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Representação contra lei municipal que desafetou diversos bens públicos

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Agenda 01/02/2001 às 00:00

II. Da necessidade de a desafetação ser feita por meio de lei e não por ato da Administração Pública Municipal - ofensa ao princípio constitucional da legalidade - nulidade da lei municipal:

Mesmo que se admitisse, por uma hipótese absurda, só pelo gosto de argumentar, que as áreas verdes e as áreas institucionais pertencentes a loteamentos urbanos fossem suscetíveis de desafetação, ainda assim a Lei Municipal nº 3.826, de 14 de dezembro de 2000, seria inconstitucional e ilegal, posto que contraria também os artigos 67, 82 e 145, III e IV, da Lei Federal nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916, mais conhecida como Código Civil e, por conseqüência lógica, ofende igualmente o princípio constitucional da legalidade, há pouco referido e transcrito em nota de roda pé.

Com efeito, prevêem os artigos 66 e 67 do Código Civil:

"Art. 66. Os bens públicos são:

I - Os de uso comum do povo, tais como os mares, rios, estradas, ruas e praças.

II - Os de uso especial, tais como os edifícios ou terrenos aplicados a serviço ou estabelecimento federal, estadual ou municipal.

III - Os dominicais, isto é, os que constituem o patrimônio da União, dos Estados, ou dos Municípios, como objeto de direito pessoal ou real de cada uma dessas entidades.

Art. 67. Os bens de que trata o artigo antecedente só perderão a inalienabilidade, que lhes é peculiar, nos casos e forma que a lei prescrever".

Ao comentar esse artigo, um dos autores do projeto do Código Civil, Clóvis Bevilaqua, assim se manifesta:

"1. - A fórmula do Codigo é defeituosa, neste artigo. Os bens dominicaes da União, dos Estados e dos Municípios não são inalienaveis, como poderia ser alguem levado a supôr, tomando a letra o disposto no artigo 67. Sómente se alienam segundo as fórmas e regras estabelecidas na lei, porém se alienam. Os bens publicos de uso commum, esses sim, são inalienáveis. São-no, também, os de uso especial, enquanto conservarem esse caracter."(9)

Apesar da lição de Bevilaqua, o entendimento pacífico atual da doutrina e dos tribunais é de que os bens de uso comum do povo podem sim ser alienados(10), desde que sejam, previamente, desafetados por expressa disposição de lei, sendo certo que sua posterior alienação, permuta ou cessão de uso dependem também de autorização legal. Assim, têm-se dois momentos. No primeiro, a lei retira do bem público sua condição de inalienabilidade, desafetando-o. No segundo momento, a lei autoriza a Administração Pública a aliená-lo, sendo certo que esses dois atos podem estar contemplados em uma única e mesma lei.

Eis como tratava a matéria o Administrativista Hely Lopes Meirelles:

"O que a lei quer dizer é que os bens públicos são inalienáveis enquanto destinados ao uso comum do povo ou a fins administrativos especiais, isto é, enquanto tiverem afetação pública, ou seja, destinação pública específica. Exemplificando: uma praça pública ou um edifício público não podem ser alienados enquanto tiverem essa destinação, mas qualquer deles poderá ser vendido, doado ou permutado desde o momento em que seja, por lei, desafetado da destinação originária que tinha e traspassado para a categoria de bem dominal, isto é, do patrimônio disponível do Município.

A alienação de bens imóveis do patrimônio exige autorização por lei, avaliação prévia e concorrência, sendo inexigível esta última formalidade para doação, dação em pagamento, permuta e investidura, por incompatíveis com a própria natureza do contrato, que tem objeto determinado e destinatário certo". (11)??

Claro está que, no presente caso, não existe qualquer espaço para a discricionariedade. A lei não pode delegar a atribuição de desafetar bens de uso comum do povo para a Administração Pública Municipal. Essa é uma atividade indelegável. Só a lei formal pode retirar desses bens sua inalienabilidade. Esse é um ato solene que só terá validade se praticado na forma prevista em lei (artigos 82 e 145, III e IV, ambos do Código Civil).

Pela simples leitura dos artigos 1º, 2º, 3º, 4º e 5º da Lei Municipal nº 3.826, de 14 de dezembro de 2000, supra transcritos, percebe-se que esta lei não desafetou qualquer bem de uso comum do povo, mas simplesmente AUTORIZOU o Poder Executivo Municipal a faze-lo.

