A teoria do insider trading (violação do dever de sigilo) surgiu no direito norte-americano em decorrência da preocupação do governo em razão dos inúmeros casos de deslealdade dos administradores das sociedades anônimas em relação às empresas que administravam, com a prática de diversas transações no mercado de capitais com a utilização de informações privilegiadas. Dessa forma, pode-se conceituar insider trading como a violação de dever de sigilo, consubstanciada pelo uso de informações confidenciais ou sensíveis de uma empresa pelo seu administrador ou funcionários ou, ainda, por terceiros. [01]
Após uma breve exposição do conceito de insider trading; passa-se agora a análise da primeira aplicação da teoria do insider trading pela Suprema Corte dos Estados Unidos, que ocorreu no caso Strong v. Repide (1909). Nessa ocasião, a Corte firmou o posicionamento de que o diretor de uma empresa com poder de influenciar os valores das ações no mercado não poderia se prevalecer de sua condição para negociar ações ou opções de ação, mantendo em ignorância os demais acionistas a respeito de informações que terão impacto direto nos valores dos títulos negociados pela empresa. Como conseqüência dessa decisão, o diretor da empresa passava a ter o dever de informar aos acionistas as informações relevantes antes de negociar quaisquer ações ou títulos da empresa no mercado de capitais. [02][03]
Posteriormente, a Suprema Corte dos Estados Unidos voltou a enfrentar o assunto no caso Chiarella v. United States (1980). O caso teve início quando Chiarella trabalhava na Pandick Presse. Uma empresa contratou a Pandick Press (prestadora de serviços) para anunciar medidas de expansão dos negócios da empresa. Embora as identidades das empresas envolvidas na negociação fossem mantidas em sigilo, Chiarella conseguiu deduzir os nomes das empresas envolvidas na negociação. Sem revelar o segredo, Chiarella comprou ações das referidas empresas e as vendeu imediatamente quando o anúncio da fusão das empresas tornou-se público. Dessa forma, Chiarella obteve um lucro de US$ 30.000 (trinta mil dólares). Após o ocorrido, a Securities and Exchange Commission, uma espécie de comissão de valores mobiliários, passou a investigar as atividades de Chiarella, que posteriormente veio a ser condenado por fraude. [04]
No presente caso, a Suprema Corte dos Estados Unidos deparou-se com a discussão sobre a legalidade da conduta de Chiarella, ou seja, se ele havia violado dever de lealdade com as empresas envolvidas na fusão. Ao analisar o caso, a Corte entendeu que não houve violação do dever de lealdade do empregador em relação à empresa. Foi estabelecido o posicionamento de que o dever de não revelar informações da empresa somente ocorria se houvesse uma relação de confiança entre as partes envolvidas. [05]
Sendo assim, entendeu-se que Chiarella não tinha o dever de manter sigilo das informações, uma vez que ele não era empregado da empresa, nem tinha recebido informações confidenciais das empresas alvo da fusão. Ademais, as empresas não depositaram nele qualquer tipo de confiança. Ao invés disso, as empresas não tinham nenhuma negociação prévia com Chiarella. Por fim, concluiu-se que o dever de lealdade e de sigilo não surgia apenas da "mera posse de informações não conhecidas pelo mercado". Ao contrário, deveria haver uma relação de confiança e de lealdade entre as partes envolvidas caracterizada pelo dever de sigilo das informações acessíveis apenas em decorrência de uma posição favorecida ocupada pelo empregado ou diretor dentro da companhia. [06]
Posteriormente, a Suprema Corte dos Estados Unidos voltou a enfrentar o assunto no caso Dirks v. Securities and Exchange Commission (1984). A importância do caso em análise foi a criação do conceito de "constructive insiders" que, na verdade, se tratam de advogados, investidores e terceiros que recebem informações confidenciais de uma empresa, enquanto estão prestando serviços para essa empresa. A Corte estabeleceu que os chamados "constructive insiders" também poderiam ser responsabilizados por "insider trading", desde que a empresa tivesse a expectativa de que as informações fossem mantidas em segredo, uma vez que, ao se ter acesso às informações privilegiadas em decorrência da prestação de serviço, os "constructive insiders" agiam, na realidade, como um típico "insider" ou empregado. [07]
