CONCLUSÃO
O surgimento e a evolução do Direito Ambiental Internacional oferecem uma compreensão mais ampla sobre os instrumentos de produção do jus scriptum e sua adequação aos avanços da ciência e tecnologia, fato este que influencia diretamente o rumo das relações internacionais.
Trata-se de um direito que busca uma nova estrutura normativa, com a qual seja possível resolver em tempo hábil os impasses oriundos dos avanços tecnológicos, algo não obtido pelas produções normativas tradicionais. Prova disso, é que esse novo direito "tem enfrentado, com certo sucesso, as dificuldades inerentes à relativa rigidez das normas jurídicas internacionais, e a necessidade de colocá-las na máxima conformidade possível com as exigências da ciência e da tecnologia". [34]
Por essa razão, este é o ramo do direito onde a soft law encontrou um farto terreno para se desenvolver e contribuir para a efetivação de suas normas e instrumentos cujas características lhe são próprias. Dentre essas características e finalidades, deve-se lembrar a fixação de "metas para futuras ações políticas nas relações internacionais" e a recomendação aos Estados para que ajustem "as normas de seu ordenamento jurídico interno às regras internacionais contidas na soft law". [35]
Desta forma, o Direito Ambiental Internacional, pode ser considerado um direito autônomo e com características que lhe são peculiares. Prova disso, é que há mais de 30 anos conta com uma forte presença de normas meramente recomendatórias, as quais constituem um fenômeno de extrema importância para o seu próprio desenvolvimento. Em decorrência disso, justifica-se a necessidade de estudo e compreensão da soft law a fim de que o estudioso do direito perceba que a tradicional técnica normativa nem sempre se basta para regular assuntos conflituosos.
Cabe destacar que, de certa forma, já há existe uma evolução, ao menos acadêmica, quanto ao alcance e a função da soft law dentro do Direito Internacional Público. Há, inclusive, quem sustente a tese de que a soft law deve ser enquadrada dentre as fontes devidamente reconhecidas do Direito Internacional (rol do art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça). Tal tese é levantada por alguns autores, dentre os quais se destaca Wagner Menezes. Para este autor, "os operadores do Direito Internacional não podem dar as costas às evidências e à evolução dos institutos de produção e aplicação do Direito Internacional". Com isso, acredita que se deve permitir uma abertura para a leitura de "novos mecanismos que podem ser adicionados ao rol de fontes do Direito Internacional, dentro de uma visão essencialmente contemporânea e oferecê-la doutrinariamente à comunidade acadêmica e aos estudiosos do Direito". [36]
Por outro lado, deve-se compreender que a soft law, por ser um processo normativo com características que lhe são peculiares, e por não encontrar perfeita identificação com nenhuma fonte mencionada no art. 38 da CIJ, excetuando-se alguns atos unilaterais das organizações internacionais, não permite que se afirme tratar de uma verdadeira fonte formal de DIP nos termos em que hoje se conhece por fontes. Guido Soares acredita que a soft law "aparenta" possuir características de uma fonte de DIP, o que, a priori, não permite afirmar se tratar ou não de fonte do DIP.
Não obstante a existência de opiniões e fundamentos nos mais diversos sentidos a respeito da natureza jurídica da soft law, somente no campo acadêmico pode-se proceder a sua inclusão dentre as fontes de DIP. Na prática, pode-se afirmar que, diante dos valores envolvidos – em especial a proteção ao meio ambiente – a soft law poderia se enquadrar dentro das fontes materiais. No entanto, tais fontes não logram grande interesse de estudo por parte da doutrina internacionalista. Além disso, a soft law deve ser encarada como um novo processo de criação de normas e não apenas considerada como fonte material. Se isso ocorrer, estar-se-á menosprezando o seu papel de instrumento de efetivação do Direito Ambiental Internacional.
Apesar dessas constatações, não se afasta a possibilidade de se enquadrar a soft law como fonte do direito, mas não nesse momento. Isso porque a nova tendência normativa da soft law, ao criar normas não obrigatórias não é criar um direito em sua concepção atual. Porém, servir para uma reflexão acerca de qual o tipo de direito que emergirá nesse novo século; ou que já emergiu, mas ainda não foi compreendido. Assim, não se pode afirmar, categoricamente, que a soft law seja sempre direito, muito embora exista uma forte tendência nesse sentido.
REFERÊNCIAS
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SOARES, Guido Fernando Silva. Direito internacional do meio ambiente: emergência, obrigações e responsabilidades. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 33.
SOARES, Guido Fernando Silva. A proteção internacional do meio ambiente. Barueri: Manole, 2003. – (Entender o mundo; v. 2).
VARELLA, Marcelo Dias. Direito internacional econômico ambiental. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.
Notas
- SOARES, Guido Fernando Silva. Direito internacional do meio ambiente: emergência, obrigações e responsabilidades. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2003. p. 33.
- ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 7ª ed. rev., amp. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 3.
- SOARES, Guido Fernando Silva. A proteção internacional do meio ambiente. Barueri: Manole, 2003. – (Entender o mundo; v. 2). p. 15
- GIL, Gilberto. Cultura. In: TRIGUEIRO, André (ORG.). Meio ambiente no século 21: especialistas falam da questão ambiental nas suas áreas de conhecimento. Rio de Janeiro: Sextante, 2003. p. 50.
