Resumo:
A denunciação per saltum, ou por saltos, é um instituto eminentemente processual que foi introduzido pelo Código Civil de 2002, no art. 456 caput, na seção que trata da evicção nos contratos em geral. Significa dizer que, nos casos em que o adquirente, denominado evicto, quiser exercer os direitos resultantes da evicção, poderá notificar qualquer componente da cadeia negocial, ou seja, o alienante imediato ou alienantes mediatos, ampliando, portanto, essa garantia. Dessa forma, permitiu o legislador pátrio, uma espécie peculiar de denunciação da lide, na qual o denunciante poderá demandar em face daquele que não possui qualquer relação jurídica de direito material, no caso, os alienantes mediatos. A partir daí, ferrenhos debates surgiram na doutrina acerca da possibilidade, ou não, da denunciação per saltum. Apesar de existirem argumentos fortes pela sua inadmissão, cresce o entendimento no sentido de admiti-la. Ocorre que, mesmo entre esses, não existe consenso em relação ao seu conteúdo, principalmente no que tange a qualidade do denunciado mediato ao ingressar no feito. Em relação a essa divergência, apontam-se cinco posicionamentos, a saber: o primeiro o define como legitimado extraordinário, o segundo como legitimado ordinário, o terceiro como solidário, o quarto indica ser hipótese de sub-rogação legal e o quinto diz ser na verdade caso de denunciação coletiva, sendo o denunciado litisconsorte passivo facultativo. Para se chegar ao correto entendimento, se faz necessária uma análise não só conceitual sobre o instituto, mas também sobre a evolução legislativa, abordando as atuais estruturas hermenêuticas e principiológicas das normas substantivas e adjetivas.
Palavras-chave: Denunciação per saltum. Evicção.
I - Introdução
Código Civil de 2002, ao entrar em vigor, trouxe num de seus dispositivos o instituto da denunciação per saltum.
A denunciação per saltum, em linhas gerais, é uma espécie peculiar de denunciação da lide que permite, nos casos de evicção, a possibilidade do denunciante oferecer uma denunciação ignorando aquele que está diretamente ligado na cadeia negocial, para atingir os mais distantes.
Sendo uma matéria eminentemente processual, começou-se a questionar no mundo jurídico sua aplicabilidade por diversas razões, seja por sua localização, seja por um aparente conflito entre seu conteúdo e os princípios informadores do processo, gerando entre os doutrinadores opiniões divergentes sobre o tema. Assim, há quem entenda ser inaplicável tal inovação, como há quem defenda sua presença.
Mesmo entre aqueles que se posicionam a favor da denunciação per saltum, a compreensão do instituto não é unânime, principalmente no que tange a natureza jurídica do denunciado ao ingressar no feito.
Podemos observar, então, o quanto o tema é atual e polêmico, razão pela qual se faz necessário um estudo sobre a evolução legislativa, bem como questões materiais, processuais, constitucionais, hermenêuticas, principiológicas, formais, mencionando os diversos posicionamentos doutrinários existentes.
Por fim, importante ressaltar a relevância do estudo sobre denunciação per saltum, haja vista as implicações práticas que o instituto produz, desde uma ampliação de garantia na transmissão de bens, até celeridade para o exercício do direito de regresso do evicto.
II – A DENUNCIAÇÃO PER SALTUM
Ao presidir a comissão de elaboração do Código Civil de 2002, Miguel Reale traçou diversas diretrizes dentre as quais destacamos a modificação do Código anterior em relação aos seus valores, prestigiando a eticidade, a sociabilidade e a operabilidade como princípios basilares e fundamentadores de sua elaboração.
A partir dessa orientação, verificamos que misturam-se no ordenamento regras abertas e fechadas, onde as próprias regras fechadas devem sofrer inspiração dos ideais principiológicos, criando um rumo axiológico para sua interpretação.
As regras abertas (ou cláusulas gerais) consistem numa técnica legislativa, na qual o legislador, ao invés de regular determinada situação em abstrato, estabelece para ela um valor e a insere na regra. Com isso, ao aplicador do Direito é permitido, no caso concreto, construir a solução que reputar a mais adequada à realidade apresentada, e não apenas solucionar conflitos pela técnica da subsunção.
Os princípios basilares inseridos no Código Civil de 2002, a quem nos referimos acima, são exemplos de cláusulas abertas, que irão orientar o juiz na solução dos conflitos.
