Resumo: As linhas que se seguem têm por objeto analisar os requisitos que caracterizam o instituto do erro, em especial no tocante à exigência da denominada "escusabilidade". A partir da constatação da mudança de perspectiva operada pelo Código Civil de 2002, em contraposição aos parâmetros estabelecidos pelo diploma de 1916, será possível proceder à investigação específica sobre o julgado recentemente proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial n. 744.311-MT, que diz respeito à suposta incidência do erro sobre um negócio jurídico celebrado por uma instituição financeira.
Palavras-chave: Vícios dos negócios jurídicos. Erro e seus requisitos: essencialidade, cognoscibilidade. Dispensa da escusabilidade. Teoria da confiança. Boa-fé objetiva. Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
Sumário: 1. Considerações iniciais; 2. Os vícios dos negócios jurídicos; 3. O erro como defeito negocial; 4. Requisitos do erro; 4.1. Essencialidade; 4.2. Cognoscibilidade; 4.3. A dispensa da escusabilidade; 5. Análise do acórdão proferido pelo STJ no Recurso Especial n. 744.311-MT; 6. Considerações finais; 7. Referências bibliográficas.
1. Considerações iniciais
De acordo com nota divulgada no portal do Superior Tribunal de Justiça (doravante STJ) [01], um banco, autor da ação, não conseguiu anular a transferência de uma fazenda, cuja localização geográfica real divergia da que constava na escritura. A transferência foi feita para saldar o débito de um particular com a instituição financeira, mas verificou-se depois que a área indicada, na realidade, pertencia a terceiros. Irresignado, o banco argumentou a incidência de erro substancial no contrato, com o objetivo de anulá-lo, mas a Quarta Turma do STJ não reconheceu a ocorrência do vício.
A decisão proferida pelo STJ serviu como ponto de partida para o desenvolvimento deste trabalho. O propósito, aqui, será o de suscitar a problemática referente aos requisitos que caracterizam o instituto do erro, com base nos preceitos que regem a matéria no Código Civil de 2002 e nos princípios que disciplinam os contratos no ordenamento jurídico brasileiro.
Antes que sejam alçadas conclusões sobre o teor do julgado emanado do STJ, é preciso investigar a principiologia negocial inaugurada pelo novo Código Civil, com especial relevo para o princípio da boa-fé objetiva e a teoria da confiança. Assentadas tais premissas, analisaremos o caso submetido ao crivo do STJ à luz das disposições legais que regem a disciplina em apreço.
2. Os vícios dos negócios jurídicos
Os negócios jurídicos são atos voluntários, destinados à produção de efeitos na órbita jurídica. A declaração de vontade, todavia, não constitui pressuposto único de formação dos negócios jurídicos. Sua constituição depende da congregação de três fatores: a emissão de vontade dos agentes, os efeitos jurídicos por eles desejados e a aprovação do ordenamento jurídico. [02] Conjugados esses elementos, existirá um negócio jurídico que, para ser válido, há de conter determinadas especificidades, cuja inobservância pode acarretar a nulidade ou a anulabilidade do negócio, conforme o caso.
É possível, pois, que o negócio jurídico se constitua, embora de forma defeituosa, em razão da verificação de algum vício que impede que ele produza efeitos da forma como pretendem os interessados.
Diz-se viciado o negócio jurídico quando a vontade que o gera é mal formada ou mal externada (são os chamados vícios da vontade ou do consentimento) ou quando se tem em mira enganar ou prejudicar terceiros (caracterizando os denominados vícios sociais). Enquanto nos primeiros a declaração de vontade efetivada pelo agente é feita em desacordo com a realidade, quer porque o declarante a desconhece (ignorância), quer porque tenha uma representação equivocada dessa realidade (erro), ou ainda porque o desacordo é provocado por malícia de outrem (dolo) ou há ameaça (coação), nos derradeiros a manifestação de vontade encontra consonância com a real intenção do agente, sendo, porém, voltada ao prejuízo de outrem, seja por conluio entre os agentes (simulação), ou ainda pela conduta do declarante que acarreta a diminuição de seu patrimônio, em prejuízo de seus credores (fraude contra credores). Tem-se, assim, que nos vícios sociais não há prejuízo para qualquer das partes que celebram o negócio jurídico, mas sim para terceiros.
