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A era da informação e o mundo do trabalho

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Agenda 05/08/2010 às 17:19

Sumário: 1.1. Tempo de transição. 1.2. A gênese de uma nova época. 1.2.1. A revolução dos costumes.1.2.2. A crise do mundo bipolarizado. 1.2.2.1. A derrocada do modelo soviético. 1.2.2.2. A reestruturação capitalista. 1.2.2.2.1. O colapso do Wellffarre Sttatte. 1.2.2.2.2. A reconfiguração econômica global. 1.2.3. As tecnologias da informação e comunicação. 1.2.3.1. O poder da tecnologia a serviço da tecnologia do poder. 1.2.3.2. A Revolução Tecnológica. 1.2.3.3. A Internet. 1.3. O capitalismo informacional


1.1Tempo de transição

" um desassossego no ar. Temos a sensação de estar na orla do tempo, entre um presente quase a terminar e um futuro que ainda não nasceu".[01]

O termo "era da informação" é descrito e analisado por CASTELLS em sua obra de mesmo nome e alude ao conjunto de eventos que, segundo ele, assinalam o fim da era industrial e o surgimento de outra, advinda de uma revolução tecnológica vivenciada no último quartel do século XX. Esta revolução possui, como essência, um paradigma organizado a partir do desenvolvimento das tecnologias da informação e da comunicação. Neste paradigma, a aplicação do conhecimento e o processamento da informação constituem os elementos primordiais dos processos produtivos.

Ou seja, "o que caracteriza a atual revolução tecnológica não é a centralidade de conhecimentos e informações, mas a aplicação deste conhecimento e desta informação para a geração de conhecimentos e de dispositivos de processamento e comunicação da informação, em um ciclo de realimentação cumulativo entre a inovação e seu uso" [02].

A constituição deste paradigma emergente é o cerne das profundas transformações que ocorreram nas duas últimas décadas do século XX e que alteraram o modus vivendi em praticamente todo o mundo. Constituiu-se uma economia global dinâmica ligando pessoas e atividades em quase todo o planeta numa rede em que o tempo-espaço inexiste. Nessa rede de interconexões prevalece o que CASTELLS denomina "espaço de fluxos"[03], isto é, a continuidade intermitente do fluxo de informações, que desconhece distâncias físicas e não obedece ao tempo linear cronológico.

Por exemplo, é possível a um investidor que esteja nos EUA, ainda que seja madrugada neste país, comprar ações na Bolsa de Tóquio em tempo real, como se estivesse em pessoa no Japão, algo impensável antes do advento da revolução informacional. Hoje isto é factível porque as informações circulam em todo o globo à velocidade da luz graças às tecnologias da comunicação: satélites artificiais, celulares e cabos de fibra óptica. Estas informações ficam acessíveis num meio intangível, o ciberespaço, e circulam ininterruptamente através da Internet, uma intrincada teia mundial constituída por computadores interligados, os quais se comunicam por linguagens comuns chamadas "protocolos".

Nos domínios intertemporais do ciberespaço acontece a conexão em nível global das esferas relacionadas ao poder e à geração de riquezas. Ao mesmo tempo, ocorre a desconexão de tais redes dos grupos e territórios considerados não pertinentes sob a perspectiva da lógica do mercado global e dos interesses dominantes dela decorrentes.

Alijados do uso e do conhecimento das tecnologias de comunicação e informação, os excluídos digitais tornam-se párias da atualidade. E, como a casta dos párias hindus, impossibilitados de redenção, porque é o próprio acesso à informação que realimenta seu processamento, num mecanismo de feedback interativo que gera novas tecnologias que, por sua vez, constituir-se-ão no substrato da produção de tecnologias mais recentes e ainda mais eficazes.

Desconectados deste mundo competitivo e incompreensível que os rejeita, perdidos num limbo em que a falta de perspectiva associa-se à ausência de reconhecimento da própria identidade, estes excluídos, párias da sociedade tecnológica, agregam-se em identidades culturais primárias. Isto explica o rápido e espontâneo recrudescimento dos fundamentalismos religiosos e étnicos, que pareciam superados, ou pelo menos controláveis, durante a Guerra Fria.

Este ressurgimento torna-se incompreensível para os pertencentes às castas dos não excluídos, eis que ocorre no limiar do terceiro milênio, em que há a expectativa - alimentada no subconsciente coletivo pelas mídias - de um porvir glorioso, que a tecnologia promete ser de maior prosperidade, depois de completado o ciclo de transição da era industrial para a informacional.


