I. DESCENTRALIZAÇÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS
A Administração Pública é organizada hierarquicamente. As competências são outorgadas aos vários órgãos que compõem a organização administrativa ou mesmo delegadas a pessoas jurídicas diversas para proporcionar um desempenho mais adequado e satisfatório da máquina pública. Essa divisão de competências pode ser realizada entre órgãos pertencentes à mesma pessoa jurídica ou entre pessoas jurídicas diversas. Quando há uma repartição interna de atribuições, isto é, no interior de uma mesma pessoa jurídica mediante um vínculo de hierarquia, essa repartição é chamada de desconcentração. Se há uma divisão de competências de uma pessoa jurídica central para outras periféricas, sem qualquer liame de hierarquia, essa partilha é denominada descentralização.
Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro ( 2002, p.349), a descentralização pode ser analisada sob o ponto de vista político ou administrativo. No sentido político, a descentralização ocorre quando o ente descentralizado exerce atribuições próprias independentes do ente central. Isto pode ser observado principalmente nos Estados federados, pois cada um dos entes pertencentes a uma órbita federativa detém competência própria, não proveniente nem subordinada à União. Já no sentido administrativo, a descentralização apresenta-se quando as atribuições exercidas pelos entes descentralizados apenas detêm o valor jurídico que lhe concede o ente central. Suas atribuições decorrem do único poder central, a que se subordinam.
A descentralização administrativa é dividida, não uniformemente, pelos doutrinadores em territorial ou geográfica; por serviços, técnica ou funcional; ou, por colaboração.
Cumpre ressaltar que a transmissão da titularidade dos serviços públicos para outras pessoas jurídicas só ocorre se as atividades forem públicas e administrativas.
A descentralização geográfica é a que se verifica quando uma entidade local, geograficamente delimitada, é dotada de personalidade jurídica própria de direito público, com capacidade para exercer a maior parte dos encargos de interesse público, mas subordinada ao poder central que exerce certo controle sobre ela.
Este modelo já foi adotado pelo Brasil na época do Império e é o adotado, em geral, pelos Estados unitários. Atualmente, os territórios federais são os que se ajustam ao modelo de descentralização administrativa territorial ou geográfica.
A descentralização administrativa por serviços, técnica ou funcional verifica-se quando uma pessoa jurídica de direito público ou privada é criada pelo Poder Público e recebe deste, mediante lei, a titularidade e a execução de certo serviço. Essa nova pessoa, seja ela uma autarquia, fundação, sociedade de economia mista ou empresa pública, passará a desempenhar a atividade em seu nome ou sob sua responsabilidade.
A descentralização administrativa por colaboração compreende a transferência tão-somente da prestação do serviço público à pessoa de direito privado, não se admitindo a transmissão da titularidade do serviço ao ente descentralizado. Sua instituição concretiza-se por meio de contratos, nos casos de concessão de serviço público, ou por meio de ato administrativo unilateral caso se trate de permissão ou autorização de atividade pública. Ao Poder Concedente é facultado dispor do serviço a depender do interesse público, sendo-lhe possível até mesmo alterar unilateralmente as condições de sua execução ou recuperá-la antes do prazo constituído.
Apesar de, presentemente, ser usual a cessão de atividades administrativas às fundações de direito privado, sociedades de economia mista e empresas públicas, ou seja, a pessoas jurídicas de direito privado, ainda há uma certa discussão doutrinária a respeito da constitucionalidade dessas transferências. Isto porque a Constituição Federal é enfática em seus artigos 21, inciso XII, e 175 ao estabelecer que os serviços públicos serão prestados diretamente pelo Poder Público ou mediante concessão ou permissão, não tolerando que outras figuras de direito privado os executem. Parcela dos estudiosos defende, entretanto, a possibilidade constitucional de transmitir a titularidade e execução de atividades públicas a pessoas jurídicas de direito privado, integrantes da Administração Pública Indireta. Justificam essa possibilidade por não estar defesa em lei e por ser realizada mediante edição de lei que a respaldaria.
II. CONCESSÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS
Há séculos, são praticadas atividades semelhantes às atuais concessões de serviços públicos. Essas atividades, até o final do século XVIII, eram, em geral, regalias arbitrárias. O contrato de concessão de serviço público apenas configurou-se no início do século XX e, desde então, vem recebendo inovações relevantes ao longo das últimas décadas.
A) CONCEITO
Marçal Justen Filho define concessão de serviço público como:
[...] um contrato plurilateral de natureza organizacional e associativa, por meio do qual a prestação de um serviço público é temporariamente delegada pelo Estado a um sujeito privado que assume seu desempenho diretamente em face dos usuários, mas sob controle estatal e da sociedade civil, mediante remuneração extraída do empreendimento, ainda que custeada parcialmente por recursos públicos. (2005,p.501)
Entende Maria Sylvia Zanella Di Pietro ( 2002,p.277) ser a concessão de serviço público um:
Contrato administrativo pelo qual a administração pública delega a outrem a execução de um serviço público, para que o execute em seu próprio nome, por sua conta e risco, mediante tarifa paga pelo usuário ou outra forma de remuneração decorrente da exploração do serviço.
Para o presente estudo, adotar-se-á o conceito de Celso Antônio Bandeira de Mello (2005, p.662):
Concessão de serviço público é o instituto através do qual o Estado atribui o exercício de um serviço público a alguém que aceita prestá-lo em nome próprio, por sua conta e risco, nas condições fixadas e alteráveis unilateralmente pelo Poder Público, mas sob garantia contratual de equilíbrio econômico-financeiro, remunerando-se pela própria exploração do serviço, em geral e basicamente mediante tarifas cobradas diretamente dos usuários do serviço.
A Lei 8897/1995, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos, conforme prevê a Constituição Federal em seu art.175, define a concessão de serviço público, em seu artigo 2°, inciso II:
[...] delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado.
Segundo Marçal Justen Filho ( 2005, p.500), a concessão de serviço público seria um meio de concretização de valores constitucionais fundamentais. Uma ferramenta de implementação de políticas públicas.
É indispensável, entretanto, para a configuração da concessão de serviço público, que o concessionário se remunere com a própria exploração do serviço, não havendo obstáculo, vale ressaltar, para que o concedente subsidie parcialmente o concessionário ou para que sejam previstas fontes alternativas de receitas.
O contrato de concessão será regido, via de regra, pelas normas de direito público; aplicando-se, subsidiariamente, as regras de direito privado. Caracteriza-se por ser um contrato de natureza bilateral ou, segundo alguns, plurilateral, por obrigar o concedente, a sociedade, personificada em instituição representativa da comunidade e o concessionário; comutativo, pois são equivalentes e pré-determinadas as obrigações de cada contratante; formal, porque a formalização das vontades e a descriminação pormenorizada das obrigações assumidas são imprescindíveis; e por prazo determinado. Tal prazo deve ser incluído expressamente na avença. Não é possível contrato de concessão pública sem determinação prévia do prazo, entretanto nada impede que o prazo previamente instituído seja dilatado por menor, igual ou até mesmo um prazo superior ao anteriormente estipulado. Para tanto se faz necessário que o contrato preveja a possibilidade de ampliação do prazo, a duração da eventual prorrogação e a quantidade de prorrogações previstas.
O concessionário do serviço público geralmente é uma pessoa jurídica de direito privado, seja uma empresa comercial, industrial ou de prestação de serviços, individual ou formada por sócios nacionais ou estrangeiros, ou até mesmo um consórcio de empresas. Há, entretanto, serviços públicos que só podem ser concedidos a empresas cujos proprietários sejam brasileiros natos ou naturalizados. Têm-se, por exemplo, o caso da concessão da pesquisa e da lavra de recursos minerais,bem como do aproveitamento de potenciais de energia hidráulica (art.176, §1° da CF) e dos serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens. (art.222 da CF).
