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As lacunas da nova Lei de Drogas

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Agenda 21/09/2010 às 14:21

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Embora nossa atual Lei Antidrogas, Lei nº. 11.343 de 23 de agosto de 2006, ainda seja um diploma legislativo muito jovem, que sequer nos possibilitou uma interpretação consistente de seus efeitos, após as argumentações presentes neste estudo chegamos à conclusão que algumas lacunas ainda foram deixadas pelo legislador pátrio.

Não que esse fato seja um demérito ao diploma legal que, em comparação com as normas anteriores, evoluiu muito e permite atualmente uma resposta penal muito mais eficaz do que há dez anos. Como vimos no capítulo anterior, o progresso da prevenção e da repressão ao tráfico de drogas acompanha a evolução de nossa legislação.

Mas como todo texto legal, a intenção é buscar aquilo que mais se aproxima de um modelo perfeito. Esse é um movimento mundial incentivado pela Organização das Nações Unidas no que diz respeito a delitos transnacionais.

É claro que não podemos simplesmente adotar in totum um modelo estrangeiro, até porque as leis são formuladas de acordo com as realidades do local onde são produzidas. Essas realidades são particulares de cada País e diretamente influenciadas por diversos fatores. Além disso, mesmo as melhores legislações estrangeiras têm seus problemas. É por essa razão que o Escritório da ONU sobre Drogas e Crime tem tanta dificuldade de implantar uma legislação padrão sobre o tema, ou mais propriamente, implantar o modelo de standards contra a criminalidade transnacional.

Por outro lado, através da comparação com a legislação estrangeira, podemos detectar aspectos das legislações antidrogas que, por darem resultado satisfatório, podem ser incorporados ao nosso texto com o intuito de aperfeiçoá-lo.

Aos legisladores e aos operadores do direito como um todo não cabe alternativa: buscar sempre o aperfeiçoamento. Isso por que o outro lado da moeda também reflete esse caminho. A criminalidade evolui à medida que os mecanismos de controle e repressão evoluem. O grande desafio é estar sempre na dianteira.

Sob essa ótica devemos estar sempre atentos e vigilantes, não permitindo que a omissão ou retardo legislativo impeçam o combate a tão danosa forma de criminalidade.

Mas não só o direito comparado se presta como fonte para o preenchimento das lacunas deixadas em nossa legislação. A colheita de dados e a análise posterior dos efeitos do diploma legal também se prestam a essa finalidade.

Além disso, a doutrina formulada pelos operadores do direito merece uma atenção especial, pois são eles que, na prática, primeiro detectam as imperfeições.

Um primeiro aspecto de nossa legislação que poderia ser aperfeiçoado é a natureza de nossa norma. Apesar de ser uma norma mista, cuidando de assuntos administrativos, penais e processual penais, nossa Lei Antidrogas deveria, antes de tudo, ser uma norma híbrida. Deveria prever não somente delitos envolvendo entorpecentes, mas também os delitos conseqüentes, como a lavagem de dinheiro.

A ONU, por meio de suas Convenções – notadamente a de Viena e a de Palermo, incentiva essa miscigenação nas normas.

Não há razão para não possuirmos, no diploma sobre entorpecentes, a definição da figura típica e outros aspectos da lavagem de dinheiro decorrente daquela criminalidade. Hoje é possível no Brasil reprimir a lavagem decorrente do tráfico de drogas, mas através de uma combinação de diplomas legais distintos. Mas não é só o tráfico de drogas que gera a lavagem de dinheiro. Outros delitos também dão ensejo à lavagem. E os delitos são diferentes, específicos. O tráfico de drogas possui uma especificidade muito alta.

Assim, na esteira das normas-padrão das Nações Unidas e da legislação francesa, entendemos que deveria haver um tratamento por nossa legislação sobre a criminalidade que se desdobra naturalmente do tráfico de drogas, notadamente a lavagem de dinheiro.

Não haveria necessidade de extinguir a Lei do Crime Organizado, esta que seria norma geral em relação aos dispositivos previstos na lei de entorpecentes. A isso se denomina norma híbrida.

Ainda sobre a natureza de nossa legislação, nos parece um tanto desnecessária a manutenção de uma lei à parte que cuida do controle de precursores químicos para produção de drogas. Norma essa, ressalte-se, a nosso ver, cheia de imperfeições.

