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O princípio da vedação ao enriquecimento sem causa nos contratos administrativos em julgado do Superior Tribunal De Justiça (REsp 579.541-SP)

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Agenda 16/09/2010 às 09:43

SUMÁRIO. Introdução. 1. Vícios apontados no certame e examinados pelo STJ. 1.1 Modalidade eleita na licitação. 1.2 Cláusula do edital que teria privilegiado de forma injustificada a empresa vencedora. 1.3 Violação do princípio da moralidade. 2. Inaplicabilidade do princípio da vedação ao enriquecimento sem causa (parágrafo único do art. 49 do Decreto nº 2.300/86 e parágrafo único do art. 59 da Lei nº 8.666/93). Conclusão.

RESUMO. O presente trabalho tem por escopo analisar a aplicação do princípio que veda o enriquecimento sem causa nos contratos administrativos à luz de um determinado julgado do Superior Tribunal de Justiça (RESP n° 579.541-SP, Rel. Ministro José Delgado, Primeira Turma, DJ 19/04/2004), demonstrando que este princípio geral do direto não é absoluto, isto é, que admite mitigação, vez que tem suas raízes na equidade e na moralidade.

PALAVRAS-CHAVE: Contrato administrativo. Enriquecimento sem causa (ou enriquecimento ilícito) [01]. Moralidade administrativa.


INTRODUÇÃO

Preliminarmente, como objetivo deste trabalho é a análise de um caso concreto, cabe relatar os fatos que constam no relatório do Ministro Relator do STJ, in verbis: [02]

"Tratam os autos de ação popular ajuizada por NEFI TALES em face do MUNICÍPIO DE GUARULHOS, EMPRESA JORNALÍSTICA FOLHA METROPOLITANA SOCIEDADE ANÔNIMA e PASCHOAL THOMEU objetivando a declaração de nulidade de contrato de prestação de serviços (publicação de atos oficiais) celebrado pela Municipalidade, durante a gestão do Prefeito Municipal Paschoal Thomeu, com a empresa jornalística em questão (do qual o Prefeito era acionista majoritário), com a conseqüente condenação dos dois últimos réus, solidariamente, ao pagamento de indenização ao patrimônio público, que deve ser ressarcido de todos os valores originários do contrato, desde a sua celebração até o trânsito em julgado da sentença. Argumenta-se que o certame licitatório constituiu-se de forma inadequada, considerando que se valeu o Município de Tomada de Preços quando, em razão da importância do contrato e dos seus valores, deveria ter obedecido ao procedimento da Concorrência Pública. Sustenta-se que o edital foi dirigido aos interesses da Empresa Jornalística contratada, elencando requisitos que somente ela poderia oferecer, tais como a utilização de sistema de impressão "off set" e possuir sede própria." (grifo nosso).

O contrato apreciado nesta Ação Popular, que tem por objeto a prestação de serviços de publicação de atos oficiais, foi celebrado por empresa jornalística com o Município de Guarulhos, tendo o Prefeito Municipal de Guarulhos como acionista majoritário da referida empresa, por isso foi pleiteada a declaração de nulidade por violação ao princípio da moralidade administrativa. Além disso, o autor da ação alega que a licitação é nula pelos seguintes vícios: a licitação deveria ter sido realizada sob a modalidade da concorrência pública e não por tomada de preços; e teria sido dirigida para favorecer a vitória da empresa da qual o Prefeito Municipal era sócio (exigência de sistema de impressão "off set" e possuir sede própria).

Na primeira instância, o pedido foi acolhido parcialmente, tendo vista que o juízo monocrático, embora tenha considerado nulo o contrato, entendeu devido o pagamento pelo serviço prestado, para evitar o enriquecimento ilícito do Município. Contudo, foi deferida a indenização aos cofres públicos apenas do lucro obtido pela empresa, isto é, o valor pago que corresponderia ao custo do serviço prestado não seria ressarcido ao Município, apenas o lucro seria, senão vejamos o trecho do acórdão que relata a decisão em 1º grau:

"Em primeiro grau, julgou-se o pedido parcialmente procedente para declarar a invalidade do ato impugnado e, por via de conseqüência, a nulidade do contrato para publicação dos atos oficiais celebrado no exercício de 1989 entre o Município de Guarulhos e a Empresa Jornalística Folha Metropolitana Sociedade Anônima, cessando os efeitos do contrato a partir de sua celebração. Condenou-se os réus de forma solidária na reparação do patrimônio público lesado pelo dano decorrente da contratação irregular, incidente correção monetária. Frisou o i. magistrado que, "como o serviço de publicação acabou sendo realizado, e a fim de se evitar enriquecimento ilícito, é de se considerar razoável o critério apresentado pelo Ministério Público, prevalecendo, portanto, a título de indenização, o valor do lucro obtido com o ato ilícito ou danoso (vantagem da empresa jornalística em ter sido o veículo dos atos oficiais do Município de Guarulhos). Fica de fora do âmbito desta ação popular, porque não circunscrita aos limites do pedido inicial, a questão relacionada à publicação dos convites que, de fato, não exigem publicação" (fl. 3.716). Portanto, os réus foram condenados a ressarcir ao Município o valor a ser apurado por arbitramento, limitado ao lucro havido com a publicação do Boletim Oficial."(grifo nosso)

Inconformadas, ambas as partes apelaram ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, tendo a Terceira Câmara de Direito Público, por maioria, dado parcial provimento ao apelo do autor (para reconhecer que a reposição integral ao erário e não apenas valor referente ao lucro auferido), votando o terceiro desembargador pela manutenção da condenação fixada na sentença. Ainda, à unanimidade, negou-se provimento aos recursos dos réus (a empresa contratada e o então ex-prefeito do Município de Guarulhos). Para melhor entendimento, vale colacionar a ementa do Acórdão do TJSP:

"AÇÃO POPULAR – A demanda restringe a questão relativa à licitação "Tomada de Preços" nº 28/89 – Agravos Retidos conhecidos mas improvidos – A exigência de que a impressão seja em "Off Set" não é discriminatória – Exigência de que a empresa tenha sede própria, aliada ao fato de que a licitação foi realizada por "Tomada de Preços", que restringe os participantes, e somente os estabelecidos no Município participaram, presume que o processo licitatório foi dirigido, ainda mais quando o Prefeito contrata com a empresa vencedora em que ele é o acionista majoritário – A modalidade de licitação em face à transação envolvendo grande vulto seria a da "Concorrência Pública" – Ato administrativo nulo – A reposição ao erário público deve ser total – A questão "Carta-Convite" é matéria estranha aos presentes autos – Perdas e danos (juros de 12% ao ano) é inadmissível – Os juros de mora são devidos à razão de 6% ao ano e a partir da citação até o efetivo pagamento, ainda que omissa a inicial (Súmula 254 do STF) – O § 4º do art. 14 da Lei nº 4.717/65 prescreve que a parte condenada a restituir bens ou valores ficará sujeita a seqüestro e penhora (respectivamente, artigos 822 a 825 e 659 a 679, todos do CPC), razão pela qual não há que se falar em disponibilidade de bens dos réus – A verba honorária foi corretamente fixada – Recurso dos autores provido em parte e improvidos os demais". (grifo nosso).

Ainda, foram interpostos embargos infringentes, que foram improvidos, por maioria de votos.

Então, em síntese, em primeira e segunda instância foi reconhecida a nulidade do contrato, por infringir normas da Lei nº 8.666/93, que restringiram a competição no certame e por violação ao princípio da moralidade, já que o processo licitatório teria sido dirigido para beneficiar, em última análise, o próprio Prefeito Municipal, que figura como sócio majoritário da empresa contratada e ao mesmo tempo representante legal do Município de Guarulhos.

Neste panorama, os autos foram encaminhados ao Superior Tribunal de Justiça, por meio dos Recursos Especiais interpostos pelos réus. Cabe registrar que a proximidade dos réus era patente, visto que, segundo o relatório do acórdão do STJ, ambos os recursos especiais interpostos eram idênticos, apenas seus patronos eram diferentes.


1.VÍCIOS APONTADOS NO CERTAME EXAMINADOS PELO STJ

1.1. Modalidade eleita na licitação

Na ação popular questionou-se que a modalidade eleita no certame estava em desconformidade com o texto do Decreto nº 2300/86 (a época em vigor, que posteriormente foi revogado pela Lei nº 8.666/93), uma vez que, pelo valor da contratação seria exigível a modalidade "concorrência" e não a "tomada de preços" que foi realizada.

