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A inconstitucionalidade da delação premiada no Brasil

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Agenda 13/05/2010 às 00:00

Tendo em vista a proeminência normativa da Constituição, a delação premiada, por ofender princípios dispostos na Carta Magna, deve ser declarada inconstitucional, sendo considerada uma modalidade de prova ilícita.

O homem – e, de uma maneira geral, todo ser racional - existe como fim em si mesmo, e não apenas como meio para uso arbitrário desta ou daquela vontade. Em todas suas ações, pelo contrário, tanto nas direcionadas a ele mesmo como nas que o são a outros seres racionais, deve ser ele sempre considerado simultaneamente como fim.

KANT

RESUM0

O Presente trabalho tem por objeto a análise da delação premiada no ordenamento jurídico pátrio, mais especificamente sua incompatibilidade com as garantias fundamentais estabelecidas na Constituição Federal. Instituto utilizado em larga escala nos EUA e na Itália no combate ao crime organizado, consiste, em termos gerais, na possibilidade concedida ao participante e/ou associado de ato criminoso ter sua pena reduzida ou até mesmo extinta, mediante a "denúncia" de seus comparsas às autoridades, tendo previsão em várias leis especiais e no próprio Código Penal. O estudo tem como finalidades principais examinar as origens, as bases e a possibilidade ou não da aplicação da delação premiada, num confronto desta com os dispositivos constitucionais. Dentro de um movimento de busca constante por uma segurança pública efetiva, o ideal de verdade real no processo penal vem sofrendo distorções, fazendo com que o referido instituto se torne um autêntico mecanismo de extorsão da verdade. Além disso, constitui uma ofensa a princípios constitucionais, como o contraditório, dignidade da pessoa humana e o direito de não produzir prova contra si mesmo. Dessa forma, tendo em vista a proeminência normativa da Constituição, a delação premiada, por ofender princípios dispostos na Carta Magna, deve ser declarada inconstitucional, sendo considerada uma modalidade de prova ilícita.

PALAVRAS-CHAVE: Delação premiada - Prova ilícita - Política criminal – Legislação penal brasileira.

SUMÁRIO: RESUMO. ABSTRACT. INTRODUÇÃO. 1 VERDADE E PROVAS. 1.1 Verdade no processo penal. 1.2 Provas. 1.3 Da prova ilícita. 2 ESTADO AUTORITÁRIO "MASCARADO". 2.1 Releitura constitucional das normas processuais penais. 2.2 Autoritarismo e política criminal. 2.2.1 Autoritarismo no século XXI e segurança pública. 2.2.2 O papel da mídia. 2.2.3 Direito Penal Emergencial e Garantismo. 3 A DELAÇÃO PREMIADA. 3.1 Legislação correlata. 3.2 Fundamentos à inconstitucionalidade da delação premiada.3.2.1 Delação como meio antiético de extorsão da prova. 3.2.2 Delação premiada como modalidade de prova ilícita. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS


INTRODUÇÃO

A presente investigação tem por objeto o estudo da delação premiada no ordenamento jurídico pátrio, mais especificamente sua incompatibilidade com as garantias fundamentais estabelecidas na Constituição Federal. O instituto em questão foi resgatado pelo ordenamento jurídico brasileiro no contexto de um movimento chamado de "lei e ordem" que busca uma solução à criminalidade crescente, através de um retorno a inúmeras práticas autoritárias e inquisitivas, por meio de um discurso maciçamente propagado pela mídia no sentido de que "algo deve ser feito". Situa-se na perspectiva do chamado direito penal emergencial, que procura solucionar os próprios problemas que o Estado cria, instituindo medidas que ofendem os princípios e garantias postos pela Constituição, em contraposição ao movimento do direito penal mínimo e garantista, que coloca limites ao abuso no exercício do jus puniendi.

Utilizada em larga escala nos EUA (plea bargaining) durante o período que marcou o acirramento do combate ao crime organizado, sendo também adotada com grande êxito na Itália (pattegiamento) em prol do desmantelamento da máfia, a delação premiada no Brasil consiste, em termos gerais, na possibilidade concedida ao participante e/ou associado de ato criminoso ter sua pena reduzida ou até mesmo extinta, mediante a "denúncia" de seus comparsas às autoridades, tendo previsão em várias leis especiais e no próprio Código Penal.