Vale ressaltar que, apesar de haver expressa permissão na Lei 8987/95 para a subcontratação, subconcessão ou transferência do controle societário, a subcontratação parcial ou total do objeto da concessão ou a cessão total ou parcial dos direitos e obrigações delegados pelos próprios concessionários, no entendimento de Celso Bandeira de Mello (2005, p.680 a 682), vai de encontro ao princípio obrigatório da licitação e o da isonomia entre as partes. Isto porque como a Constituição Federal exige uma licitação prévia para o contrato de concessão, facultar à concessionária o repasse do serviço público para um terceiro, sem qualquer licitação, violaria a própria Constituição.
As concessões de serviço público têm como objeto um serviço público não reservado com exclusividade para o Poder Público, como ocorre, por exemplo, no caso dos serviços postais e de correio aéreo nacional.
A prestação de serviços não exclusivos do Poder Público também não configura concessão de serviço público. Até mesmo porque esses serviços, incluídos entre eles a saúde e a educação, só serão considerados públicos se prestados diretamente pela Administração Pública. Esses serviços podem ser prestados por particulares independentemente de contrato de concessão, sendo exigida apenas uma autorização.
Serviços públicos passíveis de delegação de sua prestação para particulares, apesar de serem de titularidade do Poder Público, são os serviços de energia elétrica, transportes coletivos, comunicações e telecomunicações.
Cumpre trazer à baila os ensinamentos do mestre Dirley da Cunha Júnior (2006, p.187). Ele ressalta que a concessão de serviço público passou a abranger três modalidades, em decorrência do advento da Lei n°.11079/04: a concessão comum, a concessão patrocinada e a concessão administrativa. As duas últimas seriam modalidades de parceria público-privada, diferenciando-se totalmente da concessão comum.
Concessão comum, segundo leciona, disciplinada pela Lei 8987/95 e, supletivamente, pela Lei 8666/93, é o contrato administrativo de concessão de serviço público ou de obra pública mediante o qual é delegada, pela Administração Pública, a prestação de serviços públicos, por prazo determinado, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas comprovadamente capaz, precedida de uma licitação na modalidade concorrência. A empresa concessionária atuará por sua conta e risco, mediante remuneração paga, em regra pelo usuário, sob a forma de tarifa.
A concessão patrocinada, disciplinada pela Lei 11079/04 e subsidiariamente pela Lei 8987/95, é o contrato administrativo de concessão de serviços públicos ou de obras públicas que abrange, além da tarifa paga pelos usuários, uma contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado.
Já a concessão administrativa, segundo aduz o professor, constitui um contrato de prestação de serviços cuja usuária direta ou indireta seria a própria Administração Pública, mesmo que envolva a execução de obra ou fornecimento e instalação de bens.
Vale diferenciar, ainda, a concessão das outras formas de delegação de serviços públicos: a permissão e a autorização.
Permissão de serviço público é a delegação da Administração Pública, a título precário e revogável, e mediante licitação independente da modalidade, da prestação de serviço público, à pessoa física ou jurídica apta a exercê-lo por sua conta e risco. A permissão pressupõe, portanto, serviços de média e curta duração, pela sua característica da precariedade. Ao poder público permite-se a revogação da permissão por oportunidade e conveniência.
A outra modalidade de delegação, a autorização, também mencionada pela Constituição Federal, em seu artigo 21, XII, é ato administrativo unilateral, discricionário e precário, por meio do qual a Administração Pública faculta ao terceiro interessado a prestação de serviços públicos. São serviços, via de regra, de execução mais fácil e geralmente sem remuneração por tarifas.
B) FORMAS DE EXTINÇÃO
Quanto às formas de extinção da concessão, elas estão previstas no artigo 35 da Lei de Concessões. Uma delas é o advento do termo contratual ou a extinção por decurso do prazo. O contrato extingue-se automaticamente independentemente de qualquer ato. A partir do termo final, os serviços, bens, direitos e privilégios da concessionária serão revertidos à concedente, isto é, retomados pela Administração Pública. Seus efeitos são, portanto, ex nunc.
Caso haja ilegalidade na licitação ou no contrato, a concessão será finalizada mediante a anulação. A decretação da anulação poderá originar-se de uma decisão administrativa ou de sentença judicial e seus efeitos não retroagirão.
