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Dignidade da pessoa humana: uma prerrogativa de todos

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Agenda 25/09/2010 às 11:22

CONSTITUCIONALISMO MODERNO: A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A AMPLIAÇÃO DO CONCEITO COM A CRISE DO LIBERALISMO

Embora os preceitos acerca da Dignidade Humana sejam referidos desde a Idade Antiga, o fenômeno legislativo do preceito é uma particularidade do Constitucionalismo Moderno. Um movimento iniciado com a promulgação da Magna Carta [31], na qual já se percebe os elementos essenciais de constituição do Estado: limitação de poder e declaração dos Direitos Fundamentais.

Conquanto iniciado no século XIII, fato é que o Constitucionalismo se consolida nos séculos XVII e XVIII com o advento das Revoluções Burguesas, notadamente a Francesa, cujo marco temporal é a "Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão" [32].

A alusão ao Constitucionalismo Moderno precisa ser bem compreendida. Sua consolidação se dá com as Revoluções Burguesas, de marca liberal. O sucedâneo lógico da elevação deste matiz ideológico, por evidente, foi um período de intenso liberalismo econômico, que marca o início da Idade Contemporânea. Direitos Individuais, nesta quadra, significavam poder fazer tudo. Fazer de tudo e com as bênçãos de um Estado obrigatoriamente omisso.

O Constitucionalismo Moderno, em sua vertente inicial, consagra um modelo individualista. Para proteger os cidadãos dos abusos estatais, os Direitos Individuais são pensados como escudos. Escudos contra o arbítrio do Estado, significando muito pouco em relação aos pares sociais.

Como os Direitos Individuais diziam diretamente com a possibilidade do "deixa fazer, deixa passar, deixa estar", abusos são percebidos. Por isto mesmo foi preciso, logo no início de nossa era, surgir legislações voltadas para a contenção de abusos. Esta primazia é creditada à Moral and Health Act [33]. Ao limitar a jornada de trabalho dos menores a 12 horas por dia, assenta que o Direito do Trabalho é "fruto da interação do fato econômico com a questão social." [34]

O marco inicial da Idade Contemporânea, como se sedimenta, foi o liberalismo. Liberdade, que marca o ponto de partida do tripé estrutural da Revolução Francesa, configurou-se em um molde cujo correspondente necessário era a propriedade privada e a omissão estatal, caracterizando os "Direitos Humanos de Primeira Dimensão" [35]. Vivia-se, então, um momento de notória elevação do valor individual [36]. Um momento em cada particular podia fazer praticamente tudo sem que o Estado se opusesse à sua atuação. Uma ocasião em que foi comum a exploração do semelhante pelo semelhante.

No liberalismo inicial a idéia de propriedade privada sobejava. Por conseguinte se vivenciava o afastamento estatal. Uma resposta à formatação absolutista vivida, onde primeiro e segundo estados – clero e nobreza – representavam real empecilho para o exercício das liberdades individuais da população.

Com o constitucionalismo liberal o cidadão passa a ser juridicamente livre para se expressar, locomover e buscar recursos econômicos como quiser. Em essência, busca segurança nas relações jurídicas e proteção do indivíduo contra o Estado, o que se pensou possível pela vivência do liberalismo, enfatizando que as Leis de Mercado – como pretendeu Adam Smith no seu Natureza e Causas da Riqueza das Nações [37]fossem a base de todos os relacionamentos sociais.

O liberalismo pretendido mostrou não ser tão eficaz como anunciado. Em nome da liberdade abusos foram cometidos. Não se tem como negar sua efetividade no contexto em que o melhor para o indivíduo era o que lhe atendia. É de se reconhecer seu papel em uma sociedade focada nos direitos subjetivos como marca da individualidade. Uma marca que deve ser repensada na quadra da solidariedade, já que o exercício dos Direitos Individuais não pode ser manto a permitir que um indivíduo passe por sobre outro.

O momento atual é propício para se (re)pensar o direito. A noção de sociabilidade é importante. Importante também é a idéia de Direitos Individuais. Destas considerações, é de se ter que o direito precisa assumir sua função conciliatória. As prerrogativas individuais ligadas aos Direitos da Personalidade têm de ser resguardadas a fim de que a pessoa não se perca no tecido social. A um só tempo, este tecido social deve ser preservado. Em meio a esta contradição dialética, o direito precisa se fazer agregador e conciliador.