Em linhas gerais, o princípio da eticidade se alicerça na boa-fé objetiva, com previsão constitucional, em especial na tutela da dignidade humana. A boa-fé objetiva seria uma regra de comportamento a ser observada pelos agentes das relações jurídicas. A intenção dos sujeitos ao atuar (boa-fé subjetiva) pouco importaria.
Nas palavras de Judith Martins-Costa [01], a boa fé-objetiva "é um modelo de conduta social, arquétipo ou standard jurídico, segundo o qual cada pessoa deve ajustar a própria conduta a esse arquétipo, obrando como obraria um homem reto: com honestidade, lealdade, probidade."
O princípio da socialidade, que encontra fundamento constitucional no princípio da solidariedade, busca uma funcionalização das relações jurídicas. Significa dizer que as leis passam a ser mais concretas, mais funcionais e menos conceituais, almejando sua função social.
De acordo com os ensinamentos do Profº Fábio Azevedo:
Atribui-se a cada operador do direito o dever de concretizar o ideal da função social, dosando responsavelmente os ingredientes da coragem e da prudência, indispensáveis à construção das soluções cobiçadas pelo legislador constituinte, evitando que os princípios não se tornem simples instrumentos de retórica, apaixonantes e inspiradores intermináveis, completamente avessos a soluções reais. [02]
Por fim o princípio da operabilidade, que consiste em uma forma de legislar para o caso concreto. Ou seja, as regras são elaboradas para possibilitar sua aplicação a situações reais, pacificando as relações sociais. Assim, O legislador redige certas regras, que são normas abertas e não cerradas, para que a atividade social mesma, na sua evolução, venha alterar-lhe o conteúdo.
Visto isso, percebemos a verdadeira estrutura hermenêutica do Código Civil de 2002 e, ao interpretar os dispositivos inseridos no Código, não podemos retroceder e optar pela manutenção estática promovida por uma fase anterior, pautada pelo rigorismo formal. O Direito é dinâmico e acompanha as evoluções sociais, razão pela qual devemos nos libertar de conceitos enraizados no passado e abrir nossas mentes para institutos contemporâneos calcados nessa nova era. A denunciação per saltum corporifica tal mudança, sendo um dos exemplos claros dessa tendência.
A denunciação per saltum, ou por saltos, consiste na possibilidade de o adquirente denunciar a lide ao alienante imediato, ou qualquer dos anteriores, nos casos de evicção [03] (art. 70, I do CPC). Isto é, ao denunciante seria cabível oferecer uma denunciação ignorando aquele que está mais próximo na cadeia negocial, atingindo aqueles mais remotos, mesmo não possuindo qualquer relação jurídica de direito material.
Em relação ao tema, ao menos seu conceito parece ser pacífico.
Conforme entendimento do processualista Fredie Didier [04], na denunciação per saltum "permite-se ao adquirente denunciar a lide ao alienante imediato ou ‘qualquer dos anteriores’. Ou seja, pode o adquirente denunciar a lide a quem lhe vendeu ou a quem vendeu a quem lhe vendeu etc."
Cassio Scarpinella Bueno ensina que:
Trata-se da possibilidade de utilizar-se da denunciação da lide não necessariamente e em qualquer caso, ao alienante ‘imediato’, de quem o denunciante adquiriu o bem ou direito questionado em juízo, mas a qualquer outro dos anteriores, independentemente da ordem das alienações no plano do direito material. [05]
Mesmo entre seus opositores, não há dissonância ente seu conceito. Nas palavras de Alexandre Freitas Câmara, a denunciação por saltos "estaria permitindo que o denunciante demandasse não em face daquele com quem estabelece a relação jurídica de direito material, mas em face de sujeito de relação jurídica distinta, anterior a sua."
Isto porque o Código Civil de 2002 estabeleceu em seu art. 456, caput, a previsão de tal instituto:
Art. 456. Para poder exercitar o direito que da evicção lhe resulta, o adquirente notificará do litígio o alienante imediato, ou qualquer dos anteriores, quando e como lhe determinarem as leis do processo. (grifos nossos). [06]
Até então, não era esse o tratamento dado pelo ordenamento jurídico. O Código Civil de 1916 [07] não permitia a notificação de alienantes mediatos. E, caso ocorresse a hipótese, ao litisdenunciado era permitido trazer para o processo aquele que com ele guardasse relação de garantia, de forma sucessiva, não por saltos. É a chamada denunciação sucessiva, prevista no art. 73 do CPC:
Art. 73. Para os fins do disposto no art. 70, o denunciado, por sua vez, intimará do litígio o alienante, o proprietário, o possuidor indireto ou o responsável pela indenização e, assim, sucessivamente, observando-se, quanto aos prazos, o disposto no artigo antecedente. [08] (grifo nosso)
Esse era o entendimento tradicional amplamente dominante, que inclusive é, até hoje por alguns grandes processualistas [09].
