai de família lavava esta honra com o sangue. Atualmente esses tribunais caíram em desuso, mas, nem por isso, aquelas pessoas deixam de sofrer a reprovação moral dos demais membros do núcleo familiar.

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De modo geral, as legislações não contemplam normas específicas de tutela da honra familiar, o que não quer significar que a família deva ficar sem proteção, uma vez que o seu bom nome e o prestígio moral não podem ser tripudiados por terceiros.

A existência de uma honra familiar é, porém, rebatida por ilustres juristas, que a aceitam como sendo dos parentes sobrevivos, individualmente. Rechaçou esta idéia Darcy A. Miranda, para quem a "memória do morto pertence à sua família e o bem tutelado é a honra familiar, guardiã da memória do falecido".

"Ora, tanto os membros da comunidade familiar como os parentes sobrevivos fazem parte do mesmo núcleo unitário da família. A ofensa dirigida à memória do morto atinge o conjunto familiar e, não, cada membro de per si. Não há confundir-se aqui o direito de ação, que se refere a cada membro da família atingida, com o sujeito passivo da ofensa. A família, no seu conjunto, tem uma honra distinta da que é própria de cada indivíduo que a compõe."40

Este autor apontava os inconvenientes da não-aceitação da tese da existência de uma honra familiar:

a)a ação caberia a cada qual dos herdeiros ut singuli e a defesa de um daqueles membros não alcançaria os demais, nem a própria família. E nenhum deles poderia falar pelos demais, sem ser devidamente autorizado por instrumento de mandato;

b)existe muita subjetividade na interpretação do fato lesivo e pode ocorrer que para certos membros não tenha acontecido a ofensa, embora isto não signifique que ela não exista;

c)não ocorre a lesão de um direito social, como pretendia Florian, para quem a finalidade deste direito seria a proteção da memória do de cujus e todos os membros estariam tutelados, até mesmo o morto que não tivesse família.41 Entendeu Darcy A. Miranda que, neste caso, haveria confusão entre o patrimônio moral e material da herança. A honra do morto nada tem a ver com sua herança, como também é frágil sustentar, como o fez Florian, que a memória ofendida seja patrimônio público, de interesse público a sua defesa.42

A dificuldade maior em não se conferir ao núcleo familiar uma honra própria situa-se no fato de este não constituir uma entidade jurídica, diferente dos membros que a compõem, embora houvesse teorizadores em consagrá-lo em um nível de evolução que mereça ser dotado de personalidade jurídica, como Savatier e os Mazeaud. De acordo com estes últimos, a violação de certos direitos deveria dar nascimento a uma só ação, impetrada pelo representante da família e não ações intentadas individualmente pelos membros da família, para outros direitos, além do direito ao nome, como para o direito à honra e outros.43

Jean Dabin, contestador da tese de Savatier, levantava uma série de indagações sobre a possibilidade de vir a ser a família uma pessoa para o direito e acusava de superficial, imprecisa e equívoca a tese que a sustenta. Indagava a que realidade corresponderia se o grupo não implica em nada mais que as pessoas físicas que o compõem, não tendo existência distinta da de seus membros. Acrescia que, para que a determinado agrupamento seja conferida uma personalidade jurídica,

"Es necesario que el vínculo constitutivo de la colectividad no sea un nexo cualquiera que entrañe comunidad y solidariedad; sino un vínculo de asociación en el sentido propio del termo".44

Savatier contra-argumentou indagando:

"La conservación de la especie humana no es para la família, como para el propio Estado, un fin común, digno de servir de suporte a una personalidad civil?"45

Mas o debate não se encerrou aí e outros argumentos foram contrapostos à tese da família como pessoa jurídica. O fim comum a todos os componentes e a existência, distinta da existência de seus membros, têm sido a grande dificuldade desse reconhecimento. É bem verdade que, se dotada de personalidade jurídica, mais fácil seria o reconhecimento da existência de um direito à honra familiar.

Sabemos da grande importância que os grupos familiares tiveram no desenrolar dos séculos, seja social, política, religiosa e até econômica. As atividades econômicas, inicialmente, desenvolviam-se em torno de uma família e só nos tempos modernos houve a substituição desta pelas sociedades. Durante séculos foi a família a fonte geradora da economia. Em alguns países, como no Japão, o culto aos antepassados, até nos tempos atuais, é algo, senão sagrado, pelo menos de grande respeitabilidade. Existem, no grupo familiar, valores morais que são preservados e transmitidos de geração a geração. Entretanto, esta unidade social não releva para o plano jurídico a matéria, a ponto de transformar a família em pessoa jurídica.

Este fato, todavia, não impede o reconhecimento da existência de uma honra familiar e aqui aderimos ao pensamento de Antolisei e Rocco. Aquele sustentou que a família não tem uma personalidade jurídica, mas nela não se pode desconhecer uma individualidade autônoma.46 Para Rocco, a família é sujeito de interesses jurídicos, distinto, a respeito de terceiros, de cada uma das pessoas que a compõem.47

O direito à reparação do dano será exercido por qualquer de seus membros em nome dos demais componentes. Quanto a esses componentes, doutrina, jurisprudência e leis não estão uniformes. Segundo os Mazeaud, com base na definição de que família "es la coletividad formada por las personas que, a causa de sus vínculos de parentesco consangüíneo y de su calidad de cónyuges, están sujetas a la misma autoridad: la del cabeza de familia", resulta que a família estritamente considerada é a composta por: marido, mulher, filhos menores.48

Outros autores extravasaram o âmbito da consangüinidade para consentir no direito de pedir reparação por ofensas morais até aos amigos do lesado, mas a doutrina francesa fixou-se no ponto de vista de que o direito não poderia exorbitar dos laços familiares e a jurisprudência conferia a iniciativa às pessoas ligadas pelos laços de sangue, embora não aclarasse quais seriam esses parentes.49

Wilson Melo, após análise de posições doutrinárias, jurisprudencial e legislativa sobre a quem pertenceria o direito de ação, além da própria vítima, argumentou que existe uma presunção do dano em favor de todos os membros de uma família, asseverando que esta presunção teria bases psicológicas e racionais. Aceitou como melhor elenco dos elementos integrantes do grupo familiar os genitores, cônjuge, filhos e irmãos da vítima. Em favor desses militaria uma presunção juris tantum, susceptível de prova em contrário. As demais pessoas, parentes, amigos, concubina (laços afetivos) não estariam impedidas de intentar a ação, desde que comprovassem o dano moral sofrido.50

Evidentemente que concordamos com o mestre quando este encerra que "todos os que sofreram efetivamente o dano têm direito à reparação".51 Porém, neste local estamos examinando a questão afeta à honra familiar e, neste caso, como se trata de defesa do núcleo familiar, entendemos que o direito de agir pertenceria a ascendentes, descendentes, cônjuge, companheiro e colaterais próximos. Desta forma, estaríamos com a concepção de família, nos moldes reconhecidos pela Carta da República, que tanto pode constituir-se pelo casamento, pela união estável, pela comunidade formada por qualquer dos pais (monoparental) e pela adoção.

Se reina discussão acerca dos sujeitos desse direito, quanto ao objeto entendemos improcedente qualquer idéia que negue a existência de uma honra familiar. O próprio Fuero de los Españoles (Lei 17.07.1945) em seu artigo 4.o garante o direito ao respeito da honra pessoal e familiar.

Com tudo que foi aqui abordado corroborou, a favor de uma honra familiar, a disposição contida no artigo 76, parágrafo único, do Código Civil brasileiro de 1916, que admitia, expressamente, o direito de agir em se tratando de interesse moral, Dispositivo não reproduzido no atual código por ser matéria de cunho processual.

Art. 76. Para se propor, ou contestar uma ação, é necessário ter legítimo interesse econômico, ou moral.

Parágrafo único. O interesse moral só autoriza a ação quando toque diretamente ao autor, ou à sua família.

Se falta à família personalidade jurídica, que lhe permita postular em favor de seus interesses, entendemos que à mesma poderia ser reconhecida capacidade processual, a exemplo do que ocorre com a massa falida, herança jacente ou vacante e espólio (art. 12 do Código de Processo Civil brasileiro).

Quanto à ofensa à memória do morto, que remonta às fontes romanas, doutrina e jurisprudência aceitam-na em respeito à sua memória, na qual se armazenam suas qualidades em vida, que devem ser preservadas frente a todos os cidadãos. O insulto ao morto atinge indiretamente sua família. Inserem-se nesse contexto as famosas "biografias não autorizadas".

O Código Civil brasileiro de 2002 protege a honra do morto, conferindo legitimidade ativa para requerer medidas preventivas tuteladoras ao cônjuge sobrevivente, qualquer parente em linha reta ou colateral até o quarto grau (art. 12, § único e art. 20, § único). Para o caso de indenização, há de ser observado se houve transmissão do direito, por se ter transformado em patrimônio econômico, enquanto em vida o autor da herança (cf. cap. III, n. 8.7).

8. Honra do incapaz

Pelo fato de o indivíduo não estar dotado de capacidade plena para o exercício de seus direitos não ficará à margem da proteção da honra. Castán Tobeñas reforçava este princípio:

"A toda persona corresponde un mínimun de respetabilidad y honorabilidad que debe ser protegido por el ordenamiento jurídico. Nadie – indica el profesor Alfredo Orgaz – está a priori excluído de esta tutela, ní siquiera las personas desonestas o de mala reputación (...)" 52

E Santos Cifuentes: "Honor tiene el nasciturus, el menor impúber y el adulto, el loco e hasta el delincuente y la ramera".53

Grande parte da doutrina parece não ter dúvidas quanto ao reconhecimento deste direito ao incapaz, seja menor ou maior, porque a capacidade não é pré-requisito para a afirmação do direito à honra e sim à personalidade.

Enrique Jiménez Asenjo, embora restrito à esfera penal, confirmava expressamente este reconhecimento, sobrelevando o aspecto da potencialidade objetiva da ofensa.

"La justificación de su punibilidad no reside en la capacidad que se posea para conocer el sentido ofensivo de la acción, o la expresión de deshonra, sino en la potencialidad objetiva que esta posea para verificarlo, y sobre todo en el ánimo del autor, que es lo que en último término se castiga."54

Isto quer dizer que, se a aferição da ocorrência da lesão tivesse por suporte o grau de compreensão da vítima, reinaria grande injustiça e ficariam desamparados todos aqueles (menores, débeis mentais, loucos, ingênuos etc.), os que mais necessitam de amparo legal, em benefício de pessoas inescrupulosas e maldosas, que lograriam sair imunes das ofensas praticadas.

O argentino Carlos Horácio Salas acompanhou as opiniões de Fontan Balestra, Soler, Ramos y Molinario no sentido do reconhecimento a "los menores y aminorados" este direito: "Ya que a la ley no le interesa el propio grado de captación a un insulto, sino sólo la posibilidad de un desmerecimiento a la fama". Exemplificou que se alguém diz que uma menor de 10 anos é degenerada, está ofendendo sua honra.55

E Santos Cifuentes afirmava não ver possibilidade de negar o princípio de que se tenha corpo, liberdade e honra, desde que se é sujeito para o ordenamento jurídico, e a partir daí se goza dos direitos subjetivos correspondentes.56

Há mesmo quem não negue, pelo menos em tese, o direito à honra ao nascituro, embora seja difícil a este a exteriorização de suas faculdades. Partindo-se do princípio de que a honra é um bem assegurado, tal como a vida, a todas as pessoas, entende-se não haver razão para dele ser excluído o nascituro. Asseverava santos cifuentes que, em relação a este direito "es tal la situación de claustro del nasciturus que parece inconcebible la ofensa, pero, sin embargo, no por eso está menos protegido". Indagava se não ocorreria lesão à honra na hipótese de referir-se ao nascituro como ilegítimo, mesmo que essa ofensa ocorra confundida com a ofensa à progenitora daquele.57

Entendemos, relativamente ao nascituro, que não se possa afirmar ou reconhecer este como portador de um direito à honra. As legislações, regra geral, põem a salvo os direitos daquele. Entretanto, o referido direito à honra caracteriza-se como direito inato e personalíssimo, ou seja, é adquirido pelo próprio fato do nascimento, obviamente, pela aquisição da personalidade. Os direitos resguardados ao nascituro, a expressão bem o diz, não são reconhecidos a partir da concepção, mas, sim, subordinados ao nascimento com vida, momento a partir do qual o ser adquire personalidade. Portanto, o nascituro, enquanto tal, não é sujeito juridicamente de direito algum, mas de expectativas de direito ou direito em potencial. Há posições controvertidas em sede doutrinária e também jurisprudencial, sobre a determinação da natureza jurídica do nascituro. Em bem elaborado estudo, Tânia da Silva Pereira, subsidiada em Silmara J.A.C. Almeida, informa que as diversas correntes doutrinárias podem resumir-se em: 1. teoria natalista (início da personalidade a partir do nascimento com vida – artigo 4.o Código Civil brasileiro revogado e art. 2º do atual, não tendo o novo estatuto alterado a teoria adotada); 2. teoria verdadeira concepcionista (início da personalidade a partir da concepção – Argentina, Aústria, México, Paraguai); 3. teoria da personalidade condicional ou concepcionista (início da personalidade com a concepção, sob a condição do nascimento com vida). Argumenta a autora que o Código Civil brasileiro, em seu artigo 4.o, para a maioria dos autores adotou a teoria natalista, entretanto afirma ser o artigo contraditório e obscuro pois, ao mesmo tempo em que afirma a existência da personalidade a partir do nascimento com vida, reconhece direitos e estados ao nascituro. Entende que uma interpretação lógico-sistemática prevalecerá sobre aquela obscuridade, revelando que, no direito brasileiro, prevalece a teoria concepcionista58, ou seja, o nascituro tem personalidade desde a concepção.