A Dignidade da Pessoa Humana, cuja possibilidade de encampamento legislativo adveio das Revoluções Burguesas (e da consideração individual que esta propôs), carece ser repensada em um contexto de afirmação de prerrogativas pós-materiais. Não mais interessa um direito que se volte apenas para a garantia de direitos subjetivos como possibilidade de apropriação. Não há dúvidas de que o exercício de direitos, como os da personalidade, permite a apropriação do ter. É de se deixar claro, todavia, que a garantia do ter não é mais o único objetivo do direito.

A noção de Dignidade, que no início da Idade Contemporânea se contentava com a igualdade formal, volta-se hoje em dia para a realização da autonomia e da racionalidade. Por isto não se pode perder de mente que o valor do direito está no fato de este se voltar para o Ser Humano, que é sua razão e fundamento.

O fundamento dos Direitos do Homem não é outro senão o próprio homem, "considerado em sua Dignidade substancial de pessoa" [38]. O homem, "ser cujo valor ético é superior a todos os demais no mundo" [39], deve ter garantido para si um mínimo de direitos, restando evidenciado que a Dignidade deve ser tomada por pilar essencial.

Retomando as noções acerca do Constitucionalismo Moderno, é de se dizer que a partir deste movimento a quase totalidade das Constituições passaram a apresentar a Pessoa Humana como norma fundamental, mesmo que de modo implícito. De modo expresso, é de se dizer, o preceito passou a integrar os textos constitucionais no período posterior à segunda Guerra Mundial [40], influenciados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 [41].

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Nos Estados Democráticos de Direito do pós-guerra pode se destacar a Lei Fundamental de Bonn [42], em que já se consagrava ser "a Dignidade do homem intangível". No seguimento histórico devem ser destacadas as Constituições Portuguesa (1976) e Espanhola (1978).

Com o fim do comunismo no leste europeu, países de diretrizes totalitárias passaram a inserir nos textos magnos a Dignidade da Pessoa Humana como princípio fundamental, exemplo de Croácia, Romênia, Letônia, Estônia, Lituânia, República Tcheca e Rússia.

A partir do segundo pós-guerra, ao menos no plano das leis, a concepção de que o respeito ao Ser Humano deve ocupar o centro de toda e qualquer atividade desenvolvida ganha força. Esta constatação rompe com as fronteiras do Estado Liberal para apresentar um modelo onde os valores essenciais ao Ser Humano são fundamentos da nova soberania. Desta forma os princípios informadores do Estado Democrático (Cidadania e Dignidade da Pessoa Humana) são trazidos para a realidade constitucional e passam a ser exigíveis no plano jurídico.

Nos dias de hoje temos claro que a Dignidade da Pessoa Humana é base da ordem jurídica, sendo elo a unir regras, princípios e valores que informam a atividade jurisdicional, legislativa e executiva. Esta fundamentalidade se apresenta importante e confere ao direito um objeto. Um elemento a que deve se voltar e reportar, sempre.

Não há qualquer dúvida sobre a importância da Dignidade da Pessoa Humana para a ordem jurídica de todos os países democráticos nos dias de hoje. Os valores atinentes a si foram percebidos e encampados pelas ordens jurídicas mundo afora. Esta percepção é um fato, pelo menos no plano legislativo-constitucional. Na realidade do Judiciário, contudo, há casos de negação da própria tutela jurisdicional, marco mínimo do Estado de Direito, como ocorreu no caso do jogador Richarlyson, sobre o qual assim se manifestou o magistrado: "quem é ou foi boleiro sabe muito bem que estas infelizes colocações exigem réplica imediata, instantânea, mas diretamente entre o ofensor e o ofendido, num tête-à-tête" [43].

Do que se expôs, e da consideração de que o fenômeno legislativo sobre a Dignidade da Pessoa Humana aponta para apreensão do conceito, e não criação, lição esposada pela professora Carmem Lúcia [44], mostra-se importante que entendamos as linhas de pensamento que apresentam uma estruturação para o princípio, destacando-se os pensamentos cristão e kantiano.


DIGNIDADE HUMANA NA PERSPECTIVA CRISTÃ

A noção de Dignidade da Pessoa Humana, para o cristianismo, parte da origem divina do homem, quando lhe teria sido atribuída destinação superior. Esta destinação decorreria de sua criação à imagem e semelhança de Deus [45] e do dever de dominar [46] a terra e os animais, anúncios inscritos no livro de Gêneses, que abre as Sagradas Escrituras.

