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Há, no Brasil, transferências não condicionadas voluntárias entre União e Estados?

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Agenda 20/05/2010 às 00:00

6. Transferências VOLUNTÁRIAS INCONDICIONADAS aOS Estados: O PROBLEMA DAS VINCULAÇÕES ORÇAMENTÁRIAS

Conforme dito no capítulo 2, as repartições de receitas são normalmente estabelecidas por normas constitucionais ou legais, o que lhe dá maior permanência e previsibilidade, ao passo que as transferências voluntárias são estabelecidas ano a ano, quando da definição do orçamento da União, pautadas mais de acordo com conveniências momentâneas, por exemplo atendimento a pressões e acordos políticos, do que com regras estáveis.

Muito bem, ocorre, como visto nos itens anteriores, que a grande crítica ao sistema de transferências voluntárias se refere às pressões e acordos políticos recorrentes neste sistema de transferências.

Entretanto, também existem críticas também graves contra o sistema de repartições de receitas fixados na Constituição Federal nos arts. 157 a 162, em especial o chamado sistema de "tabelas congeladas" [07], haja vista, como relatado no capítulo 1, a enorme complexidade do Federalismo brasileiro, com território de tamanho continental e diferenças socioeconômicas acentuadas.

Com efeito, necessária a existência de um sistema de transferência de recursos eficiente, o qual além de se manifestar bom sistema de equalização fortaleça o Federalismo concedendo maior autonomia aos entes federativos. Isto porque, o sistema das tabelas congeladas e a vinculação orçamentária têm gerado rigidez e ineficiência na prática orçamentária impedindo o exercício da autonomia das sociedades locais. [08]

Não pairam dúvidas de que o sistema de "tabelas congeladas" está condenado, mas para alterá-lo será necessária a celebração de um novo pacto federativo, haja vista a necessidade de concessões de todos os membros da Federação para sua realização [09], o que certamente não é tarefa das mais simples, aliás como todas as questões que envolvem o federalismo nacional, esta questão também é complexa.

Desta feita, não podemos mais compactuar com a ineficiência da prática orçamentária no Brasil, onde os Estados perdem inexoravelmente sua autonomia com a vinculação de suas receitas, sendo forçados a muitas vezes mascarar seus gastos, a exemplo do Estado de São Paulo que, como é de conhecimento público, comprou viaturas policiais e as rotulou de ronda escolar, tudo para cumprir formalmente as legislações condicionantes.

Inúmeros exemplos existem com relação aos setores da saúde e educação, de excesso de verba para um setor e escassez para outro, gerando incontornáveis desequilíbrios.

É perfeitamente compreensível a boa vontade do legislador em vincular as receitas de modo a forçar os chefes do executivo em gastar valores mínimos em setores estratégicos do ponto de vista social, entretanto, pelos motivos ventilados, principalmente em razão das distorções que proporcionam, a vinculação quase total de receitas deve ser no mínimo flexibilizada.

Como solução ao problema apontado, indicamos a até então inexistente transferência voluntária não condicionada, a qual seria baseada na flexibilização da Lei de Responsabilidade Fiscal, ESPECIFICAMENTE E EXCLUSIVAMENTE O ART 25, e na Lei de Diretrizes Orçamentárias, de forma que os Estados voltem a ter autonomia para decidir os seus destinos

e também dos municípios que os integram e não mais a União Federal diretamente ou seus órgãos indiretamente.

Não bastando, com relação as "tabelas congeladas" da Carta Magna de 88, não podemos deixar de exteriorizar que a Constituição, como carta política, é reflexo da sociedade ou mesmo espelho dos desejos das forças dominantes quando de sua elaboração, de tal sorte que seu conteúdo deve ser interpretado com atenta observação dos anseios e exteriorizações dessa sociedade.

A concretização, portanto, do conteúdo da Constituição deve necessariamente estar atrelada aos comportamentos desta sociedade, a qual evolui e se modifica no decorrer do tempo, sem, contudo, alterar sua espinha dorsal pautada nos princípios que nortearam seu conteúdo original.

Como comprovação do exposto, trazemos à colação entendimento do Prof. Paulo Bonavides sobre a impropriedade do isolamento da ciência jurídica do corpo social. Segundo o Mestre:

"O direito não é ciência que se cultive com indiferença ao modelo de sociedade onde o homem vive e atua. Não é a forma social apenas o que importa, mas em primeiro lugar a forma política, pois esta configura as bases de organização sobre as quais se levantam as estruturas do poder." [10]

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E prosseguindo, arremata o mesmo Prof.: "Trata-se, ao mesmo passo, de estruturas e bases inarredavelmente tributárias de uma certa tábua de valores, que definem a ideologia, o direito e a concepção de justiça vigentes em cada período da História." [11]

A partir das reflexões acima resta claro que a Constituição não pode ser imutável, de tal sorte que a interpretação de seus artigos deve levar em consideração as alterações ocorridas na sociedade, sob pena de ser perder efetividade e impor as vontades dos constituintes sem qualquer temperamento, os quais viveram em outra realidade social e econômica, sobre os destinatários contemporâneos.