Tem-se como finalidade proceder a uma análise do referido instituto, examinando suas origens, suas bases e a possibilidade ou não de sua aplicação, num confronto deste com os dispositivos constitucionais. Parte-se da hipótese fundamental da proeminência normativa da Constituição, haja vista a superioridade hierárquica de suas normas no ordenamento jurídico. Por ser a norma normarum, ela estabelece a base sobre a qual se desenvolve toda a legislação infraconstitucional, surgindo daí a necessidade de se compatibilizar o conteúdo de tal legislação aos ditames da Carta Constitucional. Nesse sentido, qualquer regra que contrarie seus preceitos deve ser imediatamente rechaçada, dada a sua inconstitucionalidade.

O referencial teórico que embasou a pesquisa foi a concepção de Estado de Direito, apontado pela doutrina como um Estado promovedor das garantias fundamentais, como fator legitimante e contentor do exercício da persecução penal, reduzindo-a apenas aos limites da estrita necessidade. Tem-se ainda como base a teoria do garantismo penal, que visa estabelecer critérios de racionalidade e civilidade à intervenção penal, deslegitimando qualquer modelo de controle social maniqueísta que coloque a "defesa social" acima dos direitos e garantias fundamentais. Dessa forma, o Direito Processual Penal não se presta a solucionar a crise na segurança pública, tendo em vista que esta constitui uma questão de índole eminentemente social.

No presente estudo, tem-se como problema de pesquisa o seguinte questionamento: a delação premiada pode ser considerada um instituto incompatível com o modelo garantista da Constituição de 1988?

O trabalho parte de hipóteses consideradas essenciais, quais sejam, considerar-se-á a delação premiada como uma modalidade de prova ilícita utilizada no decorrer do processo penal. Dessa forma, admitir-se-á que a delação premiada ofende os princípios e garantias fundamentais previstos na Constituição pátria, devendo ser declarada inconstitucional.

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A metodologia de abordagem para a questão foi a dedutiva, por melhor se adequar aos objetivos propostos. Partindo-se da concepção de um Estado Democrático de Direito garantidor dos direitos do cidadão e da proeminência normativa da Constituição, teve-se como pretensão denotar as implicações das premissas fundamentais de tais enfoques no atinente à aplicação da delação premiada no Brasil como mecanismo supostamente hábil para promover maior efetividade à atividade de persecução penal, numa busca desenfreada pela verdade real e por segurança pública.

No que se refere ao tipo de investigação, o enfoque assumiu cunho eminentemente jurídico-teórico, trabalhando-se aspectos conceituais, ideológicos e doutrinários pertinentes ao Direito Processual Penal. Da mesma forma, no tocante aos setores de conhecimento, a pesquisa assumiu feição interdisciplinar, pela junção de elementos pertinentes ao Direito Penal e Processual Penal, Direito Constitucional, com influência de estudos atinentes à Política Criminal.

Quanto às técnicas de pesquisa optou-se pela documentação indireta, mormente através da pesquisa bibliográfica, recorrendo-se primordialmente a fontes da doutrina pátria.

No primeiro capítulo, faz-se um estudo sobre a questão da verdade e de sua incessante busca, procedendo-se uma crítica ao ideal de busca pela verdade real no Direito Processual Penal vigente, legitimando o emprego de mecanismos hábeis para alcançá-la qualquer custo. Posteriormente faz-se uma análise sobre as provas, demonstrando que o ordenamento jurídico processual penal admite todos os meios de provas, desde que não constituam meios ilegítimos ou ilegais, repudiando a obtenção de provas por meios ilícitos.

No segundo capítulo, o objetivo é contextualizar a delação premiada, a partir de um modelo de Estado autoritário que vem se firmando nos dias atuais, sob o discurso da necessidade de buscar mais rigidez nos métodos de controle social, importando mecanismos de cunho essencialmente inquisitivos, sobretudo do modelo de justiça criminal norte-americano. Nesse sentido, a delação configura um retorno a métodos típicos da Idade Média, numa evidente afronta a garantias fundamentais conquistadas pelos cidadãos. Justamente em função desse quadro, deve-se reafirmar e lutar por um Processo Penal garantista, ou seja, que respeite os direitos fundamentais dispostos na Carta Constitucional, procedendo-se uma filtragem constitucional desses institutos, na busca de se estabelecer limites à atividade persecutória estatal.

