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Tratados do Mercosul e executoriedade

Agenda 01/02/2001 às 00:00

1 - ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Desde a celebração do Tratado de Assunção, em março de 1991, os Estados-partes do Mercosul têm envidado significativos esforços no sentido de implementar o processo de integração com vistas à constituição de um mercado comum, que possibilite o livre fluxo de pessoas, bens, serviços e capitais.

Para tanto, sucedem-se protocolos que disciplinam questões específicas, registrando-se que, no campo da cooperação judiciária, já foram negociados e assinados os protocolos de Las Leías, de Cooperação e Assistência Jurisdicional em Matéria Civil, Comercial, Trabalhista e Administrativa; protocolo de Buenos Aires, sobre Jurisdição Internacional em Matéria Contratual; Protocolo sobre Medidas Cautelares e o Protocolo de Assistência Jurídica Mútua em Assuntos Penais, este último assunto principal deste trabalho no qual será exposto posteriormente.

E aqui surge o primeiro problema, que é a questão da incorporação desses protocolos nos ordenamentos jurídicos internos. Tem sido comum perceber que alguns setores seguem, equivocadamente, não compreendendo que o acervo normativo produzido no âmbito Mercosul não tem, ainda, o condão de produzir efeitos diretos e imediatos sobre as ordens jurídicas nacionais, à semelhança do que ocorre na União Européia.

Não menos perceptível tem sido a confusão conceitual que advém dos debates quando se trata de distinguir a norma de Direito Internacional e a norma de Direito Comunitário. Aquela, como se sabe, é produzida bilateral ou multilateralmente, no âmbito da cooperação clássica entre Estados soberanos, enquanto esta é produzida por órgãos, ditos supranacionais, nos quais os agentes e servidores têm representação distinta (não representam) de seus Estados de origem, e exercem competências e atribuições antes reservadas exclusivamente aos Estados soberanos.

Esta é, precisamente, a distinção que se deve ter presente entre intergovernabilidade ou governabilidade compartida e supranacionalidade, pois, naquela os Estados negociam na plenitude de sua soberania, e recepcionam as normas internacionais segundo as suas conveniências políticas e sob a observância de seu particular regime constitucional. No sistema comunitário, ao revés, as normas não demandam recepção do complexo normativo produzido pelos órgãos da comunidade e, muito menos, os Estados membros podem invocar seus respectivos ordenamentos jurídicos internos, inclusive no que respeita às normas constitucionais, como obstáculo à executoriedade das chamadas normas comunitárias.

É óbvio que essas perplexidades jurídicas introduzidas a partir dos processos de integração regional têm causado incompreensões e até, em alguns casos, desairosas críticas, especialmente no que concerne à mitigação do conceito clássico de soberania.

Pois bem, no contexto do processo de integração do Mercosul a aplicação e executoriedade das normas jurídicas têm, também, produzida estupefação em alguns segmentos.


2 – PRINCÍPIOS PENAIS DEMOCRÁTICOS

Após a eliminação das ditaduras em quase todos os países latino-americanos e também em outras partes do mundo, na verdade, o que se observa é a tendência de incluir nas respectivas constituições princípios fundamentais de proteção a direitos individuais que, na realidade, ultrapassam a própria ordem jurídica interna e se estendem a relações de cooperação penal.

Podemos classificá-los em dois grupos:

-Princípios de limitação material;

-Princípios de limitação formal.

O primeiro princípio elencado diz respeito aqueles princípios de fundamentação do Estado democrático, tais como a proteção da dignidade da pessoa humana, a observância do bem jurídico, a necessidade da pena, a intervenção mínima, a proporcionalidade e os preceitos delimitativos decorrentes dos direitos humanos.

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O princípio da limitação forma, tange à exigência da legalidade e seus crolários e, mais especificamente, à formação dos tipos legais e à fundamentação dos fatores de reprovação e de punibilidade.

Como sabemos a cooperação penal implica na intromissão de uma ordem jurídica externa em outra ordem jurídica, o qual deverá aplicar seus próprios preceitos para tornar executáveis as medidas solicitadas, que podem, por seu turno, afetar direitos pessoais e patrimoniais dos cidadãos. Neste complexo, os atos de cooperação penal podem ocorrer em três níveis, dependendo da natureza da medida, de sua duração e coercibilidade.

Um primeiro grau inclui as medidas de simples assistência, tais como notificações, perícias, informes, tramitação de provas, atos de instrução, traslado de pessoas para prestar declarações no país requerente.

Num segundo grau compreende as medidas de assistência processual penal, capazes de causa prejuízos ou gravames ao patrimônio alheio, tais como os registros, embargos, seqüestros, interdições e atos de disposição de bens.

Completando então temos o terceiro grau, que diz respeito ao procedimento de extradição.


3 - PROTOCOLO DE ASSISTÊNCIA MÚTUA EM ASSUNTOS PENAIS PARA O MERCOSUL

O Protocolo de Assistência Mútua, foi assinado na República da Argentina em Buenos Aires, no mês de junho do ano de 1996, com o objetivo de intensificar a cooperação jurídica em matéria penal, para que os objetivos do Tratado de Assunção sejam devidamente alcançados.