Uma vez constatada a presença dos vícios do consentimento – entre os quais figura o erro –, estabelece o art. 171, II do Código Civil [03] a anulabilidade do ato. Permite-se ao interessado que cai em erro, portanto, que reclame judicialmente a anulação do negócio, pretensão que deve ser deduzida em consonância com o prazo decadencial de 4 anos estipulado pelo art. 178, II do Código Civil [04], que deve fluir a partir da data da celebração do ato.
3. O erro como defeito negocial
Quando o agente desconhece a realidade (ignorância) ou a representa de forma equivocada (erro propriamente dito), incide a possibilidade de anulação do negócio jurídico realizado, desde que o equívoco na formação ou manifestação de vontade seja conhecido ou ao menos passível de conhecimento pela parte que a recebe.
Diante da figura do erro, a vontade é em si deturpada ou não é externada em sintonia com a real intenção do declarante. A falsa percepção da realidade, aqui, é fruto do engano surgido na mente do próprio indivíduo que declara sua vontade, sem que tenha ele sido induzido por outrem a idealizar a equivocada aparência sobre as circunstâncias do negócio visado.
4. Requisitos do erro
O art. 138 do Código Civil estabelece que o erro, para dar ensejo à anulação do negócio jurídico, há de ser substancial, ou seja, essencial. [05] Além da essencialidade do erro, deverá haver a sua cognoscibilidade pela outra parte, perfilhando o Código Civil, neste particular, a teoria da confiança.
A teoria da confiança tem por base a verificação da discrepância entre a vontade real do agente e a sua equivocada manifestação não sob o ponto de vista do declarante, isto é, daquele que emite a declaração de vontade, mas sob a ótica da conduta de quem a recebe. Por isso, mais relevante do que verificar a intensidade do erro cometido pelo declarante, se leve ou grosseiro, torna-se fundamental apreciar se o engano de um negociante poderia ter sido percebido pelo outro, tomando-se por base o que um homem comum – ou pessoa de diligência normal, na dicção do Código Civil de 2002 – seria capaz de notar.
A tutela da confiança requer a proteção da pessoa que tenha acreditado na declaração de outrem, mesmo que ela tenha sido mal formada ou mal externada. [06] Exatamente em função disso, muito se discute sobre a incidência ou não da escusabilidade como requisito do erro invalidante, uma vez que não se leva em consideração somente a divergência entre a real intenção do emitente e o conteúdo da declaração externada, mas também o comportamento de quem a recebe, cabendo analisar se este se manteve de boa-fé em sua expectativa de vinculação, ou se de alguma forma concorreu com culpa no evento. [07]
Analisemos, pois, os requisitos legalmente exigidos para a configuração do instituto do erro.
4.1 Essencialidade
Erro essencial é aquele que exerce função primordial na determinação da vontade do agente. Caso este conhecesse a realidade das circunstâncias que compõem o negócio jurídico, teria se negado a concluí-lo, ao menos nos moldes em que o fez. Distingue-se, portanto, o erro essencial do erro acidental, pois este recai sobre motivos ou qualidades secundárias do objeto ou da pessoa a que o negócio se refere, não alterando sua validade. O erro meramente acidental não tem o condão de anular o negócio celebrado.
O art. 139 do novo Código Civil, em seus três incisos, passa a determinar sob quais circunstâncias o erro pode ser considerado substancial. No inciso I, trata do erro em relação à natureza do negócio, ao objeto sobre o qual ele recai ou a alguma das qualidades a ele essenciais; o inciso II cuida do erro quanto à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem a declaração de vontade é dirigida; por fim, o inciso III, novidade legislativa em relação ao diploma revogado, trata do erro de direito. [08]
No erro quanto à natureza do negócio, o agente o realiza sob equívoco em relação à própria espécie negocial em causa. A categoria jurídica visualizada por uma das partes não coincide com o desígnio negocial pretendido pela outra.