Anote-se que esta opção restringe a concorrência no certame, uma vez que a tomada de preços, conforme dispõe o § 2º do art. 20 do Decreto 2.300/86, constitui "modalidade de licitação entre interessados previamente cadastrados, observada a necessária qualificação".

Ou seja, diferente da concorrência, que é modalidade de licitação entre quaisquer interessados [03] que, na fase inicial de habilitação preliminar, comprovem possuir os requisitos mínimos de qualificação exigidos no edital para a execução de seu objeto, na tomada de preços aceita-se apenas licitantes previamente cadastrados para participar do certame, fato que inquestionavelmente reduz o seu caráter competitivo. Por isso, só se autorizava a tomada de preços para contratação de serviços ou compras até determinado valor, enquanto a modalidade concorrência era facultativa para qualquer valor e obrigatória para aquelas contratações que superassem o valor limite para tomada de preços, nos termos do §1º do art. 21 do Decreto nº 2.300/86 (semelhante ao que dispõe hoje o §3º do art. 23 Lei nº 8.666/93).

No caso sob análise, levando-se em conta a moeda à época do certame, a licitação para ser realizada sob a modalidade de tomada de preço, deveria, segundo o TJSP, ter valor estimado inferior a NCz$ 15.000,00 [04] (quinze mil cruzados novos), porém o contrato celebrado com a empresa do Prefeito envolveu o montante de NCz$ 200.000,00 (duzentos mil cruzados novos). Assim, era patente a desconformidade da modalidade licitatória ao valor do objeto pretendido.

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Esta irregularidade, por si só, já invalida o certame e, por consequência, o contrato, uma vez que, além de violação do princípio da legalidade, feriu-se também o caráter competitivo do certame, visto que a tomada de preços apenas permite a participação dos licitantes cadastrados. Ademais, ainda foi atingido o princípio da publicidade, já que a publicidade é mais ampla na concorrência do que na tomada de preços, conforme se depreende do §5º do art. 32 do Decreto nº 2300/86 [05] (semelhante ao art. 21 da Lei nº 8.666/93).

1.2. Cláusulas do edital que teria privilegiado de forma injustificada a empresa vencedora

Outro questionamento levantado na ação popular diz respeito ao possível dirigismo do certame. Ou seja, possível inclusão de exigências no edital que teria privilegiado, de forma injustificada, a empresa do prefeito que se sagrou vencedora na licitação, o que atentaria contra o princípio isonomia e impessoalidade do certame.

Duas exigências foram questionadas: obrigatoriedade da impressão ser "off set" e; que a empresa tenha sede própria.

Cabe adiantar que neste ponto STJ seguiu integralmente o aresto do TJSP. Sobre o primeiro questionamento, entendeu que a impressão "off set" está justificada no Decreto nº 8.154 de 21/12/81, além disso a Administração teria a discricionariedade de optar por prestação de serviço que adotasse determinada tecnologia, cabendo às empresas a modernização dos seus serviços para atender a demanda da sociedade e da Administração.

Por outro lado, no que tange ao segundo questionamento, o TJSP entendeu que, embora, em tese, o simples fato de exigir sede própria não configure uma restrição à competitividade, em concreto, naquela licitação, esta condição revelou-se discriminatória, principalmente, face às características da modalidade licitatória eleita (tomada de preços), senão vejamos trecho do acórdão:

"Contudo, o mesmo não ocorre quando o Edital exige que a empresa tenha sede própria, ainda que não especifique se no próprio Município ou em outro. Com efeito, o item 3.1.15 estabelece:

"Prova de possuir sede própria discriminando área do terreno e área construída, através de carnê do IPTU, planta aprovada pela Prefeitura ou escritura registrada" (fl. 2622).

A licitação em questão foi realizada na modalidade de tomada de preços e, portanto, restringiu-se a participação apenas às pessoas previamente inscritas em cadastro administrativo.

Com efeito, dispõe o § 2° do art. 20 do Decreto-lei no 2.300, de 21/11/1986: "Tomada de preços é a modalidade de licitação entre interessados previamente cadastrados, observada a necessária qualificação".

Note-se que somente as empresas sediadas na cidade de Guarulhos foram as que retiraram o Edital (vg. fls. 2.633, 2.635 e 2.637).