1.2A gênese de uma nova época

De acordo com CASTELLS, encontramo-nos na vigência da transição de um modo de desenvolvimento industrial para um informacional, fenômeno este cuja origem remonta à segunda metade do século passado, quando principiaram três processos históricos que, embora independentes, convergiram para essa revolução da informação que se disseminou em âmbito mundial, em quase todas as esferas da atividade humana.

1.2.1.A revolução dos costumes

Um dos processos históricos que, ainda que de forma indireta, conduziu à atual revolução informacional consistiu na eclosão de diversos movimentos sociais em várias partes do mundo, a partir do final dos anos 50 do século XX.

É possível citar, dentre os mais importantes, os movimentos pacifistas, os movimentos pelas liberdades civis, pelos direitos dos negros e o movimento feminista. Nas décadas seguintes, outros movimentos similares floresceram: os movimentos pela defesa dos direitos humanos, pelas liberdades sexuais e, por fim, o movimento ambientalista, já nos anos 80.

Estes movimentos sociais, apesar de também possuírem caráter cultural, sem vínculos com as transformações tecnológicas que caracterizam a revolução informacional, acabaram por influenciá-las por meio de sua essência libertária, que rechaçava o nacionalismo e o tradicionalismo religioso então vigentes e prepararam o cenário para uma ruptura fundamental na sociedade.

Era o tempo da chamada Guerra Fria, em que o mundo dividia-se em dois grandes blocos geopolíticos antagônicos, comunista e capitalista, separados pela "cortina de ferro", uma espécie de Tratado de Tordesilhas ideológico: de um lado, os países capitalistas, liderados pelos EUA; de outro, os socialistas, capitaneados pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas - URSS.

Estes dois blocos disputavam entre si a hegemonia política, econômica e militar no mundo e, do final da 2ª Guerra Mundial até 1991, cada qual tentou fazer prevalecer seu sistema político-econômico nas zonas de influência do bloco rival.

Este tempo conturbado foi definido pelo pensador Raymond Aron[04] como um período em que "a guerra era improvável, e a paz, impossível". Isto porque o mundo vivia uma situação de "paz armada": as superpotências, EUA e URSS, mediam suas forças e exibiam seu poderio através de feitos espaciais retumbantes e armas bélicas de grande poder de destruição, enquanto o verdadeiro conflito desenrolava-se no campo ideológico. Inexistia um embate militar declarado entre EUA e URSS. Mesmo porque estes países possuíam expressivo arsenal nuclear e um conflito armado significaria o fim de ambos e também da vida no planeta.

Neste tenso e instável panorama de beligerância velada, os movimentos sociais da segunda metade do século XX criaram um clima de agitação cultural que colocou em cheque os principais valores sociais estabelecidos. Estes movimentos encontraram eco em segmentos dos meios artísticos e intelectuais, que se coadunavam com sua conotação libertária.

Teóricos como Herbert Marcuse[05], que denunciava a hipocrisia de uma sociedade injusta, Jean Paul Sartre e sua mulher, Simone de Beauvoir; Andy Warhol e sua arte pop; o surgimento das "músicas de protesto" (entre as quais podemos inserir o movimento da Tropicália, no Brasil) são exemplos deste fenômeno que ficou conhecido como "contracultura".

A contracultura influenciou intensamente a música, a literatura, as artes e o ideário de uma geração, marcando indelevelmente a história do século XX[06]. A essência comum dos movimentos sociais - paz, amor, liberdade - catalisada pela contracultura, produziu eventos significativos como os protestos estudantis de maio de 1968, na França, a "Primavera de Praga" em agosto de 1968, na Tchecoslováquia, e o Festival de Woodstock, em agosto de 1969, nos EUA.

A mensagem da contracultura era ideologicamente perigosa para os governos dos dois blocos porque não se encaixava na lógica da Guerra Fria: criticava duramente o capitalismo e, ao mesmo tempo, condenava o autoritarismo dos regimes socialistas. Nos dois blocos, os sistemas vigentes trataram de conter tais movimentos.

Estas reações de contenção desencadearam o atentado que, em abril de 1968, matou o líder do movimento pelos direitos dos negros, o pastor Martin Luther King; na França, a repressão do governo desarticulou os movimentos estudantis; na Tchecoslováquia, tanques soviéticos esmagaram as manifestações populares.

Mas, apesar de duramente reprimidos, os movimentos sociais do século XX conseguiram minar a estrutura ideológica rígida que, no mundo bipolarizado da época, caracterizava tanto o modelo de sociedade capitalista quanto o comunista. Graças a eles, abriu-se caminho para que este período de ditadura ideológica, este "tempo de divisas, tempo de gente cortada, tempo de meio silêncio, de boca gelada e murmúrio, palavra indireta, aviso na esquina", segundo a poética precisa de DRUMMOND[07], viesse a ser modificado.