Na perspectiva tracejada, a Dignidade se apresenta como um sucedâneo da vontade divina, manifestada no fato de o homem ter corpo e alma. Por ter corpo e alma seria reflexo do divino. Uma reflexidade que, entre outras coisas, dita a condição de dignidade e de superioridade do homem em relação a toda ordem de animais e coisas.

A noção de criação nos apresenta uma dimensão qualitativa. Em relação aos demais seres uma superioridade patente, daí o dever de dominação. Em relação aos seres humanos, contudo, uma igualdade substancial. Assim, "nenhum indivíduo possuiria maior ou menor grau de Dignidade" [47]. Todo homem é criado à imagem e semelhança de Deus, não se justificando diferenciações de nenhuma ordem.

A questão da Dignidade da Pessoa Humana na perspectiva Cristã se apresenta como um paradoxo, afinal, se todos são frutos da criação divina, como pode ter sido legitimada por anos a fio a escravidão? Mais paradoxal ainda foi a situação da escravidão no Brasil, já que o registro dos escravos, assim como qualquer registro público, era feito dentro das paróquias, fato mantido na sua integralidade até a década de 1870 [48].

Feita a digressão em razão do contratempo histórico da escravidão no caminho da consolidação da Dignidade da Pessoa Humana, não se pode deixar de considerar que a proposição religiosa implica na aceitação da idéia do criacionismo e de noções metafísicas. A par da questão que envolve dogmas, contudo, parece producente a aceitação racional de que todos são iguais nas questões fundamentais.

A racionalidade aventada é referida também na perspectiva de Kant. A perspectiva Cristã, contudo, consoante o professor Cleber Francisco Alves, aponta que o Ser Humano não pode ser reduzido à sua dimensão material, econômica ou social, devendo se considerar a dimensão psíquica e espiritual:

"não se pode olvidar que a noção de Dignidade humana está visceralmente fundada numa autêntica compreensão do que é o homem, e a respeito do verdadeiro sentido de sua vida, sentido esse que não pode ser encontrado apenas numa perspectiva reduzida à sua dimensão material, econômica ou social, mas deve ser respondido também quanto à dimensão psíquica e espiritual, voltada para o transcendente, indissociável em sua natureza." [49](destacou-se)

Na lição colacionada a idéia de transcendência é apontada como basilar. Um suposto para a compreensão do que é o homem e do sentido de sua vida. É uma explicação razoável para os que se afinam ideologicamente com os ensinamentos da Igreja de Roma. Por apontar fundamentos que transpassam à noção física da existência, todavia, poderá ser rejeitada, como, aliás, procede Nietzsche:

"nem a moralidade e nem a religião têm qualquer ponto de contato com a realidade. O Cristianismo oferece causas puramente imaginárias ("Deus", "alma", "ego", "espírito", "livre-arbítrio" – ou mesmo "não livre") e efeitos puramente imaginários ("pecado", "salvação", "graça", "castigo", "perdão dos pecados"). [50]. (destacou-se)

Ainda que se rejeite a idéia da Dignidade Humana a partir da referência Cristã, não restam dúvidas de que temos nos dias de hoje um momento histórico singular para a recolocação do direito como protetor e mantenedor da pessoa. Um momento em que se pode dizer que a pessoa é razão e objetivo do Direito.

A perspectiva Cristã foi tracejada. Não se pretendeu esgotar o tema por razões metodológicas e instrumentais evidentes. O que se quis foi trazer apontamentos sobre a influência do cristianismo para o desenvolvimento do conceito da Dignidade da Pessoa Humana. Por isto, idéias sobre a criação (elevação de Dignidade que decorreria do fato da semelhança com o criador e da destinação de dominador), a necessária transcendência, proposta pelo professor Cleber Alves, e a racional proposição de que o cristianismo não teria criado, mas concatenado a partir da reflexão, lições que engrandecem a condição humana.

Feitos os comentários sobre a lição do cristianismo para a doutrina da Dignidade da Pessoa Humana, tem-se que o matiz kantiano é importante para o estudo do tema. Por isto mesmo, passa-se neste momento ao enfrentamento deste preceito sob o enfoque de Kant.


A PERSPECTIVA KANTIANA DA DIGNIDADE

A leitura cristã do Ser Humano, atribuindo-lhe personalidade, foi fundamental para a filosofia e o direito desenvolverem a proteção da Dignidade da Pessoa Humana e dos Direitos da Personalidade. Diz-se isto porque, antes da doutrina Cristã, nada havia no plano das idéias que limitasse a priori as medidas de caráter excludente.