Ora, diante disto observa-se que a licitação realizada na modalidade de tomada de preços, que restringe a participação apenas às pessoas previamente inscritas no cadastro administrativo e, à evidência, somente aquelas estabelecidas na cidade de Guarulhos deveriam ter sede própria no referido município, pois nenhuma outra empresa jornalística sediada, ou com sede própria em outros municípios, participou da "Tomada de Preços", razão pela qual fica evidenciado que a licitação teve como objetivo favorecer empresa com sede no Município de Guarulhos.

Desta forma, restringir o número de competidores somente dentre aqueles que tem sede própria no Município extrapola o que legalmente pode se exigir nesse sentido, e chega ao absurdo, bastando se imaginar uma empresa saudável, mas que tem sede (e somente nele contribui) em um Município que, de tão pobre, não contrata. Se se tiver como possível a exigência aqui guerreada, essa empresa não poderia participar de nenhum procedimento licitatório no País, o que, convenhamos, foge ao bom senso."(grifo nosso).

Com efeito, reconhecendo a restrição da licitação apenas às empresas sediadas na cidade de Guarulhos, acolheu-se a tese do dirigismo do processo licitatório, principalmente face à suspeita composição do quadro societário da empresa que obteve êxito no certame.

1.3. Violação do princípio da moralidade

Em que pese a gravidade da violação dos dispositivos legais do Decreto nº 2.300/86 (semelhante às normas da Lei n° 8.666/93), a infração que causou maior repercussão, na análise do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, foi a violação do princípio constitucional da moralidade administrativa, (art. 37, caput, da CF/88) [06].

Cabe relembrar que a moralidade administrativa é um dos bens jurídicos tutelados pela Ação Popular, conforme dispõe o inciso LXXIII do art. 5° do texto constitucional:

LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência;(grifo nosso)

No seu voto, o Ministro Relator apresenta uma verdadeira aula acerca do princípio da moralidade. De início, esclarece que o princípio da moralidade, diferente do da legalidade, se preocupa com os motivos da própria ação estatal. Explica que a moralidade tem a função de limitar a atividade estatal, para que a mesma atenda a uma dupla necessidade: de justiça para os cidadãos; e de eficiência para a própria administração, a fim de que consagrem os efeitos-fins do ato administrativo no alcance do bem comum.

Outrossim, acrescenta que o cumprimento da moralidade, além de constituir um dever do administrador, apresenta-se como um direito subjetivo de cada administrado; que a eficácia e a efetividade do princípio da moralidade evita a existência de administradores relapsos, contribuindo para conscientização dos cidadãos dos seus direitos de receberem uma boa administração estatal; que o "dever de melhor administrar" ultrapassa o de "bem administrar", ou seja, que o Administrador deve, dentre as hipóteses "boas", escolher a "melhor" delas.

Por outro lado, ressalta que, embora juiz tenha o poder de desconstituir o ato administrativo que não se amolde à obrigação de melhor administrar, não poderá substituir o administrador, sob pena de ferir o princípio da separação dos poderes. Porém, ratifica que é permitido ao Poder Judiciário, avaliar e julgar o mérito do ato administrativo, com a finalidade de impedir o abuso ou o desvio de poder sob o escudo da discricionariedade.

Diante deste panorama jurídico, acerca do controle dos atos administrativos que atingem a moralidade administrativa, o Ministro relator concluiu que, naquele caso sob análise, foi desprezado o princípio da moralidade, tendo em vista que o prefeito tinha perfeita ciência de sua condição de acionista majoritário da empresa que concorreu e saiu vencedora do certame. Assim, a obrigação de indenizar a Administração nasce pela prática do ato nulo, causadora de dano presumido à moralidade administrativa, cuja mensuração deve ser o efetivo dispêndio feito pelo erário. Para melhor esclarecimento, vale transcrever esse trecho do voto:

"No presente caso, e como sobejamente enfocado pelo Tribunal a quo, trata-se de uma licitação em que a moralidade administrativa foi desprezada, pois o Prefeito tinha perfeita ciência de sua condição de acionista majoritário da empresa que concorreu e saiu vencedora do certame. No cumprimento de todos os princípios que informam a atividade administrativa, não se admite que o agente público, sob qualquer pretexto, afaste-se dos limites que são impostos. Assim, no desenvolver da ação administrativa, a moral deve ser a meta para a qual, obrigatoriamente, o administrador público deve tender, levando sempre em conta que o seu procedimento de tal modo é indispensável ao bem comum da sociedade.