1.2.2.A crise do mundo bipolarizado

Os movimentos sociais da segunda metade do século XX acentuaram as conseqüências de outro processo histórico ocorrido a partir do início da década de 70: uma crise econômica mundial que, por sua vez, produziu uma crise tanto do capitalismo quanto do socialismo e uma subseqüente reestruturação de ambos.

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Esta crise foi deflagrada por sucessivos embargos ao fornecimento de petróleo, determinados pelas nações árabes que compunham a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP). Além dos embargos, a OPEP estabeleceu cotas de produção e quadruplicou os preços do petróleo.

Foram os chamados "choques do petróleo", que desestabilizaram a economia dos países dos dois blocos e geraram uma recessão econômica mundial no início da década de 80. Em face disto, as superpotências perceberam-se na contingência de rever suas políticas internas e restringir seus gastos militares. Mais do que isso: viram-se diante um impasse, de cuja resolução dependia a sobrevivência de seu modelo geopolítico. Como manter o desenvolvimento industrial sem sua principal fonte de energia?

A resposta foi procurar alternativas tecnológicas que pudessem minimizar o impacto causado pelos choques do petróleo. Foi também necessário promover modificações nas estruturas e políticas de governo dos dois blocos.

1.2.2.1A derrocada do modelo soviético

As mudanças efetuadas no modelo comunista, que possuía no estatismo burocrático sua principal característica, entretanto, foram insuficientes para ajustá-lo às demandas tecnológicas exigidas por este período de transição. A definição de estatismo nos é dada por CASTELLS[08]:

"Entendo por estatismo o sistema social organizado em torno da apropriação do excedente econômico produzido na sociedade pelos detentores do poder no aparato do Estado, ao contrário do capitalismo, em que o excedente é apropriado pelos detentores do controle das organizações econômicas. Enquanto o capitalismo está voltado à maximização do lucro, o estatismo preocupa-se com a maximização do poder, ou seja, procura ampliar a capacidade militar e ideológica do Estado para impor suas metas sobre um maior número de sujeitos e em níveis mais profundos de suas consciências".

Em 1986, Mikhail Gorbachev, então Secretário-geral da hoje extinta URSS, anunciou, durante o 27º Congresso do Partido Comunista, que o bloco socialista caminhava para a atrofia tecnológica devido aos altos custos das corridas armamentista e espacial, que drenavam investimentos em setores importantes do desenvolvimento.

Gorbachev empreendeu uma histórica reforma com o objetivo de desfazer o burocrático aparato do governo comunista, constituído por funcionários dos escalões médios e superiores do governo, que ficou conhecida como Perestroika.

Para tanto, procurou implantar uma política de transparência, denominada Glasnost, que obrigava a que as decisões da máquina burocrática estatal fossem amplamente divulgadas, a fim de tornar possível uma participação popular mais eficiente no controle e vigilância do governo.

Ele realizou várias modificações nas bases do partido e em instituições governamentais, de forma a privilegiar a tomada de decisões majoritárias ao invés do acatamento tácito das determinações oriundas apenas de algumas chefias, como ocorria desde a Revolução Russa de 1917.

As lideranças partidárias e administrativas não mais puderam determinar diretrizes políticas em reuniões sigilosas: todos os atos do governo ficaram submetidos aos olhos do público, como se vistos através de uma vitrine.

Obviamente que esta política de transparência enfrentou sérias resistências por parte da burocracia estatal. As transformações introduzidas pela Glasnost iam de encontro aos interesses e privilégios desta elite burocrática que, em conseqüência, a sabotava.

Sobre isto nos diz CASTELLS[09]:

"No momento em que (...) os avanços tecnológicos impuseram a transformação de procedimentos de trabalho preestabelecidos, e em que, pura e simplesmente, o porte da economia, interdependente sob o ponto de vista funcional de uma vasta escala geográfica, escapou aos métodos de planejamento da Gosplan (o Conselho Estatal de Planejamento, que definia as metas econômicas dos chamados planos qüinqüenais), a economia de comando passou a padecer de disfunções sistêmicas na prática de implementação do plano (Perestroika). Burocracias verticalizadas, que exerciam o controle com mão de ferro, estagnadas ante a uma era de flexibilidade, tornaram-se cada vez mais anacrônicas."

Ou seja, o estatismo soviético foi incapaz de assimilar a transição do sistema industrialista burocrático para outro em que as forças produtivas baseiam-se na capacidade tecnológica para o processamento e geração de informações.