Por sua vez, o erro quanto ao objeto principal da declaração ocorre nos casos em que o indivíduo acredita que o negócio respeita a determinado bem, quando na verdade a negociação recai sobre coisa diversa da pretendida.
O erro quanto a alguma das qualidades essenciais ao objeto visado se dá, por fim, caso realmente se pretenda que o negócio recaia sobre determinado bem, ao qual são imputados, contudo, certos atributos que, na realidade, não existem. Cite-se um exemplo singelo: um indivíduo, com a intenção de adquirir um veículo apto a participar de competições esportivas, acaba por escolher um automóvel de passeio. O erro não incide sobre o objeto em si, pois o agente, de fato, pretendia comprar o veículo escolhido. O engano é dirigido às qualidades desse objeto, que não serve aos fins visados pelo adquirente.
Já no erro quanto à identidade ou à qualidade essencial da pessoa, o declarante tanto pode celebrar o negócio pensando ser o declaratário outra pessoa, como pode pretender realizá-lo com a própria contraparte, falsamente atribuindo-lhe qualidade que ela, na verdade, não possui. Ressalte-se que a qualidade da pessoa deve influir de modo relevante na realização do negócio para que este seja anulável, donde se conclui que, naturalmente, o erro sobre a pessoa se manifesta em negócios jurídicos celebrados intuitu personae. Esta modalidade de vício se apresenta com especial relevo na seara matrimonial, enumerando o art. 1.557 do Código Civil quatro hipóteses em que pode haver erro essencial quanto à pessoa do outro cônjuge. A título de exemplo, o indivíduo que desconhecia a prática de crime anterior ao casamento por seu consorte pode pleitear a anulação do matrimônio, desde que, em função deste fato, se torne insuportável a manutenção da relação conjugal.
O erro de direito, por seu turno, corresponde à ignorância ou má compreensão dos ditames contidos nas normas jurídicas. O erro somente é admitido nessa hipótese se não implicar recusa à aplicação da lei, pois não cabe a escusa do cumprimento do mandamento legal sob a alegação do desconhecimento de seu conteúdo, regra expressa pelo art. 3º da Lei de Introdução ao Código Civil [09].
Será acidental, por outro lado, o erro de indicação da pessoa ou do bem objeto da declaração volitiva, se pelas circunstâncias do caso for possível essa identificação tal como pretendia o agente. Em virtude de sua superficialidade, não se admite que tal equívoco acarrete a anulação do negócio realizado, consoante determina o art. 142 do Código Civil. [10] A regra encontra especial aplicação no art. 1.903 desse diploma [11], que estabelece que o erro na designação da pessoa do herdeiro, do legatário ou da coisa legada não anulará a disposição de última vontade se a pessoa ou a coisa a que o testador pretendeu se referir puder ser identificada por algum meio.
4.2 Cognoscibilidade
O erro, para que seja invalidante, há de ser também cognoscível, ou seja, deve ser possível ao declaratário perceber o engano em que incorreu a parte lesada. É certo, porém, que o sujeito que incide em erro deve ter fornecido à contraparte elementos suficientes para que esta conhecesse as circunstâncias do negócio visado.
Tal requisito constitui inovação trazida pelo texto do Código Civil em vigor. O diploma revogado exigia apenas a essencialidade do erro e sua escusabilidade para que pudesse o negócio ser anulado, independentemente de má-fé ou culpa por parte do declaratário. A nova sistemática, porém, exige que o erro, além de substancial, possa ser percebido por pessoa de diligência normal, diante das circunstâncias do negócio.
A exigência da perceptibilidade do erro altera substancialmente o regime desse vício, adequando-o aos interesses sociais que circundam a celebração dos negócios jurídicos. Ao conferir especial relevo ao comportamento do declaratário, a lei rompe com o individualismo outrora vigente e abraça a já explorada teoria da confiança, circunstância que confere proteção aos indivíduos de boa-fé e atende à necessidade de segurança e estabilidade dos negócios jurídicos.