Reconhecer o incapaz como portador do direito à honra não é uma tese pacífica, e os opositores desta doutrina alegam que os incapazes não se encontram em grau de entendimento capaz de sentir a ofensa nem de sofrerem diminuição da honra. Felizmente esta corrente é minoritária, já que é argumento convincente o fato de que a pessoa fica susceptível e exposta ao perigo que a ofensa, por si, encerra. A sua capacidade de entendimento ou avaliação do evento danoso não é elemento imprescindível para a configuração do ilícito. A atual Constituição brasileira confirma a existência dessa honra ao declarar textualmente que "é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente o direito (...) à dignidade, ao respeito..." (art. 227), o que foi reforçado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/1990) em seus artigos 15 a 18.

Entretanto, essa postura não foi unânime; conforme observou Antonio Forchino, nas pegadas de Antolisei, é necessário que o fato lesivo seja concretamente idôneo para atingir o incapaz:

"(...) se ad un infante se atribuisse un fatto disonorevole pertinente ad un’attività che egli non è ancora in grado di esplicare, non si avrà offesa punible non perchè l’infante non sia in astratto soggetto offendibile, ma perchè in concreto l’azione non è idonea ad offenderlo."59

Resta examinar se o autor do ilícito poderá ser um menor.

Em face do direito positivo penal brasileiro o incapaz (compreendendo-se o menor de dezoito anos, alienados etc.) é inimputável. Porém, diante do direito civil, se a sua ação resultar em dano, este dano não ficará sem reparação, uma vez que as jurisdições são independentes. O artigo 932 do Código Civil brasileiro prevê esta responsabilidade aos pais do menor.

"São também responsáveis pela reparação civil:

I – os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;

II – o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições."

O artigo 1.523 do código civil de 1916, ao contrário do atual que não mais exige culpa dos pais, tutores, etc, art. 933 e 934, restringia esta responsabilidade aos casos de culpa ou negligência por parte dos responsáveis. O antigo Código de Menores (Decreto 17.943-A, de 12.10.1927) reafirmou, como lei especial, o princípio da responsabilidade paterna, do tutor, curador, contido no artigo 1.521 do Código Civil, cuja presunção de culpa in vigilando deles se extraia.. O artigo 68, § 4.o, daquele Código de Menores era expresso quanto a estas responsabilidades e culpa:

"São responsáveis pela reparação civil do dano causado pelo menor, os pais ou a pessoa a quem incumba legalmente a sua vigilância, salvo se provarem que não houve da sua parte culpa ou negligência."

O Código de Menores anterior (Lei n. 6.697, de 10.10.1979) reconhecia, em seu artigo segundo, parágrafo único, como responsável

"Aquele que, não sendo pai ou mãe, exerce, a qualquer título, vigilância, direção ou educação de menor, ou voluntariamente o traz em seu poder ou companhia, independentemente de ato judicial".

Semelhante orientação está contida na legislação italiana: os artigos 2.047 e 2.048 do Código Civil atual tratam da responsabilidade dos genitores, tutores, mestres por danos ocasionados pelos incapazes, salvo se provarem não poderem ter evitado o dano. São, portanto, dois fatos distintos: o produzido pelo incapaz e a omissão do responsável legal. Esta é a realidade sobre a qual se baseia a norma legislativa, segundo observação de De Cupis, extraída da lição de Rodotà. Realidade esta que não pode ser desconhecida, imputando-se diretamente o fato danoso ocasionado pelo menor à pessoa individualizada pela sua qualidade de pai, tutor, curador etc., porque apenas esta qualidade não é critério suficiente de responsabilidade.60

Alertou o mestre de Perugia que as pessoas acima mencionadas respondem pelo "fato próprio, do dano indiretamente causado do fato próprio", visto que, se aqueles responsáveis não se comportam de modo a evitar que o incapaz ocasione o dano, colocam em si a causa da causa do dano.61

Entretanto o Código Civil italiano não para aí e estende esta responsabilidade ao próprio incapaz (art. 2.047), quando o prejudicado não tenha conseguido obter a reparação do responsável pelo incapaz, o que fica a cargo do juiz, considerando-se a situação econômica das partes. Neste caso, a responsabilidade não é culposa, embora o dano se qualifique como antijurídico, porque não se fala em culpa, quando o agente é incapaz de entender. No direito brasileiro, o atual Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/1990) estabelece a própria responsabilidade do menor, em se tratando de ato infracional com reflexos patrimoniais, caso em que a autoridade poderá determinar que se promova o ressarcimento do dano, ou, por outra forma, compense o prejuízo da vítima e esta medida poderá ser substituída por outra adequada (art. 116).

Aguiar Dias, embora não considerasse justa a tese da irresponsabilidade do incapaz, após exame do pensamento de Savatier, que negava a influência da capacidade civil sobre a responsabilidade, com base no pensamento deste, concluiu:

"De qualquer forma, seja o menor imputável ou não, o ato ilícito que tenha praticado acarreta ou a responsabilidade substitutiva ou a responsabilidade coexistente de outra pessoa, aquela a quem incumbia sua guarda."62

A jurisprudência brasileira seguiu a orientação do Código Civil anterior. Em acórdão de 13 de setembro de 1935, a Segunda Câmara do Tribunal de Justiça de São Paulo, por maioria de votos, não reconheceu a responsabilidade civil do pai do menor, em matéria de defloramento, por ausência de prova quanto à sua culpa e confirmou a decisão de primeiro grau. Entre as razões do acórdão estava consignado:

"G – E não houve culpa ou negligência do pai no defloramento da autora praticado por seu filho menor e assim não deve ser pronunciada a sua responsabilidade pela reparação civil. Basta dizer que o defloramento ocorreu na cidade de Jaboticabal, distante daquela em que morava o pai com sua família. Residindo em Ibitirama e aí se achando na ocasião do defloramento praticado pelo filho na cidade de Jaboticabal, como é possível imputar culpa ao pai no crime cometido pelo filho? Não é justo. Não se pode afirmar que ele, pai, não tenha empregado a diligência necessária nem tomado precauções para que o dano não se desse. E assim, a sentença, nesse ponto, foi justa e jurídica, não reconhecendo a responsabilidade do pai pela reparação civil." 63

Décadas antes, em 12.03.1971, na Apelação Cível n. 194.505, da Comarca de Bebedouro, a Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo, por votação unânime, condenou o pai do menor a responder civilmente, impondo-lhe a reparação do dano, mediante dote, baseando-se na seguinte razão:

"O ofensor menor estava sob o poder do pai, vivendo em sua companhia (CC art. 1.521, I). Tocava ao primeiro, portanto, demonstrar a inexistência de negligência, de culpa de sua parte, mas não o fez, tornando-se inconteste sua responsabilidade."64 (Atual art .932 do Código de 2002).

No mesmo sentido foi o acórdão da Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo, na Apelação n. 205.561, da cidade de Ourinhos, em 25.05.1972, em votação unânime.65

Um pouco depois, aos 26.02.1976, o mesmo Tribunal, por intermédio de sua Sexta Câmara Cível, também em votação unânime, confirmava esta responsabilidade do pai, cuja elisão competiria ao mesmo.

"E, consoante jurisprudência de nossos tribunais, provado o ato ilícito do menor, a culpa in vigilando emerge automaticamente, cumprindo ao pai ilidir essa responsabilidade solidária por qualquer recusa legalmente admitida. Na ausência de causa de exoneração prevalece a presunção decorrente da lei (CC, art. 1.521, I)."66

Aguiar Dias, expondo as várias opiniões e evolução doutrinária na consideração da responsabilidade civil do incapaz, descreveu que, no princípio, não havia esta responsabilidade e a doutrina assentava-se no pressuposto da ausência de discernimento daquele. Num segundo momento, reconheceu-se aquela responsabilidade, principalmente pela ajuda da jurisprudência, quando a ausência de discernimento provinha de hábitos viciosos ou de culpa inicial a cargo do agente. Posteriormente, passou-se a responsabilizar a pessoa encarregada da guarda do incapaz e, por fim, tomou corpo na doutrina e jurisprudência a idéia de reconhecer-se a responsabilidade do próprio incapaz. O notável autor discordava da posição adotada pelo nosso Código Civil de 1916:

"De forma que, se for possível a prova de que não houve negligência relativamente a esse dever, ficará a vítima, ainda que lesada por amental de fortuna, privada da reparação civil, solução que nos parece injusta e de todo contrária aos princípios que temos como norteadores da responsabilidade civil."67   

A evolução por que passou doutrina, jurisprudência e leis, mostra-nos a tendência em considerar-se que, entre os dois patrimônios (agente do dano e do lesado) não deverá sofrer as conseqüências danosas o daquele que não acarretou o ilícito, apenando-se o incapaz, distanciando-se em muito da arcaica orientação romana, para a qual o ato deste equiparava-se ao caso fortuito, completamente isento de reparação.

Apesar dessa tendência, que ainda se apresenta acanhada, muitas são as legislações que penalizam a pessoa, em cuja guarda se encontra o incapaz, conforme podemos constatar. As leis mais recentes estendem-se ao próprio incapaz:

– Código Civil da Colômbia (26.05.1873):

Art. 2.346. Los menores de diez años y los dementes no son capaces de cometer delito o culpa; pero de los daños por ellos causados serán responsables las personas a cuyo cargo estén dichos menores o dementes, si a tales personas pudiere imputarseles negligencia (1.738, 63, 1.999).

– BGB (responsabilidade do obrigado à vigilância):

§ 832. Quem, por força de lei, estiver obrigado a exercer vigilância sobre uma pessoa que, por menoridade ou por um estado mental ou corporal, necessita de vigilância, estará obrigado à indenização do dano que esta pessoa causar antijuridicamente a um terceiro. A obrigação de indenização não tem lugar quando for satisfatória a sua obrigação de vigilância ou quando (no caso de não ser satisfatória) o dano, mesmo com o devido exercício de vigilância, se havia de produzir.

– Código Civil do Peru (Dec. Leg. n. 295, de 24.07.1984):

Admite a responsabilidade subsidiária do incapaz.

Art. 1.976. No hay responsabilidad por el daño causado por persona incapaz que haya actuado sin discernimento, en cuyo caso responde su representante legal.

Art. 1.977. Si la víctima no ha podido obtener reparación en el supuesto anterior, puede el juez, en vista de la situación económica de las partes, considerar una indenización equitativa a cargo del autor directo.

– O Código Civil Suíço (Livro cinco):

Capítulo II, art. 54, permite ao juiz condenar à reparação do ilícito o incapaz:

1. "Si l’equité l’exige, le juge peut condanner une personne même incapable de discernement à la réparation totale ou partielle du domage qu’elle a causé."

– O Código Civil brasileiro (art. 928):

Art. 928. O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes.

Parágrafo único. A indenização prevista neste artigo, que deverá ser equitativa, não terá lugar se ela privar do necessário o incapaz, ou as pessoas que dele dependem.

9. Vida privada e vida pública

Este é, sem dúvida, um assunto complexo. Demarcar os limites da vida privada e vida pública é tarefa penosa, mas estabelecer alguns critérios para isto é imprescindível para a visualização e enquadramento da honra nestes campos. Autores indagavam se o direito à vida privada englobaria o direito à honra:

"Il faut observer néanmoim qu’il existe une controverse, à notre sens plutôt t’héorique, sur le point de savoir si le droit au respect de la vie privée englobe ou non le droit, pour l’individu, d’être protégé contre les atteintes à son honneur ou à sa réputation."68

Informou Jaques Velu que o Congresso dos Juristas Nórdicos, em reunião de maio de 1967, concluiu que o direito ao respeito da vida privada implica o direito do indivíduo de ver-se protegido contra os atentados à sua honra ou reputação.69

A preocupação daqueles juristas deveu-se ao fato de que a Convenção Européia não protegeu expressamente o direito à honra e tal omissão não significaria que esse direito devesse permanecer desprotegido pelo referido estatuto.

Esta omissão fez sair em campo a jurisprudência italiana em busca da aplicação do artigo 8.o da Convenção Européia, no que tange à proteção da honra, em caso julgado pela Corte de Apelação de Milão que, no aresto, dizia:

"Qu’il serait contraire au droit au respect de la vie privée, garanti par l’article 8 de la Convention, d’éxécuter sur le territoire italien une commission rogatoire étrangère ayant pour objet l’examen d’un témoin, lorsque cette conmission rogatoire donne des appréciations subjectives de ce temoin qui sont de nature diffamatoire."70

Os autores procuram estabelecer distinção entre vida privada e vida íntima. A vida privada compreenderia, lato sensu, aqueles fatos tanto da vida íntima do indivíduo (doméstica, familiar), quanto aqueles que nenhum interesse trazem à sociedade com sua revelação.71 Stricto sensu, vida privada confunde-se com a vida íntima, ou com o direito ao segredo, na expressão de alguns.

É certo que o indivíduo convive com o mundo exterior em enorme feixe de relações pessoais, que somente a ele e às pessoas com ele relacionadas dizem respeito, não sendo permitido que um terceiro levante a cortina para saber o que se passa por detrás. Tal permissão encerraria um estímulo à curiosidade maledicente daquilo que se deve conservar em segredo e que nenhum interesse ou benefício traz à sociedade.

Na precisa disposição de Frola, o templo doméstico deve estar fechado aos olhos profanos, não se permitindo que alguém nele penetre por curiosidade ou malignidade.

"La legge provvida stabili l’inviolabilità del domicilio privato, e ciò per la materialità della difesa dell’abitazione privata dagli estranei: non poteva, quindi, non garantire pur anco l’inviolabilità della vita privata dagli attacchi esteriori, a meno che il funzionare di essa offenda il diritto dei cittadini."72

Para se clarificar melhor a distinção dos campos privado e público, mister se faz lançar mão da teoria das esferas da personalidade, segundo a concepção de Hans-Heinrich Maass, ao cuidar da problemática da esfera do segredo e da teoria alemã das esferas.

Estabelecendo uma escala para as esferas de proteção da personalidade: esfera íntima – esfera própria – esfera da confiança – esfera privada – esfera social – esfera pública, o referido autor reconheceu que essas categorias são por demais pormenorizadas, dificultando um tratamento jurídico, tais as sutilezas das distinções.

