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A protetividade do direito de autor em face do acesso da coletividade aos bens culturais no Brasil do século XXI

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Agenda 06/09/2010 às 17:23

O acesso coletivo à cultura é um direito constitucional que deveria prevalecer em certos casos sobre a proteção autoral. A função social da propriedade autoral justifica essa flexibilização?

Resumo: Trata-se de artigo que aborda a discussão hodierna em torno da protetividade do direito de autor sob a ótica dos princípios constitucionais que a regem, assim como do marco legal de regência da matéria, e sua configuração como forma de restrição ao acesso da coletividade aos bens culturais, princípio da ordem constitucional da cultura. Ressalta-se o impacto da evolução tecnológica no conflito, ponderando os valores em confronto. Ainda que se considere que os criadores são primordiais e que devam ter seus direitos assegurados, inclusive através de alternativas compensatórias, prevalece a conclusão que o acesso da coletividade aos bens culturais em circunstâncias definidas deve preponderar, tendo em conta a função social da propriedade como princípio constitucional fundamental do qual não pode o direito de autor se isentar no Brasil deste início de século XXI.

Sumário: Introdução. 1. Abordagem constitucional; 2. A protetividade do autor no âmbito da Lei de Direito Autoral - Lei 9610/98; 3. O acesso da coletividade às obras autorais e sua relevância na atualidade; 4. A aplicabilidade do princípio constitucional da função social da propriedade como medida de ponderação para pacificação no meio autoral; 5. O alcance da justiça e equidade no âmbito do Direito de Autor no Brasil do século XXI. Considerações finais. Referências.


INTRODUÇÃO

O presente artigo objetiva apresentar o conflito atual com que o Direito Autoral se depara: a protetividade do Direito de Autor face ao acesso da coletividade aos bens intelectuais produzidos no seu seio, sob o prisma dos princípios constitucionais inerentes a cada corrente – a liberdade de expressão e o direito de propriedade especial do direito autoral enquanto direitos e garantias individuais consagrados no plano dos direitos fundamentais e o exercício pela coletividade dos direitos culturais esculpidos na ordem constitucional da Cultura através do acesso às fontes da cultura nacional, tendo em conta não só a evolução da noção de preponderância do coletivo sobre o individual, mas também a realidade tecnológica experimentada no Brasil no começo de um novo século.

A proteção que o Direito de Autor confere aos criadores intelectuais encontra-se estabelecida na Constituição e na lei de regência da matéria, e decorre da evolução histórica nacional e internacional do instituto do Direito Autoral. A necessidade de estímulo à criação intelectual resultou na configuração de um direito híbrido, composto de um aspecto moral – o direito moral à paternidade da obra - e outro patrimonial – o direito de exploração econômica - a fim de o Estado salvaguardar o bem-estar psicológico e material do criador, para que este continuasse gestando e gerando suas obras. Tais circunstâncias resultam em diversas proibições de uso ou reprodução de obras autorais calcadas no direito fundamental da liberdade de expressão e do exercício do direito individual de propriedade.

Por outro lado, a importância dos direitos coletivos adquire destaque à medida que o desenvolvimento material da humanidade ao longo do século XX resultou num aumento populacional generalizado, tal como se verifica neste início do século XXI no Brasil. Em decorrência desse entendimento, procura-se promover o desenvolvimento sócio-econômico do país a partir de novas construções doutrinárias e legais, entre elas a ordem constitucional da cultura, que ultima a democratização do acesso da sociedade à informação e à cultura. Mister se faz ressaltar que tal movimento ganha extraordinário impulso com o surgimento da rede mundial de computadores e das novas mídias digitais, que possibilitam rápida e fácil acessibilidade aos bens culturais, colocando em questão o atual modus-operandi do instituto do Direito de Autor.