Além disso, a Excelsa Corte asseverou que o dever de se abster a revelar um segredo de uma empresa (dever de sigilo ou de confidencialidade) não decorre da "mera posse de uma informação de mercado não acessível ao público". Ao contrário, o dever de sigilo surge da existência de uma relação de confiança estabelecida entre as partes. [08]
Ademais, ao julgar o caso Dirks v. Securities and Exchange Commission (1984), entendeu-se que houve manipulação traduzida pela quebra do dever de confiança e de lealdade. Apontou-se que a responsabilidade por "insider trading" ocorre quando o sujeito deixa de prestar informação ao público antes de negociar as ações de uma empresa de forma a obter lucro. O terceiro nem sempre é livre para negociar informações internas da empresa. Ele tem o dever de sigilo decorrente do dever que o empregado (insider) tem com a empresa. Dessa forma, o terceiro tem que assumir o dever de sigilo do empregado em relação aos acionistas, que consiste em não negociar as informações internas da empresa, se souber ou tiver conhecimento delas de forma não autorizada ou indevida. [09]
Também não se pode deixar de mencionar o precedente da Suprema Corte dos Estados Unidos, o United States v. Carpenter (1986). No caso em análise, a Excelsa Corte norte-americana manteve a condenação do réu por fraude, tendo em vista que ele recebeu informações privilegiadas de um jornalista, ao invés de ter recebido a informação da própria empresa. O jornalista também foi condenado, uma vez que restou comprovado que ele apropriou-se indevidamente das informações que eram de propriedade do seu empregador, o Wall Street Journal. A importância desse caso é a aplicação da "Misappropriation Theory", ou teoria da apropriação indevida, que nada mais é do que uma nova visão da aplicação da teoria do "insider trading". [10]
Dessa maneira, a Corte estabeleceu que qualquer um que obtivesse informações privilegiadas de forma indevida de seu empregador sobre outra empresa e as utilizassem para obter lucros também seria culpado de "insider trading". Por exemplo, trata-se da situação em que um empregado da empresa "A" obtém informações privilegiadas sobre uma empresa "B", enquanto trabalha na empresa "A". Se o empregado da empresa "A" revelar ou utilizar essas informações da empresa "B" para obter ganhos financeiros no mercado de capitais, ele também cometerá "insider trading", uma vez que violará o dever de sigilo e confidencialidade em relação aos acionistas da empresa "B". [11]
No ano de 1997, a Suprema Corte dos Estados Unidos adotou a "misappropriation theory" no caso United States v. O’Hagan. O caso teve início quando a SEC (Securities and Exchange Commission) declarou O’Hagan, que trabalhava para o escritório de advocacia Dorsey e Whitney, culpado de 57 (cinqüenta e sete) fraudes por lucrar com a venda de opções de ação da empresa Pillsburg Company, tendo por base uma informação confidencial que ele usou de forma inapropriada em benefício pessoal. O’Hagan sabia que a Grand Metropolitan considerava a realização de uma oferta pública de ações para adquirir a empresa Pillsburg Company. Levando-se em conta essa informação privilegiada, O’Hagan comprou uma grande quantidade de opções de ação e obteve um lucro superior a US$ 4.000.000,00 (quatro milhões de dólares). [12]
Quando o caso chegou ao conhecimento da Suprema Corte dos Estados Unidos, a discussão era se a venda de informações obtidas ilegalmente em relação à outra empresa, que não a sua própria empresa, se isso consistia numa violação da lei de mercado de capitais. [13]
A Suprema Corte norte-americana entendeu que qualquer um que receba ganhos pessoais com base em informações exclusivas e privilegiadas era culpado de "insider trading". O detentor da informação abusava do seu direito quando se valia dessa informação em proveito pessoal, seja a informação relativa à empresa em que ele trabalhava, seja em relação a qualquer outra empresa. [14][15]
Por todo o exposto, cumpre destacar a enorme contribuição do direito norte-americano com a criação da teoria do "insider trading". Percebe-se que há um nítido movimento no sentido da ampliação da teoria do "insider trading", com a expansão do dever de sigilo para os prestadores de serviços, chamados de "constructive insiders",e com o surgimento da "misappropriation theory", que consiste na extensão do dever de sigilo dos empregados de uma empresa em razão às informações confidenciais adquiridas de outra empresa, de forma indevida.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
Chiarella v. United States (1980). Disponível em: >http://www.oyez.org/cases/1970-1979/1979/1979_78_1202>. Acesso em: 17 jul. 2010.