Portanto, nasce a obrigação de indenizar pela prática de ato nulo, causadora de presumido dano à moralidade administrativa (o dano é a ofensa aos princípios da legalidade e moralidade), cuja mensuração, para efeito de reparação material, tem por parâmetro o efetivo dispêndio feito pelo erário, como decorrentes despesas forçadas pelo ato ilegal (JSTF/TFR –Lex 48/202-203)."(Grifo nosso).

Cabe acrescentar que violação do princípio da moralidade administrativa, nas circunstâncias ocorridas neste caso concreto, pode ser enquadrada em típico caso de improbidade administrativa por violação de princípio, passível de aplicação das sanções legais previstas no inciso III do art. 12 da Lei nº 8429/92 [07], aos agentes públicos envolvidos.


2. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA (PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 49 DO DECRETO 2300/86 E PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 59 DA LEI Nº 8.666/93).

A vedação ao enriquecimento sem causa é um princípio geral do direito, que existe de forma positivada no Direito desde o remoto Direito Romano, onde era conhecido como: "nemo potest lucupletari, jactura aliena". Por isso, é aplicável tanto no âmbito do direito privado (art. 884 do Código Civil) [08] como do direito público (art. 59, parágrafo único, da Lei nº 8.666/93).

Porém, era o art. 49 do Decreto n° 2.300/86 o dispositivo que, a época em vigor, regulava os efeitos da declaração de nulidade dos contratos administrativos e no seu parágrafo único o direito à indenização à empresa contratada pelos serviços prestados e vantagens auferidas pela Administração, senão vejamos:

Art 49. A declaração de nulidade do contrato administrativo opera retroativamente, impedindo os efeitos jurídicos que ele, ordinariamente, deveria produzir, além de desconstituir os já produzidos.

Parágrafo único. O vício a que se refere este artigo não exonera a Administração, que haja eventualmente auferido vantagens do fato, da obrigação de indenizar o contratado, a quem não seja imputável a irregularidade, pelo que houver executado até a data em que for declarada a nulidade. (grifo nosso)

Veja que a Lei n° 8.666/93 praticamente repetiu o teor do dispositivo acima no seu art. 59 e parágrafo único:

Art. 59. A declaração de nulidade do contrato administrativo opera retroativamente impedindo os efeitos jurídicos que ele, ordinariamente, deveria produzir, além de desconstituir os já produzidos.

Parágrafo único. A nulidade não exonera a Administração do dever de indenizar o contratado pelo que este houver executado até a data em que ela for declarada e por outros prejuízos regularmente comprovados, contanto que não lhe seja imputável, promovendo-se a responsabilidade de quem lhe deu causa. (grifo nosso)

Ambos os parágrafos únicos acima citados, constituem a positivação do princípio da vedação ao enriquecimento sem causa da Administração Pública, visto que impedem que o Estado se locuplete, isto é, ainda que viciado o contrato ou a licitação, terá que pagar pelo serviço prestado (ou pelo fornecimento do produto) pelo administrado.

Do voto do Ministro Relator, é possível extrair que a nulidade só poderia ser oposta se os recorrentes agissem impulsionados pela boa-fé, o que naquele contrato não teria ocorrido, uma vez que tinham conhecimento do vício que inquinava o contrato e ainda assim o celebraram, por isso considerou que a empresa contratada concorreu para nulidade do contrato. Para melhor entendimento, in verbis:

"A nulidade da licitação ou do contrato não poderia ser oposta aos recorrentes se eles agissem impulsionados pela boa-fé. No caso, vislumbra-se que houve concorrência dos mesmos, pelas condutas já referenciadas, para a concretização do ato de forma viciada, ou seja, com o seu conhecimento. Há de ser prontamente rechaçada a invocação de que a administração se beneficiou dos serviços prestados, porquanto tornou públicos os seus atos oficiais no período da contratação, de modo a não se permitir a perpetração do enriquecimento ilícito, pois a indenização pelos serviços realizados pressupõe tenha o contratante agido de boa-fé, o que não ocorreu no presente caso." (grifo nosso)

Em verdade, da leitura o próprio dispositivo legal é possível concluir que a indenização prevista no parágrafo único do art. 49 do Decreto 2300/86 (equivalente hoje ao parágrafo único do art. 59 da Lei nº 8.666/93), pressupõe que a contratada não tenha dado causa à nulidade do contrato. Ou seja, que a nulidade seja exclusivamente decorrente de comportamento da Administração.