Com base na necessária ponderação de valores vigente no direito constitucional contemporâneo, procura-se estabelecer neste trabalho o direito que deverá prevalecer, preservando, no entanto, ao máximo, os interesses daquele aparentemente preterido. É neste diapasão que se constata que o interesse coletivo não pode estar subjugado aos interesses individuais enquanto bem maior que revela ser, tal como defendido por alguns segmentos doutrinários, em especial no âmbito acadêmico. Sob o fundamento do princípio da função social da propriedade, entende-se necessária a mitigação da protetividade do instituto autoral em circunstâncias que operem em prol do acesso das pessoas ao bens intelectuais produzidos no meio da sociedade que integram. E para que se cumpra o fim último do Direito como realização da Justiça, referenciam-se formas compensatórias para os autores, a fim de que vejam sua dignidade preservada.

O presente artigo revela-se relevante do ponto de vista social e jurídico na medida em que procura vislumbrar uma solução no sentido de usufruir-se de forma legal das obras artísticas e científicas como exercício do direito coletivo à cultura para alcance do pleno desenvolvimento da sociedade brasileira. Não obstante a realidade fática do imperativo tecnológico demonstre que o acesso às obras artísticas e científicas ocorre de forma ampla no país, é inegável que tal acessibilidade está em discrepância com o normativo legal esculpido na Lei de Direito Autoral atualmente em vigor. Essa problemática interessa à Ciência Jurídica, pois o Direito deve estar em consonância com o tempo e a realidade que se vive.

Cumpre destacar que a metodologia utilizada assenta em pesquisa bibliográfica, a partir da qual se buscou evidenciar conceitos, ideias e posicionamentos de diferentes doutrinadores e estudiosos a fim de analisar o arcabouço teórico do tema consoante sua inserção na atual Constituição.

Ademais, optou-se por fazer uma pesquisa descritiva de jurisprudências pertinentes à temática abordada a fim de se identificar entendimentos e tendências a serem seguidas pelos operadores do Direito na atualidade.


1. ABORDAGEM CONSTITUCIONAL

Criar – escrever, musicar, pintar, enfim, projetar o espírito numa obra para melhor comunicar-se com o grupo social no qual está inserido, contribuindo para o desenvolvimento de sua qualidade de vida, é uma ânsia da pessoa humana que o Direito amparou através do instituto do Direito de Autor, o qual envolve aspectos morais e patrimoniais dos autores – objeto de lei específica: a Lei 9610/98, atualmente em vigor, além do agasalho constitucional, e através dos direitos da coletividade, também expressos na Magna Lei.

Neste início de século XXI no Brasil, um século que já é e continuará sendo cada vez mais digital-virtual, os interesses em torno da criação autoral e sua acessibilidade revelam-se especialmente conflitantes, tendo em conta que a lei de regência da matéria, em consonância com os direitos e garantias individuais, faz prevalecer a protetividade do autor/titular das obras, não obstante a realidade fática que a contraria. No entanto, este é um tempo em que a interatividade reforça a globalização e o sentimento de pertença a uma coletividade que clama pelo exercício dos seus direitos sociais constitucionalmente previstos, implicando tal exercício no fácil acesso legal aos bens culturais, numa relação direta obra-usuário, sem a intermediação do autor ou titular.

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Assim, torna-se fundamental a adequação do entendimento jurídico da questão sob seu enfoque constitucional, tal como estabelece o Direito pós-moderno, no qual vigora o neoconstitucionalismo e sua missão de fazer prevalecer a força normativa da Constituição como ponto nodal de uma vivência democrática e justa. Nas palavras de Luís Roberto Barroso: "(...) toda a ordem jurídica deve ser lida e apreendida sob a lente da Constituição, de modo a realizar os valores nela consagrados"1. É a chamada filtragem constitucional que condiciona a interpretação do ordenamento jurídico na atualidade.

