A discussão apaixonada sobre
a atuação de Pinochet, enquanto governou o Chile, tem deixado de lado aspecto de extrema
relevância, que a declaração dos presidentes dos países membros ou associados do
Mercosul realçou, sem a devida cobertura da imprensa.
De início, para que o meu artigo não seja mal interpretado, reafirmo o que tenho dito toda minha vida, ou seja, de que sou contra todas as ditaduras, pois, nas ditaduras, os arbítrios se multiplicam e a tortura e as condenações à morte sem defesa são o lamentável colorário da eliminação do direito de defesa. Este direito é, em verdade, o bem maior de uma democracia. Fidel Castro, Hitler, Mussolini, Stalin, Pinochet, Saddan Houssein e outros, neste particular, disputam doloroso concurso para saber quem mais pisoteou sobre a dignidade humana - para não falarmos dos espanhóis, que, durante a guerra civil, só de sacerdotes, religiosos e religiosas assassinaram mais de 6000, ou dos ingleses, que mantiveram sangrento domínio sobre a Ásia e sobre a África, além de terem utilizado processos censuráveis para não conceder, até hoje, a liberdade à Irlanda do Norte, que há 200 anos por ela luta.
O problema que se coloca, todavia, é outro. Pode um membro do poder legislativo de um país ser julgado, num país estrangeiro, por fatos ocorridos em seu país de origem, sem que a soberania seja atingida?
Em outras palavras, se os 3 poderes de um país democrático representam seu governo, poderá a autoridade de um deles ser julgada em outra nação, sem que se quebre o respeito que deve haver nas relações entre os países e sem que se viole sua soberania?
Em Cuba, Fidel Castro representa o único poder, porque Cuba é uma ditadura, triste reminiscência de um período em que grande parte dos países latinos ou eram ditaduras de direita ou de esquerda. O Chile, todavia, hoje é uma democracia com três Poderes e todos os 3 Poderes são relevantes para sua manutenção. A prisão de um membro de um dos três Poderes chilenos (Senador Vitalício), na Inglaterra, para ser julgado na Espanha, por denunciados "crimes" cometidos no Chile, é uma brutal violência ao direito internacional e ao respeito que as nações entre si devem ter. O curioso é que a extradição do Senador Vitalício chileno foi pedida no dia em que o ditador de Cuba estava na Espanha, ambos acusados de milhares de violências contra seus cidadãos, inclusive com torturas e execuções sem defesa, como nos "paredões" fidelistas ou nos "calabouços" chilenos.
Tenho para mim que esta violência jurídica à soberania chilena, jamais seria feita, se o parlamentar não fosse sul-americano, mas norte-americano, italiano, francês ou alemão. Ainda recentemente, Clinton determinou o bombardeio de presumíveis fábricas de armas químicas em país islâmico, independentemente de declaração de guerra, causando a morte de muitos inocentes, sem que nenhuma autoridade espanhola ou inglesa se lembrasse de criticar a "fishing exploration" do Presidente americano.
Estou convencido de que o preconceito aristocrático dos países europeus em relação à América do Sul permanece, apesar de seu desumano colonialismo, praticado dos séculos XVI ao começo do século XX, já não ter espaço nos dias atuais. Continuam, todavia, agindo como se o mundo fosse dividido entre a raça superior, que são os europeus e os norte-americanos e a plebe inferior que reside na América do Sul, na África e na Ásia. Não acredito que, espanhóis e ingleses, agiram por amor aos direitos humanos, que, de resto, no curso de sua história, nunca respeitaram. Nem me impressiona o reexame pela Casa dos Lordes do processo, por falha procedimental. Creio que espanhóis e ingleses se uniram para esconder, com um pretenso "gesto de grandeza" na prisão do "ex ditador", a imensidão de gestos pequenos, tão condenáveis quanto os atribuídos a Pinochet, que conformaram a história de ambos os países, pelo menos neste milênio.
Bem agiram, pois, os Chefes de Estado do Mercosul em condenar o preconceituoso atentado de ingleses e espanhóis contra a soberania das nações sul-americanas.