4.3. A dispensa da escusabilidade
Sob a vigência do Código Civil de 1916, entendia-se que para que houvesse vício, o erro deveria ser também escusável (ou desculpável), isto é, aquele engano em que mesmo uma pessoa de diligência normal incorreria. Seria inescusável, assim, o erro grosseiro, decorrente da incúria da parte, que ao realizar o negócio age com culpa grave. Como conseqüência, um determinado negócio jurídico poderia ser anulável para um leigo, mas não para um profundo conhecedor da matéria em questão, sendo a escusabilidade, portanto, relativa, averiguada diante das circunstâncias do caso concreto.
O novo Código Civil, contudo, descaracteriza o subjetivismo exacerbado do diploma anterior em relação à emissão de vontade, pois não bastará a dissonância entre a vontade do indivíduo e a manifestação objetivamente considerada para que o negócio seja desfeito. Sob a vigência do diploma civil de 2002, somente haverá erro invalidante se a outra parte conhecer ou ao menos tiver condições de perceber o erro em que incorreu o declarante.
No Código Civil de 2002, a escusabilidade assume condição secundária, pouco importando a diligência daquele que emite sua vontade em busca da realização de um negócio jurídico. O foco da questão é direcionado ao comportamento da pessoa a quem a declaração é dirigida, em atenção à boa-fé que, via de regra, se manifesta na relação negocial. Se o declaratário age de maneira leal e verifica-se ser impossível o conhecimento do erro incidente na manifestação de vontade por ele recebida, não caberá a ruptura de sua justa expectativa na concretização do negócio e na conseqüente produção de seus ordinários efeitos.
Pelo exposto, conclui-se ser dispensável a escusabilidade para a caracterização do erro invalidante a partir da entrada em vigor do novo Código Civil. [12]
5. Análise do acórdão proferido pelo STJ no Recurso Especial n. 744.311-MT
No Recurso Especial n. 744.311-MT, decidido pela Quarta Turma do STJ, um banco, autor da ação, não teve acolhida sua pretensão de anular a transferência de uma fazenda, cuja localização geográfica real divergia da que constava na escritura. A transferência foi feita para saldar o débito de um particular com a instituição financeira, mas verificou-se depois que a área indicada, na realidade, pertencia a terceiros.
A instituição financeira sustentou no recurso que o negócio só foi realizado devido à aparência de legalidade da documentação do imóvel e que não caberia ao banco questionar a fé pública do registro do imóvel. Por estar evidente a convicção do autor sobre a localização do imóvel, teria havido erro essencial, apto a anular a escritura de dação em pagamento que resultou na transferência da fazenda.
O ministro Luis Felipe Salomão, relator do recurso, explicou em seu voto que erro essencial é aquele que, dada sua magnitude, poderia impedir a celebração do contrato caso fosse conhecido por um dos contratantes. E, para ser escusável, o erro deve ser tão significativo que apenas uma pessoa com conhecimento especializado não o cometeria. Porém, para o relator, não seria razoável entender que o banco não teria adotado cautelas ordinárias para a celebração de contratos corriqueiros, como o de dação em pagamento.
Conforme entendimento do ministro, presume-se que, ou não houve a devida vistoria presencial do imóvel – o que demonstraria negligência inafastável por parte do banco –, ou o encarregado que aceitou a área vistoriada não possuía perícia suficiente à atribuição dada. Ambas as circunstâncias seriam insuficientes para a anulação do negócio por revelarem culpa imperdoável do banco.
O ministro Luis Felipe Salomão reiterou ser inviável a anulação de negócio jurídico decorrente de erro grosseiro, em razão de negligência ou imperícia do próprio banco. Veja-se, a propósito, o que restou consignado na ementa do julgado:
"O erro que enseja a anulação de negócio jurídico, além de essencial, deve ser inescusável, decorrente da falsa representação da realidade própria do homem mediano, perdoável, no mais das vezes, pelo desconhecimento natural das circunstâncias e particularidades do negócio jurídico. Vale dizer, para ser escusável o erro deve ser de tal monta que qualquer pessoa de inteligência mediana o cometeria. No caso, não é crível que o autor, instituição financeira de sólida posição no mercado, tenha descurado-se das cautelas ordinárias à celebração de negócio jurídico absolutamente corriqueiro, como a dação de imóvel rural em pagamento, substituindo dívidas contraídas e recebendo imóvel cuja área encontrava-se deslocada topograficamente daquela constante em sua matrícula. Em realidade, se houve vício de vontade, este constituiu erro grosseiro, incapaz de anular o negócio jurídico, porquanto revela culpa imperdoável do próprio autor, dadas as peculiaridades da atividade desenvolvida.