Percebe-se nesse novo momento da história constitucional que, para além da necessidade das questões legais deverem ser encaradas sob a ótica da Constituição, esta também tem que ser abordada à luz dos princípios que regem sua construção e aplicação, pois "Princípios não são, como as regras, comandos imediatamente descritivos de condutas específicas, mas sim normas que consagram determinados valores ou indicam fins públicos a serem realizados por diferentes meios."2

Uma vez que princípios constitucionais apresentam carga valorativa e fundamento ético, não é de se estranhar que possam entrar em conflito, já que a colisão de princípios "não só é possível, como faz parte da lógica do sistema, que é dialético. Por isso, a sua incidência não pode ser posta em termos de tudo ou nada, de validade ou invalidade. Deve-se reconhecer aos princípios uma dimensão de peso ou importância."3 A partir dessa constatação, torna-se imperativo e necessário ponderar valores com base nos princípios constitucionais inerentes a cada corrente do conflito abordado neste artigo, a fim de que se alcance a melhor solução, sendo certo que tal solução, que também deverá estar ao abrigo da Magna Lei, somente é alcançada com o esforço pessoal do intérprete-operador do Direito. O Direito de Autor e o arcabouço protetivo que ele estabelece em torno dos criadores têm por base os princípios constitucionais da liberdade e da igualdade, ambos na sua dimensão individual, identificada no art.5º da Constituição da República: o princípio da liberdade na vertente específica do direito à liberdade de expressão intelectual, artística e científica que se consubstancia no direito moral do autor, e o princípio constitucional da igualdade na vertente isonomia material com o exercício do direito de propriedade do autor – o direito patrimonial relativo às criações que identifica sua exploração econômica.

No que se refere aos direitos sociais da coletividade (esse grupo social que ganha expressão e representa mais do que a simples soma dos indivíduos que o compõe) – e em especial aos direitos culturais, deve-se considerar os princípios constitucionais da solidariedade e da universalidade, materializados nos direitos à educação, à informação e à cultura dispostos no art.6º e no art. 215. da Magna Lei, entre outros.

Mister se faz ressaltar que a aplicabilidade dos direitos relativos à cultura é condicionada pelos princípios norteadores da Ordem Constitucional da Cultura, instituída a partir da vigência da atual Lei Maior. Segundo José Afonso da Silva, "a Constituição de 1988 deu relevante importância à cultura, (...) formando aquilo que se denomina ordem constitucional da cultura, ou constituição cultural, estruturada a partir do conjunto de normas que contêm referências culturais e disposições consubstanciadoras dos direitos sociais relativos à educação e à cultura."4

Embora a Ordem Constitucional da Cultura encontre-se refletida em direitos fundamentais individuais e coletivos tais como a liberdade de expressão intelectual, a manutenção e proteção do patrimônio cultural brasileiro e a garantia do pleno exercício dos direitos culturais, optou-se neste artigo por abordá-la no que tange ao acesso aos bens culturais – as obras autorais, tendo, portanto, como foco, os direitos culturais enquanto direitos coletivos.

Impõe a dialética constitucional, a partir da ponderação de interesses, que sejam feitas concessões a fim de que se alcance um resultado socialmente aceite com o menor sacrifício possível de cada uma das correntes e direitos em oposição. E é com base nessa dinâmica constitucional que atualmente se discute alcançar um equilíbrio de interesses expressos na lei de regência da matéria, no sentido da coletividade alcançar obras autorais atualmente inacessíveis para que a cultura cumpra sua missão de expressão da identidade, ação e memória do povo brasileiro.