No terceiro e último capítulo, analisa-se o instituto propriamente dito e seus desdobramentos na ordem jurídica pátria, expondo os dispositivos legais presentes em diversas leis esparsas, que preveem a delação premiada. Num segundo momento, debate-se a delação sob o ponto de vista da ética, dado que a sociedade condena a traição. Posteriormente, pretende-se demonstrar que a delação premiada configura um verdadeiro mecanismo de extorsão da verdade. Por fim, elenca-se os princípios constitucionais que são ofendidos pela sua adoção, concluindo-se pela sua inconstitucionalidade, e, portanto, pela necessidade de ser banida do ordenamento jurídico.

Dessa forma, busca-se mostrar a incompatibilidade da delação premiada com os preceitos constitucionais, configurando um mecanismo que denota um retorno de práticas autoritárias que remontam ao modelo inquisitivo, constituindo uma modalidade de prova ilícita.


1 VERDADE E PROVAS

No processo penal moderno, objetiva-se principalmente a reconstrução da verdade dos fatos, fazendo com que esse tema seja imprescindível para uma análise mais apurada do instituto da delação premiada. No dizer de Afrânio Silva Jardim, "talvez não seja exagerada a afirmação de que o princípio processual que, historicamente, mais influiu na evolução estrutural do processo penal foi a da busca pela verdade real." [01]

Ao proceder ao estudo sobre as formas jurídicas implementadas para a consecução de uma suposta verdade, Foucault procurou demonstrar que certas "formas de verdade" podem ser definidas a partir da própria prática penal, destacando que:

Ao procurarmos a origem destas formas, vemos que elas nasceram em ligação direta com a formação de um certo número de controles políticos e sociais no momento de formação da sociedade capitalista, no final do século XIX. [02]

Na atualidade, o processo penal ainda se atém àquela velha construção de um sujeito de conhecimento (juiz) que possibilita o surgimento da verdade, ignorando-se o fato de que esse sujeito possui elementos subjetivos que influenciarão na relação com o objeto e, consequentemente na formação da "verdade" que proporcionará um julgamento. As condições políticas e econômicas de existência são responsáveis por esta formação do sujeito do conhecimento e, em decorrência, das próprias relações de verdade, o que nos leva a concluir que as formas jurídicas voltadas para alcançá-la constituem formas de saber; este vinculado a relações de poder e a certos conteúdos do conhecimento preestabelecidos.

Pode-se dizer que o princípio da "verdade real" permite que, em razão da relevância dos interesses tratados no processo criminal, uma busca ampla e muitas vezes irrestrita da verdade possa operar. Nesse sentido observa Eugênio Pacelli de Oliveira que:

A busca pela verdade real, em tempos ainda recentes, comandou a instalação de práticas probatórias as mais diversas, ainda que sem previsão legal, autorizadas que estariam pela nobreza de seus propósitos: a verdade. [03]

Em decorrência deste principio, criou-se um grande "mal" para o processo e principalmente para a sociedade, que foi a disseminação, cada vez mais intensa, de uma cultura inquisitiva – destacando, nesse contexto, a delação premiada - que acabou atingindo órgãos estatais incumbidos do trabalho da persecução penal. A partir da dispersão desta cultura, estabeleceu-se a crença de que a verdade poderia ser alcançada pelo Estado, fazendo com que essa procura se transformasse na derradeira finalidade do processo criminal. Diante desse quadro, em nome da verdade, poderiam ser justificados facilmente abusos cometidos pelas autoridades na persucutio criminis, bem como a concessão de amplos poderes instrutórios aos magistrados.

Nesse diapasão, é importante ressaltar que a renúncia à lógica inquisitiva, para que se possa alcançar um processo realmente comprometido com a justiça e com os direitos dos cidadãos, não implica numa renúncia ao valor verdade. Ao contrario, seriam as garantias penais e processuais penais, com destaque ao princípio da legalidade e do contraditório, instrumentos asseguradores da máxima aproximação da verdade processual.

Com o advento da ordem constitucional de 1988, que consagrou em definitivo o sistema processual acusatório e a vasta gama de garantias individuais a este inerentes, qualquer resquício inquisitório supostamente legitimador desta falaciosa busca pela verdade real haveria de ser prontamente descartado. Pode-se afirmar que o que ocorre atualmente no direito processual penal é um processo de reconstrução da verdade, que permite ao juiz chegar a uma verdade processual (judicial), sendo que esta tarefa, promovida principalmente pelos sujeitos que compõe o processo, deve estar comprometida com os direitos e garantias fundamentais colocados à disposição do cidadão.