Os conceitos cristãos sobre a pessoa foram secularizados de modo característico a partir da Idade Moderna, quando a filosofia incorpora elementos desta vertente de pensamento às suas bases, especialmente no Iluminismo. Este movimento, conquanto visasse à racionalidade, partia da consideração do indivíduo, no que pôde contar com as reflexões do cristianismo.

Esta incorporação, associada ao discurso laico [51], aponta no sentido de que os fundamentos da tutela da pessoa devem ser seculares, ainda que a base seja metafísica nos primórdios. Esta fundamentação laica se faz necessária em razão da lógica do pluralismo social contemporâneo, que aponta no sentido da aceitação da diversidade.

Vista a necessidade de um discurso secular acerca da Dignidade da Pessoa Humana, mostra-se basilar se trazer à colação a contribuição de Kant, para quem são fundamentos da Dignidade a igualdade e a racionalidade [52]. A todos se confere igualdade perante a lei. A racionalidade [53], de igual modo, integra o patrimônio ético de todos. Mesmo que se pense em igualdade formal, não se pode negar que a igualdade é um componente necessário da fórmula da Dignidade.

Pelo que se observou até aqui, a idéia de isonomia é recorrente quando se quer resguardar a Dignidade da Pessoa Humana. Na lição kantiana, todavia, a nuança metafísica não subsiste. A igualdade aventada se resolve no plano material e decorre da racionalidade que é própria do Ser Humano. Dignidade diz com igualdade, racionalidade e autonomia, não importando para a consolidação do conceito eventual vida além do plano terreno, reclamada na perspectiva cristã ao construir seu conceito sobre o tema.

Além de igualdade, racionalidade e autonomia, Kant avança na discussão sobre a Dignidade da Pessoa Humana oferecendo um elemento distintivo: a blindagem à pecúnia. A não-monetarização é um diferencial destacado na lição kantiana. Um traço a afirmar que a Dignidade está fora do que pode ser mensurado financeiramente. O que tem preço está fora do campo da Dignidade e o que tem Dignidade não tem preço [54].

Dignidade é, desta forma, o valor que reveste o que não se aprecia. O que não é passível de ser substituído está no campo da Dignidade, enquanto qualidade inerente aos seres humanos, entes morais. É ligada de forma indissociável, então, à autonomia para o exercício da razão. Exatamente por isto apenas os seres humanos são revestidos deste traço distintivo.

A noção de apreciabilidade – no sentido de se aferir preço – é repetida pelo professor Rabenhorst ao enfrentar o tema Dignidade da Pessoa Humana. Sua lição é precisa em afirmar que, no reino das finalidades humanas, tudo [55], ou tem preço, ou tem Dignidade.

O que tem preço pode ser comparado, comprado e trocado. O que tem Dignidade não. A Dignidade funciona, desta forma, como um atributo daquilo que não é passível de substituição, comparação ou compra. Seria o elemento a impedir a "objetificação" do homem, à medida que é o único racional e dotado de autonomia.

Por ser dotado de autonomia, o Ser Humano é capaz de fazer escolhas. Fazer escolhas diz com o exercício da Dignidade. Sendo assim, considerando que o regime da Dignidade da Pessoa Humana está no vértice do ordenamento jurídico, todas as questões precisam ser pensadas a partir desta referência. As liberdades individuais devem ser respeitadas. Não apenas a liberdade oriunda do pensamento burguês liberal que brinda com a mercancia, mas a liberdade de se "ser quem é", na perspectiva essencialista, e de "ser quem se quer ser", numa perspectiva antropológica.

Retomando a lição do professor Rabenhorst, tem-se que "a Dignidade Humana se funda no lugar que o homem ocupa na escala dos seres." [56] Assim como na perspectiva Cristã há para o homem uma situação de precedência em relação aos demais seres. A precedência é comum, mas parte de fundamentos próprios. Em Kant da noção de racionalidade. Na lição do cristianismo da criação e do dever de dominação.

Dignidade, na linha percorrida, é um atributo do homem. É algo que do homem faz parte e o torna merecedor de um mínimo de direitos. Um valor que não pode ser trocado por nenhum outro porque não possui equivalentes. Um valor absoluto e interior.

Sendo os valores afeitos à Dignidade da Pessoa Humana absolutos, já que inseridos no plano interior do indivíduo, é de se inferir que tudo mais na realidade dos seres pode ser relativizado. Como tudo mais pode ser relativizado, tem-se que a Dignidade da Pessoa Humana possui lócus próprio, associado ao exercício das liberdades fundamentais a partir da autonomia e racionalidade.