O art. 456 do Código Civil, como vimos, abordou uma questão processual e trouxe a baila solução distinta da que preconiza o Código de Processo Civil. A questão é delicada, pois o artigo, ao prescrever a possibilidade do adquirente notificar alienantes mediatos, não vislumbrou a falta de relação material entre ambos.
Como bem ensina Carnelluti, "o direito processual serve ao direito material, mas para que lhe sirva é necessário que seja servido por ele" [10]. Há uma relação de complementaridade, não subordinada nem hierárquica. Neste sentido, há quem sustente pela impossibilidade da aplicação da denunciação per saltum.
Para Cândido Dinamarco [11], "cada sujeito processual só pode denunciar a lide ao seu próprio garante e jamais aos garantes de seu garante". E complementa: "aquele que se obriga a prestar ressarcimento a uma pessoa só é legitimado para as demandas que essa pessoa mover; sem um vínculo jurídico de direito material que o ligue à parte, o garante do garante não é parte legítima para qualquer demanda proposta por esta.
Seguindo o mesmo raciocínio, Alexandre Freitas Câmara expõe:
O art. 456 do CC afirma que, nos casos de evicção (70, I do CPC) é possível fazer a denunciação da lide ao alienante imediato do bem ou a qualquer dos alienantes anteriores. Isto permitiria, se isoladamente interpretado, uma denunciação da lide per saltum, ou seja, a lei civil estaria permitindo que o denunciante demandasse não em face daquele com quem estabelece a relação jurídica de direito material, mas em face do sujeito de relação jurídica distinta, anterior a sua. Isto evitaria as denunciações sucessivas, permitindo que o demandante diretamente em face do último responsável por garantir a permanência do bem em seu patrimônio. Por outro lado, porém esta interpretação levaria a admitir que se afirmasse a responsabilidade de uma pessoa perante outra com quem não tem qualquer relação jurídica. Esta é, porém, a nosso juízo é uma interpretação apressada do art. 456 do CC. É preciso observar que a lei civil afirma a possibilidade de se fazer a denunciação da lide ao alienante mediato, ou qualquer dos anteriores ‘quando e como determinarem a leis do processo’. Esta cláusula final remete ao CPC, segundo o qual a denunciação da lide é feita a quem lhe transferiu o bem; e assim por diante. Determinando a lei civil que a denunciação da lide se dê ‘quando e como determinarem as leis do processo’ não será admissível a denunciação per saltum, fazendo-se mister a realização de denunciações sucessivas. [12]
Seguindo esta corrente, Flavio Luiz Yarshell aduz:
Pensar diferente seria imaginar que no pólo passivo da denunciação – que, como sabido, encerra uma demanda do denunciante contra o denunciado – haveria uma espécie de litisconsórcio facultativo. Pior que isso, forçoso seria acreditar que um dos alienantes – qualquer um deles, a considerar provavelmente a respectiva capacidade de arcar com a indenização do adquirente/denunciante – poderia responder por diferentes indenizações, de diferentes adquirentes. Ambas as conseqüências parecem despropositadas (...) [13]
Em suma, os ilustres doutrinadores afastam a aplicabilidade da denunciação per saltum prevista na lei civil, por entenderem que tal instituto viola a instrumentalidade do processo. Porém, ao se posicionarem contrariamente, não conferem um sentido útil a norma.
Importante ressaltar que vivemos uma nova fase processual, com profundas transformações, na qual o processo passa ser analisado como um instrumento ético, organizado a partir de valores constitucionais.
Sendo assim, ao interpretarmos a norma disposta no caput do art. 456 do Código Civil, vislumbramos também a presença de princípios orientadores do processo como da publicidade, da duração razoável, da adequação (em seu critério teleológico), da efetividade, da boa-fé processual, entre outros - implícitos ou explícitos - que se fazem presentes.
É justamente neste sentido que muitos processualistas passaram a defender a mudança e aplicá-la ao caso concreto, tornando este, o entendimento majoritário entre nós.