Portanto, a partir da filtragem constitucional presente em toda a sistemática deste trabalho e que assenta na dignidade da pessoa humana, na razoabilidade, na solidariedade e na inafastável discricionariedade do intérprete, aborda-se o princípio constitucional da função social da propriedade – do direito patrimonial do autor em concreto – como fundamento e argumentação justificadora de uma flexibilização da protetividade do autor em prol do desenvolvimento social pleiteada por alguns segmentos da sociedade. Relativamente à propriedade privada, refere José Afonso da Silva que "(...) ela não mais poderá ser considerada pura direito individual (...) especialmente porque os princípios da ordem econômica são preordenados à vista da realização de seu fim: assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social."5


2. A protetividade do autor no âmbito da Lei de Direito Autoral - Lei 9610/98

A Lei de Direito Autoral brasileira regula o Direito de Autor e os direitos a ele conexos, assim entendidos como os direitos dos artistas intérpretes ou executantes, dos produtores fonográficos e das empresas de radiodifusão. Cabe ressaltar que tal ramo do direito integra, juntamente com o Direito da Propriedade Industrial, o chamado Direito da Propriedade Intelectual, que no seu todo cumpre finalidades estéticas (de deleite ou aperfeiçoamento técnico como no ramo autoral) ou atende a necessidades de cunho prático do cotidiano dos cidadãos (como os modelos de utilidades e patentes do ramo industrial).

Encontra-se no artigo 226 da Lei 9610/98 a identificação da natureza híbrida do Direito de Autor, objeto de estudo do presente artigo: de um lado, a vertente moral – a autoria da criação intelectual enquanto vínculo à própria personalidade do autor, e de outro a vertente patrimonial: a exploração econômica da criação, que embora inicialmente pertença ao autor, poderá ser da titularidade de terceiros.

Os direitos morais dos autores encontram-se elencados no artigo 24 da LDA, e vão além da mera identificação de autoria (embora se considere o direito à paternidade como o núcleo do direito moral por excelência), pois permitem aos autores manterem a obra inédita, retirá-la de circulação ou proibir qualquer uso, entre outros direitos. Trata-se de direitos personalíssimos com suas características inerentes de oponibilidade erga omnes, irrenunciabillidade, intransmissibilidade, imprescritibilidade e impenhorabilidade, entre outras. Alcança-se, assim, o plano constitucional de proteção da dignidade da pessoa humana em decorrência da proteção da sua personalidade nas relações jurídicas autorais, de natureza inter-subjetiva.

Já os direitos patrimoniais constantes do Capítulo III refletem o direito exclusivo de dispor da criação, pois é necessária a autorização prévia e expressa do autor/titular para utilização da obra por quaisquer modalidades (arts.28 e 29), tais como a reprodução (cópia) total ou parcial, a adaptação (de livro para roteiro de cinema, por exemplo), a tradução, entre outras, devendo-se interpretar restritivamente quaisquer negociações/contratações nesse âmbito. Tais direitos assentam na argumentação da necessidade do retorno econômico-financeiro que serve de estímulo à criação intelectual, viabilizando-na através da sua difusão. Em decorrência de tal necessidade, a titularidade do direito patrimonial pode ser originária ou derivada, à medida que transmissível a terceiros.

Argumenta José Carlos Costa Netto que o direito de utilização exclusiva da obra intelectual pelo autor encontra-se corroborado no regime constitucional vigente enquanto cláusula pétrea, e portanto, imutável no sentido da sua diminuição de alcance ou supressão.7

Ao longo dos seus dispositivos, a lei de regência da matéria realça a proteção que confere ao autor/titular, e que em tudo se coaduna com os princípios esculpidos no art.5º da Constituição Federal, tais como: a liberdade de expressão intelectual, artística e científica (inciso IX), o direito de propriedade (inciso XXII) e o direito ao exclusivo – direito de propriedade especial do direito autoral (inciso XXVII). Para José Carlos Costa Netto "é nítida a necessidade de que as regras constitucionais sejam consideradas de forma harmoniosa."8 Trata-se de harmonizar o direito ao exclusivo que o direito de propriedade intelectual impõe com a liberdade de manifestação do pensamento e expressão intelectual, sem esquecer o direito de imagem, inviolabilidade da intimidade, vida privada e honra afetos diretamente ao direito autoral.