A Dignidade da Pessoa Humana, como se vê, aduz para o que não pode ser mensurado no plano pecuniário. Disto se tem que o ser se realiza em si e no contato com o outro. Ter é, sim, importante. É importante e necessário enquanto elemento que corrobora para que a pessoa tenha sua existência plena. Com o ter o ser pode estar mais bem abrigado, com a intimidade preservada, mas o ser precede a propriedade. Desta forma, tudo o que é monetarizável se mostra importante e valorado por ressaltar o que não é. De per si o ter é substituível, trocável e perecível.

Na linha tracejada se mostra producente se trazer à colação a lição de Alino Lorenzon no seu Atualidade do Pensamento de Emmanuel Mounier. A noção de Dignidade nele debatida cuida do enfrentamento do ter e do ser a partir da perspectiva da propriedade. Verbis:

"A dupla função da propriedade mostra que o Ser Humano precisa, primeiramente, dum necessário vital, indispensável à subsistência física, e, em seguida, dum necessário pessoal, isto é, dum conjunto de condições e de bens destinados à pessoa em comunidade." [57]

Não se pode perder de vista, portanto, que o ter é importante enquanto elemento de fomento do ser. Não se pode esquecer que é a Dignidade, e não o que gravita em torno dela, que sustenta o ser. Nesta linha, e como já se disse, a propriedade possui importância essencial, mas decorre do regime da Dignidade, e não o contrário. Não se pode perder de vista que há Dignidade sem propriedade.

Como qualidade intrínseca do homem de se determinar, a Dignidade "é irrenunciável e inalienável, constituindo elemento que qualifica o Ser Humano como tal e dele não pode ser destacado." [58]

A proposição colacionada deve ser entendida de forma potencial: a potencialidade que todo Ser Humano tem de se autodeterminar. Esta potencialidade não requer, todavia, efetivação. Todo Ser Humano nasce com essa propensão e a efetivação é conjuntura. Não é na efetivação que se reconhece ao Ser Humano a condição de Dignidade, mas na potencialidade de efetivação.

A Dignidade da Pessoa Humana é, nesta medida, uma propriedade natural que assegura idêntico valor a todos os seres humanos. Disto decorre a lição de Rabenhorst no sentido de que até mesmo os homens privados de razão não podem ser esbulhados da condição de dotados de Dignidade. Nestes casos a solução consistiria em dizer que "a racionalidade permaneceria em estágio potencial." [59]

O reconhecimento da Dignidade em abstrato, tal como proposto, aponta em uma direção dúplice: de um lado assinala o poder de fazer escolhas e exercitar a autonomia; do outro o direito de ser respeitado pelo Estado e pela comunidade [60]. Não mais apenas como uma garantia dos Direitos Humanos de Primeira Dimensão, que diziam como a abstenção do Estado. O que se quer agora não é a omissão estatal, mas sim o respeito por parte deste para que pessoas se realizem. Um respeito que pode ser cobrado do Estado e de toda a comunidade humana.

Independente da referência de que se parta, a Dignidade implicará em uma situação de isonomia frente à ordem social e jurídica. Uma situação de igualdade que advém do reconhecimento fático de que, na essência, o Ser Humano é, antes de tudo, Pessoa Humana.

No sentido do que se colacionou e como todo Ser Humano é Pessoa Humana, resta impossibilitada a negação da Dignidade de quem quer que seja. Neste ponto o direito retoma uma direção que para nós é essencial. A direção do reconhecimento de que este só faz sentido quando se volta para a realização do Ser Humano. Um reconhecimento de que a pessoa é seu começo, meio e fim e que este deve se aparelhar para que suas disposições não seja apenas "papel pintado com tinta" [61], consoante Eros Grau.

Sobre o autor
Alessandro Marques de Siqueira

Mestrando em Direito Constitucional pela UNESA. Professor da Escola de Administração Judiciária do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Professor convidado da Pós-Graduação na Universidade Cândido Mendes em parceria com a Escola Superior de Advocacia da OAB/RJ na cidade de Petrópolis. Associado ao CONPEDI - Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito. Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Petrópolis.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SIQUEIRA, Alessandro Marques. Dignidade da pessoa humana: uma prerrogativa de todos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2642, 25 set. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17485. Acesso em: 22 nov. 2024.

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