Doravante, serão apresentados os pontos primordiais deste importante documento para o Direito Internacional da América do Sul.

3.1 – Do Alcance da Assistência

Este diploma legal diz respeito à ajuda mútua entre os Estados concordantes deste documento. Sendo eles a Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai.

Conforme dito anteriormente este protocolo rege aos princípios existentes e compreende na assistência dos seguintes casos: notificação de atos processuais, recepção e produção de provas (documentais ou testemunhais), localização ou identificação de pessoas, notificação de testemunhas ou peritos para o comparecimento voluntário a fim de prestar testemunho no Estado requerente, traslado de pessoas sujeitas a um processo penal para comparecimento como testemunhas no Estado requerente ou com propósitos expressamente indicados na solicitação, conforme o citado Protocolo, medidas acautelatórias sobre bens como também informações sobre os mesmos, entrega de documentos e outros elementos de provas, apreensão, transferência de bens confiscados de sentenças judiciais e qualquer outra forma de assistência regida pelo Protocolo objeto do presente estudo.[1]

3.2 – Das Autoridades Centrais e Autoridades Competentes

Os Estados membros terão que designar autoridades centrais para exercer a função de transmissão de pedidos de assistência mútua, sendo que as mesmas se comunicarão remetendo todos os pedidos às autoridades competentes.

Esta autoridade poderá ser substituída a qualquer momento, dependendo da vontade do Estado, sendo que o mesmo terá que comunicar aos demais Estados sobre a substituição.

A transmissão dos pedidos feita pelas autoridades centrais, como dito anteriormente, será repassadas às autoridades designadas como competentes. O Ministério Público e autoridades judiciais dos Estados terão esta designação e serão incumbidas de esclarecimentos dos fatos pertinentes ao pedido.

3.3 – Denegação de Assistência

Existem casos em que o Estado requerido poderá se negar a dar assistência requerida, sendo eles elencados no artigo 5º e suas alíneas e expresso desta forma: a solicitação se refira a delito tipificado como tal na sua legislação militar, mas não na legislação penal ordinária; no caso de que o Estado em sua legislação entenda como político ou de finalidade política, como também a delito tributário; quando a pessoa em relação se solicita a medida haja sido absolvida ou haja cumprido condenação no Estado requerido pelo mesmo delito mencionado na solicitação; como também no caso de risco à segurança, ordem pública e a outros interesses essenciais do Estado requerido.

Tudo que diz respeito à denegação de assistência, que foi expresso anteriormente, tem que ser fundamentada através da Autoridade Central, expressando as razões do respectivo ato, tendo como ressalva no caso de entregar cópias de documentos oficiais, registros ou informações não acessíveis ao público.

3.4 – Forma e Cumprimento da Solicitação

Como todo documento oficial tem que ser expresso por escrito, no caso da assistência não poderia ser diferente, podendo ser feita também através dos diversos meios eletrônicos existentes, mas, para fim de confirmação deverá ser entregue no prazo de 10 dias os documentos originais.

Sendo este documento com efeitos jurídicos, tem o mesmo que conter algumas indicações. Como não poderia deixar de conter, a autoridade no qual se direcionará o pedido de assistência, assunto e natureza do procedimento judicial, como também os delitos; as medidas requeridas também têm que ser expressas; os motivos que originaram o pedido; as normas penais aplicáveis e principalmente a identidade da pessoa no qual tem o objeto do procedimento.

Para que o procedimento seja concretizado da melhor maneira possível pode também constar os seguintes dados: uma melhor identificação das testemunhas que se deseja obter, como também das pessoas a serem notificadas e sua relação com os procedimentos; identidade e paradeiro das pessoas a serem localizadas, como o interrogatório a ser feito, descrição exata do local a ser inspecionando; informações sobre o pagamento dos custos[2] que serão necessários para o cumprimento.

Importante salientar que a solicitação deverá ser redigida no idioma do Estado requerente acompanhado de uma tradução no idioma do Estado requerido.

As solicitações serão regidas segundo a lei do Estado requerido, e no caso de incompatibilidade com sua lei interna com os procedimentos descritos no pedido, o Estado requerido não cumprirá a assistência.

Pode o Estado requerente pedir a tramitação confidencial de todo o procedimento, mas, o Estado requerido pode negar o caráter confidencial, sendo assim o Estado requerente após informação do requerido se insistirá na solicitação.

3.5 – Prazos ou condições para o cumprimento

A autoridade competente poderá adiar o cumprimento da assistência, ou sujeita-la a condições quando houver interferência em procedimento penal em curso em seu território. Essas condições farão através de sua Autoridade Central para o Estado requerente, se o mesmo aceitar a assistência mediante condições o mesmo a cumprirá integralmente sem problemas.

3.6 – Informações sobre o Cumprimento

Não existe um prazo expresso para a prestação de informações sobre o andamento do cumprimento da solicitação, tem-se neste caso o uso do bom senso de que do menor prazo possível possa conceder os devidos resultados, utilizando o idioma do Estado informante.