Afirmou que as tentativas de delimitação e graduação mais próximas de proteção da personalidade contra a indiscrição e publicidade distinguem-se, numa terminologia incerta, nos detalhes esferas como graus de reclusão humana perante o ambiente e por fim perante o público.73

Reafirmou que a esfera íntima em relação à esfera privada merece a proteção mais abrangente. Para Maass, com subsídio em Larentz, a esfera íntima é transgredida por abandono do meramente pessoal, que deixa a vítima sentir vergonha, conturbação e pena. É um campo pessoal que, de regra, deve permanecer inacessível até mesmo a conhecidos e amigos: um campo de tranqüilidade e de imperturbabilidade, no qual só pode ser desenvolvida vida individual e ação criadora.74

Reconhecendo a incerteza da delimitação da esfera privada, que não é protegida na mesma medida que a esfera íntima, lecionou o autor que naquela (privada) cuida-se da linha de separação decisiva para a esfera pública, que seria caracterizada pela liberdade de notícias e informação. Acresceu que a delimitação é dificultada por ter o conceito privado-público sofrido notável transformação de significado precisamente no curso da história mais recente e chamou atenção para a incerteza quanto ao surgimento do privado na publicidade, como na rua, no café, nas instituições públicas. Referindo-se ao dogma la vie privée doit être murée, disse que este encerra no conceito de esfera privada a idéia de recolhimento do ser para si, de reclusão espacial e que restariam para o campo público os processos, que se situam fora deste espaço não acessível à coletividade, quer sejam aqueles perceptíveis por servirem a fins sociais, quer enquanto exteriorização da vida pessoal para a coletividade...75

A sua crítica ao dogma de Royer Collard é que este compreende a esfera privada no sentido da antiga esfera secreta e que, atualmente, a esfera privada não se restringe a este campo factual e espacialmente delimitado da reclusão humana e, lembrando a afirmação de Hubmann: "A esfera privada é também aquela parte da vida própria que em si é pública, acessível a todos."76

Sem dúvida que a teoria alemã das esferas da personalidade traz enorme subsídio para a distinção privado-público, embora não encontre ainda o apoio unânime da doutrina. Seus estudos não ganharam adeptos que lhe permitissem aperfeiçoamento, traçando, de modo inquestionável, o raio de ação de cada esfera, proporcionando, com isto, uma adequada aplicação legal.

Mesmo assim não faltou o prosseguimento desses estudos. Rehbinder e Peter Schneider, acrescentou Maass, colocaram a questão na determinação valorativa do íntimo, do privado e do público, devendo-se indagar em qual desses três campos o que deve pertencer legitimamente a cada um deles, uma vez que, de acordo com o atual grau de desenvolvimento da técnica, qualquer vida se desenvolve numa publicidade potencial. Para Schneider a expressão público tem dois significados: primeiro, encerra tudo que é geralmente acessível, em oposição ao secreto; segundo, é o que toca a todos, aquilo que tem interesse público justificado, em oposição ao privativo. Este último significado é que interessa de perto ao Direito, uma vez que reforça a liberdade de informação.77 Isto é, o interesse do público à informação justifica trazer à luz certos fatos relativos à vida privada.

Existe, ademais, uma zona grise, que acarreta problema na delimitação dessas esferas. Foi ainda Maass quem afirmou confundirem-se a esfera privada e a pública, e muitos campos da vida social, profissional e econômica estão na penumbra de uma publicidade privada.78

A doutrina brasileira não fugiu à questão. Em sua tese para a cátedra de Direito Penal da Universidade de São Paulo, fundado em Henkel e Hubmann, Paulo José da Costa Jr. examinou o problema das esferas individual e privada e os círculos concêntricos da esfera privada.

Segundo lecionou, correspondentemente à divisão natural do homem em ser individual e ser social, este vive como personalidade em esferas diferentes: na individual e na privada. Na proteção da esfera individual, os direitos servem para a preservação da personalidade dentro da vida pública; na proteção da esfera privada a preocupação é com a inviolabilidade da personalidade dentro de seu retiro, necessário ao seu desenvolvimento e evolução no seu mundo particular, não afeto à vida exterior. A diferença, segundo o autor, está em que, na esfera individual, cuida-se da proteção da honra e, na esfera privada, protege-se a discrição. Acrescentou que a esfera privada contrapõe-se à individual e que, no campo privado, não se trata mais do cidadão do mundo, relacionado com seus semelhantes, como ocorre na esfera individual, pois a esfera privada cuida do indivíduo na sua intimidade ou reserva, no seu isolamento moral, convivendo com a própria individualidade. Na esfera individual inserem-se o direito ao nome e à reputação (considerando-se esta como estima social, que merece proteção contra os ataques difamatórios). Na esfera privada, o interesse tutelado é aquela aspiração do indivíduo de conservar a sua tranqüilidade de espírito, a sua paz interior (intimidade), que não se confunde com a esfera do segredo e com a esfera individual (honra). Na esfera do segredo está compreendida a parcela da vida particular que o indivíduo quer manter para si, em segredo, excluindo dela até pessoas que participam de sua intimidade.79

A vantagem que a classificação do Professor Paulo José nos trouxe é que, partindo-se do círculo externo, encontra-se a esfera privada stricto sensu, que compreende comportamentos e acontecimentos, que o indivíduo deseja não se tornem públicos. A esfera da intimidade ou da confiança situa-se no bojo da esfera privada, da qual participam apenas as pessoas nas quais o indivíduo deposita confiança e com as quais mantém certa familiaridade. Isto é, delas se excluem o público, bem como pessoas que privam, com o indivíduo, no âmbito mais amplo da esfera privada stricto sensu. No âmago da esfera privada está o menor dos círculos, que é o do segredo. Por fim, após o exame da trilogia de Henkel (esfera individual ou íntima – Geheimsphäre, esfera da confiança – Vertrauenssphäre, e esfera privada – Privatsphäre), preferiu considerar que se deveriam estabelecer no bojo da esfera privada apenas dois círculos, concêntricos e sucessivos, intimidade e segredo, por acreditar que traçar mais um círculo além desses dois acarretaria repetições inúteis e confusões.80

As esferas mencionadas são denominadas pela doutrina de círculos concêntricos da vida privada e compõem a esfera da vida privada; a vida pública do indivíduo estaria delimitada por um círculo maior, o quarto entre eles.

Procedente a crítica endereçada ao Professor Paulo José pelo autor de A proteção civil da intimidade, segundo o qual a classificação daquele mestre não parece feliz ao assumir conseqüências jurídicas, embora lhe reconheça sólida base sociológica; o amparo da honra na esfera individual não exclui o da intimidade.81

Acrescentamos que a imprecisão aludida deve-se ainda ao fato de ter sido considerada a honra apenas no seu aspecto objetivo (consideração de terceiros).

A preocupação em distinguir as esferas privada e íntima levou Stig Strömholm a denominá-las de esfera do segredo e esfera privada. A primeira, segredo, abarca pensamentos, palavras, atos, documentos, que o indivíduo deseja manter apenas para seu estrito interesse ou de pessoas a ele imediatamente relacionadas. A esfera privada já abrangeria um campo maior, incluindo relações da vida familiar, negocial ou profissional.82

A dificuldade encontrada no estudo da teoria alemã das esferas é, sem dúvida, sentida por todos os autores que trataram do tema, o que nos dificulta um posicionamento preciso.

Diversos termos são utilizados pela doutrina para denominação da vida privada: riservatezza, esfera privada, intimidade, vida privada, vicende personali, riserbo. Tais expressões são empregadas ora num sentido lato, ora estrito.

Tentemos aclarar a tormentosa questão, para melhor situar o direito à honra em relação à vida pública e à vida privada.

Nas pegadas de Giorgio Gianpiccolo, reconhecemos que a honra está enquadrada na vida de relação do indivíduo, enquanto que a vida privada (que nós aqui consideramos em sentido lato) atém-se ao aspecto da individualidade, isto é, reflete aspiração do indivíduo em conservar a paz de espírito, a tranqüilidade interior "(...) perché riflette unicamente l’aspirazione del soggetto a conservare quella tranquilità di spirito, quella pace interiore, che al suo modo d’essere privato si ricollega e che una publicità indesiderata turberebbe"83 [O que não significa isolamento do mundo exterior].

Por outro lado, temos de considerar que o conceito de privado só pode ser tomado em antinomia a público. Público, em acepção bem ampla, é aquilo que diz respeito ao interesse de todos, seja na vida política, em decorrência de função pública, do exercício de atividade de espetáculos endereçados ao público, em decorrência de atos cívicos, até mesmo de delitos.

Privado não significa isolamento do mundo exterior, mas aquilo que separa o homem de suas relações externas, aquilo que só a ele diz respeito. A delimitação de ambos é alicerçada em um aspecto qualitativo e não de ordem espacial ou ambiental, conforme ressaltou Giorgio Gianpiccolo e que consideramos com acerto, pois só assim são desfeitas imprecisões nas quais incorreram outros autores. Discorreu o aludido escritor:

"La distinzione tra publico e privato non risponde cioé, sotto tale aspetto, ad criterio di ordine spaziale o ambientale, ma qualitativo: un avvenimento che si compie tra le mura domestiche può non rimanere un fatto di vita privata, e inversamente essere ancora tale un fatto che pur si svolga in publico e a contatto del publico."84

São estes os mesmos assentamentos de Heinrich Hubmann e Milton Fernandes. Para o primeiro, apoiado em decisão do Supremo Tribunal alemão, embora pertença à vida privada, a atividade laboral não recebe a mesma proteção daquela, em sentido estrito, no qual se compreendem especialmente os assuntos domésticos e familiares.85 E corroborou aquele último:

"É a colocação que nos parece correta. O exercício negocial, embora desenvolvendo-se na esfera privada, pode oferecer conotação com a esfera pública. Neste caso, não o ampara o direito à intimidade."86

E ainda Émile Colas, citando o Juiz Rivard:

"Il peut recontrer des circonstances excepcionnelles où certains faits de la vie privée importent à l’intérêt public: mais presque toujours, le mot de Royer Collard est vrai."87

Apesar dos esforços despendidos, os próprios pesquisadores reconhecem a inexistência de um critério válido de delimitação do conceito de público e privado. Jaques Velu, após conceituar vida pública, chegou a definir vida privada como tudo aquilo que não é vida pública do indivíduo. Reconheceu, ao final, a impossibilidade de separação das duas esferas, tal a estreita ligação entre ambas.88

É de se ressaltar, e os autores são unânimes quanto a isto, que o campo da vida particular ou privada do indivíduo é variável, conforme o modo de ser de cada um e em decorrência das relações com o mundo exterior. Tanto mais se encontra limitado o campo da vida particular, quanto mais célebre ou notória for a pessoa. Mas isto não quer dizer que não existam muros a resguardar os interesses privados,

"(...) existe una duplice barriera invalicabile: quella della sfera intima della vita privata e quella dell’onore personale. Nessum publico interesse può giustificare il superamento di tale barriera".89

Por outro lado, já ficou comprovado que os elementos caracterizadores da vida privada modificam-se de acordo com a região, tradição, país, grupo social, idade etc. No mundo moderno assistimos a um crescente alargamento do campo público em detrimento da esfera privada.

A honra não significa um valor originário, ético, estanque, mas compreende elementos morais vigentes, de acordo com o desenvolvimento de cada sociedade e da personalidade do indivíduo. Tratando-se tanto da vida pública quanto da vida privada, a moral não sofre desvios conceituais e recebe um tratamento único.

Doutrinadores tentaram construir uma moral pública baseada em princípios diversos daqueles determinantes da moral privada. A jurisprudência italiana, porém, confirmou que a vida pública está sujeita ao controle da moral comum, ou seja, a inobservância da palavra empenhada, o descumprimento da obrigação assumida, a deslealdade, mesmo que referentes ao exercício da vida pública atingem a reputação do indivíduo.

"La reputazione morale dell’individuo è ùnica, nel campo della vita publica e della vita privata, poichè in entrambi essa è raffrontata agli stessi fondamentali precetti dell’etica comune."90

10. Honra e intimidade

Tanto a conferência dos juristas nórdicos, realizada em Estocolmo, em 22 e 23.05.1967, quanto o Conselho da Europa, na Resolução 428/1970, reconheceram o direito à honra como integrante do núcleo da privacidade. Alguns autores, num momento em que a doutrina sobre os direitos da personalidade ainda engatinhava, reduziram a proteção jurídica da intimidade à tutela da honra.

Observou De Cupis:

"Mi duole data la mia stima per il giurista Pugliese – di dichiarare esegeticamente infondato il suo tentativo di ridurre la tutela giuridica della riservatezza alla tutela dell’onore."91

A doutrina moderna insurge-se contra esses erros na classificação dos direitos da personalidade, como enfatiza que a tutela da honra é independente da tutela da intimidade. Se a honra, conforme anotamos, significa "a dignidade pessoal refletida na consideração dos outros e no sentimento da própria pessoa", a intimidade, em sentido oposto, quer justamente significar a subtração da consideração de terceiros, da publicidade e permanência da tranqüilidade. Ou seja, significa o direito de impedir a divulgação de certos acontecimentos, palavras, atos, escritos, pertencentes à esfera privada ou íntima. Por não se confundirem os mencionados direitos é que se verifica uma ofensa à honra, sem que seja atingida a intimidade ou vice-versa, bem como se comprova lesão a ambas concomitantemente.

Um caso bastante notório mostra-nos a lesão à intimidade e à honra, por parte de um mesmo sujeito, não concomitantemente, mas com pequeno interregno. Trata-se da veiculação de fotografias, tiradas por um profissional, usando teleobjetiva, da famosa Jacqueline Onassis, inteiramente nua em sua ilha particular. Fotografias essas que circularam em jornais e revistas do mundo todo. A lesão à intimidade configurou-se no ato de tomada das fotos, pois, mesmo com a enorme notoriedade que possuía, a Sra. Onassis não perdera seu direito à intimidade. A lesão à honra configurou-se quando da divulgação das referidas fotos, eis que, nas circunstâncias como foram tomadas, atingiam seu decoro.