Humberto Theodoro Júnior, ao discorrer sobre a denunciação per saltum, aborda o significado dessa inovação. Diz o professor:
Entendia-se que a denunciação sucessiva, nos termos do art. 73, não se podia fazer per saltum, de sorte que cada denunciado teria que promovê-la regressivamente, em face do transmitente imediato. O tema foi enfocado de maneira diferente pelo Novo Código Civil, ao tratar, no art. 456, da garantia da evicção. Com esta inovação, o direito de reclamar os efeitos da referida garantia poderá ser exercido mediante notificação do litígio, ao alienante imediato, ou a qualquer dos anteriores. [14]
Daniel Assumpção, da mesma forma, afirma:
O réu pode denunciar um sujeito com o qual não mantém nenhuma relação jurídica de direito material, desde que ele tenha participado da cadeia de transmissão do bem. É medida saudável porque se presta a evitar fraudes verificadas quando o alienante imediato não tem nenhum patrimônio e não conseguirá responder pelos danos suportados pelo adquirente, enquanto o sujeito que alienou o bem a ele é extremamente saudável economicamente e ficaria a salvo de responsabilização sem a denunciação per saltum. [15]
O enunciado n.º 29 das I Jornadas de Direito Civil do STJ/Conselho da Justiça Federal (CJF) também segue esse entendimento ao prescrever que "a interpretação do art. 456 do CC do novo Código Civil permite ao evicto a denunciação da lide de qualquer dos responsáveis pelo vício."
Numa interpretação gramatical e teleológica, parece que a previsibilidade do instituto da denunciação per saltum é possível. De acordo com o art. 456 do CC, o legislador concedeu ao adquirente a opção de promover a denunciação da lide em face de alienantes mediatos como forma de antecipação da solução do litigo, tendo em vista o emprego da conjunção alternativa "ou" em seu texto. Buscando findar a ordem rigorosa das alienações do bem evicto, se confere celeridade e efetividade ao exercício do direito que resulta da evicção.
Nada impede, entretanto, que o adquirente intente a demanda em face do alienante direto se, por exemplo, desconhecer os demais alienantes da cadeia negocial. Nessa hipótese, utiliza-se, então, o procedimento da denunciação sucessiva, prevista no art. 73 do CPC, caso o denunciado denuncie a lide a seu alienante direto.
Pois bem.
Partindo da premissa que é possível a denunciação per saltum, devemos analisar o segundo passo, qual seja, a qualidade do denunciado nessa demanda.
Sucede que a natureza jurídica da posição do litisdenunciado também é controvertida. Apontamos na doutrina, pelo menos, cinco entendimentos, nas quais passamos a analisar.
Uma primeira corrente, defendida por Marcelo Abelha Rodrigues e Humberto Theodoro Júnior, considera que a atuação dos alienantes mediatos consubstanciaria um caso de solidariedade legal. Nas palavras do processualista mineiro:
Conferindo-se ao evicto o direito de avançar na cadeia regressiva dos sucessivos alienantes, a lei civil acabou por instituir uma solidariedade passiva entre eles e perante aquele que sofre a evicção. O que afinal suportar a garantia terá, naturalmente, direito de reembolso junto aos alienantes que precederam na cadeia. [16]
Apesar de absolutamente plausível, tal posicionamento não deve prosperar, uma vez que a lei estabelece, de forma expressa, no art. 265 do Código Civil [17], que a solidariedade não se presume.
Numa segunda posição, Cassio Scarpinella Bueno [18], diz que o alienante mediato atuaria como legitimado extraordinário. Explica o professor: "Em juízo estará alguém (o adquirente) que litigará, em nome próprio, por direito alheio (de um outro adquirente ou, mais amplamente, dos diversos componentes, senão de todos, da cadeia dominial)."
Uma terceira corrente, defendida por Nelson Nery Júnior [19], afastando-se das demais posições, indica que seria uma hipótese de sub-rogação legal. Ele ensina que "o adquirente se sub-roga nos direitos de qualquer dos demais adquirentes da cadeia de alienação no que tange ao exercimento dos direitos que decorrem da evicção". Em outras palavras, quando o alienante (denunciado) se sub-roga, ele adquire os mesmos direitos, ações e privilégios do substituído perante os demais.
Com a devida vênia aos defensores da segunda e terceira corrente, os eminentes doutrinadores, partem da premissa que o alienante denunciado não é o responsável pela indenização, ou melhor, pela evicção. Contudo, há de se esclarecer que todos aqueles que participaram da cadeia negocial transmitiram a coisa sem lhes pertencerem. Ser o real responsável pela atuação ilegítima não retira dos demais a mesma responsabilidade, posto que deram continuidade a uma transferência a non domino, sem interromper o ciclo.