Sempre que não poder cumprir alguma parte ou em sua totalidade o pedido, o Estado requerido deverá expor os motivos do não cumprimento.

Todas as informações adquiridas só poderão ser aplicadas em relação ao procedimento indicado na solicitação.

3.7 – Testemunho no Estado Requerido e no Estado Requerente

No que diz respeito a este fato rege-se o direito do Estado Requerido, e apresentação será realizada à autoridade competente. Informando a data, lugar em que será extraída a declaração da testemunha.

Poderá existir comunicação entre as autoridades competentes dos dois Estados, através das autoridades Centrais, podendo ser acompanhados por autoridades competentes do Estado no qual requereu.

No caso de pessoa que tem caráter de imunidade, privilégio ou capacidade, deverá ser analisado pelas autoridades competentes sobre este fato a fim de decidir sobre o testemunho ou não.

Já se for a testemunha comparece no Estado requerente, todas informações serão prestadas perante as autoridades competentes daquele Estado, sendo que todos os gastos deverão ser pagos pelo Estado requisitor. Será informado o teor das declarações ao Estado de origem da testemunha.

3.8 – Traslado de Pessoas Sujeitas a Procedimento Penal

No que tange a esse assunto, temos que nos ater à constituição de cada nação pertencente ao referido protocolo, pois pode ocorrer que a Carta Magna proíba tal procedimento de envio de pessoa nacional, para Estado estrangeiro para qualquer procedimento. Caso seja proibido pela constituição, o Estado decidirá a conveniência de cumprir o solicitado.

Não havendo empecilhos para que a pessoa sujeita ao procedimento penal se dirija ao Estado requerente o mesmo terá que mantê-la sob sua custódia, salvo disposição em contrário do Estado requerido, se comprometerá o requerente de enviar a pessoa tão logo seja realizado todos os procedimentos, não podendo o prazo de permanência exceder 90 dias não sendo necessário um procedimento de extradição.

3.8 – Do Salvo Conduto

Toda pessoa que comparecer ao Estado requerente, terá o salvo conduto garantido, não podendo ser detido ou julgado por delitos anteriores a sua saída do território do Estado requerente e convoca-lo a dar informações que não dizem respeito ao especificado na solicitação.

A validade desse salvo conduto será a partir do 10º que a pessoa estiver no Estado requerente por manifestação sua, ou seja pelo prolongamento por vontade da própria pessoa.

3.9 – Medidas Acautelatórias

Estas medidas serão processadas sob a regência da lei processual do Estado requerido. Serão requeridas quando um Estado tiver informações suficientes que justifiquem tal medida.

Tendo conhecimento da existência dos instrumentos, objeto ou frutos do delito, no território do outro Estado parte, que possam ser objetos de medidas acautelatórias, informará à autoridade do outro Estado sobre o fato, que remeterá para as autoridades competentes para adoção das medidas cabíveis.

3.10 – Dos Bens

O Estado disporá dos bens e frutos de acordo com sua lei interna. Podendo transferir a outros os bens confiscados como também o produto de sua venda.

3.11 – Autenticação de Documentos e Certidões

Todos os documentos que advindos das autoridades competentes não necessitam de qualquer formalidade.

3.12 – Das Controvérsias

Serão decididas as controvérsias existentes relativas ao protocolo de cooperação penal através de soluções diplomáticas diretas, não tendo acerto deverá ser aplicado os procedimentos previstos, no Sistema de solução de controvérsia vigente no Tratado de Assunção.

Finalizando no que concerne ao Protocolo de Assistência jurídica mútua em Assuntos Penais para o Mercosul temos:

- O presente protocolo que é parte integrante do Tratado de Assunção, entrou em vigor após 30 dias o depósito do instrumento de ratificação.

- Qualquer Estado que aderir ao Tratado de Assunção terá automaticamente aderido ao protocolo de colaboração em assuntos penais.

- O presente Protocolo e os Instrumentos de Ratificação estão depositado com a República do Paraguai, que enviará cópias aos Estados Membros.


Notas

1. Art. 2º do Protocolo de Assistência Mútua em Assuntos Penais para o Mercosul

2. Os custos serão divididos da seguinte forma: ao Estado requerido arcará com as despesas de processamento da solicitação; e ao Estado requerente ao pagamento dos honorários relativos às perícias, traduções e transcrições, despesas extraordinárias e custos de viagem descritas nos arts. 18 e 19.


Bibliografia Utilizada

POULANTZAS, Nicole. Poder Político e Classes Sociais. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

PRADO, Luiz Regis. Bem Jurídico-penal e Constituição. São Paulo: RT, 1996.

Sobre o autor
Gabriel Schonfelder de Souza

acadêmico de Direito da Universidade do Extremo Sul Catarinense

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Gabriel Schonfelder. Tratados do Mercosul e executoriedade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 49, 1 fev. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1632. Acesso em: 23 dez. 2024.

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