Em muitas situações a conexão do dano à honra com a esfera da intimidade torna-se evidente. René Ariel Dotti a exemplificou com os interrogatórios, mediante processos ilegais.92

Na proteção da intimidade não se visa ao prejuízo moral ou à indignidade de um ato levado a público, mas sim, a violação da paz ou tranqüilidade da vida íntima. O ato ilícito, na configuração da lesão à honra, não supõe que o mesmo suceda mediante indiscrição ou intromissão na vida privada. Com isto é fácil concluir, como fez Dotti, que o Direito à intimidade não constitui um gênero abrangedor do direito à honra, nem mesmo se sobrepõe a este.

"Enquanto o ataque à honra ofende o conceito social, que o sujeito passivo pretende gozar, na agressão à intimidade não existe a finalidade danosa dirigida contra o conceito, mas sim contra o ambiente de privacidade que envolve a vítima."93

Dessarte, considerada a honra no seu aspecto objetivo (dignidade pessoal refletida na consideração dos outros), o seu conceito justapõe-se ao de intimidade.

"D’altra parte la tendenza a valutare la privatezza in termini di affinità con la reputazione è fondamentalmente erronea, perché non è la dignità, o meno, dell’atto o del fatto reso publico, né il disagio morale che sotto tale profilo può derivarne alla persona, l’elemento che fa gioco nel giudizio; la violazione del riserbo, della pace della vita privata, non resta a dispendere da ciò che il fatto divulgato sea suscettibile di apprezzamento non favorevole nell’ambiente esterno."94

Confundir os dois direitos não é possível, embora se possa notar uma proteção indireta à intimidade, quando se cuida da proteção à honra.

"La repression de la diffamation permet, sans aucun doute, de protéger le secret de la vie privée, mais il s’agit d’une protection indirecte, car la révélation d’un fait touchant à la vie privée, d’autrui n’est punissable que si ce fait porte atteinte à l’honneur ou à la considerátion de la personne visée."95

Em síntese, quando a lesão individual, pela indiscrição, compromete a dignidade de alguém, estamos diante da ofensa à honra; quando, porém, a lesão atinge apenas o mencionado resguardo, há ataque à intimidade.

Por fim, os ataques à honra tanto recaem na vida privada quanto pública do indivíduo, diferentemente dos ataques à intimidade. O legislador civil de 2002 seguindo o ditame constitucional declarou a inviolabilidade da vida privada, podendo ser adotadas medidas judiciais necessárias para impedir ou fazer cessar a sua lesão (art. 21).

O legislador pátrio, ao regulamentar o inciso XII, parte final, do artigo 5.o da Carta da República, admite a interceptação telefônica de qualquer natureza, só mediante autorização judicial (ressalva para as Comissões Parlamentares de Inquérito, no exercício de poderes investigatórios – art. 58, § 3.º, da CF), para fins de prova em investigação criminal e em instauração de processo penal, que ocorrerá sob segredo de justiça. Estabelece normas procedimentais e penalidade (Lei n. 9.296, de 24.07.1996).

No caso de e-mail (mensagem enviada através da Internet), entende-se que o mesmo se enquadra na Lei n. 9.296/96, podendo ser interceptado, através de mandado judicial, porquanto se trata de comunicação de dados e insere-se no âmbito da "comunicação telefônica" e a citada lei refere-se a comunicações telefônicas, de informática ou telemática (art. 10). Mas a questão não é pacífica, entendendo alguns que ele não é uma correspondência fechada e que a lei só é aplicada a comunicações telefônicas.

11. Interesse público

Os limites de proteção da honra individual, quanto à divulgação dos fatos pertinentes à vida humana, assentam-se em dois princípios: interesse público e liberdade de expressão. A vida de determinadas pessoas, seja pelo exercício de função pública estatal, seja de atividade ligada ao público (cinema, televisão, imprensa, teatro etc.), tem na publicidade grande fator de sucesso. A expectativa do público em relação a fatos da vida privada dessas pessoas restringe-lhes o âmbito desta esfera, quanto maior for a notoriedade.

Desta forma, mesmo que na ofensa à honra no campo civil seja indiferente a veracidade ou não do fato considerado lesivo, a permissibilidade de sua divulgação está contida apenas no interesse público justificado e, neste caso, a divulgação deve referir-se a fato verdadeiro. Pode ocorrer que a divulgação de certos fatos verdadeiros corresponda a um interesse social, como os que ocorrem nas relações profissionais. Mesmo que um fato seja tido por desonroso, como nas informações bancárias, a finalidade da informação justifica extravasar a notícia do fato.

Exemplo disso já referimos anteriormente, quando tratamos do caso julgado na Itália, em relação ao filme Gioventu perduta, que narrava episódios da vida criminosa de Bruno Campagna. O interesse público difere do interesse do público, pois este último pode caracterizar-se por uma injustificada curiosidade ou malignidade.

Fato de interesse público, segundo Mario Are, é todo aquele que reflete apreciável interesse da coletividade, como o comportamento de personalidade política, a procura dos autores de crime, a verificação de acontecimentos particularmente significativos...96

Se a finalidade é diversa, isto é, se o agente divulga fato relativo a terceiro ou terceiros, com o só intuito de expô-lo ao menosprezo, ódio, humilhação, ridículo, configura-se o atentado à honra.

Devemos deixar assentado que, em se tratando da tutela da honra no campo meramente civil, a existência de dano, independentemente do objetivo volitivo do agente, configura o ilícito.

Outro princípio deve ficar assente: as linhas limítrofes do campo da vida individual privada são flexíveis e elásticas. Arrimado em Gabriel Marcel, disse o mestre Paulo José: "As personalidades em evidência pertencem literalmente ao público, pois como que alienaram a própria existência privada."97

Há um exagero nesta afirmação. No tocante ao direito à intimidade, já vimos que este subsiste, mesmo que restrito, delimitado, por mais célebre que seja o indivíduo. E, em relação à honra, lançamos mão de De Cupis: "Ma nemeno tale valore artistico può giungere a coonestare l’invasione della sfera intima della persona e l’offesa della dignità personale."98

Na honra, a celebridade ganha enorme peso. Não porque o conceito de honroso se interligue ao de notório. São independentes. Mas pelo fato de que a reputação da pessoa célebre é cercada por pequenos fatos de sua vida, que passariam despercebidos para a sociedade se se tratasse de um indivíduo comum, possuem grande relevância para o público. Um pequeno deslize jogaria por terra anos de vida, desfrutados com boa reputação, de um momento para o outro.

A restrição à qual nos referíamos dá-se em virtude do inter-relacionamento entre vida pública e vida privada. Expressou Darcy Arruda Miranda, enfocando Semmola, que não é de repelir-se da vida privada, que não seja íntima, a investigação da censura pública, pois este (o homem) vive em sociedade e deve dar conta de seus atos, se quer obter a estima dos demais cidadãos e, para isto, deve tornar-se probo e bom.99

Fatos notórios – os fatos já notórios, de amplo conhecimento do público, não têm, na sua divulgação, um ataque à intimidade, porém remanesce a ofensa à honra, pois a nova divulgação renova o conhecimento ao público e fornece nova contribuição ao descrédito. De Cupis confirmou a assertiva, considerando que a preexistência de fatos notórios por si mesma não exclui a ofensa à honra, devendo ser avaliada a extensão da preexistente notoriedade.

"Quando tale notorietà fosse limitata, circoscritta, la sucessiva attribuzione di atti o qualità disdicevoli può ben considerarsi produttiva di offesa per l’onore, in quanto vale a completare, accrescere la publica conoscenza e a fornire un nuovo contributo di discredito personale. Solo quando la publica conoscenza dei fatti sia già completa e sicura, e quindi la reputazione del soggetto sia già completamente compromessa, rovinata, la rovina stessa non può aggravarsi ulteriormente:..."100

12. Vida política

Em determinadas atividades profissionais ou da vida pública é comum confundirem-se, erroneamente, as esferas privada e pública. Exemplo disto é a vida política. É nesta atividade da vida pública que, acentuadamente, ocorrem lesões à honra. "Em nenhum outro clima vicejam com maior desembaraço e intensidade a calúnia, a difamação e a injúria."101

Embora consista em comportamento reprovável, a pugna pelos cargos eletivos enseja troca de ofensas desonrosas, em que ficam confundidas a vida privada e a vida pública dos candidatos, cada qual querendo sobressair-se mediante imputação ofensiva de fatos ao candidato opositor. O ofendido, raras vezes, procura defender-se dentro dos limites permitidos e oferece contra-ataque ao adversário político, vasculhando-lhe a vida privada, trazendo à luz fatos de nenhum interesse público, com o só intuito de levá-lo ao desprezo, à desestima pública, além de expô-lo ao ridículo.

Uma observação faz-se necessária. Tratando-se de campanhas eleitorais, pelo princípio de que "o interesse público sobrepõe-se ao individual", admite-se um maior rigor na verificação da vida cívica e política do candidato, razão por que a revelação de determinados fatos não constitui ofensa à honra, uma vez que o esclarecimento aos eleitores acerca da personalidade do candidato justifica o exame de seu passado e a crítica a seus atos. Isto é de bastante utilidade, pois impede que um irresponsável, desonrado, ocupe cargos da mais alta relevância na vida pública. Chassan observava que a tolerância da justiça, nestas situações, deveria ser grande, desculpando-se as publicações injuriosas quando estas ocorrem, não para causar um prejuízo nem para favorecer o espírito de animosidade ou vingança, mas tendo em vista esclarecer o eleitorado.102

A jurisprudência brasileira não destoou desse pensamento, embora o expressasse na área penal e se referisse à vida pública:

"Não comete crime de imprensa o jornalista que, na iminência de eleições gerais, procede ao exame da vida pública do candidato a um cargo eletivo, referindo-se a acusações feitas ao mesmo em documento oficial de um estado estrangeiro, discutindo-as, examinando-as. O exame da vida pública do candidato ao sufrágio dos cidadãos constitui, ao mesmo tempo, direito e dever do jornalista, na relevante missão que lhe incumbe, nos regimes democráticos, de habilitar o cidadão ao exercício consciente do voto. É isento de culpa quem divulga imputação notória, com indicação do fato."103

Pela Lei de Imprensa n. 5.250/67, havendo interesse social, justificava-se a divulgação de fato da vida privada.

O exercício dessa liberdade de informação não pode ser tomado de modo absoluto.

"Quanto aos candidatos a cargos eletivos, certamente, não se pode permitir o princípio de que, no fervor da agitação eleitoral, tudo seja lícito dizer sobre a sua estima e que a luta eleitoral autoriza qualquer vilania, qualquer contumélia, dando direito a qualquer um de arrastar na lama o nome de um candidato e cobrir de doestos as mais altas e respeitáveis personalidades. Doutrina deste tipo seria contrária à civilidade e aos próprios princípios da liberdade."104

Cuidando da liberdade de imprensa cotejada ao direito de inviolabilidade da dignidade humana, prevista na Constituição Alemã, Helmut Coing expressou-se da forma seguinte:

"parce qu’elle donne préference à la presse sur l’honneur indivuel seulement dans les cas où la presse agit dans un intérêt public, supérieur à celui de l’individu."105

13. Honra e identidade pessoal (direito ao nome)

Distinto do direito à honra, embora esta se preocupe com o nome do indivíduo (mas no aspecto de reputação social, ou seja, o genericamente denominado "bom nome"), o direito ao nome destaca-se como categoria autônoma dos direitos da personalidade. Havia, contudo, quem não lhe reconhecia a configuração de um direito personalíssimo. Santos Cifuentes foi um deles.106

Consiste o mencionado direito ao nome no atributo de o indivíduo ser conhecido e chamado pelo seu nome civil e de impedir que terceiro do mesmo se utilize indevidamente.

Tanto quanto De Cupis, o Professor Limongi França elencou o direito ao nome, por ser a mais rica e importante manifestação da identidade pessoal, no quadro deste direito, ao lado dos direitos ao pseudônimo, ao título e signo figurativo.

O direito à identidade pessoal é aquele que tem a pessoa de ser conhecida como aquela que é e de não ser confundida com outrem.107

Como que justificando a sua importância na vida social, o direito ao nome foi o primeiro direito da personalidade especificamente reconhecido. Em 1895, uma lei especial romena destacou-o e, em 1900, obteve consagração numa primeira codificação (Código alemão), o que foi seguido pela legislação italiana.

A conexão do direito ao nome nas ofensas à honra faz sentido. Valendo-se da utilização do nome, pseudônimo e signo figurativo pode-se atingir a honra. No que se refere ao uso do nome, temos a observar dois aspectos: ofensa à honra pela utilização do nome e usurpação do nome.

No primeiro caso, utilizando-se o nome de determinada pessoa, facilmente identificada pelo público, em que se lhe atribuem indevidamente fatos ou atos, que possam ferir sua reputação individual ou profissional, configura-se lesão à honra e não ao nome.

De Cupis traçou com precisão esta singularidade, narrando o episódio, que chegou à Corte de Cassação de Roma, em que o periódico Omnibus estampou um artigo, tendo como autor o advogado Lucio Luciani e que continha revelações que, se fossem feitas pelo mesmo, configurariam violação do sigilo profissional e de obrigações morais e jurídicas. Dessa forma, o artigo dava ao público uma péssima impressão sobre a pessoa do advogado mencionado, acarretando-lhe prejuízo na reputação profissional. Não se tratava, no caso, de ofensa ao direito ao nome, uma vez que o nome de Lucio Luciani foi usado corretamente para indicar o titular, e outras circunstâncias e detalhes identificavam o advogado perfeitamente.108

Na segunda situação, o direito ao nome é lesado pela usurpação e esta, de acordo com o supra aludido mestre, significa fazer de determinado nome um uso contrastante com sua pertença jurídica, designando com isso ente diverso do seu titular.109

Alegou a direção do periódico Omnibus que o nome de Lucio Luciani não se referia ao advogado e que o mesmo fora escolhido pela Redação como pseudônimo. Se a questão se assentava verdadeiramente nestes termos, configurava-se, sob este aspecto, uma utilização indevida do nome, já que não pode ser usado como pseudônimo o nome de terceiros, consistindo, neste caso, uma ofensa ao direito ao nome.110

Outro caso ilustrativo é o referente ao filme La romana em que, pela utilização do nome de determinada pessoa para o enredo da história, configurou-se perfeitamente um dano à honra, embora o Tribunal de Roma não o reconhecesse. Na mencionada película foi utilizado o nome de Adriana Silenzi para nomear a protagonista, que era uma prostituta. Apesar da diferença de ambientes e dos fatos narrados, que em nada se relacionavam à Srta. Adriana, mesmo assim é considerada a existência de uma lesão à honra da pessoa real. Como anota Santos Cifuentes:

"Sabe el espectador que se trata de una creación del arte, pero puede ocurrir que adivine una referencia, o bien una alusión a la persona real; el publico considera que se reproduce más o menos exatamente la persona real."111

Quando assim não pensa, fica a procurar sinais identificadores entre as duas pessoas, a real e a protagonista.112

Outro acontecimento, que a doutrina noticia e em que o nome é utilizado sem usurpação, mas ferindo o bom nome, é o caso Kitzler com Editorial Sarmiente S/A. A divulgação dava o nome, profissão e idade de um homem de inatacáveis antecedentes, atribuindo-lhe a autoria de violação sexual de uma criança de três anos.113

Um caso que tanto aguçou a curiosidade de juristas foi o do não menos famoso filme Gioventu Perduta, antes lembrado por nós. O nome do Barão Campagna não foi usurpado, a fim de identificar pessoa diversa. Este pretendeu, com a ação impetrada, tutelar o nome, não como objeto de identificação pessoal, mas como sinal de prestígio familiar.