Esta incapacidade conduziu à desintegração do bloco socialista, embora razões outras, de caráter histórico e cultural, tenham decisivamente influído neste processo.

1.2.2.2A reestruturação capitalista

Após a II Guerra Mundial, o capitalismo conheceu um longo período de expansão, que só foi abalado pelas crises do petróleo. Neste interregno de quase trinta anos (1945 a 1973), a produção econômica do bloco capitalista praticamente quadruplicou[10]. A magnitude deste crescimento pode ser explicada pela adoção de práticas políticas e econômicas baseadas nas idéias de Keynes[11], fundadas numa forma típica de intervencionismo estatal na economia.

Neste período, os EUA possuíam a hegemonia econômica, militar, monetária e tecnológica do bloco capitalista. A Europa e o Japão constituíam-se em economias complementares, que buscavam o nivelamento com os EUA. Como país líder da economia (e da ideologia) capitalista, os EUA ditaram a ordem financeira do bloco, fixando o dólar como padrão monetário em substituição ao padrão ouro fixado no século XIX. Esta ordem financeira foi definida na famosa conferência de Bretton Woods, a partir da qual ocorreu a criação de três importantes instituições multilaterais: o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial e o Banco Internacional pela Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD).

A característica mais marcante deste período foi o surgimento e a notável expansão das corporações multinacionais, sob o quase completo domínio político e tecnológico dos EUA, em decorrência do surgimento de um mercado mundial. Para regulamentar este mercado, constituiu-se um sistema financeiro internacional, que consiste no conjunto de normas, práticas e instituições que efetuam ou recebem pagamentos das transações realizadas fora de suas fronteiras nacionais. Este processo de criação de um mercado financeiro global foi de crucial importância para a retomada econômica dos países capitalistas após a recessão mundial ocasionada pela Segunda Guerra Mundial[12]. Porém demandou aumento na mobilidade do capital e exigiu das empresas maior capacidade de gerar e emitir informações.

Isto provocou a falência dos pequenos estabelecimentos industriais e empresariais, que não possuíam as condições para arcar com os custos desta demanda por geração e rapidez na transmissão de informações, em um mercado que, por tornar-se mundial, mostrava-se cada vez mais competitivo.[13] Apenas um pequeno número de empresas possuía tais condições. Elas rapidamente "engoliram" seus concorrentes de menor porte, adquirindo-os ou provocando a falência destes através de práticas de mercado não éticas, dentre as quais podemos citar o truste e o cartel.

O truste apresenta-se sob duas formas: é chamado "vertical" quando as empresas de um mesmo setor unem-se por meio de fusão e passam a controlar todo o processo de produção, desde a extração da matéria-prima até a comercialização do produto; é denominado "horizontal" quando, também por meio de fusão, forma-se um conglomerado empresarial que adota práticas de controle do mercado, práticas estas que prejudicam a concorrência e permitem o abuso do poder econômico[14]. O cartel consiste em um acordo comercial entre empresas independentes que se organizam para impor preços no mercado, violando a concorrência econômica: as empresas dividem territorialmente os mercados entre si, inclusive o mercado internacional.

Apesar das leis proibitivas aos trustes e cartéis, o processo de fusões persistiu, de modo que, em uma década, havia um número bastante restrito de empresas que comandavam o comércio mundial capitalista em cada setor específico da economia. Estas grandes corporações são atualmente denominadas transnacionais por atuarem além das fronteiras de seus países de origem e, ainda hoje, aliam seu poderio econômico ao político, procurando, por meio de lobbies, influir nos governos dos países em que atuam, cuidando de garantir que as leis e as práticas neoliberais que tanto as favorecem continuem a prevalecer.

Ao longo destas três décadas de estabilidade e (desigual) prosperidade, o mundo capitalista assistiu à ascensão do chamado "Welfare State". De acordo com FARIA[15], "a essência do Welfare State reside na proteção oferecida pelo governo na forma de padrões mínimos de renda, alimentação, saúde, habitação e educação, assegurados a todos os cidadãos como um direito político, não como caridade". Tal modelo de proteção estatal encarnaria a institucionalização dos direitos sociais.

O Welfare State não deve ser confundido com a mera adoção de políticas sociais. Seu objetivo primeiro é o de propiciar as condições sociais adequadas à população por meio do combate ao desemprego, melhoria dos salários e o controle macroeconômico estatal, em conformidade com a "cartilha" Keynesiana, que forneceu as bases teóricas de sua existência.