O controle de precursores químicos pode ser considerado mais uma das modernas ferramentas de investigação. Mais que isso, pode ser considerado como a mais moderna ferramenta de prevenção à produção de entorpecentes. É fonte inesgotável de subsídios para os órgãos de controle e prevenção.

Assim, já que o legislador brasileiro se propôs a fazer um diploma legal que abrangesse in totum o assunto drogas, deveria ter reformulado a atual lei de controle de substâncias químicas, Lei nº. 10.357/01, incorporando-a ao novo diploma.

Na órbita penal, nossa atual legislação evoluiu muito, trazendo figuras penais antes sequer previstas. Mas, a nosso ver, ainda carece de algumas melhorias especialmente no tocante às sanções aplicadas.

Ao se falar em enrijecimento de penas no Brasil há uma verdadeira polêmica entre aqueles que defendem indistintamente e aqueles que sustentam sua ineficácia. Não vamos entrar nessa seara. Na verdade há várias formas de agravar um delito sem que necessariamente tenha que se modificar a pena privativa de liberdade. Mas em alguns casos seus limites mínimos e máximos merecem uma revisão.

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Os crimes de tráfico de drogas são crimes graves, de natureza supra-individual. Mediante uma única conduta é possível atingir um número incontável de vítimas. São praticados em razão dos mais vis sentimentos humanos, buscando-se o lucro fácil. Movimentam fortunas em detrimento das pessoas e do Estado. Merecem apenamento adequado.

Mas sem adentrarmos no aspecto pena privativa de liberdade, propomos um endurecimento da pena pecuniária aplicada cumulativamente à pena privativa de liberdade. Isso em razão do aspecto essencialmente comercial que tais delitos trazem.

Nos dias atuais, o chefe de uma organização criminosa que atue no tráfico de drogas é dotado de extraordinária capacidade para o mundo negocial. Por vezes incorpora em suas ações delituosas o próprio prejuízo financeiro que poderá advir em eventual condenação por sua conduta. Esse tipo de traficante, muito comum nos dias de hoje, não suja suas mãos com drogas ou outros delitos, portanto é muito mais difícil levá-lo a uma condenação. Esse aspecto faz com que a atividade ilícita se torne vantajosa, fazendo com que esse tipo de criminoso, mesmo que por ventura condenado, usufrua da vantagem econômica auferida com suas ações delituosas. É necessário desestabilizá-lo onde mais lhe dói.

Tomando por base as legislações francesa e americana, propomos um aumento significativo do valor da pena pecuniária, em fração proporcional ao montante de dinheiro ilegal movimentado por essa criminalidade.

Ainda no campo do sancionamento a esses crimes, propomos uma mudança doutrinária ao que diz respeito à tentativa. E propomos tal mudança sem contrariar a Constituição Federal, os textos legais em vigor ou os conceitos doutrinários sobre o tema.

O que se propõe é a mudança da teoria objetiva ou realística, adotada em nosso Código Penal no art 14, inc. II, segundo a qual o conatus deve ser punido de forma mais branda, para a teoria subjetiva da tentativa, que leva em conta a intenção do agente. Dessa forma, dada a gravidade dessas condutas e a inequívoca intenção da prática, a tentativa deveria ser punida com apenamento integral.

Não se propõe essa mudança de teoria como regra, apenas como exceção a esses crimes. A regra geral no Direito brasileiro seria o da tentativa segundo a teoria objetiva. Para os crimes da Lei Antitóxicos seria o da tentativa segundo a teoria subjetiva.

Isso não viola o princípio da proporcionalidade da pena garantido constitucionalmente, pois a proporcionalidade se dará na fixação dos limites mínimos e máximos da pena, sem redução fixa de um a dois terços. Vale ressaltar que o ordenamento jurídico brasileiro admite tratamento diferenciado para a tentativa na Lei das Contravenções Penais.

Em nosso entendimento, um aspecto crucial da evolução dos diplomas penais foi renegado em nossa lei Antidrogas: a questão da responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes sobre drogas. Muito embora a figura já existisse no Brasil em questões ambientais, no período de discussão do projeto da Lei nº. 11.343/06, a mesma não foi levantada.

As organizações criminosas voltadas para o tráfico de drogas mantêm atualmente uma estrutura negocial, calcada na lavagem de dinheiro. Não é incomum, num processo investigativo, nos depararmos com empresas constituídas exclusivamente para dar suporte à atividade criminosa.