A encampação, outra forma de extinção, baseia-se no interesse da Administração Pública em retomar o serviço concedido. Trata-se de ato unilateral do Poder Concedente, prerrogativa especial que o Estado possui. Ocorre por motivo de interesse público, mediante lei autorizativa específica e precedida do pagamento de indenização à concessionária.
Outra forma de rompimento do contrato de concessão por ato unilateral, a caducidade, fundamenta-se na má execução do serviço ou descumprimento, pela concessionária, de cláusulas contratuais. A caducidade pode ocorrer em caso de serviço inadequado e deficiente, paralisação do serviço, descumprimento de penalidades impostas ou condenação da concessionária por sonegação de tributos. Para ser configurada, a caducidade pressupõe primeiramente um processo administrativo que apure a inadimplência e a comunicação prévia, à concessionária, das cláusulas violadas para que lhe seja dada oportunidade de ajustá-las. Tudo isto para salvaguardar o contraditório, o devido processo legal e a ampla defesa.
A própria concessionária também pode finalizar o contrato de concessão por via judicial caso o Poder Público descumpra as cláusulas do contrato. Neste caso a extinção será por meio da rescisão e à concessionária não lhe é dado interromper ou paralisar seus serviços até decisão judicial transitada em julgado.
O contrato de concessão ainda pode romper-se em caso de falência ou extinção da empresa, falecimento ou incapacidade do titular no caso de empresa individual.
III. AGÊNCIAS REGULADORAS
Há três fases distintas de intervenção do Estado na economia. Na primeira, passada entre o fim do século XIX e o início do século XX e, fundada nas teorias liberalistas e de intervenção mínima, o Estado oferecia apenas a segurança, a justiça e os serviços públicos.
Na segunda fase, o Estado, voltado para os interesses de que necessitava o mercado em decorrência das grandes guerras, da quebra da bolsa de valores e das falências das grandes empresas, passa a intervir na economia, buscando o desenvolvimento social. Esse é o chamado welfare state, ou melhor, estado do bem-estar.
A última fase derruba o modelo vigente de Estado interventor. Surgem idéias para criticar a morosidade, o peso desnecessário do Estado e o desperdício de recursos.
Este processo de diminuição da intervenção do Estado na economia relaciona-se diretamente com a criação das agências reguladoras.
Primeiramente, com o intuito de se alcançar maior liberdade econômica, a legislação brasileira sofreu algumas mudanças, extinguindo as restrições ao capital estrangeiro, o que possibilitou maiores investimentos e, por conseguinte, maior desenvolvimento econômico. Os monopólios estatais foram quebrados em diversos setores econômicos, permitindo, assim, que a iniciativa privada explorasse determinadas atividades econômicas.
Após a flexibilização dos monopólios estatais, o Estado deu início ao programa de privatização. A Lei 8.031/90, depois substituída pela Lei 9491/97, instituiu o Programa Nacional de Privatização, cuja principal finalidade era reorganizar a posição estratégica do Estado na atividade econômica, delegando à iniciativa privada atividades antes exploradas pelo setor público.
O Estado diminuiu a intervenção estatal na economia, mas não deixou de exercer influência na atividade econômica, pois agora regula e fiscaliza as atividades que antes eram de sua competência.
As agências reguladoras teriam surgido com a finalidade de, representando o Estado, estipular regras adequadas para a prestação dos serviços públicos, buscando um equilíbrio entre o Estado, usuários e delegatários. Sua finalidade seria melhor regular a atividade econômica, protegendo o interesse coletivo e dinamizando a ação do Estado na economia. Em suma, sua atuação seria coordenadora e normativa, sempre com o intuito de garantir o interesse público.
Elas têm origem na Lei 9472/97, que, dentre outras providências, criou a ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações). A ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), a ANP (Agência Nacional de Petróleo), a ANVISA ( Agência Nacional de Vigilância Sanitária),a ANS (Agência Nacional de Saúde), e a ANA ( Agência Nacional de Água) surgiram logo depois.
A) Conceito
Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Agência reguladora, em sentido amplo, seria, no Direito brasileiro:
[...] qualquer órgão da Administração Direta ou entidade da Administração Indireta com função de regular a matéria específica que lhe está afeta. Se for entidade da administração indireta, ela estará sujeita ao princípio da especialidade, significando que cada qual exerce e é especializada na matéria que lhe foi atribuída por lei. (2002,p.402)
Regular, segundo a autora, significa, no caso, organizar certo setor relacionado à agência, bem como controlar as entidades atuantes nesse setor.