Assim, quando a referida lei municipal, ao invés de desafetar as áreas públicas que menciona nos vários incisos dos artigos acima referendados, autorizou o Poder Executivo Municipal a fazer isso ela violou lei federal, sendo, portanto, por mais esse ângulo, inconstitucional (ofensa ao princípio da legalidade).

Essa não é a primeira vez que a atual Administração Pública Municipal age dessa forma. O mesmo ocorreu com a Lei Municipal nº 3.348/97, resultado do Projeto de Lei nº 18, de 24 de junho de 1997, enviada à Câmara pelo Senhor Prefeito Municipal. Aquela lei tinha por objetivo autorizar o Poder Executivo a desafetar e alienar ou permutar as áreas de domínio público nela mencionada e, para cumprir seu intento, o artigo 1º dispunha:

"Art. 1º - Fica o Poder Executivo AUTORIZADO a desafetar, permutar ou desdobrar as áreas descritas neste artigo, localizadas nesta Capital, com as seguintes características: (....)."

Em seguida, o referido artigo primeiro mencionou 267 áreas que deveriam ser desafetadas pelo Município.

Continuando suas previsões absurdas, a referida lei dispôs ainda:

"Art. 1º. (....):

(....).

§ 2º - Os proprietários de lotes lindeiros às áreas de que trata esta Lei, terão direito de preferência na aquisição das mesmas, devendo exercer o seu direito mediante manifestação expressa, no prazo de 30 (trinta) dias, contados do recebimento da notificação.

§ 3º - Não havendo interesse por parte dos lindeiros, nos termos do parágrafo anterior, o Município poderá:

I - Permutar ou alienar para terceiro a área desafetada, desde que nao resulte em confinamento de lote.

II - Desapropriar a área confinada para, após sua Incorporação ao patrimônio do Município, permutá-la ou aliená-la para terceiro.

Art. 2º - (....).

(....).

§ 5º - Fica assegurado ao funcionário público municipal acesso a pelo menos 10% (dez por cento) dos lotes sociais, observadas exigências legais".

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Mesmo que a desafetação pudesse ter sido levada a cabo pelo Poder Público municipal, isso não ocorreu, posto que, apesar de ter recebido delegação do Legislativo para tanto, o referido poder nada fez nesse sentido. O Decreto nº 7.512, de 02 de setembro de 1997, que regulamentou a predita lei, limitou-se em, no seu artigo 1º, estabelecer as destinações das áreas mencionadas pela objurgada norma municipal. Já o artigo 3º dispôs que "As áreas descritas no anexo III e IV, deste Decreto, serão (seriam) alienadas no prazo máximo de 01 (um) ano, devendo, se ultrapassado este prazo, retornar à sua condição original, através do envio de Projeto de Lei específico à Câmara Municipal".

O Anexo I do referido decreto relaciona as "áreas a serem desdobradas para alienação em programas habitacionais". O Anexo II lista as "áreas que retornarão à sua destinação original". O Anexo III cataloga as "áreas a serem alienadas aos lindeiros". O Anexo IV menciona as "áreas a serem alienadas na forma da lei".

Vê-se, assim, que toda alienação, permuta, doação, dação, cessão feita sob a égide da Lei Municipal nº 3.348/97 não passou de uma tremenda farsa. A mencionada lei autorizou o Município a desafetar, ele não o fez, contentando-se apenas em estabelecer as regras pelas quais as transferências seriam levadas a cabo e, a partir daí, muitas alienações e permutas foram feitas. Por ironia, dispõe o decreto que as áreas não vendidas deverão, por lei, voltar a sua destinação original. Mas como elas poderão voltar à condição anterior se elas nunca mudaram sua condição de áreas afetadas?

O mesmo caminho trilhado pela Lei nº 3.348/97 está sendo seguido pela nova lei de "desafetação", o que é uma lástima para a coletividade e para o sistema jurídico, mortalmente ferido com leis e decretos inconstitucionais e ilegais.

Assim, a lei municipal que autorizou o Poder Público municipal a desafetação de áreas públicas é ilegal e, por conseqüência, inconstitucional, por ferir o princípio da legalidade inserto no artigo 37 da Carta Política e 25 da Constituição Estadual.