Assim, entendemos que a nossa Lei Antidrogas deveria trazer uma figura penal específica para as pessoas jurídicas, nos moldes da legislação ambiental, com apenamento adequado, visando atacar as organizações criminais voltadas para o tráfico de drogas em todas as suas frentes.

Isso vai ao encontro a modernos conceitos de repressão à criminalidade organizada transnacional, bem como é incentivado pelas Nações Unidas. A legislação francesa possui o apenamento específico para pessoas jurídicas.

A ausência do nomem criminis ou nomem juris nos tipos penais previstos na nossa Lei Antidrogas na lei é um fator que merece mais atenção. A existência de nomenclatura do tipo penal é um elemento valioso na interpretação e delimitação da norma.

Tomemos como exemplo a Lei dos Crimes Hediondos. Lá está previsto que o tráfico ilícito de entorpecentes é um delito equiparado a hediondo, porém a nova Lei Antidrogas, bem como suas antecessoras, não traz o tipo penal "tráfico ilícito de drogas" com esta nomenclatura.

Assim, por segurança jurídica e para evitar interpretações dúbias, seria importante a presença do nomem juris nas figuras penais da nova lei.

Outro aspecto não muito claro no texto da nova lei se dá sobre a condição negativa descrita no Art. 33, §4º. Essa condição é necessária para a verificação de causa de redução de pena, in verbis: "não se dedicar às atividades criminosas".

Não obstante, da forma como está descrita, a verificação fica ao crivo estritamente subjetivo do juiz, o que acarreta grande insegurança jurídica.

Deve-se ressaltar que neste mesmo parágrafo, mais uma vez a lei deixou de definir o que seria atividade ou organização criminosa.

Outro aspecto que deve ser citado é a falha de colocação do crime previsto no art. 39, que foi inserido indevidamente no capítulo dos crimes de produção não autorizada e de tráfico ilícito de drogas.

O crime em comento não se trata de crime contra a saúde pública, mas sim contra incolumidade pública, possuindo similar no Código de Trânsito Brasileiro.

Em questões processuais nossa Lei Antidrogas também evoluiu muito, especialmente no que diz respeito a incorporação de modernos instrumentos de investigação. A lei anterior também tentou fazê-lo, no entanto não de forma tão incisiva como a atual.

Uma questão bastante discutida nas legislações que a prevêem é a infiltração. Tanto na atual Lei Antidrogas como na Lei do Crime Organizado, se critica muito a falta de um dispositivo que claramente expresse a ausência de responsabilidade penal do agente infiltrado por fatos por ele praticados no transcorrer da medida. Essa ausência praticamente inviabiliza a execução da infiltração. No capítulo anterior demonstramos como é difícil encontrar uma decisão judicial que de supedâneo a esse tipo modalidade investigativa.

O agente infiltrado, além de expor sua própria vida ao risco de ser descoberto, ainda fica a mercê de interpretações do curto texto do art. 53, inc. I da Lei nº. 11.343/06. Poderá ele, na execução de seu disfarce, armazenar drogas em sua residência, por exemplo? E como será ele tratado se em interrogatório os membros da quadrilha lhe imputarem fatos não monitorados pela equipe de investigação?

Toda essa insegurança surge na descrença que determinadas parcelas da sociedade têm na Polícia. E dessa forma, não é razoável deixar à própria sorte no Judiciário quem tanto se arriscou na execução de seu trabalho. Como já mencionamos nesse estudo, é impossível prever tudo o que poderá ocorrer numa ação como essa. Assim, a saída mais adequada para isso é não utilizar a técnica.

Para resumir, formalmente existe a possibilidade de uso de tão moderna ferramenta investigativa mas, na prática, ela não existe.

Mas seria muito fácil dar eficácia a esse dispositivo. Bastaria que houvesse, como há na lei chilena, um artigo dispondo claramente sobre a isenção de responsabilidade penal do agente encoberto.

Ainda com relação ao agente infiltrado, seria muito salutar que também fosse conferido a ele os mesmos benefícios concedidos ao réu colaborador ou a testemunha.

Como citado, o desenrolar de uma diligência como essa é imprevisível. Portanto, não se pode, após a realização do trabalho, esquecer o quão importante foi a participação desse agente na consecução do mesmo. E se nem todos os membros da organização forem presos? E após o cumprimento da pena?

Os benefícios não poderiam ser dados apenas ao agente infiltrado. Essa garantia teria de ser estendida a seus familiares e a todos os que atuaram, direta ou indiretamente na medida.