Nas palavras de Marçal Justen Filho (2005,p.466): "Agência Reguladora independente é uma autarquia especial, sujeita a regime jurídico que assegure sua autonomia em face da Administração direta e investida de competência para a regulação setorial."
Celso Antônio Bandeira de Mello (2005, p.154) conceitua as agências reguladoras como: "autarquias sob regime especial, ultimamente criadas com a finalidade de disciplinar e controlar certas atividades."
O professor Dirley da Cunha Júnior (2006, p.142) caracteriza as Agências reguladoras como autarquias criadas por lei específica com o desígnio de absorver as matérias anteriormente concentradas no poder Executivo.
No entender de Alexandre Santos Aragão (2002, p.275), as agências reguladoras são:
[...] autarquias de regime especial, dotadas de considerável autonomia frente à Administração centralizada, incumbidas do exercício de funções regulatórias e dirigias por colegiados cujos membros são nomeados por prazo determinado pelo Presidente da República, após prévia aprovação pelo Senado Federal, vedada a exoneração ad nutum.
Destarte, adotar-se-á neste estudo o último conceito, por ser mais específico.
Sua natureza jurídica é de autarquia em regime especial. Designação esta que provém de lei como a que instituiu a ANAC, Lei 11.182, de 27 de setembro de 2005. Segundo esta lei, a ANAC é uma entidade da Administração Pública Federal indireta, submetida ao Ministério da Defesa, com sede e foro no DF, sem prazo de duração determinado.
Infere-se, portanto, da presente pesquisa que as Agências reguladoras são instrumentos autônomos, subordinadas ao Poder Central, cuja principal finalidade é dar garantia do funcionamento dos serviços controlados por elas.
B) Classificação
Há distintas maneiras que podem ser empregadas para classificar as Agências reguladoras. As Agências podem se distinguir pela esfera administrativa a que estão vinculadas, ou seja, federal, estadual ou municipal. Também podem se diferenciar pelo caráter que possuem: constitucional ou legal. As Agências com caráter constitucional são apenas a ANATEL e a ANP, todas as outras são criadas por lei infraconstitucional.
A classificação mais relevante, todavia, e que servirá de base para a presente pesquisa é a que se fundamenta no tipo de atividade regulada pela Agência. Há, destarte, as agências que controlam os serviços públicos, como a ANAC; as agências reguladoras da exploração de monopólios públicos, por exemplo, a ANP; as agências que regulam a exploração de bens públicos, como a ANA e, por fim, as agências que controlam e fiscalizam as atividades econômicas privadas, como, por exemplo, a ANS.
C) Características e princípios
Marçal Justen Filho(2005,p.467) leciona que "[...]não existe homogeneidade na configuração do regime jurídico das diversas agências reguladoras independentes. Isso permite, inclusive, a variação de intensidade e da extensão de sua autonomia."
Cumpre, no presente estudo, todavia, trazer à baila algumas características comuns às Agências reguladoras.
Essas autarquias especiais não estão vinculadas à estrutura hierárquica dos ministérios nem sofrem a influência política da Administração central. Possuem certa independência, gozam de autonomia financeira, administrativa e de poderes amplos de fiscalização.
Sua autonomia financeira dimana das receitas próprias vinculadas, permitindo, assim, a manutenção de sua estrutura e de seu funcionamento independentemente de contendas políticas afetas à repartição das verbas orçamentárias. Às Agências são asseguradas receitas próprias, arrecadadas diretamente em seu favor, em geral oriundas de taxas de fiscalização ou regulação e a fixação de um orçamento anual na Lei Orçamentária da União.
Já a sua autonomia administrativa se funda no fato de seus atos não se sujeitarem à revisão pela Administração direta, podendo apenas ser controlados pelo Poder Judiciário, e no regime diferenciado de investidura de seus dirigentes, o que impede ingerências externas.