III. Da inconstitucionalidade da lei municipal, por ofensa à Lei das Licitações e a competência da União para legislar sobre desapropriação:

A Lei Municipal nº 3.826, de 14 de dezembro de 2.000, apesar de prevê em seu artigo 9º que "A alienação de área será procedida dentro dos parâmetros legais, sobretudo da Lei Federal n. 8.666/93", é ainda inconstitucional, porque contraria exatamente a Lei de Licitações por ela citada, posto que prevê algumas situações em que a concorrência pública não será possível ou será inócua. O próprio objetivo da lei (resolver o problema das áreas ocupadas), previsto em seu artigo 1º, já demonstra isso. Fica claro que o invasor será beneficiado pela Administração Pública, em prejuízo não só do direito de eventuais interessados como também da concorrência pública que deveria se estabelecer obrigatoriamente e de forma transparente e universal. Como alguém, a não ser o invasor, irá se interessar por um lote invadido? Mesmo que houvesse concorrência em relação aos terrenos ocupados, ninguém iria se habilitar para adquiri-los, o que demonstra que a alegada licitação constitui-se em um tremendo faz de conta.

Para que a concorrência em relação a esses terrenos fosse respeitada, os terrenos invadidos deveriam ser previamente desocupados, mas tal não se poderá esperar de um Administrador Público que se manteve omisso o tempo todo em relação a isso (com cometimento inclusive da improbidade administrativa prevista no artigo 11, inciso II, da Lei específica), e que busca resolver o problema das invasões não com a desocupação, mas com a premiação do violador da lei e dos direitos dos cidadãos que pagaram pelas áreas respectivas.

Outra disposição da lei que demonstra a inviabilidade da concorrência pública está contida no artigo 6º que prevê a possibilidade de as áreas desafetadas serem adquiridas pelos lindeiros, nos seguintes termos:

"Art. 6º. - Os proprietários de lotes lindeiros às áreas de que trata esta Lei, terão direito de preferência na aquisição das mesmas, devendo exercer o seu direito mediante manifestação expressa, no prazo de 30 (trinta) dias, contados do recebimento da notificação.

A lei não só oportuniza o lindeiro a adquirir a área fronteiriça em prejuízo da concorrência que deveria se estabelecer de forma igualitária e universal, mas o força a fazer isso, posto que se não o fizer terá seu bem desapropriado. Isso é o que está, para todos verem, escarada e solenemente previsto no artigo 7º, inciso II da seguinte forma:

Art. 7º - Não havendo interesse por parte dos lindeiros, nos termos do artigo anterior, o Município poderá:

(....).

II - Desapropriar a área confinada para, após sua Incorporação ao patrimônio do Município, permutá-la ou aliená-la para terceiro.

Aqui também, ao prever tal tipo de desapropriação, o legislador municipal ofendeu igualmente a competência legislativa da União contemplada no artigo 22, II, da Constituição Federal, por estabelecer desapropriação que não obedece às condições estatuídas nos artigos 5º, XXIV, 182, § 4º, III, e 216, § 1º, todos da mesma Carta Magna, o que torna a lei igualmente inconstitucional.

É oportuno afirmar que a violação da Lei de Licitação nas vendas de lotes feitos sob a égide da lei municipal anterior (Lei Municipal nº 3.348/97) foi ainda mais escancarada. Como se viu no tópico anterior, pela transcrição dos §§ 2º e 5º dos artigos 1º e 2º, respectivamente, da referida lei, a concorrência pública, que deveria ter sido realizada em relação a cada alienação ocorrida, foi vergonhosamente desrespeitada, posto que os lindeiros e os funcionários públicos municipais foram beneficiados em prejuízo dos demais cidadãos, inclusive e de modo especial, dos funcionários públicos estaduais e federais, havendo aí também a violação do princípio constitucionais da isonomia.


IV. Da inconstitucionalidade da combatida lei municipal por ofensa ao princípio constitucional da propriedade:

É igualmente inconstitucional a referida lei municipal porque ofende o direito de propriedade disposto no artigo 5º, caput e inciso XXII, bem como no artigo 170, II, da Constituição Federal, quando as referidas alienações, dação, doação, permuta e concessão de uso recaem sobre áreas verdes e institucionais pertencentes a loteamento urbano, já que o preço de tais áreas integraram o valor dos lotes adquiridos, pelo que se conclui que tais áreas foram pagas pelo consumidor adquirente do respectivo lote, com a promessa de que tais áreas lhe iriam servir para construção de escolas, creche, áreas verdes, etc.