Seu surgimento esteve associado à capacidade administrativa dos Estados no contexto do pós-guerra e, sobretudo, a excedentes econômicos passíveis de serem utilizados para atender às necessidades sociais, com base na concepção de que toda pessoa nasce com direito a um conjunto de serviços que devem ser fornecidos diretamente pelo Estado ou indiretamente, mediante seu poder de regulamentação. Tais direitos incluem serviços de qualidade nas áreas de saúde e de educação, o auxílio ao desempregado, a garantia de uma renda mínima, recursos adicionais para sustento dos filhos e a previdência social.[16]

A instituição de uma previdência social e a universalização dos serviços de saúde e educação propiciaram, naquele período, a desmercantilização do acesso a tais serviços[17]. Também conferiram alguma proteção aos trabalhadores, resguardando-os quando ficavam impedidos de trabalhar, fosse por doenças, acidentes ou velhice. Deste modo, os trabalhadores e suas famílias passaram a ter algumas garantias em face das mazelas da condição humana, quando estas os impediam de participar do processo de venda de sua força de trabalho.

As décadas de 50 e 60 do século XX corresponderam ao auge do Welfare State e também da sociedade de consumo porque ocorreu um aumento dos salários quase na mesma proporção da produtividade. Isto permitiu uma melhoria considerável do poder aquisitivo dos trabalhadores, que puderam adquirir bens de consumo duráveis e gozar de um status do qual, antes, só as classes mais abastadas podiam usufruir[18].

1.2.2.2.1O colapso do Welfare State

Entretanto, no início da década de 70 do século XX, o sistema econômico instituído pela conferência de Bretton Woods entrou em colapso e, com ele, o Welfare State. Conforme assevera CASTELLS:

"O modelo keynesiano de crescimento capitalista, que levou prosperidade econômica sem precedentes e estabilidade social à maior parte das economias de mercado durante quase três décadas após a Segunda Guerra Mundial, atingiu as próprias limitações no início da década de 70, e sua crise manifestou-se sob a forma de inflação desenfreada."[19]

Tal colapso ocorreu devido às falhas estruturais das instituições financeiras criadas para a gestão do sistema monetário mundial. Também porque inexistia uma rede internacional de trabalho capaz de estabilizar o sistema monetário mundial, resguardando-o dos efeitos da alta inflação dos países e do capital especulativo internacional.

Outros elementos deflagradores deste colapso foram as mudanças que alteraram a configuração da produção mundial, instituída no pós-guerra, as quais decorreram do surgimento e da expansão das multinacionais, do boom das inovações tecnológicas, do aumento da capacitação tecnológica dos Estados e, principalmente, da acirrada concorrência comercial em todo o globo.[20]

Nos anos 80 (chamados pelos economistas de a "década perdida), o baixo crescimento econômico mundial, a aceleração inflacionária e os desequilíbrios financeiros dos Estados geraram um conflito entre política econômica e política social. A crise dos anos 80 solapou as bases de financiamento dos gastos sociais: deu-se uma sensível diminuição da atuação do Estado nos investimentos sociais, provocada pela redução da atividade econômica e por pressões advindas do desemprego e da inflação. Isto significou a derrocada do Welfare State. Gustavo FRANCO[21] sintetiza assim este processo:

"O Estado não podia, ao mesmo tempo, ser o comandante dos investimentos em infra-estrutura e um ‘Estado do Bem Estar Social’ (Welfare State). A soma desses desejos não cabia em nossa carga tributária, de modo que se estabeleceu um impasse que por um bom tempo foi resolvido pela inflação."

Graças, em grande parte, à crise do Welfare State (utilizada como emblema da ineficácia estatal num cenário político em que se iniciava o declínio dos Estados totalitários em todo o mundo), deu-se o ressurgimento das teses liberais.

Este novo liberalismo também se opunha à regulação econômica pelo Estado e à intervenção social estatal e defendia a idéia do Estado reduzido, o "Estado mínimo". Sobre tudo isto nos diz BRESSER PEREIRA[22]:

"A Grande Crise da América Latina nos anos 80 foi a maior crise que sua história registra. Foi antes de mais nada uma crise do Estado, e não uma crise do mercado, como a da Grande Depressão dos Anos 30: uma crise fiscal, uma crise do modo de intervenção e uma crise da forma burocrática de administrar o Estado. Foi assim uma crise estrutural do processo de desenvolvimento anterior. Não foi uma crise meramente decorrente do protecionismo, do estatismo e do populismo ocorridos na América Latina, como pretende a interpretação neoliberal. Nem foi uma crise causada pelas políticas dos países desenvolvidos que provocaram e que enfrentaram a crise da dívida nos anos 80, como quer a interpretação populista. Na verdade, a Grande Crise foi conseqüência da própria dinâmica do notável desenvolvimento econômico que ocorreu na América Latina entre os anos 30 e os anos 70. Este desenvolvimento ocorreu nos quadros de uma interpretação e de uma estratégia nacional-desenvolvimentista, sob a égide de uma forte intervenção do Estado. Ora, esta dinâmica é cíclica. Para promover o desenvolvimento o Estado cresceu em demasia, endividou-se para isto, e acabou na crise da dívida externa que foi uma crise essencialmente fiscal; por outro lado, interveio de forma agressiva no sistema econômico através da estratégia de substituição de importações, e não foi capaz de perceber que nos anos 60 este modelo de industrialização já esgotara suas possibilidades; finalmente, no processo de intervenção foi sendo crescentemente vítima do processo de ‘privatização do Estado’, na medida em que as elites políticas e burocráticas em sentido amplo (capitalistas, classe média, burocratas do Estado) engajavam-se em atividades de rent-seeking. Desta maneira, o próprio crescimento provocou as distorções cíclicas que determinaram não apenas a reversão do ciclo econômico, mas que teriam também que reverter o ciclo de intervenção."

1.2.2.2.2A reconfiguração econômica global

O crescimento do comércio internacional após o fim da URSS, o fortalecimento das multinacionais e a expansão do setor de turismo (que tornou-se mundial), aumentaram as trocas cambiais, criando uma interdependência entre os países. Por conta disto, a crise financeira de um país pode afetar rapidamente outras nações. Este processo de internacionalização da economia e de incremento do comércio mundial só tornou-se possível porque ocorreu uma interação entre estas transformações e as novas formas de comunicação, as quais propiciaram a rapidez de informações que este modelo demandava.

O conjunto de todos estes fenômenos pode ser denominado globalização, que consiste no processo de internacionalização das práticas capitalistas, com a finalidade de diminuição das barreiras alfandegárias e de aumento do fluxo de capital no mundo, especialmente entre as nações mais influentes do ponto de vista econômico e político. Possui, por isto, forte tendência à exclusão dos países que não integram a elite do sistema financeiro internacional.

Por conta disto, na última década do século XX ocorreram modificações na economia global, desencadeadas pelo extraordinário desenvolvimento das inovações tecnológicas. Esta reconfiguração da economia mundial foi impulsionada pela reestruturação da estrutura técnica da produção, pelo aumento da composição do capital a partir da difusão de novas tecnologias informacionais e de automação da produção e do crescimento nos investimentos em pesquisa e desenvolvimento.

Tal reestruturação das formas de regulação do trabalho e da produção tem implicado em perdas de poder político e econômico tanto do Estado quanto dos trabalhadores. Isto porque estes processos reestruturativos pressupõem a existência de formas de desregulamentação tanto políticas quanto institucionais.

1.2.3.As tecnologias da informação e comunicação

A par de todas as crises da segunda metade do século XX, ocorreu o mais importante dos eventos históricos que conduziram à revolução informacional: o incremento acelerado e intenso das tecnologias da informação e da comunicação, o qual foi ao encontro das prementes necessidades do incipiente modelo capitalista neoliberal. Na década de 80, este boom das tecnologias da informação e da comunicação foi, de fato, essencial para a reestruturação do capitalismo, posto que o conhecimento e o processamento de informação tornaram-se elementos fundamentais dos processos produtivos e, portanto, cruciais ao êxito deste novo modelo de desenvolvimento. CASTELLS nos explica que, para entendimento deste fenômeno, é preciso compreender a interação entre "o desenvolvimento das novas tecnologias da informação e a tentativa da antiga sociedade de reaparelhar-se com o uso do poder da tecnologia para servir a tecnologia do poder" [23].

1.2.3.1.O poder da tecnologia a serviço da tecnologia do poder

Durante a 2ª Guerra Mundial aceleraram-se as pesquisas tecnológicas pelas indústrias e governos envolvidos no conflito. Este "esforço de guerra" (apesar do verniz nacionalista com que se procurou revesti-lo) visava obter armas bélicas mais arrojadas e medicamentos mais potentes para, deste modo, alcançar a supremacia no campo militar. Neste período deu-se a descoberta (e o nefasto uso) da bomba atômica, embora também provenha desta época o desenvolvimento dos antiinflamatórios e de técnicas cirúrgicas que ensejaram, anos mais tarde, os transplantes de órgãos[24], sem falar nos progressos na aviação, que permitiram o surgimento de tecnologias para a construção de satélites e foguetes. Entretanto, a tecnologia foi utilizada não só para levar o homem à Lua e para criar antibióticos potentes. Seu uso, incorporado no cotidiano, ainda hoje reflete um modo de viver, uma idéia de felicidade que foi fomentada, no pós-guerra, pela indústria do cinema.