- Nesse sentido encontra-se o art. 2 da Convenção sobre a Poluição Atmosférica Transfronteiriça a Longa Distância, firmada em Genebra em 1979. O art. 2 refere-se, em síntese, que as Partes Contratantes encontram-se decididas a empregar os melhores esforços para a limitação e, "tanto quanto possível", redução gradual da poluição atmosférica. In: Convenção sobre a Poluição Atmosférica Transfronteiriça a Longa Distância. Disponível em: <http://www.diramb.gov.pt/data/ basedoc/TXT_LI_6281_1_0001.htm> Acesso em: 06 nov.2004.
- Nessa fase, os objetos de regulamentação passam a ser mais relevantes, podendo-se citar: os mares, os oceanos, o ar, a fauna, a flora e as fontes ou poluentes determinados.
- ANTUNES, Paulo de Bessa. op. cit. pág. 28.
- Nesse sentido, podem ser encontrados: Princípio 4 da Declaração do Rio e Carta Mundial da Natureza (Resolução 37/7 da Assembléia Geral da ONU – 1982).
- Em especial deve-se destacar a participação de Alexandre Kiss, com sua obra Droit international de l’environnement. publicada em Paris.
- CASTRO, Paulo Jorge Canelas de. Mutações e constâncias do Direito Internacional do Ambiente. In: Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente. nº 2, dez. Lisboa: Instituto de Direito do Urbanismo e do Ambiente, 1994. p. 146-147.
- REIS, João Pereira. A política de ambiente da Comunidade Económica Européia. Coimbra: Coimbra Editora, 1990. pág. 46.
- Quando se pretende compreender os dilemas socioambientais, deve-se ter em mente que "nem sempre as elites políticas e econômicas estão dispostas a reconhecer tão facilmente é que a brutal expansão da crise socioambiental nas últimas décadas se viabilizou por meio do crescimento e da globalização da economia". LEIS, Héctor Ricardo. O labirinto: ensaios sobre ambientalismo e globalização. São Paulo: Gaia, 1996. p. 48.
- ANTUNES, Paulo de Bessa. op. cit. p. 3-4.
- REIS, João Pereira. op. cit. pág. 46.
- Aqui quando se fala em regra, deve-se tem em mente que podem tanto ser regras jurídicas ou morais. Isso porque, a soft law se manifesta tanto através de instrumentos jurídicos convencionais, porém com conteúdo mais leve, tanto através de novos instrumentos com obrigações claras, contudo, sem exigibilidade.
- LANG. Die Verrechtlichung des internationalen Umweltschutzes. Apud CASTRO, Paulo Jorge Canelas de. op. cit. p. 178. nota 126.
- Em 2002 foi realizada a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável também chamada de Rio +10. Contudo, não se pode afirmar que essa Conferência tenha trazido uma grande contribuição para a evolução no tratamento ambiental tendo em vista que o seu maior mérito foi apenas impedir o retrocesso nas negociações iniciadas em Estocolmo e consolidadas no Rio de Janeiro.
- ANTUNES, Paulo de Bessa. op. cit. p. 30.
- BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro, Campus, 1992. p. 6
- Ibid. p. 69.
- ANTUNES, Paulo de Bessa. op. cit. p. 30-31.
- Esse é o caso de Toshio Mukai que não reconhece o Direito Ambiental como um ramo autônomo, compreendendo-o como um "conjunto de normas e institutos jurídicos pertencentes a vários ramos do Direito, reunidos por sua função instrumental para a disciplina do comportamento humano em relação ao seu meio ambiente". O autor considera, ainda, que a criação de novos ramos do direito para tratar das questões ambientais é algo impossível, "posto que o denominado Direito Ambiental apresenta uma natureza interdisciplinar" MUKAI, Toshio. Direito ambiental sistematizado. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994. p. 10-11.
- DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. 2ª ed. São Paulo: Max Limonad, 2001. p. 79.
- SOARES, Guido Fernando Silva. Direito internacional... nota 3. p. 20.
- A proposta de distinção acerca dessas três características é feita originalmente por Juste Ruiz, que o faz empregando as expressões: "funcionalidade, muldimensionalidade e predomínio de soft law". JUSTE RUIZ, José. El Derecho Internacional del Médio Ambiente. Madri: McGraw Hill, 1999. p. 39.
- VARELLA, Marcelo Dias. Direito internacional econômico ambiental. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 28.
- SOARES, Guido Fernando Silva. A proteção... p. 92.
- ROULAND, Norbert. Nos confins do direito. São Paulo: Martins Fontes, 2003. pág. 10-11.
- DUPUY, Pierre Marie. Soft Law and the International Law on the Environment. In: Michigan Journal of International Law. vol. 12. n. 2. Michigan: University of Michigan Law School, 1991. p. 425/427.
- JUSTE RUIZ, José. op. cit. p. 47.
- OST, François. A natureza à margem da lei: a ecologia à prova do direito. Lisboa: Piaget, 1995. p. 140.
- JUSTE RUIZ, José. op. cit. p. 46.
- DUPUY, Pierre Marie. op. cit. p. 420.
- SOARES, Guido Fernando Silva. A proteção... p. 96-97.
- Ibid.p. 92.
- MENEZES, Wagner. Ordem global e transnormatividade. Ijuí: Unijuí, 2005. p. 158-159.