É bom ressaltar que não se está pregando a desconsideração do texto constitucional, mas sim a observância de seus preceitos fundamentais para novas situações surgidas no seio da sociedade, ainda que não previstas expressamente na Carta Magna, bem como a interpretação de conceitos a luz dos interesses prementes da sociedade.

Temos como exemplo o art. 5º, IX CF/88, in verbis:

XI –

a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;

Quando a Constituição foi promulgada, o conceito de casa limitava-se a residência ou domicílio, sendo que na atualidade a interpretação que se dá é bem mais ampla, segundo o entendimento do próprio STF, passou-se a abrangir local de trabalho, quarto de hotel, quarto de motel, trailer, etc.

Desta feita, verifica-se que quanto mais evoluída a sociedade, mais complexas são as relações dela surgidas, ainda mais no caso brasileiro que se encontra cada vez mais incluído no processo de globalização, conforme constatado por Eduardo Faria em seu clássico Direito na Economia Globalizada, de tal sorte que a Constituição deve ser interpretada de forma a abarcar toda esta gama de relações.

Neste sentido, não há dúvidas de que a espinha dorsal da Carta Magna in casu é o Federalismo, tanto que o mesmo é cláusula pétrea, nos termos do art. 60, §4º, inciso I, da Constituição, devendo, em razão das alterações incorridas nas relações entre os entes federativos, pela perda de autonomia dos Estados, a Seção IV da Repartição das receitas Tributárias ter, no mínino, sua interpretação alterada para evitar-se o risco de extinção do Federalismo em razão do excesso de poder do Governo central.

Na impossibilidade da efetivação do pacto federativo ventilado e a alteração da constituição, a saída mais plausível é a flexibilidade das vinculações orçamentárias concedendo maior autonomia aos Estados para decidir quais investimentos ou gastos serão realizados com o produto das transferências voluntárias do Governo Federal, as quais passariam com a flexibilização, a ser não condicionadas.


7.CONCLUSÃO

Este trabalho procurou analisar as transferências da União para Estados concentrando-se naquelas não-originárias de repartição de receitas e no ano de 2000.

Para tanto apresentou um quadro da Federação brasileira e dos princípios básicos norteadores das transferências intergovernamentais e do caso nacional com todas as suas peculiaridades.

Partindo da análise acima e do fato de que a Constituição de 1988 colocou como um de seus fundamentos o Federalismo e que o mesmo está sendo ameaçado e destruído diariamente com o sistema atual de repartição de receitas, o qual escraviza os Estados nas mãos direta ou indiretamente do Governo central, concluímos que o melhor caminho é a preservação do federalismo e a revisão do sistema de transferência.

Portanto, pelo improvável e difícil êxito em um novo pacto federativo, acreditamos que o melhor caminho é a implementação gradual das reformas, iniciando pela flexibilização do art. 25 da Lei Complementar 104/00, a Lei de Responsabilidade Fiscal, de forma a conceder maior autonomia aos Estados para gerir seus recursos, tendo como instrumento as transferências voluntárias não condicionadas.


BIBLIOGRAFIA

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Notas

  1. SAMPAIO DÓRIA, Antônio R. de. Discriminação de rendas tributárias. São Paulo: Bushatsky, 1972, p. 9.
  2. ASSONI FILHO, Sérgio. A Lei de Responsabilidade Fiscal e o Federalismo Fiscal in Federalismo Fiscal Cord. José Maurício Conti. 1ª Edição. São Paulo. Manole. 2004. p. 225.
  3. Ob. cit. p. 225.
  4. LOUREIRO. MARIA RITA / ABRUCIO. FERNANDO LUIZ. Políticas e Reformas Fiscais no Brasil Recente. In Revista de Economia Política. Volume 24, n.º 01 (93), janeiro-março/2004.
  5. A Constituição Federal define as regras de repartição dessas receitas.
  6. LIMA, EDILBERTO CARLOS PONTES DE. Transferências da União para Estados e Municípios não originadas de repartição de receitas: para que se destinam e o que determina o seu montante. Disponível em: <HTTP:// www.stn.fazenda.gov.br>. Acesso em 14 nov. 2009.
  7. PRADO, SÉRGIO. A Questão Fiscal na Federação Brasileira: diagnósticos e alternativas. Documento elaborado no âmbito do Convênio CEPAL/IPEA (Projeto: Brasil: o estado de uma nação). Março de 2007. p. 111.
  8. Ob. cit. p. 101.
  9. BRASIL, INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. O novo pacto federativo: Subsídios para reforma do Estado. Volume I. Rio de Janeiro. 1994. p. 105.
  10. Bonavides, Paulo; O direito constitucional e o momento político; Revista de Informação Legislativa, ano 21, nº 81, jan./mar. 1984, págs. 217 a 230
  11. Ibidem;
Sobre o autor
Ricardo Oliveira Costa

Graduação em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2006), especialização em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2008). Mestrando em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2009 - ) tendo como orientador Alcides Jorge Costa. Advogado tributarista.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Ricardo Oliveira. Há, no Brasil, transferências não condicionadas voluntárias entre União e Estados?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2514, 20 mai. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14912. Acesso em: 22 dez. 2024.

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