Durante a Guerra Fria, em todos os países fora da esfera socialista, a compra de eletrodomésticos e automóveis – como nos dias atuais – tornou-se parte de um projeto de vida. Após o fim da URSS, este ideal consumista propalou-se por todo o mundo, encontrando terreno fértil inclusive nos países que antes compunham o bloco socialista. As camadas médias, em especial, adotaram o sonho primeiramente propagado por Hollywood e depois pela indústria da propaganda: o de que a felicidade consiste em possuir carro na garagem e casa equipada com televisão, telefone, freezer, microondas etc.

A Revolução Tecnológica propiciou o surgimento de novos objetos de consumo tecnologicamente sofisticados, cujo aprimoramento é rápido e constante. Assim, por exemplo, as TVs coloridas sucederam as TVs em branco e preto; o vídeo-cassete cedeu lugar ao DVD; os telefones celulares analógicos foram substituídos pelos modelos digitais. Todas estas invenções tecnológicas foram incorporadas pela sociedade de consumo, em larga escala.

Deste modo, as inovações da tecnologia, utilizadas como meios de rearticulação dos mecanismos de produção capitalistas, também serviram como fomentadoras do mercado consumista preexistente, ávido por novos instrumentais de consumo. Bauman identifica nas sociedades modernas uma dualidade entre os seduzidos pelo mercado de consumo e aqueles que se encontram à margem deste mercado. Assevera ainda que tal consumismo contribui para a manutenção do status quo vigente.[25] Corroboram tal assertiva os dados do último censo IBGE, em que constatou-se que, já no ano 2000, era alto o percentual de famílias brasileiras que possuíam bens duráveis, mesmo nas regiões mais desfavorecidas do país.[26]

Por paradoxal que seja, 37,8% dos domicílios brasileiros ainda tinham, em 2000, fossa séptica ao invés de rede encanada de esgoto. Mas 87% de todas as residências no Brasil possuíam televisão.

Esta ideologia consumista, calcada na noção de supremacia tecnológica e científica, possui raízes mais antigas e mais profundas. Provém do século XIX a idéia de que a tecnologia e a Ciência, concebidas como domínios da razão e da lógica, poderiam solucionar os problemas principais da humanidade.

Deste pressuposto derivou a teoria, defendida principalmente pela corrente do Positivismo, de que a Ciência teria o condão de propagar o pensar racional, o que conduziria à racionalidade de pensamento em todas as esferas de atividade. Isto porque o homem, por meio da razão, seria capaz de descobrir as leis da sociedade, de modo que as questões sociais e políticas poderiam ser tratadas de forma científica. Sobre isto, explica-nos SANTOS que:

"A consciência filosófica da ciência moderna, que tivera no racionalismo cartesiano e no empirismo baconiano as suas primeiras formulações, veio a condensar-se no positivismo oitocentista." [27]

E complementa:

"Como diz Bacon, a ciência fará da pessoa humana o senhor e o possuidor da natureza. Segundo a mecânica newtoniana, o mundo da matéria é uma máquina cujas operações se podem determinar exatamente por meio de leis físicas e matemáticas. (...) Esta idéia do mundo-máquina é de tal modo poderosa que se vai transformar na grande hipótese universal da época moderna, o mecanicismo."[28]

Neste mesmo sentido, PLASTINO esclarece que:

"O conceito central da cosmologia moderna - isto é da compreensão que a modernidade produz sobre o mundo e o homem - é o de racionalidade. Esta racionalidade possui dupla face, a da ontologia e da gnosiologia. Pela primeira, o real é conhecido à semelhança da máquina, cujo dinamismo é determinado por leis rigorosas, passíveis de serem conhecidas. É esta confiança na capacidade da razão para conhecer as leis que regem o real - e, em conseqüência, na capacidade do homem para dominá-lo - que inspira o projeto prometeico da modernidade, sustentando a idéia-força de progresso". [29]

Embora tais pressupostos possam ser facilmente questionados, tanto intelectualmente quanto pela experiência histórica, eles ainda subsistem, conservando um vigor comparável ao dos mitos. Porém podem ser compreendidos tendo em vista a força das ideologias, força que se constituiu na mola mestra do desenvolvimento das inovações que desencadearam a Revolução Tecnológica.