As origens da proteção autoral remontam a convenções e tratados internacionais, em especial a Convenção de Berna, que estabelece a prevalência de um sistema legislativo assente na figura da pessoa humana criadora. Ressalta-se que a Convenção Internacional para a Proteção das Obras Literárias e Artísticas celebrada em Berna (Suíça) em 1886 integrou o normativo legal brasileiro através do Decreto 75.699/75 e do Decreto Legislativo 94/749. Como menciona Carlos Alberto Bittar: "o sistema individual (europeu ou francês) é o da Convenção de Berna, de caráter subjetivo, dirigido à proteção do autor e consubstanciado na exclusividade que se lhe outorga, permitindo-lhe a participação em todos os diversos meios de utilização econômica." 10 Vige no Brasil, portanto, o entendimento francês do droit d’auter, pois a visão anglo-saxônica privilegia a exploração comercial das obras através do instituto do copyright, tornando secundários os aspectos inerentes ao direito moral.

O Direito de Autor surge no século XVI na Europa, fruto da invenção da prensa por Gutenberg 11 e do intuito de controle da produção/difusão das ideias a partir da atribuição pelo governo inglês do monopólio da exploração comercial aos editores ingleses em 1557 12. O foco de tal direito, portanto, era exclusivamente patrimonial em relação a terceiros, e não se voltava para os criadores. Somente com a Revolução Francesa surge a perspectiva de proteção dos interesses dos autores propriamente ditos, evoluindo a proteção patrimonial para a consideração de outros aspectos ligados à paternidade da obra, o que resultaria no droit d’auter e sua duplicidade de conteúdo aqui abordada.

Importa referir que o Direito de Autor não protege qualquer criação. Nas palavras precisas de João Willington e Jaury N.de Oliveira: "A doutrina do direito autoral qualifica como obra intelectual toda aquela criação do espírito humano (leia-se intelecto), revestindo-se de originalidade, inventividade e caráter único e plasmada sobre um suporte material qualquer." 13 Portanto, as obras protegíveis são-no em virtude de serem consideradas fruto de um esforço intelectual de cunho criativo, voltado para o deleite estético ou aprimoramento técnico que as torna originais e únicas na sua forma, pois "(...) quando se passa da criação para a descrição, quando há descoberta e não inovação, quando é o objeto que comanda em vez de o papel predominante ser o da visão da autor, saímos do âmbito da tutela" 14. Ainda no entendimento do autoralista José de Oliveira Ascensão, "(...) a criação do espírito não pode permanecer no foro íntimo. Tem de se exteriorizar ou manifestar. (...) A idéia, para se comunicar, tem pois de descer da sua imaterialidade para encarnar numa determinada maneira de expressão. Essa maneira de expressão pode ser designada a forma (...)" 15 Essas formas encontram-se elencadas no artigo 7º da Lei 9610/98, e são identificadas como textos literários, obras audiovisuais, músicas, desenhos, ilustrações, entre outras.

Enfatizando a proteção dada ao autor – tanto no que se refere ao aspecto moral quanto ao patrimonial, estabelece a Lei 9610/98 que a obra é protegida desde o momento da sua criação, independentemente de registro. Este possui natureza meramente declaratória – e não constitutiva de direitos, podendo ser realizado em diferentes instituições, consoante a natureza da obra. A título exemplificativo, identifica-se a Biblioteca Nacional para as de cunho literário, a Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro para as obras de artes plásticas ou o Conselho Federal de Engenharia Arquitetura e Agronomia para projetos concernentes à engenharia ou arquitetura. 16

Apesar de ser suficiente a comunicação ao público com indicação da autoria, local e data, entendem João Willington e Jaury N.de Oliveira que "não devemos nos esquecer que o Brasil é um país de tradição cartorária (...) Além disso, o registro inverte o ônus da prova, numa proposição judicial, isto é, a parte contrária deverá provar que o nome constante do registro não é autor." 17

A questão da proteção autoral na sua vertente patrimonial está diretamente relacionada à entrada da obra em domínio público, fato que se dá após setenta anos a contar do ano subsequente ao da morte do autor. Para as obras em coautoria, considera-se da morte do último autor. Em inexistindo herdeiros/sucessores, esta transferência é imediata, assim como no caso das obras de autoria desconhecida ou afetas ao folclore.