A distinção entre direito à honra e direito à identidade pessoal (nome) assenta-se em dois pressupostos sociológicos. Honra refere-se à dignidade social, um conceito basilar de igualdade que diz respeito a todas as pessoas; o direito à identidade liga-se à qualificação social, ou seja, precisa individualização do sujeito, que o distingue dos demais.

Para proteção deste último existem duas modalidades de ação: a de reclamação de seu uso (quando o indivíduo é contestado na utilização de seu próprio nome) e a de usurpação do nome (nome utilizado indevidamente por outrem); no último caso poderá ocorrer lesão à honra se o uso indevido ofende o decoro ou reputação. O código civil de 2002 deu grande relevância a esse segundo aspecto (art. 17):

" O nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações ou representações que a exponham ao desprezo público, ainda quando não haja intenção difamatória" .

Tudo a que nos referimos no tocante ao nome aplica-se também ao pseudônimo (designação personativa, que não é o nome civil, utilizado pelo indivíduo etc.- art. 19 código civil brasileiro), título (identificação da pessoa por meio de títulos científicos, honoríficos, militares, como complementação de seu nome civil) e signo figurativo (utilização de brasões e insígnias correspondentes aos títulos que o indivíduo possui).

Nosso Código Civil garante a tutela do nome, nele incluindo pré-nome e sobrenome (art. 16); do nome conexo com a ofensa à honra (art.17); da proibição de sua utilização em propaganda comercial, sem a devida autorização (art. 18) e da proteção do pseudônimo o qual é equiparado ao nome (art.19).

14. Honra e imagem

Com algumas características análogas ao direito à honra encontra-se o direito à imagem, tanto que ambos são comumente confundidos ou interligados. "Una delle manifestazioni del diritto all’onore si ha nel c. d. diritto alla propria immagine."114

Apesar da confusão entre ambos, a esfera própria de cada um não é de difícil demonstração, mesmo que existam pontos de contato e aproximação. O direito à imagem consiste no elo que junge a pessoa à sua expressão externa, tanto no seu conjunto quanto em componentes desmembrados, como olhos, rosto, pernas, boca, nádegas etc.;é direito que incide sobre a conformação física da pessoa.

De Cupis considerou a imagem uma das manifestações importantes do Direito ao Resguardo.115 Esta traduz a irradiação figurativa da pessoa. De Semo chegou a nomeá-la o espelho fiel da alma humana, mas incorreu no erro de colocar a objetividade jurídica deste direito como proteção da honra. "Pertanto si giustifica codesto diritto come una protezione della dignità, del decoro, dell’onore della persona..."116

Apesar do liame entre imagem e honra, a tutela desta última é inquestionavelmente distinta daquela e tem objeto diverso e vice-versa. "Il diritto all’immagine si é collegato, da talumo, al c. d. diritto all’onore."117Tal a sutileza dos liames entre os dois direitos que, sem dúvida, em muitos casos, onde se discute o direito à imagem, refletem situações de propagação da imagem em circunstâncias que caracterizam uma ofensa à honra. Permanece, porém, de modo autônomo, a proteção da imagem. Uma coisa é a usurpação do nome ou da imagem e outra é que, pela utilização dos mesmos, se exponha a pessoa ao menosprezo ou ridículo (arts. 17 e 20, Código Civil). Aderindo a esta linha de pensamento, posicionou-se o STJ ao dizer que o dano moral, neste caso, é a própria utilização, sem a devida autorização. (Cf. cap.VIII).

A própria legislação italiana (art. 10 – Código Civil) prevê expressamente o tratamento autônomo dos citados direitos:

1)proteção à imagem (exposição ou publicação da imagem fora dos casos aos quais a lei dá consentimento);

2)proteção à honra (exposição ou publicação da imagem com prejuízo ao decoro ou à reputação).

o Código brasileiro também contempla as duas situações (art. 20).

Lembramos, ainda, que, qualquer que seja a difusão da imagem, poderá ocorrer ofensa à honra, tanto naquela consentida pela pessoa, quanto na difusão abusiva. A difusão, embora seja mais comum a realizada por meio de exposição e técnica fotográficas, poderá efetivar-se tanto por meio de pintura, escultura, desenho, caricatura e outros.

Criticando a denominação direito à imagem, freqüentemente adotada, Vicenzo Miceli a considerava imprópria, porque indicaria o direito de a pessoa ter uma própria imagem, ou seja, uma reprodução da própria fisionomia, do próprio corpo etc; criticava também a denominação direito sobre a própria imagem, porque, nesse caso, haveria um direito real e não um direito da personalidade.

Mas reconhecia que a proteção da imagem é um direito da personalidade e a melhor denominação seria direito de respeito à imagem.118

Com isso, parece-nos que o autor mencionado trata da imagem com uma utilização abusiva, confundindo-a com a lesão à honra. É o que diz:

"Circa l’immagine io veramente non posso affermare altro diritto se non quello al rispetto di essa; cioè io posso pretendere che la mia imagine non venga offesa, vilipesa, con il modo di exposizione al publico, com le alterazioni, com i numerosi trucchi, che specialmente offre l’arte tipografica (es., testa di una donna nota collocata su di un corpo nudo, etc)."119

Casos que se enquadram na referida assertiva têm sido confirmados. A revista francesa Hara-Kiri, de conteúdos humorísticos, publicou imagem de Anne Aymone d’Estaing, à época primeira dama francesa, sentada nua no colo de um emir, com a legenda "Acabam-se os problemas com o petróleo, Giscard oferece sua mulher aos árabes". A revista teve sua edição recolhida por ordem judicial. Fora manifesta a ofensa à honra.120

A caricatura é uma das formas mais utilizadas na exposição da imagem de pessoas notórias, facilmente identificadas pelo público. O seu uso é consentido, pois, quem se expõe ao público, não tem como impedir a veiculação da crítica ou manifestação de um juízo que, muitas vezes, são feitos mediante caricatura.

A caricatura, que consiste na deformação dos traços fisionômicos da pessoa, é considerada uma expressão de arte, por isso não deve ser tida como ofensiva, exceto se a intenção de ridicularizar seja patente. Se a mesma assume um caráter calunioso, injurioso ou difamatório, não poderá ser veiculada.

Em geral, como ocorre na legislação italiana – artigo 31 da Lei n. 11.723/1941 –, a imagem pode ser utilizada para fins científicos, didáticos, culturais, ou quando se trata de fatos de interesse público ou que tenham ocorrido publicamente. Porém, se a difusão da imagem, mesmo que permitida por lei, ocasionar um dano à honra, seja pela postura, nudez ou se estiver em desacordo com a personalidade da pessoa em questão, não há que se falar em fins científicos ou culturais etc.

"Habria que considerar que está al margen de la permisión legal esa obra, puesto que no entra en juego la imagen solamente, sino que ella es el medio utilizado para perturbar el otro bien."121

Há textos legais bem claros quanto à ofensa à honra servindo-se da imagem. É o caso do artigo 97 da lei italiana n. 11.723, de 22.04.1941, já mencionada: "O retrato não pode, todavia, ser exposto ou posto à venda quando tal exposição ou venda cause prejuízo à honra, à reputação ou ao decoro da pessoa retratada."

Pelo Código Civil brasileiro (art. 20), a divulgação da imagem somente poderá ocorrer se houver autorização ou se necessária à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública. Será ilícita sua utilização se atingir a honra, a boa fama ou a respeitabilidade da pessoa ou se destinar a fins comerciais sem o devido consentimento. A instrumentalização da ofensa ocorre de variadas formas: televisiva, pintura, fotografia, cinematografia, imprensa escrita, internet, etc.

É bem verdade que, nos muitos casos em que se discute o direito à imagem, a difusão dá-se em circunstâncias que demonstram uma lesão à honra; todavia isto não retira a autonomia do direito à honra nem do direito à imagem, que teve uma longa luta para diferenciar-se do direito à honra, conforme frisam vários autores.

O mestre De Cupis extraiu dos tribunais italianos um caso que motivou grande controvérsia. Refere-se a um ator que consentira na difusão de sua fotografia para propaganda de um filme, em que era protagonista. Esta mesma fotografia foi utilizada de forma abusiva e com as adaptações convenientes para um comercial de determinada marca de Magnésia, o que tornava tal difusão lesiva à honra.122

Divulgação consentida da imagem e ofensa à honra de terceiros Poderá ocorrer que, numa só divulgação de imagem, haja ofensa à honra de terceiros. A título exemplificativo, citou o mestre de Perugia caso dado e julgado pela Corte de Apelação de Milão (05.04.1957), em que fora estampada a fotografia de uma jovem, trajando roupa com decote ousado, e que autorizara a sua publicação. Na divulgação havia expressa referência ao instituto religioso do qual era aluna, fato este que colocava em dúvida a capacidade da escola quanto à formação das jovens. A lesão não se referia à imagem, mas sim à reputação de terceiros (instituto educativo) e a Corte italiana considerou o direito que a pessoa tem à intangibilidade da personalidade moral.123

Haveria dupla lesão de direitos: imagem e honra, se a publicação da imagem, no caso, não tivesse sido consentida pela pessoa retratada.

15. Honra – criações do espírito – propriedade industrial

Embora reconhecido pela ciência jurídica que tais criações deveriam receber uma tutela específica, por longo tempo imperou a controvérsia acerca da natureza jurídica do direito ao respeito dos produtos do próprio engenho ou espírito. Esta produção do espírito só pode receber a tutela jurídica, quando se exterioriza, por qualquer forma que seja. Como assume, pela exteriorização, no mundo circundante, forma sensível e real, é, sob este aspecto, um direito real sobre a coisa – direito de propriedade: artística, literária, didática, industrial etc., por meio de escritos, pintura, desenho, escultura, música, marcas, patentes – não podendo constituir-se um direito pessoal, nem tampouco direito da personalidade.

Entretanto, permanece, além do direito real, um vínculo espiritual entre a coisa criada e a pessoa que a criou, gerando um interesse que deve ser garantido pela norma legal, uma vez que aquela produção, mesmo sendo alienada, será sempre considerada como atividade espiritual da pessoa criadora, subsistindo aquela primitiva ligação.

Neste aspecto, como bem integrante da personalidade do criador, este pode impedir que sua criação seja usada ou transformada, de forma a tornar-se lesiva à sua pessoa ou à sua honra. Isto porque toda atividade criativa reproduz peculiaridades da pessoa criadora, distinguindo e caracterizando a sua atitude mental, o que é capaz de sobrelevá-la no campo social.

Não pretendemos abordar, nem comporta o presente estudo, o tratamento da denominação, limites e natureza jurídica do direito relativo às criações do espírito, em especial, do direito moral do Autor, o qual, sabemos, por se tratar de direito mais novo, se o compararmos às fontes romanas (só reconhecido em 1928 pela Convenção de Roma de 1961, que é a revisão da Convenção de Berna, de 1886).

A doutrina mais moderna denomina o direito oriundo do vínculo espiritual entre a coisa criada e a pessoa criadora de Direito Moral do Autor, embora tal designação seja criticada e alguns autores não reconheçam a existência desse direito. Esta terminologia foi adotada pela primeira vez em 1872 por Morillot.

Vicenzo Miceli, em seus estudos, dele não tratou e reconhecia a existência do que denomina direito ao respeito dos produtos de engenho, considerando-o protetor da fama, estima e respeito da personalidade, propondo, ademais, sua inclusão entre os direitos à incolumidade espiritual ou, então, na categoria dos direitos à honra, à estima.124 Outros autores abordaram sucintamente o Direito do Autor, sem distingui-lo da Propriedade Industrial. De fato, e para o nosso estudo, a distinção não é imprescindível. Conforme ensinou José de Oliveira Ascenção, há um ramo paralelo do Direito de Autor, que é a Propriedade Industrial, cuja proximidade é tão grande que, freqüentemente, os autores unificam o Direito de Autor e Propriedade Industrial sob a designação de Propriedade Intelectual. Efetivamente a Propriedade Industrial também se refere a bens incorpóreos. Mas, de acordo com este autor, a distinção ressalta-se:

"A propriedade industrial refere-se a diferentes bens, como as marcas e os inventos. Neste último caso é máximo o seu parentesco com o direito de autor, pois o autor da invenção também é protegido. De fato, há uma analogia no tipo de direito aqui e além considerados. Em todo caso, a obra literária ou artística é uma criação, a invenção é uma descoberta. Isto tem a sua importância na caracterização dos direitos que a uma e a outra se referem."

Acrescia que, em outros casos, podem ocorrer dúvidas acerca da atribuição ao direito do autor ou à propriedade industrial, como se nota na obra de arte aplicada125; quer dizer, aquela que trata da qualidade, beleza etc. de qualquer objeto industrial ou artesanal."