Além disso, precisaria ser a mais ampla possível, incluindo aspectos processuais como a proibição de juntada nos autos dos dados qualificativos do agente infiltrado, seja em depoimentos, seja em monitoramento eletrônico, entre outros.

No que diz respeito à entrega controlada, um ajuste deveria ser feito em nossa legislação.

Deveríamos adotar a possibilidade de continuidade da medida sem que a substância entorpecente estivesse presente durante todo o tempo. Essa prática é comum em países que adotam a common Law. Também está presente na legislação chilena antidrogas.

Sem que a substância esteja presente será possível executar a medida sem o risco de, no caso de insucesso, a droga entrar efetivamente em circulação. O maior problema é a força probante do desdobramento da medida, uma vez que os receptores da substância alegarão que não iriam receber substância entorpecente. No entanto, isso pode ser sanado com diligências preliminares a serem executadas antes da substituição, com colocação de elementos eletrônicos, filmagem da medida, colocação de simulacro, entre outros.

Poderá haver argumentação que se trata-se de flagrante preparado, mas a rigor, com um conjunto de medidas preliminares, cairá por terra tal alegação.

A utilização de tão sofisticada técnica de investigação pode alcançar resultados muito maiores do que na forma clássica, onde quase nunca era possível chegar aos receptores da droga. Dessa forma, utilizando tal ferramenta e minimizando os riscos inerentes à medida, obteríamos a modelagem ideal para as investigações.

Outro ponto a ser pensado na parte processual da atual Lei Antidrogas é o que diz respeito à inclusão de dispositivos específicos para a interceptação telefônica ou telemática nos casos envolvendo entorpecentes.

Atualmente ocorre um processo de mudança da lei brasileira que regula a interceptação de comunicações e a tendência é de redução de seus limites. Ocorre que, como mencionado sobre a lavagem de dinheiro, o crime de tráfico de drogas é um delito específico, que possui detalhes só presentes em sua execução. Sua alta gravidade enseja uma sistemática diferenciada para sua investigação.

Dessa forma, propomos a inclusão, na Lei Antidrogas, de dispositivos que garantam um prazo maior do que o da regra geral para o monitoramento em investigação sobre drogas, bem como a possibilidade de múltiplas prorrogações. Seria importante que houvesse prioridade por parte das operadoras na implantação de medidas dessa natureza. Além disso, o acesso a dados cadastrais e elementos de identificação dos aparelhos e rastreio por antenas deveria ser incluído como decorrência lógica da autorização de monitoramento.

Com relação à delação premiada prevista no art. 41, deixou o legislador de disciplinar a realização do ato. Não descreveu a forma, condições e cláusulas que garantissem a fidedignidade do ato a fim de evitar delações levianas.

Outro aspecto sobre a delação premiada, diz respeito ao retrocesso em relação à mesma modalidade prevista na anterior Lei nº.10.409/02. Nesta, a delação poderia ter como conseqüência o sobrestamento das investigações, o perdão judicial e a diminuição de pena. Já a nova lei, apenas prevê a possibilidade de diminuição de pena, o que torna sua aplicação menos atrativa pelos criminosos.

Por fim, gostaríamos de evidenciar mais um elemento que no nosso entender, se adotado pela legislação brasileira, seria de grande valia no combate ao tráfico de drogas.

Diz respeito a permitir a extradição de condenados por tráfico de drogas, ainda que não exista reciprocidade do país requerente ou tratado específico para esse fim, respeitando-se, obviamente, a impossibilidade de extradição do brasileiro nato.

Essa medida seria salutar pois atenderia os preceitos de cooperação jurídica internacional e permitiria a aplicação universal do direito penal, especialmente no tocante a delitos envolvendo entorpecentes.

Após inúmeras alterações legislativas sobre o tráfico de drogas, de um simples dispositivo previsto no Código Penal a uma lei extremante moderna, o Brasil continua sendo considerado um importante corredor de passagem de drogas e substâncias ilícitas. Esse fato, que se por um lado não estabelece nosso País como mercado produtor ou consumidor, por outro nos posiciona de forma estratégica na luta mundial no combate ao narcotráfico. E essa luta deve ser aperfeiçoada diariamente.

Sobre o autor
Gilberto José Pinheiro Júnior

Delegado de Polícia Federal. Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Mackenzie. Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministério Público de São Paulo. Professor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PINHEIRO JÚNIOR, Gilberto José. As lacunas da nova Lei de Drogas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2638, 21 set. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17423. Acesso em: 25 dez. 2024.

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