A quarta posição, corroborada por Cristiano Chaves, Nelson Rosenvald [20] e TJ/MG, preconiza que os alienantes mediatos ou anteriores são legitimados ordinários, pois a função social do contrato está ligada a função externa. Tal entendimento se verifica na seguinte decisão:
EMENTA: EVICÇÃO - DENUNCIAÇÃO DA LIDE POR SUCESSIVIDADE OU POR SALTO - POSSIBILIDADE - ART. 456 DO CÓDIGO CIVIL C/C ART. 70, INCISO I E ART. 73 DO CPC. - A garantia da evicção será concedida pela totalidade de transmitentes que deverão assegurar a idoneidade jurídica da coisa não só em face de quem lhes adquiriu diretamente como dos que, posteriormente, depositaram justas expectativas de confiança na origem lícita e legítima dos bens evencidos, possibilitando a denunciação sucessiva no primeiro caso e per saltum no segundo, admitida sua cumulação em cadeia de alienação de veículo composta de no mínimo três pessoas. Agravo de Instrumento n.º 1.0702.08.457470-7/001 – Comarca de Uberlândia – Relatora: Exmª Srª. Desª Cláudia Maia. [21]
Este entendimento parece ser o mais adequado, pois se encaixa perfeitamente aos ideais propostos pelo atual Código Civil, bem como pela lei processual, razão pela qual será adiante, na fase conclusiva de nosso artigo, abordado com maior profundidade.
Por fim, trataremos do posicionamento conferido pelo Profº Egas Moniz de Aragão [22], corroborado pelo STJ em algumas decisões. Esse quinto posicionamento é inovador, e se assenta de forma intermediária na doutrina. Tal corrente sugere que a inovação proposta no art. 456 do CC cria um novo instituto, a denunciação coletiva.
A denunciação coletiva pode ser definida, então, como um procedimento pelo qual o denunciante promove a denunciação conjunta de todos os integrantes da cadeia de alienações, do bem objeto do litígio principal. Ou seja, ao invés de aguardar a demorada denunciação individual e gradual de cada um dos alienantes da cadeia dominial, o denunciante promove, desde logo, o chamamento conjunto de todos eles. É o que se depreende da seguinte decisão:
REsp. 4589/1990, PR. Denunciação da lide, mandato in rem propriam. Responsabilidade dos mandatários e seus cessionários pelos riscos da evicção. E questão federal, para efeito de cabimento do Recurso Especial, o concernente a qualificação jurídica do contrato, a ‘natureza jurídica" de documento. E mandato em causa própria, e não simplesmente ad negotia, aquele em que o demandante confere poderes para alienar imóvel, declara o recebimento do preço, isenta de prestações de contas, passando assim o procurador a agir realmente em seu próprio interesse e por conta própria. Configuração do mandato em causa própria como negócio oneroso, com a transmissão da posse e conseqüente responsabilidade do transmitente pelos riscos da evicção. Artigos 70, I, do Código de Processo Civil e 1.107 e 1.073 do Código Civil. Admissibilidade da Denunciação"coletiva", com o chamamento conjunto, e não "sucessivo", dos vários antecessores na cadeira de proprietários ou possuidores. Recurso Especial conhecido pela alínea "a" e parcialmente provido. [23] (grifos nossos).
Significa dizer que, para os adeptos desse entendimento, o legislador autorizou a formação de um litisconsórcio passivo facultativo, e não a denunciação per saltum. E no que tange às denunciações sucessivas, tal solução seria uma forma de afastar aquelas denunciações sucessivas desnecessárias.
Contudo, tal interpretação é equivocada. Primeiramente, porque a regra prevista no art. 456 do CC é clara ao indicar que o adquirente poderá notificar o alienante imediato, ou qualquer dos anteriores, e não todos os anteriores, conjuntamente.
Além disso, admitir a denunciação coletiva é negar a intenção do legislador que visa uma maior celeridade ao procedimento, posto que, de acordo com tal posição, é indispensável a realização da citação de todos os sujeitos da cadeia dominial. E mais, ao trazer para o litígio todos os componentes da cadeia negocial, instaurar-se-ia um tumulto processual no feito, não só em relação ao número de notificações a serem realizadas, mas também no que diz respeito ao arbitramento individual do valor das indenizações a serem pagas.