À parte as divergências já sentidas, importa-nos afirmar que, quanto à ofensa ao bem da honra nas criações do autor e inventor, parece não haver discordância na doutrina. Efetivamente, reafirmava Santos Cifuentes:

"Por ataques a la obra intelectual, a la autoría y a la paternidad del creador o del proprietario (marca de fábrica, patente, etc.), puede obtenerse indirectamente la destrucción de la fama."126

Criticando a designação Direito Moral do Autor, mas igualmente reconhecendo a ofensa à honra, nos casos sugeridos, encontramos Francesco Messineo:

"Un diritto separato di carattere personale (detto, malamente, diritto morale), é largito all’autore, per garantirgli che altri non si attribuisca la paternità spirituale dell’opera di lui, o faccia questa, oggeto di plagio, o di imitazione, o attenti all’integrità di essa, mediante deformazioni, mutilazioni e modificazioni, che possono essere di pregiudizio al suo onore e alla sua reputazione (ecezione per le di architettura)."127

Nesta mesma linha , Pietro Rescigno:

"Sempre sulla base del diritto morale, attinente alla sfera di protezione della personalità, l’autore può opporsi a modifiche dell’opera pregiudizievoli al suo onore o alla sua reputazione..."128

Embora reconhecendo a lesão da honra, conforme acima visto, Santos Cifuentes não consignou como direito personalíssimo o direito moral do inventor, pois, uma vez exteriorizada a obra, suas características, seu selo inconfundível, que assinala a paternidade, só tem alcance para provar a origem e pertença e não para indicar uma manifestação encarnada do criador, porque este não pode estender-se além de si próprio para arrematar que "todo ataque se dirige aqui hacia un objeto exterior".129

É nesta linha que conduziu seu pensamento, para explicar as lesões à honra no campo da Propriedade Industrial. Segundo expressOU, quando se diz lesão à honra, na realidade o ataque é dirigido à honra e não ao invento ou patente, não podendo ser confundidos o objeto com o veículo e o meio de ataque.130

Em nosso direito positivo, temos a Lei n. 9.610, de 19.02.1998, reguladora dos direitos autorais e os que lhes são conexos.Tem por objeto obras intelectuais que consistem em criações do espírito, qualquer que seja sua forma de exteriorização. Seu artigo 24, IV,VI, cuida da defesa da reputação ou da honra, entre os direitos morais do autor, ou seja, medidas que pode o autor tomar, a fim de não se ver atingido em sua reputação. Há, ainda, sanção indenizatória prevista no artigo 102.

Temos a Lei de Propriedade Industrial, n. 9.279, de 15.05.1996, cuja proteção efetua-se mediante: concessão de patentes de invenção e de modelo de utilidade; concessão de registro de desenho industrial; concessão de registro de marca; repressão às falsas indicações geográficas; repressão à concorrência desleal (art. 2.o). Estabelece penalidade criminal e reparação civil (art. 207, 208, 209). A lei n. 10.196, de 14.02.2001, altera essa lei no que tange a pedidos de registros.

Temos ainda a Lei n. 9.609, de 19.02.1998, dispondo sobre a proteção da propriedade intelectual de programa de computador. Por esta última, a proteção da propriedade intelectual é a conferida às obras literárias pela normatização de direitos autorais conexos, observadas as peculiaridades traçadas na lei (art. 2.o). Apesar de excepcionar a aplicação da lei de direito de autor no que tange aos direitos morais, reconhece ao autor o direito de opor-se a alterações não autorizadas quando essas implicarem "deformação, mutilação ou outra modificação do programa de computador, que prejudiquem a sua honra ou reputação" (art. 2.o, § 1.o).

16. Exceptio veritatis

Justapondo-se ao princípio do interesse público na revelação de certos fatos atinentes ao indivíduo e que diminui os limites da vida privada, outro princípio, claramente disposto nas leis penais, é o da Exclusão da Prova da Verdade. Este princípio impõe-se, uma vez que a censura privada ofensiva é sempre considerada ilícita, não podendo a maledicência ganhar foros para que se desenvolva. Ao contrário, por ser daninha à sociedade, deve ser banida. A prova da verdade ou exceptio veritatis é considerada por uns como perigosa para a paz social.

Discorrendo a respeito dos dois princípios ou interesses em jogo, Darcy Arruda Miranda buscou recursos em Mittermaier:

"Em matéria de injúria e libelo famoso, o legislador é guiado, por um lado, pela importância da proteção à honra dos cidadãos contra as falsas culpabilidades e ultrajes e ainda contra os boatos indiscretos que abandonam ao público os mais ocultos segredos da vida privada, e que talvez, por más intenções, ou por temerária garrulice espalhando certos fatos, com grande prejuízo de alguém, chegue a dissolver os mais afetuosos laços de família e a destruir a felicidade de uma pessoa; mas, por outro lado, o legislador é chamado a garantir aos cidadãos o direito à livre manifestação da verdade, pois que, doutro modo protegeria a imoralidade e chegaria a assegurar ao homem torpe o gozo dos frutos da sua vergonha, sob a capa do segredo; se a verdade nunca se pudesse dizer, o povo desconfiaria da justiça e das leis, vendo punir um indivíduo que não fez mais do que expor um fato verdadeiro. Tudo está no exame sobre se é de maior importância ou não, o primeiro ou o segundo interesse."131

A acolhida do princípio de não-admissão da prova da verdade não ganha, porém, apoio unânime dos doutrinadores, que até consideram benéfica a expressão da verdade na formação dos costumes. Gaetano Filangiere, jurista italiano citado por Darcy A. Miranda, está entre eles:

"O legislador não deve se atemorizar com esta censura privada; longe de ser funesta ela pode, antes, favorecer os costumes, fornecendo um freio a mais ao vício e constituindo uma ameaça ao homem vicioso."

E acrescentou o insigne Darcy A. Miranda, citando Dareau:

"Não importa que a difamação tenha a verdade por princípio; se, sob o pretexto de se dizer somente a verdade, se estivesse livre de divulgar aquilo que se sabe sobre os interesses de outrem, este pretexto daria lugar a discórdias e ódios perpétuos."132

Ao longo da história legislativa, deparamos com as duas doutrinas (a que permite a produção da prova e a que não admite), que instigam a mente dos legisladores de todos os tempos.

Na Itália, seguindo exemplo do código napoleônico, o legislador trilhou caminho intermediário, estabelecendo, como regra, a produção da verdade, mas admitindo exceções. Entretanto, o atual Código Penal, em seu artigo 596, determina regra inversa, não admitindo a exceptio na difamação e injúria. O artigo 52 do D. Lg. Lt 14/9/44, acrescentando, diz que, quando se tratar de fato determinado, a produção da verdade é sempre admitida nos casos:

1) para fatos atribuídos a quem exerce cargo público, no exercício de sua função;

2) em caso de procedimento penal pendente;

3) em caso de pedido formal do querelante ao juízo, para averiguação da verdade ou falsidade do fato atribuído.

Informou Antonio Forchino sobre a diferença de relevância prática entre os dois primeiros casos de exceptio e o terceiro: nos dois primeiros, a justificativa encontra fundamento no interesse público e, na hipótese terceira, estaríamos diante de uma remissão da querela submetida à condição suspensiva da obtenção da prova, que opera como causa extintiva de punibilidade. Neste último caso, a errônea suposição da verdade da imputação pode ser considerada pelo juiz apenas em relação à aplicação da pena, enquanto nos dois primeiros casos deverá produzir efeito absolutório. Ainda: a ausência, nas duas primeiras previsões, de ônus probatório ao imputado, enquanto, na terceira, o ônus estará a cargo, infungivelmente, do imputado como meio para paralisar a pretensão punitiva. E mais: a diferente função da prova da verdade no campo civil, caso o difamado prefira recorrer ao juízo civil em vez de propor a ação penal. Nos dois primeiros casos da exceptio, enquanto a prova objetiva demonstrar a inexistência do ilícito, anula também o ilícito civil. Ao contrário, na hipótese terceira, como a exceptio opera como causa especial de não-punibilidade, produz um efeito puramente penal, subsistindo o ilícito no campo civil.133

No direito brasileiro, o § 3º do artigo 138 do Código Penal, nos casos de calúnia, tem por regra geral a admissão da prova da verdade. Este acolhimento da prova funda-se no interesse social em que não fique impune o autor do fato considerado criminoso, visto que a calúnia é imputação falsa de um crime. A produção da prova da verdade deve ater-se aos restritos limites daquele fato criminoso, não sendo permitido, nem justo, fazer uma devassa em toda a vida do ofendido.

As ressalvas, casos de não-permissividade, em nosso direito penal, da prova da verdade são:

1. em crime de ação privada em que o ofendido não tenha sido condenado pelo fato definido como crime, em sentença irrecorrível". Isto é bastante evidente, uma vez que o processo ainda se encontra em curso;

2. por fato imputado ao Presidente da República ou chefe de governo estrangeiro". Esta ressalva também tem um interesse público. O chefe da nação, tal a relevância de seu papel, não pode ficar à mercê de acusações de um qualquer, quando o julgamento de suas ações é feito pelo Senado ou Supremo Tribunal Federal, por força de dispositivo constitucional – art. 52, I; 86; 102, I, b, da Constituição Federal Brasileira. Quanto ao chefe de nação estrangeira, a situação é singular, o que remete a questão para o campo do direito internacional;

3. quando o ofendido, mesmo sendo o crime de ação pública, foi absolvido por sentença irrecorrível.

O reexame probatório da matéria, nesses casos, não tem acolhida em nosso direito (art. 621, Código de Processo Penal).

A prova da verdade só é admissível quando houver imputação de fato, o que a restringe aos crimes de calúnia e difamação, não sendo consentida na injúria. No caso de difamação, a exceptio só tem lugar se o ofendido é funcionário público e a ofensa diz respeito ao exercício de suas funções. Aqui, impõe-se a necessidade da prova, objetivando a moralidade do serviço público, pois, como sabemos, no caso de se tipificar a difamação, não é imprescindível que o fato seja falso. A Lei de Imprensa n. 5.250/67 dispôs restringindo o caso de aplicação da prova da verdade no âmbito privado.

A referida deixou expressa a prevalência do interesse público (art. 49, II, § 1.º), não admitindo a prova relativa a fatos da vida privada:

"Nos casos de calúnia e difamação, a prova da verdade, desde que admissível na forma dos arts. 20 e 21, excepcionadas no prazo da contestação, excluirá a responsabilidade civil, salvo se o fato imputado, embora verdadeiro, diz respeito à vida privada do ofendido e a divulgação não foi motivada em razão de interesse público."

Analisando a legislação civil argentina, manifestou-se Santos Cifuentes contrário à aplicação da prova da verdade aos atos ilícitos não pertinentes ao campo penal, em decorrência de disposição do artigo 1.089, que prevê a indenização no caso de dano resultante de calúnia ou injúria, "sempre que o delinqüente não provar a verdade da imputação". Delinqüente, disse o autor, é quem comete delitos. Por isso que a exceptio circunscreve-se aos ilícitos do direito criminal e, se fosse estendida ao ilícito civil, produziria incongruência, já que ficariam fora de seu âmbito os quase-delitos.134

Na difamação impõe-se mais ainda a proteção da honra. Ao imputar-se a outrem fato difamatório, mesmo que este se assente em verdade, não significa que exista interesse público, e o ofensor tem apenas como fim causar prejuízo a este terceiro, o que é ilícito. E a prova da verdade, segundo sustentação de Grellet-Dumazeau, "não fará com que a vossa intenção seja digna e pura; ela não vos relevará, e eu vos recuso o direito de fazer justiça".135 Idéia esta confirmada por Santos Cifuentes:

"La verdad de la imputación deshonrosa, por lo tanto, en muy cercados límites juega un papel exculpatorio del acto ilícito, y en mayor medida esto es asi cuando se pretende propagar el ataque, renovar la situación degradante públicamente."136

Os doutrinadores, de modo geral, são contra a admissibilidade da exceptio veritatis de modo ilimitado. Não destoando do pensamento de Dumazeau, Santos Cifuentes foi terminante em dizer que quantas vezes a verdade divulgada produz tanto ou mais dano que uma falsa imputação. Com razão, alegou que, assim como as qualidades de uma pessoa costumam elevá-la até exageradamente na vida social, também os defeitos ocorrem rebaixá-la e humilhá-la e a difusão destes deve ser evitada. E concluiu: "De modo que corresponde estrechar la investigación de la verdad cuando está en tela de juicio un ataque al honor."137

A proposição do autor é atinente à aplicação da exceptio no Direito Privado. Não temos, no campo civil, norma expressa sobre a prova da verdade e as ligeiras considerações aqui trazidas só podem ser feitas com o subsídio do direito penal. Manzini estabeleceu a aplicação analógica, utilizando como supedâneo os princípios da unicidade da jurisdição e universalidade da vontade legislativa:

"Poichè la prova della verità dell’addebito, di règola, è vietata nel processo penale, non può essere consentita nel giudizio civile, che siasi promoso in luogo di quello penale. Il medesino divieto deve valere en entrambi i giudizi, perché le exclusioni o le limitazioni riguardanti la prova giudiziale stabilita da un ordinamento giuridico debbono valere, data l’universalità della volontà legislativa e l’unicità della giurisdizione, rispetto ad ogni altro ordinamento giurídico, quando la lege non disponga diversamente in modo expresso."138

Na proibição da produção de prova da verdade encontramos uma forte razão que, certamente, move os legisladores. Todo indivíduo tem o direito de reconstruir sua honra, de refazer-se como pessoa de bom nome no mundo social. Se, toda vez que cruzarmos com um delinqüente, gritarmos: assassino, ladrão, estaremos reavivando na mente das pessoas que presenciam a cena, ou dela tiverem conhecimento, uma conduta pertinente ao passado, que o próprio ofendido procura esquecer. Pensamento este bem exposto por Antonio Forchino:

"Il nostro ordinamento infatti non tollera che i privati si valgano della condanna penale riportata da una persona per denigrarla e ostacolarne il riadattamento sociale, e a maggior razione non consente che si continui ad altribuire un fatto delittuoso a chi per questo fatto sia stato assolto con sentenza inoppugnabile di proscioglimento."139

Os ataques referidos acima ficariam impunes com a aplicação da exceptio veritatis e a honra das pessoas exposta constantemente à maledicência alheia, sem nenhuma defesa.