A partir disso, urge a necessidade de se proceder uma releitura constitucional dos instrumentos colocados à disposição da atividade persecutória, sob o "olhar" dos princípios consagradores de direitos e garantias fundamentais, para que se possa assegurar a proeminência normativa destas garantias face à legislação infraconstitucional.

No entanto, não obstante essa série de garantias impostas pela nova carta constitucional, representadas principalmente pelo devido processo legal e o respeito à dignidade da pessoa humana, vislumbra-se, com cada vez mais frequência, o emprego de técnicas altamente autoritárias e inquisitórias, destacando-se, entre elas, a figura da delação premiada.

1.2 Provas

A questão de fato decide-se por meio do exame da prova, pois é por via dela que se chega à verdade processual, a uma convicção sobre o ocorrido. A prova visa, como fim último, incutir no espírito do julgador a convicção da existência do fato perturbador do direito a ser restaurado. É o conjunto de meios idôneos visando à afirmação da existência positiva ou negativa de um acontecimento relevante para o Direito, destinado a fornecer ao juiz elementos a fim de gerar sua convicção quanto à existência ou inexistência dos fatos deduzidos em juízo.

A função da prova é essencialmente demonstrar que um fato existiu e de que forma existiu ou como existe e de que forma existe. É, portanto, uma tarefa que requer reconstrução, uma missão do juiz, que deve retroagir a fatos pretéritos para alcançar a base fática que irá fundamentar sua decisão. Dentro desse autêntico processo de reconstrução histórica, sobreleva-se o papel de um sistema de amplas garantias ao imputado, que há de se efetivar a partir da observância obrigatória de princípios e regras procedimentais ínsitos ao devido processo penal. Assim, a verdade processual construída não necessariamente corresponde à verdade dos fatos, vez que necessariamente limitada pelo respeito aos procedimentos e garantias da defesa.

O ordenamento jurídico pátrio adotou o sistema acusatório inquisitorial, em contraposição ao modelo adversarial existente nos EUA, onde o juiz se mantém inerte à questão da produção da prova. Dessa forma, no Brasil, tal modelo adotado, juntamente com o princípio da imparcialidade do juiz, prescreve que este deve se manter alheio à gestão da atividade probatória, de incumbência precípua das partes, só podendo atuar de ofício subsidiariamente a estas, quando o conjunto probatório se revelar deficiente.

No que se refere ao sistema de apreciação das provas, tem–se a consagração, no art. 155 do Código de Processo Penal, do princípio do livre convencimento motivado ou persuasão racional: o juiz, com base no material probatório carreado pelas partes forma sua convicção e a explicita, sempre de forma fundamentada. Portanto, na medida em que a decisão do magistrado deve estar fundada nas provas produzidas e legitimamente inseridas no processo, rechaça-se, de antemão, a admissão e a valoração das provas tidas por ilícitas.

No que tange aos meios de prova, estes são modos ou maneiras através das quais uma prova se materializa no processo para que seja demonstrada a existência de um fato. Para Nucci, "meios de prova são todos os recursos, diretos ou indiretos para alcançar a verdade dos fatos no processo" [04]. Salvo algumas limitações que são impostas à produção e realização da prova de um determinado fato ou ato, vigora o princípio da liberdade probatória, donde se deflui a possibilidade de utilização dos mais variados meios de prova. Estes podem ser nominados, quando especificados em lei, ou inominados, quando não previstos no ordenamento jurídico, desde que sejam moralmente legítimos.

No entanto, cumpre observar que, a despeito de estar previsto em lei, o meio de prova pode revelar-se ilícito na medida em que, sob pretexto de se alcançar a verdade, sejam utilizados artifícios e meios condenáveis dentro de um Estado Democrático de Direito, por violarem os princípios constitucionais de proteção e garantia da pessoa humana.

1.3 Da Prova Ilícita

Conforme se extrai do que foi dito no tópico anterior, o princípio da liberdade probatória não é absoluto. A Carta Magna, no seu art. 5º, inciso LVI, traz o principal obstáculo, consagrando a inadmissibilidade, no processo, "das provas obtidas por meios ilícitos".