O domínio público representa o fim da proteção patrimonial, já que restam desnecessárias as autorizações até então imprescindíveis. Representa uma espécie de retorno à coletividade de um bem que somente se gestou em decorrência da inserção do seu criador naquele meio social. Evidencia-se, assim, através da reintegração da teoria da propriedade intelectual, a harmonização do Direito de Autor e das normas fundamentais constitucionais relativas a interesses sociais de ordem pública, abordados no item 3 deste artigo.

São de resto tais interesses sociais, em especial o interesse público quanto à disseminação do conhecimento, que consubstanciam as chamadas derrogações do artigo 46 da Lei 9610/98, pois afastam seu caráter eminentemente protetivo em circunstâncias específicas. No referido artigo encontram-se elencadas as hipóteses de uso livre das obras, ou seja, o uso sem necessidade de sua autorização pelos autores/titulares. Afirma Eliane Y. Abrão que "o rol das obras que independem de prévia autorização do autor para seu uso público é taxativo, porque a limitação é uma exceção à regra geral, e no dia que o legislador deixar de considerá-la como tal, passará automaticamente a demandar a autorização prévia para seu uso." 18

Vale ressaltar que "não se pode deixar de lamentar a ganância dos inspiradores da lei na limitação destas faculdades, esquecendo finalidades sociais, culturais, humanitárias e outras que mereciam ser acariciadas. Fica assim a lei brasileira muito aquém de leis estrangeiras. Tudo proíbe, com a preocupação de evitar fraudes ou diminuição de lucros." 19

De acordo com o permissivo legal anteriormente referido, é facultada a citação de trechos de obras em livros, jornais, revistas ou qualquer outro meio de comunicação com o intuito de estudo, crítica ou polêmica; a compilação das lições ministradas em estabelecimentos de ensino por quem as recebeu para uso pessoal; a veiculação de obras em estabelecimentos comerciais a título de demonstração dos produtos ali vendidos bem como para uso familiar ou para fins didáticos, entre outras licenças.

Aquilo que o autor hoje produz advém do seu contexto sócio-cultural, juntamente com o que ele consegue acessar da produção intelectual de um mundo globalizado e virtual, em muito diferente da ocasião do surgimento dos diferentes marcos legais internacionais e nacionais afetos ao Direito de Autor, ainda que em menor proporção no que se refere à atual lei autoral brasileira, a qual em 1998 já previa a fixação da obra em suporte tangível ou intangível como forma de ir ao encontro da nova realidade digital.

No entanto, era e continua sendo a coletividade a origem e o destino da produção intelectual, a qual, em última análise, visa justamente à evolução da sociedade no sentido do seu bem-estar psicológico e material. Para Alessandra Tridente, a ratio hodierna do direito autoral – as premissas ideológicas que o fundamentam e justificam "é a crença da sociedade moderna no valor do aperfeiçoamento humano constante, mediante o progresso contínuo das ciências e das artes." 20 E para que tal aconteça, impõe-se que a protetividade autoral não se torne um empecilho, configurando até mesmo abuso de direito.

Sobre a autora
Alessandra Silveira de Moraes

Servidora pública da Fundação Biblioteca Nacional lotada no Escritório de Direitos Autorais.bacharelando do curso de Direito na Universidade Estácio de Sá - RJ: Campus Menezes Côrtes

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORAES, Alessandra Silveira. A protetividade do direito de autor em face do acesso da coletividade aos bens culturais no Brasil do século XXI. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2623, 6 set. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17334. Acesso em: 12 abr. 2025.

Mais informações

Texto elaborado sob a orientação das professoras Izabel Leventoglu e Angela Barral.

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