O exame das diversas opiniões e a tomada de posição por alguns códigos foram feitos por F. Carrara, que concluiu ser difícil reduzir a uma fórmula científica positiva o princípio da exceptio veritatis, mas opina que a questão deva ser alicerçada no ânimo do ofensor: nos casos em que a natureza da imputação e suas condições não atestam que o ofensor agiu com intuito honesto, a verdade do fato não tem valoração jurídica...140

Este critério essencialmente subjetivo parece-nos não ser satisfatório, pois a questão fundamentar-se-ia em matéria exclusivamente probatória, o que colocaria a admissibilidade da exceptio integralmente na dependência do julgador e, em muitos casos, ficaria difícil averiguar o ânimo do ofensor.

Referente à aplicação da exceptio veritatis no direito civil brasileiro, de ordinário observar o disposto no artigo 935 do Código Civil, anterior art. 1.525, que estabelece a independência da jurisdição civil em relação à penal. No campo privado, entendemos que as mesmas razões que moveram o legislador penal a consentir na produção da prova da verdade, nos casos de calúnia e difamação (esta última somente em se tratando de servidor público) também devem prevalecer.

17.Conceito das figuras penais

Impõe-se breve vista no conceito das figuras previstas pelas legislações penais, como caracterizadoras dos delitos contra a honra, que se distinguem em: calúnia, difamação, injúria.

Como bem disse Antonio Forchino:

"Dal riconoscimento legislativo del bene giuridico dell’inviolabilitá della personalità morale, sorge il diritto soggettivo della persona di ottenere dallo stato sia mediante l’intervento della giurisdizione penale, sia mediante l’azione civile, la protezione concreta contro l’ingiuria e la diffamazione."141

E acrescentava que, com a incriminação da difamação, protege-se a reputação.142

A disposição da atual legislação penal italiana, prevendo esses delitos de difamação e injúria, assemelha-se ao contido no estatuto penal brasileiro, anterior ao nosso atual Código Penal, que apresentava a difamação como espécie de injúria. De fato, na esteira da legislação francesa, o Código Penal brasileiro de 1830 colocava a calúnia e injúria, considerando esta última como imputação de fato criminoso de ação privada, de vícios e defeitos, bem como tudo aquilo que pudesse prejudicar a reputação de alguém. Este pensamento foi mantido pela legislação de 1890, com a previsão das duas figuras. Só com o surgimento do atual estatuto (1940) é que houve maior detalhamento das figuras consideradas.

A lei italiana não elencou o ilícito da calúnia, mas sob esta denominação cuidou do crime contra a administração da justiça, o que é previsto por nossa lei como Denunciação Caluniosa (art. 339, Código Penal).

O Código Penal francês, de 1810, reconhecia a calúnia e a injúria, considerando esta última delito ou simples contravenção. Em 1919 a expressão calúnia foi substituída por difamação e esta se distinguia da injúria por consistir em imputação de fato determinado.

Outra foi a tendência do Código Penal alemão, de 1870, dando mais detalhamento das figuras penais, prevendo os ilícitos de: calúnia, difamação e injúria. Tratou da calúnia como sendo atribuição de fatos falsos, sendo que o agente procede consciente desta falsidade; da difamação, como consistente na atribuição de fatos que o ofensor não pode provar e da injúria, como ofensa à dignidade pessoal, por meio de expressões ultrajantes.

Pelo teor das disposições do artigo 138 do Código Penal brasileiro, a calúnia pode ser conceituada como imputação falsa a alguém da prática de ato definido como crime. Integram, pois, o seu conceito, a falsidade da imputação e a ilicitude do ato. Poderá, entretanto, ocorrer que não seja imprescindível a falsidade da imputação, quando a lei não admite expressamente a exceptio veritatis. A calúnia é considerada ilícito mais grave, dentre as ofensas à honra, justamente por se alicerçar em fato determinado e criminoso e não em atribuições vagas. Por tal razão, nossa lei admite a exceptio, uma vez que a apuração da verdade interessa à ordem pública.

Na mesma pena incorre, isto é, também comete o delito , aquele que divulga ou propala, espalha a imputação, sabendo-a falsa (§ 1º, art. 138 – subtipo de calúnia).

Os ilícitos de calúnia e difamação são considerados afins, pois ambos lesam a honra objetiva e requerem a comunicação a terceiros. Entretanto, distinguem-se nitidamente nos elementos objetivos, porque, na calúnia há exigência de que o fato imputado seja considerado delituoso, enquanto na difamação este requisito não é mister.

O Código Penal italiano ab-rogado (1889) distinguia as figuras da difamação e injúria, segundo se tratasse ou não da atribuição de fato determinado, enquanto a atual lei apóia-se no elemento presença ou não do ofendido. Na difamação, o ofendido encontra-se ausente, não podendo justificar-se ou rebater a acusação, o que torna o delito mais grave do que a injúria. O ofendido, estando presente, tem a faculdade de devolver a acusação, justificá-la e desfazer as más impressões. O dano imediato será mínimo e o dano mediato, por certo, não ocorrerá.

O critério de distinção fundado no elemento presença é, segundo os doutrinadores italianos, o mais acertado. Se o fato é determinado, constitui circunstância agravante em ambos os delitos.

Com base nos dispositivos legais vigentes, a doutrina italiana considerou que, na injúria, o sentimento da própria honra é tutelado e, na difamação, a tutela é à reputação. Na observação de F. Antolisei seria mais exato dizer que se protege prevalentemente na injúria e na difamação o sentimento da própria honra e a reputação, respectivamente.143

Acatando o conceito de Difamação, sustentado em nossa lei penal, esta consiste na imputação a alguém de fato não criminoso, mas lesivo à sua reputação, mesmo que tal fato seja verdadeiro.

No direito brasileiro, a exemplo do que sucede na lei italiana, a punição da difamação visa à proteção da honra objetiva (reputação, bom nome). As nossas leis de 1830 e 1890 não previam autonomamente esta figura e a consideravam como uma das formas da tipicidade de injúria.

Doutrinadores da pátria italiana destacaram que os delitos de injúria e difamação possuem aspectos comuns, quais sejam:

1)Consistem em uma manifestação do pensamento;

2)Para consumação é necessário que a ofensa chegue ao conhecimento de outra pessoa: do próprio ofendido, se se tratar de injúria, ou seja, é fundamental que este se encontre no ambiente no qual seja proferida a palavra ou produzido o ato concretizador da ofensa, seja também por meio de instrumentos de comunicação como telefone, desenhos, escritos dirigidos diretamente ao ofendido, canções etc. A injúria consuma-se com o conhecimento pelo sujeito passivo da manifestação ofensiva. A difamação, ao contrário, consuma-se no momento mesmo em que é manifestada aos destinatários, que devem ser, pelo menos, duas pessoas.144

Em ambos os casos, não é precisamente necessário que se efetive o dano à honra da pessoa, já que estes delitos, em nossa opinião, constituem crime de perigo. Necessário, sim, que a ofensa seja capaz de lesar o bem jurídico tutelado.

A verdade da imputação, por si, não exclui o ilícito, o que ocorrerá, quando a lei expressamente o disser.

A conexão da difamação com a calúnia traduz-se justamente pela atribuição, na difamação, de fato concreto lesivo à reputação, mas daquela última difere, porque o fato não é elencado como criminoso. Difere a difamação da injúria e apresenta-se mais gravosa, uma vez que consiste na imputação de fato ou conduta concreta e precisa (tal como se dá na calúnia) e não se refere a vícios e defeitos morais, que atingem a integridade moral do ofendido.

A exceção da verdade só é permitida pela nossa lei no caso de a difamação ser endereçada a funcionário público no exercício de suas funções. Não poderia o legislador abrir o leque e permitir, como expressou na calúnia, a prova da verdade também na difamação, como regra, pois, em assim agindo, abriria enormes portas para o cultivo da maledicência alheia. No caso do servidor público, a exceptio se impõe dada a relevância do interesse público em jogo, para a apuração do fato e afastamento do servidor desonrado. A expressão funcionário público é empregada pela lei em sentido lato e abrange todo aquele que exerce função pública, até mesmo em entidade paraestatal.

Pela disposição do artigo 140 do Código Penal brasileiro, a injúria consiste na ofensa à dignidade de alguém. Autores pátrios procuram integrar na tutela prevista neste artigo como ao bem da honra, considerada esta subjetivamente, o que se traduz por estima própria, juízo que a pessoa faz de si mesma.

A injúria tipifica-se como delito menos grave do que a calúnia e a difamação, pois a imputação aqui refere-se a vícios, qualidades negativas que atingem a dignidade da pessoa. Por caracterizar-se como ofensa à honra subjetiva, não requer, a injúria, que haja comunicação a outrem, como nos dois delitos anteriores.

A nossa lei penal, utilizando-se das expressões dignidade e decoro, deita, implicitamente, diferença entre as duas terminologias. Dignidade, entendida como juízo que a pessoa tem da própria honra, o sentimento da própria honorabilidade; decoro, no sentido de decência, respeitabilidade e consideração merecidas.145 Traçando essa distinção, Magalhães Noronha exemplificou: "Atinge-se a dignidade com as expressões: ladrão, estelionatário, pederasta etc., e alcança-se o decoro com: estúpido, ignorante, arara etc. Considera que, no decoro, não é atingida a honra, mas sim o respeito pessoal."146 Discordamos de sua colocação, ao carrearmos a figura da injúria para o campo privado. Aqui ela possui uma conotação bem ampla e, certamente, a falta de respeito pessoal caracteriza-se como ato injurioso, ofensivo à honra.

Juristas houve que bipartiram a injúria em absoluta e relativa. Na absoluta, a expressão tem um significado ofensivo único para todas as pessoas, sem variantes ou atenuantes; na relativa, a expressão manifestada adquire caráter injurioso, conforme a pessoa a quem é endereçada, o lugar, circunstância, tempo etc.147

A manifestação da injúria concretiza-se por qualquer meio: desenho, gestos, pintura, palavras, escritos, vias de fato (injúria real) e outros, e acredita-se que até pela omissão ela pode ocorrer, podendo, ademais, ocorrer imediatamente ou de forma mediata. Neste último caso ocorrerá por meio de outra energia (humana, animal ou mecânica). Não são raros os casos julgados por nossos tribunais, envolvendo animais capazes de repetir uma injúria que lhes fora ensinada. são circunstâncias agravantes se consistir em violência (§ 2ºº) ou se são utilizados elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência (§ 3º acrescido pela lei n. 9.459, de 13.05.97, com redação dada pela lei n. 10.741, de 3.10.2003).

O elemento subjetivo exigido pela lei penal nos crimes contra a honra é o dolo. Acerca deste, duas correntes se alinham. A primeira, a que considera conduta dolosa, aquela que traduz a vontade consciente e livre do agente na imputação do fato; e a segunda, a que exige, ainda, como elemento, a intenção de lesar. Esta intenção de ofender é acolhida tanto pela doutrina quanto pelos tribunais. Aduziu Magalhães Noronha que:

"Não basta, pois, que as palavras sejam aptas a ofender; é mister que sejam proferidas com esse fim. Máxime nas camadas inferiores, é hábito empregar palavras, às vezes, altamente ofensivas, até com sentido de elogio e, em tais hipóteses, não há ofensa à honra, por não se apresentar o animus injuriandi ou diffamandi."148

Esta intenção pertence à essência do crime. Conseqüentemente, não existirá o delito se a expressão não visar à ofensa, como ocorre no animus narrandi, animus jocandi, animus informandi.

O que é essencial é que o dolo não pode ser presumido como resultante da própria expressão, considerada objetivamente ofensiva.

Não pretendemos adentrar no estudo das figuras que caracterizam o delito contra a honra, caminho que devemos evitar. Tão-só objetivamos traçar a rápida noção desses crimes, de acordo com o direito brasileiro, no sentido de obter-se uma informação a mais para o presente estudo.

Para finalizar o presente capítulo, reafirmamos que, em qualquer aspecto que se apresente, a honra consiste no direito à dignidade pessoal.