O Poder Executivo não pode rever ou modificar atos provenientes das Agências reguladoras. Não há, destarte, possibilidade de recurso hierárquico impróprio. Todavia, qualquer ato praticado pelas autarquias especiais pode ser submetido a exame pelo Poder Judiciário, cuja apreciação se restringirá aos aspectos referentes à legalidade e moralidade, não atingindo assuntos relativos a questões técnicas das agências.
Além disso, elas possuem direção colegiada e um regime especial de investidura e demissão dos administradores das agências, propiciando maior autonomia política. Seus membros são nomeados pelo Presidente da República, com aprovação do Senado Federal e providos em cargos em comissão por prazo determinado, só podendo ser demitidos desde que comprovada, mediante processo administrativo ou judicial, a infração de certas obrigações ou a perda de requisitos essenciais para o exercício do cargo. Após o término do mandato, os dirigentes permanecem impedidos, por prazo pré-estabelecido, de atuarem no setor específico da autarquia, sob pena de serem enquadrados no crime de advocacia administrativa.
As competências atribuídas por lei às Agências reguladoras são extraídas do Poder central. Os poderes da administração direta são cedidos às Agências reguladoras.
As Agências reguladoras possuem o poder de editar normas abstratas infralegais, (não normas de cunho legislativo); adotar decisões discricionárias e compor conflitos em um setor econômico com e entre particulares. Suas decisões são vinculantes para os diversos setores estatais e não estatais.
Sintetizando, segundo os ensinamentos do professor Dirley da Cunha Júnior (2006,p.142), as Agências reguladoras detêm certa independência relativamente aos Poderes Executivo e Legislativo, devido ao fato de possuírem regime especial e os mandatos de seus dirigentes serem fixos. Não há qualquer controle de subordinação ou hierarquia, mas a administração pública tutela seus fins dentro da esfera administrativa.
Cumpre sublinhar, contudo, que a atuação das Agências reguladoras não é ilimitada, pois não é possível a agência assumir a formulação de políticas ou concentrar competências decisórias sobre questões essenciais ao destino da Nação. (MARÇAL, 2005,p.472)
d) Funções
A lei que institui cada Agência reguladora delineia suas funções. Em geral, suas funções e competências são amplas e abrangentes, como, por exemplo, regular determinado setor, organizando o funcionamento do respectivo serviço público e fiscalizar a prestação da atividade pelo concessionário.
O presente estudo seguirá o sistema instituído por Alexandre Santos Aragão (2002,p.316), por ser mais claro e sinóptico. Segundo ele, as funções das Agências reguladoras são de quatro tipos: regular, fiscalizar, aplicar sanções e compor conflitos.
1. Reguladora
A primeira função, a de editar normas, ainda gera várias controvérsias entre os estudiosos. Conforme Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2002, p.406), a função reguladora é a que mais suscita discórdia. Nas Agências reguladoras que não possuem previsão constitucional, como a delegação da função normativa é feita pela lei instituidora da Agência e não pela Constituição Federal, o exercício da função reguladora não pode ultrapassar o desempenho da mesma função nos outros órgãos administrativos ou entidades da Administração Indireta, caso contrário seria totalmente inconstitucional.
Às Agências reguladoras, prossegue Maria Sylvia Zanella Di Pietro, não compete regular matéria não disciplinada em lei, isto porque não há fundamento constitucional para os regulamentos autônomos. Também não lhes cabe regular lei, já que esta competência é privativa do chefe do Poder Executivo e, se lhes fosse facultado delegá-la, não poderia ser por lei, mas apenas por ele mesmo.
As Agências reguladoras, então, podem regular sua própria atividade estabelecendo normas de efeito interno, além de conceituar, interpretar, explicar conceitos jurídicos indeterminados contidos em lei, contanto que não haja inovação da ordem jurídica. As Agências, por serem especializadas, podem definir, com mais precisão, os conceitos indeterminados contidos nas leis.