Dirks v. Securities and Exchange Commission(1984). Disponível em: <http://cases.justia.com/us-court-of-appeals/F2/681/824/405342/>. Acesso em: 06 de jul. 2010.
MACEY, Jonathan R. Insider Trading. Economics, politics, and policy. Boston: University press of America, 1991.
QUINN, Randall W. Misappropriation theory of insider trading in the Supreme Court: A (brief) response to the (many) critics of United States v. O’Hagan. Fordham Journal of Corporate & amp; Financial Law, 2003.
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. São Paulo: Editora Saraiva. 21ª Ed, 1998.
Strong v. Repide (1909). Disponível em: <http://supreme.justia.com/us/213/419/index.html>. Acesso em: 10 de jun. de 2010.
Strong v. Repide (1909). Disponível em: <http://caselaw.lp.findlaw.com/cgibin/getcase.pl?court=us&vol=213&invol=419>. Acesso em: 10 de jun. 2010.
United States v. O’Hagan (1997). Disponível em: <http://www.law.cornell.edu/supct/html/96-842.ZO.html>. Acesso em: 04 de jul. 2010.
United States v. O’Hagan (1997). Disponível em:<http://www.oyez.org/cases/1990-1999/1996/1996_96_842>. Acesso em: 04 de jul. 2010.
United States v. O’Hagan (1997). Disponível em:<http://supreme.justia.com/us/521/642/case.html>.Acesso em: 04 de jul. 2010.
NOTAS:
- REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. São Paulo: Editora Saraiva. 21ª Ed, 1998, p. 190-199.
- Strong v. Repide (1909). Disponível em: <http://caselaw.lp.findlaw.com/cgibin/getcase.pl?court>. Acesso em: 10 de jun. 2010.
- Strong v. Repide (1909). Disponível em: <http://supreme.justia.com/us/213/419/index.html>. Acesso em: 10 de jun. de 2010.
- Chiarella v. United States (1980). Disponível em: >http://www.oyez.org/cases/1970-1979/1979/1979_78_1202>. Acesso em: 17 jul. 2010.
- Chiarella v. United States (1980). Disponível em: >http://www.oyez.org/cases/1970-1979/1979/1979_78_1202>. Acesso em: 17 jul. 2010.
- Chiarella v. United States (1980). Disponível em: >http://www.oyez.org/cases/1970-1979/1979/1979_78_1202>. Acesso em: 17 jul. 2010.
- Dirks v. Securities and Exchange Commission(1984). Disponível em: <http://cases.justia.com/us-court-of-appeals/F2/681/824/405342/>. Acesso em: 06 de jul. 2010.
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- MACEY, Jonathan R. Insider Trading. Economics, politics, and policy. Boston: University press of America, 1991, p. 60-64.
- MACEY, Jonathan R. Insider Trading. Economics, politics, and policy. Boston: University press of America, 1991, p. 60-64.
- United States v. O’Hagan (1997).Disponível em: <http://www.law.cornell.edu/supct/html/96-842. ZO.html>. Acesso em: 04 de jul. 2010.
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- United States v. O’Hagan (1997). Disponível em:<http://supreme.justia.com/us/521/642/case.html>.Acesso em: 04 de jul. 2010.
- QUINN, Randall W. Misappropriation theory of insider trading in the Supreme Court: A (brief) response to the (many) critics of United States v. O’Hagan. Fordham Journal of Corporate & amp; Financial Law, 2003, p. 01-05.