Rodapé

  1. BARBERO, Domenico. Sistema istituzionale del diritto privato italiano. 2. ed. Torino: Torinese, 1949, v. 1, p. 491.
  2. Los derechos personalíssimos, p. 281.
  3. Cf. CHASSAN, M. Traité des délits et contraventions de la parole de l’écriture et de la presse. 2. ed. Paris: Videcoq Fils Ainé, 1851, t. 1, p. 379.
  4. Cf. ARRUDA MIRANDA, Darcy. Comentários à Lei de Imprensa, p. 347-348.
  5. Apud ARRUDA MIRANDA, Darcy. Op. cit., p. 349.
  6. ENNECCERUS, Ludwig; KIPP, Theodor; WOLFF, Martin. Tratado de derecho civil. Barcelona: Bosch, 1934, t. 1, p. 388.
  7. VALENCIA ZEA, Arturo. Derecho civil – Parte general y personas. 6. ed. Bogotá: Themis, 1974, v. 1, p. 473 e 474.
  8. VALENCIA ZEA, Arturo. Op. cit., p. 473 e 474.
  9. REALE, Miguel. O direito como experiência: introdução à epistemologia jurídica. São Paulo: Saraiva, 1968, p. 268.
  10. Cf. CARRARA, Francesco. Programa de derecho criminal – Parte especial. Trad. José Ortega Torres y Jorge Guerreiro. Bogotá: Themis, Buenos Aires: Depalma, 1974, v. 3, p. 5 et seq.
  11. Cf. DERNBURG, Arrigo. Pandette. Trad. Francesco B. Cicala. Torino: Fratelli Bocca, 1906, v. 1, p. 160, parte 1.
  12. DE CUPIS, Adriano. I diritti della personalità. Trattato di diritto civile e comerciale. Milano: A. Giuffrè, 1973, v. 4, t. 1, p. 229 e 230.
  13. RECASENS SICHES, Luiz. Tratado general de filosofia del derecho. 4. ed. Mexico: Porrua, 1970, p. 579.
  14. Op. cit., p. 282.
  15. JIMÉNEZ ASENJO, Enrique. Delitos contra el honor. In: Nueva Enciclopedia Jurídica. Barcelona: F. Seix Editor, 1954, v. 6, p. 630.
  16. Apud DE CUPIS, Adriano. Teoria e pratica del diritto civile. 2. ed. Milano: A. Giuffrè, 1967, p. 106.
  17. FORCHINO, Antonio. Ingiuria e diffamazione (diritto penale comune). Novissimo Digesto Italiano, v. 8, p. 685.
  18. Apud ARRUDA MIRANDA, Darcy. Op. cit., p. 349.
  19. MANZINI, Vicenzo. Trattato di diritto penale italiano. 9. ed. Torino: Torinese, 1951,v. 8, p. 557.
  20. MAGALHÃES NORONHA, Edgard. Direito penal. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 1977, v. 12, p. 136.
  21. Art. 594 CP italiano: Quiconque offense l’honneur ou la dignité d’une personne présente, est puni de réclusion jusqu’a six mois ou d’une amende jusqu’a 5.000 lires. (Les Codes Pénaux Européens. Paris: Centre Français de Droit Comparé, 1958).
  22. Cf. Op. cit., 1951, v. 8, p. 449.
  23. Cf. Teoria e pratica..., cit., p. 132.
  24. Temas de derecho civil, p. 18.
  25. Cf. De Cupis, Adriano. Teoria e pratica del diritto civile, cit., p. 85
  26. Op. cit., p. 296.
  27. Idem.
  28. Op. cit., p. 297.
  29. NERSON, Roger. Personnes et droits de famile: protection de la personalité. Revue Trimestrielle de Droit Civile n. 2, v. 78, p. 380. Paris: Sirey, avr./juin. 1979.
  30. Idem.
  31. Cf. CANSACCHI, Giorgio. Onore (Diritto Internazionale). Novissimo Digesto Italiano. 3.ed. Torino: Torinese, 1957, v. 11, p. 941.
  32. CANSACCHI, Giorgio. Op. cit., p. 941.
  33. Ibidem, p. 942.
  34. Op. cit., p. 643
  35. Cf. CANSACCHI, Giorgio; CAUSA, Mario Gorino. Onorificenze. Novissimo Digesto Italiano, v. 11, p. 950-953.
  36. Cf. LIMONGI FRANÇA, Rubens. Do nome civil das pessoas naturais. São Paulo: RT, 1975, p. 467-471.
  37. Cf. SANTORO PASSARELI, F. Doctrinas generales del derecho civil. Trad. A. Luna Serrano. Madrid: Revista de Derecho Privado, 1964, p. 43-44.
  38. Op. cit., p. 309.
  39. Do nome..., cit., p. 471-472.
  40. Op. cit., 3. ed., p. 470 e 435
  41. Op. cit., p. 472-474.
  42. Ibidem, p. 473-474.
  43. Cf. MAZEAUD, H.; MAZEAUD, L.; MAZEAUD, J. Lecciones de derecho civil. Trad. Luis Alcalá-Zamora y Castillo. Buenos Aires: Europa-América, 1959, v. 3, p. 10, parte 1.
  44. Cf. MAZEAUD, H.; MAZEAUD, L.; MAZEAUD, J. Op. cit., v. 3, p. 18-19.
  45. Apud MAZEAUD, H.; MAZEAUD, L.; MAZEAUD, J. Op. cit., v. 3, p. 21.
  46. ANTOLISEI, Francesco. Manuale di diritto penaleParte speciale. 6. ed. Milano: A. Giuffrè, 1972, v. 1, p. 336.
  47. Apud ANTOLISEI, Francesco. Op. cit., p. 336.
  48. Op. cit., p. 7- 8.
  49. Cf. SILVA, Wilson Melo da. O dano..., cit., 1949, p. 49.
  50. Cf. SILVA, Wilson Melo da. O dano..., cit., 1949, p. 139-140.
  51. SILVA, Wilson Melo da. O dano..., cit., 1949, p. 140.
  52. Los derechos de la personalidad. Revista General de Legislación y Jurisprudencia n. 192, v. 24, p. 49-50.
  53. Op. cit., p. 281.
  54. Op. cit., p. 635.
  55. SALAS, Carlos Horácio. El delito de injuria y el honor protegido. Revista Juridican. 10, p. 218, 1962.
  56. Op. cit., p. 141.
  57. Op. cit., p. 140.
  58. Cf. PEREIRA, Tânia da Silva. O direito da criança e do adolescente. Rio de Janeiro: Renovar, 1996, p. 140 et seq.
  59. Op. cit., p. 686.
  60. DE CUPIS, Adriano. Il danno. 2. ed. Milano: A. Giuffrè, 1970, v. 2, p. 124-125.
  61. Idem.
  62. AGUIAR DIAS, José de. Da responsabilidade civil. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1973, v. 2, p. 11. Cf. Savatier, René. Traité de la responsabilité civile en droit français. 2. ed. Paris: LGDJ, 1939, t. 1, p. 248-250.
  63. SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. O pai só é responsável pela reparação civil de defloramento praticado por seu filho menor quando ocorrer culpa ou negligência de sua parte. O dote à mulher deflorada deve ser regularmente arbitrado por peritos no decorrer da causa. Nas indenizações por ato ilícito não se incluem honorários de advogados se não forem expressamente demandados (ApCiv. n. 20.969. Hugo Augusto Bianchi e Genny Corrêa versus os mesmos. Rel. Vicente Mamede. Acórdão de 13.09.1935. RT v. 103, p. 232-238. São Paulo, set. 1936).
  64. SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Do preceituado no art. 1.548, n. I, do Código Civil, decorre que a obrigação de indenizar resulta do fato da honra agravada, da perda da virgindade, independente de violência ou sedução e desde que se trate de menor (ApCiv. n. 194.505. S.F.V. versus J.A.P. e outro. Rel. Dantas de Freitas. Acórdão de 12.03.1971. RT v. 430, p. 115. São Paulo. ago. 1971).
  65. SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Responde o pai pelo defloramento praticado por seu filho, que se recusou a reparar o mal pelo casamento, se não comprovou ausência de sua culpa ou negligência de sua parte (ApCiv. n. 205.561. Alberto Abdo Tanus versus Paulo Nogueira. Rel. Flávio Torres. Acórdão de 25.05.1972. RT v. 447, p. 75 e 76. São Paulo, jan. 1973.
  66. SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Havendo culpa in vigilando, o pai é solidário pela reparação de dano decorrente de ato ilícito de filho menor. O comportamento posterior da mulher ofendida, até então de conduta honesta, é irrelevante para o seu direito ao dote (ApCiv. n. 217.775. N.L.S. e outro versus R.S. Rel. Oliveira Andrade. Acórdão de 26.02.1976. RT v. 492, p. 68-69. São Paulo, out. 1976.
  67. Op. cit., p. 15.
  68. VELU, Jaques. Le droit au respect de la vie privée, cit., p. 91.
  69. Op. cit., p. 91.
  70. Ibidem, p. 92.
  71. Cf. ARRUDA MIRANDA, Darcy. Op. cit., v. 1, p. 315.
  72. FROLA, Pier Eugenio. Delle ingiurie e diffamazioni. 5. ed. Torino: Torinese, 1910,p. 144.
  73. Cf. MAASS, Hans-Heinrich. Information und Geheimnis im Zivilrecht. Stutgart: Ferdinand Enke, 1970, p. 22.
  74. MAASS, Hans-Heinrich. Op. cit., p. 22.
  75. Ibidem, p. 23-26.
  76. Idem.
  77. Cf. MAASS, Hans-Heinrich. Op. cit., p. 23-26.
  78. Idem.
  79. Cf. COSTA JÚNIOR, Paulo José da. O direito de estar só: tutela penal da intimidade. São Paulo: RT 1970, p. 24-25.
  80. Op. cit., p. 33.
  81. Cf. FERNANDES, Milton. Proteção civil da intimidade, p. 66.
  82. Ibidem, p. 68.
  83. GIAMPICCOLO, Giorgio. La tutela giuridica della persona umana e il c. d. diritto alla riservatezza. In: Scritti giuridici in memoria di Pietro Calamandrei. Padova: Cedam, 1958, v. 5, p. 434.
  84. Op. cit., p. 435.
  85. Cf. FERNANDES, Milton. Op. cit., p. 57.
  86. Idem.
  87. ÉMILE COLAS, c. r., LL. D. Le droit à la vérité et le libelle diffamatoire. La Revue du Burreau v. 44, n. 4, p. 637-657, sept./oct. 1984.
  88. Op. cit., p. 23-24.
  89. DE CUPIS, Adriano. Teoria e pratica..., cit., p. 139.
  90. Apud DE CUPIS, Adriano. Teoria e pratica..., cit., p. 106.
  91. Ibidem, p. 127.
  92. DOTTI, René Ariel. Proteção da vida privada e liberdade de informação, p. 87.
  93. Ibidem, p. 85.
  94. GIAMPICCOLO, Giorgio. Op. cit., p. 445.
  95. NERSON, Roger. La protection de la vie privée en droit positif français. Revue Internationale de Droit Comparé n. 4, v. 24, p. 755, oct./déc. 1971.
  96. Cf. ARE, Mario. Interesse alla qualificazione e tutela della personalità. In: Studi in onore di Alberto Asquini. Padova: Cedam, 1965, v. 5, p. 2229.
  97. COSTA JÚNIOR, Paulo José. Op. cit., p. 35.
  98. DE CUPIS, Adriano. Riservatezza e segreto (diritto a). Novissimo Digesto Italiano. 3. ed. Torino: Torinese, 1969, v. 16, p. 120.
  99. Op. cit., v. 1, p. 317.
  100. Teoria e pratica..., cit., p. 151.
  101. ARRUDA MIRANDA, Darcy. Op. cit., v. 1, p. 354.
  102. Cf. CHASSAN, M. Op. cit., p. 379.
  103. RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça. ApCrim. n. 1.650. S/indicação partes. Rel. Estácio Corrêa de Sá e Benevides. Acórdão de 07.10.1948. RT v. 186, p. 353-355. São Paulo, jul. 1950.
  104. SEMMOLA, Giuseppe. Apud ARRUDA MIRANDA, Darcy. Op. cit., v. 1, p. 356.
  105. COING, Helmut. Droit à l’honneur et droit d’information en droit allemand. In: Mélanges en l’honneur de Paul Roubier. Paris: Dalloz & Sirey, 1961, t. 2, p. 415.
  106. Op. cit., p. 309.
  107. LIMONGI FRANÇA, Rubens. Direitos privados da personalidade. RT v. 370, p. 11-12. São Paulo, ago. 1966.
  108. Cf. Teoria pratica..., cit., p. 187.
  109. Idem.
  110. Teoria e pratica..., cit., p. 187-189.
  111. Op. cit., p. 310.
  112. Idem.
  113. Cf. CIFUENTES, Santos. Op. cit., p. 309-310.
  114. DUSI, Bartolomeo. Istituzione di diritto civile. 4. ed. Torino: Giappichelli, 1943, v. 1, p. 64.
  115. Cf. Os direitos da personalidade, p. 129.
  116. DE SEMO, Giorgio. Istituzioni di diritto privato. 5. ed. Firenze: G. Barbera, 1948,p. 127.
  117. MESSINEO, Francesco. Manuale di diritto civile e comerciale. 7. ed. Milano: A. Giuffrè, 1947, p. 85.
  118. MICELI, Vicenzo. I diritti della personalità: la personalità nella filosofia del diritto. Milano: Società Editrice Libraria, 1922, p. 395.
  119. Op. cit., p. 395.
  120. Cf. NOBRE, Freitas. Comentários à Lei de Imprensa n. 5.250, de 09.02.1967. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1985, p. 326.
  121. CIFUENTES, Santos. Op. cit., p. 314.
  122. Cf. Os direitos da personalidade, cit., p. 140.
  123. Cf. DE CUPIS, Adriano. Teoria e pratica..., cit., p. 174-175.
  124. Op. cit., p. 400-401.
  125. ASCENÇÃO, José de Oliveira. Direito autoral. Rio de Janeiro: Forense, 1980, p. 8 e 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 21.
  126. Op. cit., p. 309.
  127. Op. cit., p. 84.
  128. RESCIGNO, Pietro. Manuale del diritto privato italiano. Napoli: Eugenio Jovene, 1974, p. 203-204.
  129. Op. cit., p. 163.
  130. Idem.
  131. Op. cit., v. 1, p. 310.
  132. Op. cit., v. 1, p. 311-312.
  133. Op. cit., p. 692.
  134. Op. cit., p. 289.
  135. Apud ARRUDA MIRANDA, Darcy. Op. cit., p. 313.
  136. Op. cit., p. 288.
  137. Op. cit., p. 287.
  138. MANZINI, Vicenzo. Op. cit., 1951, v. 8, p. 521.
  139. Op. cit., p. 692.
  140. Cf. CARRARA, Francesco. Programa de derecho criminal, cit., v. 3, p. 167.
  141. Op. cit., p. 684
  142. Idem.
  143. ANTOLISEI, Francesco. Op. cit., 1972, v. 1, p. 141.
  144. Cf. FORCHINO, Antonio. Op. cit., p. 684.
  145. MAGALHÃES NORONHA, Edgard. Direito penal. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 1977, v. 2, p. 136.
  146. MAGALHÃES NORONHA, Edgard. Op. cit., p. 136.
  147. Cf. MAGALHÃES NORONHA, Edgard. Op. cit., p. 137.
  148. MAGALHÃES NORONHA, Edgard. Op. cit., p. 126.
Sobre a autora
Aparecida I. Amarante

Procuradora do Estado de Minas Gerais. Ex-professora-adjunta de Direito da UFMG. Doutora em Direito Civil. Escritora.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMARANTE, Aparecida I.. Responsabilidade civil por dano à honra. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2492, 28 abr. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14764. Acesso em: 22 nov. 2024.

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Esta é a versão eletrônica do livro "Responsabilidade civil por dano à honra", em 7ª edição revisada, publicada com exclusividade no Jus Navigandi.

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