Vedado o confisco, todo avanço nos bens particulares do cidadão deve ser precedida da indenização devida. É por esse motivo que a Constituição Federal prevê, em seu artigo 5º, XXIV, que "a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição" ou que ainda dispõe, em seu artigo 182, § 3º, que "As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro".

Nada justifica a expropriação, sem qualquer retribuição, feita pela guerreada lei municipal.

A única desapropriação sem indenização prevista na Constituição Federal é a de glebas onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas, a quais serão imediatamente expropriadas sem qualquer indenização (artigo 243/CF(12)). E, evidentemente, que as áreas a que se refere esta representação não se trata do tipo de áreas contempladas pelo referido artigo 243, não se lhes podendo aplicar as regras ali previstas quanto a não-retribuição por ocasião de sua desapropriação.

Essa posição ficou completamente clara na decisão do Superior Tribunal de Justiça, proferida no Recurso Especial nº 28.058, acima transcrita parcialmente. Com o fim de reforçar a posição assumida pelo Ministro relator, reproduz-se aqui, mais um vez, parte daquele acórdão, no que ora interessa:

"O Legislador determinou no art. 22 da lei n. 6.766;79 que:

(....).

Essa estatuição pretendeu, sem dúvida, vedar o poder de disponibilidade do incorporador sobre essas áreas. Coloca-as, portanto, sobre a tutela da Administração municipal de forma a garantir que não terão destinação diversa. Este parece ser o espírito da lei. De outra forma, estaria a norma legalizando uma desapropriação indireta ou, pior, permitindo o confisco por parte do poder público. Por outro lado, visa, também, aumentar também o patrimônio comunitário, pois esta e a utilidade e função social dos bens públicos de uso comum do povo, a de servirem os interesses da comunidade.

Como salientei, o objetivo da norma jurídica é vedar ao incorporador a alteração das áreas destinadas à comunidade. Portanto, não faz sentido, exceto, em casos especialíssimos, possibilitar à administração a fazê-lo. No caso concreto as áreas foram postas sob a tutela da administração municipal, não com o propósito de confisco, mas como forma de salvaguardar o interesse dos administrados, em face de possíveis interesses especulativos dos incorporadores. Ademais, a importância do patrimônio público deve ser aferida em razão da importância da sua destinação. Assim, os bens de uso comum do povo possuem função ut universi. Constituem um patrimônio social comunitário, um acervo colocado à disposição de todos. Nesse sentido, a desafetação desse patrimônio prejudicaria toda uma comunidade de pessoas, indeterminadas e indefinidas, diminuindo a qualidade de vida do grupo. Dessarte, existe uma espécie de hierarquia de bens públicos, consolidada não em face do seu valor monetário, mas segunda a relação destes bens com a comunidade. Por isso, não me parece razoável que a própria Administração diminua sensivelmente o patrimônio social da comunidade. Prática, alias, vedada por lei, pois o artigo 4º impõe áreas mínimas para os espaços de uso comum. Incorre em falácia pesar que a Administração onipotentemente possa fazer, sobre a capa da discricionariedade, atos vedados ao particular, se a própria lei impõe a tutela desses interesses.".

O Doutor em Direito pela PUC/SP, Professor na UFJF e Juiz Federal José Wilson Ferreira Sobrinho, ao estudar a EXPROPRIAÇÃO que ocorre NO LOTEAMENTO, com o objetivo de demonstrar que a nomenclatura de "concurso voluntário" que se dá à desapropriação de que trata o artigo 22 da Lei 6.766/79 é inadequada, chegou, em seu artigo denominado "Expropiação no Loteamento"(13), a conclusão de que, salvo aquela prevista no artigo 243 da Constituição Federal, não existe desapropriação sem indenização, sendo certo que "A expropriação no loteamento é indenizável de forma indireta, ou seja, pelo aumento do lucro do loteador em virtude da realização de obras ou prestação de serviços pelo poder público".

O raciocínio levado a cabo pelo douto magistrado para chegar a conclusão supra é simples e compreensível e é a seguinte:

"Cabe averbar, contudo, que a constituição federal de 1988, em seu artigo 243, caput, introduziu uma novidade em termos de indenização na desapropriação: as glebas onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas serão imediatamente expropriadas sem qualquer indenização ao proprietário. Tem-se hipótese de desapropriação sem indenização contemplada em nível constitucional. Isto obrigará a doutrina a refazer suas teses no tocante à indenização como requisito inarredável na expropriação.