E, no caso sob análise, não há dificuldade para se concluir que a empresa contratada deu causa a nulidade do contrato, na medida que seu acionista majoritário era também o representante legal da Administração naquele contrato. Embora, em tese, tratassem de pessoas jurídicas distintas, de fato, apenas o interesse particular do Prefeito estava assegurado.

De outro vértice, a doutrina pátria, na análise deste dispositivo legal (hoje o parágrafo único do art. 59 da Lei nº 8.666/93), tem exigido a boa-fé da contratada para que lhe seja conferida a indenização pelo que foi executado do objeto contratual.

Nesse sentido, o autor Marçal Justen Filho, especialista na matéria, leciona que a boa-fé da empresa contratada é condição indispensável para obter indenização pelo que já executou. Porém, ressalta que há possibilidade de redução da indenização se o particular tiver apenas "concorrido" para a nulidade, na medida da sua culpa concorrente. Ainda assim, assevera que, agindo de má-fé, o particular não poderá ser beneficiado pela teoria do enriquecimento sem causa, que se funda em juízo ético-moral, senão vejamos:

"Outro ângulo da questão relaciona-se com a situação subjetiva do particular que participou da contratação indevida com a Administração. Afigura-se irrebatível que a indenização em favor do particular, cujo patrimônio seja afetado por atuação indevida da Administração Pública depende de sua boa-fé.

A relevância jurídica da situação subjetiva do particular relaciona-se com os dois fundamentos jurídicos pelos quais se impõe o dever de a Administração indenizar o particular. A invalidade do contrato conduz ao dever de indenizar o particular, tendo em vista dois fundamentos.

Um deles é o ato ilícito e o outro é o enriquecimento sem causa. Sob ambos os primas, dá-se relevância a situação subjetiva do particular, na medida que sua participação na consumação do resultado danoso pode afetar a extensão dos seus direitos.

Se o particular tiver concorrido para a consumação do ato ilícito, caberá promover a redução da indenização correspondente às perdas e danos sofridas, tendo em vista uma avaliação sobre a culpa concorrente.

Por igual, o particular que tiver atuado maliciosamente não pode ser beneficiado pela teoria da vedação ao enriquecimento sem causa, que se funda em juízo ético-moral. Aquele que atuou de modo reprovável eticamente não pode invocar benefícios fundados na equidade." [09](JUSTEN, 2010, p 748, grifo nosso)

Salvo a questão referente à culpa concorrente (que admite a redução da indenização), verifica-se que o posicionamento adotado pelo STJ vai ao encontro do entendimento lecionado pelo autor, visto que se concluiu que a boa-fé é um dos requisitos para concessão de indenização fundada no enriquecimento sem causa da Administração. Circunstância que não teria ocorrido no caso concreto, vez que a empresa e o Município, celebraram o contrato em benefício de terceiro: o Prefeito Municipal.

Registre-se que foi ressalvada a boa-fé dos terceiros que se vincularam ou contrataram Administração, em razão do serviço prestado pela empresa contratada (publicação dos atos oficiais do Município de Guarulhos), face à presunção de legalidade e legitimidade dos atos administrativos. Inclusive, anote-se que esse atributo dos atos administrativos (presunção de legitimidade e legalidade dos atos administrativos) é que costuma fundamentar a boa-fé das empresas que contratam com a Administração, impondo-se, por isso, sempre a necessidade de comprovar a má-fé.

E o que é boa-fé? É agir sem intenção de fraudar a outrem, sem malícia. É o oposto da má-fé, que é agir de forma dolosa, com a intenção de induzir outrem a erro, dissimulando a aplicação da norma em descompasso com o seu escopo, visando obter vantagem indevida.