Não poderíamos aceitar uma persecução criminal ilimitada, sem parâmetros, onde os fins justificassem os meios, inclusive com a admissão de provas ilícitas. O Estado precisa ser "sancionado" quando viola a lei e esse mecanismo de se coibir a produção de provas em desconformidade com a Constituição federal significa um autêntico freio ao seu arbítrio, blindando as garantias constitucionais e eliminando o material colhido em desrespeito "às regras do jogo."

De acordo com Paulo Rangel [05], "a vedação da prova ilícita é inerente ao Estado Democrático de Direito que não admite a prova do fato e, consequentemente, a punição do indivíduo a qualquer preço, custe o que custar".

A prova é taxada de proibida ou vedada toda vez que sua produção implicar violação da lei ou de princípios de direito material ou processual. Por afrontar a disciplina normativa, não seria admitida no processo. De acordo com a classificação mais aceita pela doutrina e jurisprudência, as provas vedadas ou proibidas se dividem em: provas ilícitas, consistentes naquelas que violam dispositivos de direito material ou princípios constitucionais penais, como por exemplo, uma obtenção de confissão mediante tortura (extorsão da verdade); provas ilegítimas, produzidas mediante violação de normas processuais penais, citando como exemplo uma busca e apreensão sem o respectivo mandado. Cumpre ressaltar ainda a possibilidade de provas obtidas por meios ilícitos e ilegítimos simultaneamente, quando violam ao mesmo tempo normas de direito material e processual, podendo-se exemplificar no caso de uma violação de domicílio sem autorização judicial e sem mandado.

Uma importante teoria que merece consideração, ainda nesse assunto, é a Teoria dos frutos da árvore envenenada, que também tem gênese no direito norte-americano (fruits of the poisonous tree), em alguns precedentes famosos, como nos casos Silvestone X USA (1920), e Miranda X Arizona (1966) [06]. De acordo com essa teoria, a produção de prova ilícita pode ser de extrema prejudicialidade ao processo, pois os efeitos da ilicitude podem transcender a prova viciada, contaminando todo o material dela decorrente. Em um juízo de causa e efeito, tudo que é originário de uma prova ilícita seria imprestável, devendo ser desentranhado dos autos. A prova ilícita produzida (árvore) tem o condão de contaminar todas as provas dela decorrentes (frutos). Assim, diante de uma confissão obtida por meio de tortura, prova embrionariamente ilícita, cujas informações deram margem a uma captura formalmente íntegra, é imperioso reconhecer que esta prisão está contaminada, pois decorreu de uma prova ilícita.

Assim, existindo uma prova ilícita, as demais provas dela derivadas, mesmo que formalmente perfeitas, estarão maculadas no seu nascedouro. No mesmo sentido, as lições de Ada Pellegrini Grinover, Scarance Fernandes e Magalhães Gomes Filho, positivando o entendimento majoritário ao aduzirem que:

Na posição mais sensível às garantias da pessoa humana, e consequentemente mais intransigente com os princípios e normas constitucionais, a ilicitude da obtenção da prova ilícita transmite-se às provas derivadas, que são, assim, igualmente banidas do processo. [07]

Diante de tudo que foi exposto, pode-se concluir que, num Estado que se proclame Democrático de Direito, não se pode admitir a obtenção de provas por meios ilícitos (salvo raras exceções, como, por exemplo, a favor do réu), estas claramente um reflexo da cultura moderna disseminadora de práticas cada vez mais inquisitivas, como por exemplo, o instituto da delação premiada, que promove uma verdadeira extorsão da verdade, resultando claramente na ofensa ao referido princípio, gerando a maculação de todas as provas dela decorrentes (teoria da prova ilícita por derivação), ocasionando a nulidade de todos os atos posteriores. Nessa esteira, essa busca irracional por pretensos ideais de "verdade" e "justiça" faz com que presenciemos hodiernamente situações em que se legitimam uma "arbitrariedade legalmente constituída", promovendo um sem número de abusos e ofensas às garantias constitucionais ínsitas aos cidadãos.

Sobre o autor
Bruno de Souza Martins Baptista

Advogado/ Graduado na Universidade Federal de Juiz de Fora e pós-graduado em ciências penais pela UNIDERP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BAPTISTA, Bruno Souza Martins. A inconstitucionalidade da delação premiada no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2507, 13 mai. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14848. Acesso em: 20 nov. 2024.

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