A forma de expropriação que se presencia no loteamento não atende a esse requisito indenizatório. Não atende, pelo menos, direta ou tradicionalmente. Assim sendo, não se reputa inteiramente acertada a assertiva de que ela não é indenizável. Há uma indenização recebida pelo loteador expropriado, embora ela fuja aos padrões ortodoxos.

Deveras, quando o particular leva a cabo um loteamento ele tem em mira o lucro que esse empreendimento gerará para ele. E esse escopo lucrativo não advém tão somente do negócio em si mesmo considerado, senão que também dos benefícios recebidos da parte pública, seja realizando obras, seja prestando serviços urbanos.

O fato é que essa atuação do poder público é responsável pelo aumento na valorização do imóvel loteado, gerando, com isso, maior perspectiva de lucro para o loteador. Nada mais justo, portanto, que diretamente o poder público não se veja constrangido a indenizar a parcela de propriedade que se destacou do imóvel loteado e ingressou em seu patrimônio.

Indiretamente, portanto, o loteador é indenizado por esse sacrifício de direito. Essa indenização é representada pela possibilidade de mais valia auferida pelo loteador em virtude da execução de obras ou prestação de serviços feita pelo poder público. A maior rentabilidade econômica do loteamento daí decorrente poderá ser qualificada como indenização da expropriação procedida".

Apesar da clareza e coerência das razões apresentadas pelo nobre juiz federal, há de se acrescentar que o verdadeiro expropriado não é o loteador e sim o adquirente dos lotes, posto que não se admite que o empreendedor que, segundo o próprio autor, visa o lucro, não vá inserir na planilha de custo o valor das áreas expropriandas para, futuramente, lançar esse custo no preço de cada lote, a ser pago por cada consumidor adquirente.

Assim, vê-se, sem muito esforço, que quem paga pelas áreas expropriadas pelo Município é o consumidor-adquirente dos respectivos lotes. E isso todos aceitam porque sabem ou pelo menos têm a esperança de que aquelas áreas serão usadas em benefício deles mesmos e de toda a coletividade, em forma de áreas verdes, escolas, creches, postos de saúde, área de circulação, praças, parques, etc. Elas servirão a todos. É um sacrifício coercitivo que a todos beneficia.

É essa, ao ver desse Promotor de Justiça, uma das fortes razões por que a Lei de Parcelamento do Solo Urbano estabelece no seu artigo 17 que a destinação dessas áreas não podem ser mudadas. Agir de forma contrária é trair a coletividade que ali se implantou e realizar um confisco odioso não admitido pela Lei Maior. Seria, nesse caso, um outro exemplo de expropriação sem indenização, além daquele previsto no artigo 243 da Constituição Federal.

Nesse sentido, "a realização de obras ou prestação de serviços pelo Poder Público", de que fala o Dr. José Wilson Ferreira Sobrinho, não deve ser só motivo de maior lucro para o loteador, mas uma forma segura, justa e pronta de indenização dos adquirentes de lotes de um determinado loteamento.

Quando o município assim não procede, está violando os dispostos nos artigos 5º, caput e incisos XXII, XXIV, XXXII, 170, II, e 182, § 3º, da Constituição Federal. O pior ainda é quando ele nada realiza no loteamento, ainda permite invasões, fechamento de ruas, impedindo a livre circulação e, posteriormente, a título de resolver a situação caótica que criou com sua omissão ainda aliena essas áreas sem qualquer desafetação prévia. É o descalabro dos descalabros.

Sobre o autor
Amilton Plácido da Rosa

Procurador de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSA, Amilton Plácido. Representação contra lei municipal que desafetou diversos bens públicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 49, 1 fev. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/16015. Acesso em: 23 dez. 2024.

Mais informações

Representação do Ministério Público, referente a lei municipal que promoveu a desafetação de inúmeros bens públicos do Município, para colocá-los à venda no mercado. Peça enviada por Amilton Plácido da Rosa (<a href="mailto:pjccg@bol.com.br">pjccg@bol.com.br</a>), promotor de Justiça do Consumidor, da Habitação e Urbanismo, em exercício na Promotoria de Justiça do Meio Ambiente.

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