Por isso, o agir de boa-fé preserva a moralidade administrativa, enquanto a má-fé do ato desvia os efeitos pretendidos para norma, por mais que, por aparência, a norma seja respeitada.

Assim, no seu voto o Ministro Relator, citando o acórdão do TJSP, conclui que:

"Realmente, o princípio da proibição do enriquecimento ilícito tem suas raízes na equidade e na moralidade, não podendo ser invocado por quem celebrou contrato com a administração violando o princípio da moralidade administrativa, como admitido no caso.

Como realça Jacinto de Arruda Câmara, ‘caracteriza a improbidade do particular ex-contratado a este não socorrerá qualquer fundamento jurídico para perceber uma indenização pelo que já tiver executado. Nem mesmo o princípio da proibição do enriquecimento sem causa, pois este não pode ser usado em favor de quem age com comprovada má-fé’ (Improbidade Administrativa, Malheiros, 2001, pág 212)’" (grifo nosso).

Atente-se que a equidade e moralidade, citados como "asraízes do enriquecimento sem causa" são ambos pressupostos para o deferimento da indenização. A equidade porque o enriquecimento de um, sem título jurídico que justifique, decorre do empobrecimento de outrem, que merece ser tratado com equidade. E a moralidade, que é extraída da boa-fé do empobrecido, vez que, ignorando a nulidade do contrato, prestou o serviço, face a presunção de legalidade dos atos administrativos.

Ademais, observe-se que a espécie de má-fé suscitada nos autos releva-se bilateral, de ambas as partes contratantes, tanto do Município de Guarulhos representado pelo Prefeito Municipal, como da empresa, da qual o referido Prefeito era sócio majoritário. É o que se chama de conluio.

Celso Antônio Bandeira de Mello, lecionando sobre o tema, assevera que quando as partes estão em conluio não cabe qualquer indenização ao empobrecido, uma vez que este, ciente da ilegalidade do seu ato, assumiu o risco da conduta viciada, senão vejamos:

"O comportamento do administrado em relação à Administração, sua má-fé tanto pode derivar de sua conduta autônoma, nos termos indicados, quanto de conluio, com agentes públicos, tendo em vista o alcance de objetivos vedados pela lei.

Esta última hipótese – a do conluio – é, certamente, da máxima gravidade. Donde, quando menos em hipótese deste jaez, uma vez demonstrada a ocorrência de tal vício, seria de todo em todo inaceitável que o administrado pudesse, em nome do princípio do enriquecimento sem causa, eximir-se ao peso dos dispêndios não acobertados em que haja incorrido. É que, na referida hipótese, - ter-se concertado de má-fé com agentes do Poder Público – seria compreensível o entendimento de que assumiu a correlata álea inerente à mencionada conduta viciosa, isto é, o risco de ser colhido pelo reconhecimento do dolo e apanhado antes de captar qualquer proveito ou até mesmo do ressarcimento das despesas até então efetuadas sob a capa do negócio censurável" [10]. (MELLO, 2006, grifo nosso).

Por fim, convêm acrescentar que o festejado civilista, Caio Mário da Silva Pereira, citando jurisprudência francesa, foi além, ao inclui a ausência de culpa do empobrecido como requisito para configuração do enriquecimento sem causa, ou seja, não basta a ausência de dolo, a mera culpa do empobrecido seria suficiente para fulminar seu direito à indenização, in verbis:

"Assim, é que segundo a jurisprudência francesa, exige-se cinco condições para que se considere o enriquecimento sem causa fonte de obrigações: 1º) o empobrecimento de um e o correlativo enriquecimento de outro 2º) ausência de culpa do empobrecido; 3º) ausência de interesse pessoal do empobrecido; 4º) ausência de causa; 5º) subsidiariedade da ação de locupletamento (de in rem verso), isto é, ausência de uma outra ação pela qual o empobrecido possa obter resultado pretendido." [11] (PEREIRA, 2005, p. 290, grifo nosso).

Sobre o autor
Arthur Porto Carvalho

Advogado da União, membro da Advocacia-Geral da União, pós-graduando no Instituto Brasiliense de Direito Público.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Arthur Porto. O princípio da vedação ao enriquecimento sem causa nos contratos administrativos em julgado do Superior Tribunal De Justiça (REsp 579.541-SP). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2633, 16 set. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17411. Acesso em: 25 nov. 2024.

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