Não se pode entender que esses órgãos exerçam função legislativa propriamente dita, com possibilidade de inovar na ordem jurídica, pois isto contraria o princípio da separação de poderes e a norma inserida entre os direitos fundamentais, no art.5°, II, da Constituição, segundo a qual ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Ao falar em órgão regulador, está a Constituição reconhecendo ao mesmo a possibilidade de regulamentar a lei a partir de conceitos genéricos, princípios, standards, tal como as agências reguladoras norte-americanas. ( DI PIETRO, 2002, p.407)
2. Fiscalizadora
A Lei 8987/95 estipula, de forma genérica, as formas de controle da Administração Pública. Em seu artigo 3°, referido diploma normativo estabelece previsão geral de fiscalização pelo poder concedente, com a cooperação dos usuários. O artigo 29, inciso I da mesma lei, institui a competência do poder concedente para regulamentar e fiscalizar permanentemente a prestação do serviço; já os incisos V e VII, do artigo citado, regulamentam a atribuição do poder concedente para desempenhar e fazer cumprir as disposições regulamentares do serviço e as cláusulas contratuais e zelar pela boa qualidade do serviço público.
O artigo 30 dispõe sobre o direito de acesso aos dados relativos à administração, contabilidade, recursos técnicos, econômicos e financeiros da concessionária e o artigo 31, inciso V prevê o direito de acesso, em qualquer hora, aos equipamentos e às instalações integrantes do serviço, bem como aos seus registros contábeis.
Cumpre evidenciar que a administração apenas fiscaliza os agentes econômicos que se encontram em seu âmbito de atuação, não lhe é permitido administrar a própria execução do serviço. Não se retira das concessionárias de serviço público sua autonomia em relação à atividade regulada.
Cabe, então, às Agências reguladoras controlar e a fiscalizar a execução do contrato de concessão ou permissão, utilizando-se amplamente de seus poderes. A elas é facultado, em sendo o caso, aplicar sanções às concessionárias de serviço público; intervir, se imprescindível, e providenciar a encampação e caducidade caso seja necessário e a reversão dos bens quando finda a delegação.
3. Sancionatória
A função sancionatória provém da própria função fiscalizadora, pois, como resultado da fiscalização, surge a necessidade de impor sanções em decorrência da desobediência aos preceitos legais, aos regulamentos ou às regras contratuais.
Solucionar conflitos provenientes de queixas dos usuários também é competência das Agências reguladoras, disposta, inclusive, no artigo 29, inciso VII da Lei 8987/95. Essas autarquias são capazes de dirimir conflitos entre os prestadores de serviço público e entre esses e o usuário e aplicar sanções com respaldo legal.
O artigo 38 da Lei já citada - 8987/95 - disciplina que: a inexecução total ou parcial do contrato acarretará, a critério do Poder Concedente, a declaração de caducidade da concessão ou a aplicação das sanções contratuais, respeitadas as disposições deste artigo e do artigo 27, e as normas convencionadas entre as partes.
IV. CONCLUSÃO
Com a modernização da sociedade e o aumento dos fluxos comerciais, o Estado perde, em parte, sua capacidade de gerir, organizar e administrar todos os setores da sociedade com a agilidade e eficiência necessárias para acompanhar o rápido desenvolvimento dos setores privados da economia.
É nesse momento que o Poder Público resolve descentralizar suas funções, com o objetivo de manter a qualidade e diminuir os preços dos serviços públicos prestados. Criam-se, então, as agências reguladoras, braços do poder publico capazes de controlar e fiscalizar com eficiência e rapidez as atividades públicas desempenhadas pelas empresas privadas.
A máquina estatal, assim, ao delegar parte de suas atribuições, passa a focar-se com mais afinco nos serviços públicos primordiais para a coletividade, sem, contudo, perder seus poderes estratégicos de gestão de toda a sociedade, podendo, inclusive, cassar os contratos de concessão que não estiverem dentro dos padrões exigidos.
Esse sistema de regulação adotado pelo Brasil tem como principal objetivo, portanto, atender plenamente as necessidades da coletividade que anseia e luta por serviços públicos mais eficientes.
Resta, contudo, aprimorar tal sistema de regulação, para que as agências reguladoras cumpram fielmente suas funções e possam, assim, proporcionar maior satisfação para os cidadãos brasileiros na prestação dos serviços públicos.
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