1.2.3.2.A Revolução Tecnológica

A Revolução Tecnológica ocorreu na década de 70 do século XX[30], nos EUA. CASTELLS[31] destaca especificamente a região do Vale do Silício, na Califórnia, local onde, em 1971, foi desenvolvido o microprocessador, principal dispositivo de difusão da microeletrônica, tendo sido o predecessor do microcomputador, que foi inventado em 1975. Quanto às tecnologias de comunicação, a principal inovação foi a fibra óptica, produzida em escala industrial pela primeira vez pela empresa Corning Glass, no início da década de 70[32]. Conta-nos CASTELLS que:

"As aplicações dessas tecnologias na indústria eletrônica ampliaram o potencial das novas tecnologias de fabricação e design na produção de semicondutores. Novos softwares foram estimulados pelo crescente mercado de microcomputadores que, por sua vez, explodiu com base nas novas aplicações e tecnologias de fácil utilização (...)."[33]

A introdução do microcomputador no ambiente de trabalho permitiu um expressivo aumento da produtividade e, concomitantemente, propiciou diminuição do tempo na execução de tarefas.

Entretanto, a mais emblemática das inovações tecnológicas, aquela que, como a máquina a vapor criada pelo escocês James Watt, conseguiu modificar a técnica institucionalizada de trabalho foi, indubitavelmente, a Internet.

1.2.3.3.A Internet

Durante a Guerra Fria, as duas superpotências depositavam em suas corridas armamentista e espacial a base para a dissuasão recíproca a respeito de uma guerra nuclear. Assim, quando, no final dos anos 60 do século XX, deu-se o sucesso do lançamento do primeiro satélite russo, o Sputnik, a balança da guerra pendeu a favor dos soviéticos.

Por conta disto, o governo americano determinou a criação de um sistema capaz de resguardar os dados das agências governamentais e dos centros de pesquisas no caso de um conflito atômico. Para tal proteção, estas instituições precisavam ser interligadas de forma rápida e prática, o que, na época, só era possível através de linhas telefônicas.

Devido ao então alto custo das linhas privadas foi desenvolvido um sistema em se utilizassem linhas telefônicas comuns. Deste modo, de um projeto militar americano surgiu a ARPANET, que foi a predecessora da Internet. Inicialmente era um projeto de caráter militar[34]. Mas, à medida que arrefeceu a Guerra Fria, tornou-se uma rede acadêmica. Este novo instrumento apresentava grande eficiência porque zerava distâncias e, além disso, possibilitava o acesso, a transmissão e a replicação exata de grandes quantidades de informação.

A palavra Internet provém do inglês international network. É uma rede mundial de computadores conectados por meio de linhas telefônicas. Através de um programa chamado TCP/IP (do inglês Transmission Control Protocol/Internet Protocol), é possível aliar, num mesmo mecanismo de comunicação, textos, imagens e sons, que podem ser enviados ou recebidos pelos computadores conectados a esta rede global. Neste sentido, a Internet adquire importância similar à das macro invenções ocorridas durante a Revolução Industrial. Nas palavras de CASTELLS:

"A Internet é fundamental na atividade econômica de todas as empresas e todos os países. Fundamental na política, nos movimentos sociais, na comunicação de todos os tipos de atividades. Os sistemas de telecomunicações e a Internet, que são o mesmo, são equivalentes à eletricidade da Era Industrial, o que se pode observar diante dos fatos e da análise de como funciona a economia, as sociedades, etc. (...). A Internet não é simplesmente uma tecnologia a mais, é um sistema de comunicação sobre o qual está baseado um conjunto de atividades da sociedade atual". [35]

Com o advento da Internet, houve uma reviravolta nos conceitos de comunicação e nas formas institucionalizadas de trabalho. Sua tessitura ubíqua permite a conexão, em tempo real, das corporações globais, de instituições políticas, ONGs, instituições acadêmicas, econômicas, militares, religiosas, científicas etc. As atividades mais relevantes que ocorrem no globo dependem de tais conexões.

Neste sentido, estas "teias" são, ao mesmo tempo, meios de poder e mecanismos quase perfeitos de exclusão social. Sua invisibilidade e crescente complexidade as tornam inacessíveis às camadas desprivilegiadas, incapazes de compreendê-las e, quiçá, perceber-lhes a existência, já que tais "redes de poder" operam no território da virtualidade. A Internet constituiu-se, por isto, no elemento crítico ensejador das profundas mudanças ocorridas nas relações produtivas, sociais e institucionais na década final do século XX.

Sobre a autora
Amelia Cristina Oliveira Perche

Escrevente Judiciária do Tribunal de Justiça de São Paulo. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Mackenzie

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PERCHE, Amelia Cristina Oliveira. A era da informação e o mundo do trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2591, 5 ago. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17108. Acesso em: 23 dez. 2024.

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