É essencial o erro que, dada a sua magnitude, teria o condão de impedir a celebração da avença, se dele tivesse conhecimento um dos contratantes, desde que relacionado à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração de vontade, a qualidades essenciais do objeto ou pessoa ou, se for erro de direito, ao motivo único ou principal do negócio (art. 139 do CC/02). Por outro lado, é tido como escusável o erro decorrente da falsa representação da realidade própria do homem mediano, perdoável, no mais das vezes, pelo desconhecimento natural das circunstâncias e particularidades do negócio jurídico. Vale dizer, para ser escusável o erro deve ser de tal monta que qualquer pessoa de inteligência mediana o cometeria".
Com base nas informações apontadas, cabe comentar o teor do julgado. Em jogo, encontra-se a discussão sobre a aplicabilidade da figura do erro, prevista pelos arts. 138 a 144 do Código Civil, ao caso em que um banco, após ter adquirido um imóvel, pretende a anulação do negócio, em virtude de discrepância entre a descrição do bem e a sua efetiva localização geográfica.
Para a Quarta Turma do STJ, não poderia o banco alegar erro, uma vez que o fato de o imóvel situar-se em local diverso do apontado no registro supostamente caracterizaria erro grosseiro, decorrente da própria negligência do interessado, que não cuidou de vistoriar o imóvel antes de aceitá-lo como dação em pagamento.
Embora não nos seja possível identificar todas as circunstâncias contidas nos autos, pois o acesso à página do STJ somente faculta a análise da decisão em seu inteiro teor, é possível apontar algumas possíveis correções ao entendimento esposado pelo Tribunal.
Em primeiro lugar, entendeu o relator que a incorreta indicação sobre a localização do imóvel não poderia dar ensejo à anulação do contrato com base no instituto do erro. Nos termos da decisão, competiria ao banco checar a veracidade da descrição registral do imóvel.
No entanto, cabe ponderar, quanto a este aspecto, se seria viável exigir das instituições financeiras que vistoriem todos os imóveis que sejam objeto das inúmeras transações que celebram diariamente. Ademais, questiona-se, aqui, o papel do princípio da boa-fé objetiva, previsto pelo art. 422 do Código Civil [13]: se a descrição do imóvel apontava para determinada localização, não seria de se esperar, com base no princípio apontado, que no banco despertasse a confiança legítima de que os dados informados eram verdadeiros? E não seria obrigação da outra parte prestar todos os esclarecimentos acerca do imóvel dado em pagamento?
É criticável, portanto, o entendimento segundo o qual ao comprador do imóvel compete verificar a veracidade das informações prestadas pela outra parte, sobretudo quando estas estiverem devidamente documentadas. A lógica, quer parecer, é a inversa: compete ao proprietário do imóvel fornecer todos os dados e elementos relativos ao imóvel, com probidade, lealdade e transparência. Se assim não for, relega-se o princípio da boa-fé objetiva a segundo plano, o que não cabe admitir.
Adiante, entendeu o STJ que o erro somente pode ensejar a anulação do contrato quando, além de essencial, for escusável. Trata-se, uma vez mais, de um desvio de perspectiva, como já demonstramos.
Em suma, não há como concordar com os termos da decisão emanada do STJ. Em respeito ao princípio da boa-fé objetiva, compete ao proprietário do imóvel proceder com lisura e cuidar de prestar corretamente todas as informações à outra parte. Entender o contrário significa subverter aquele princípio e afrontar a confiança gerada na contraparte que, por crer na veracidade dos elementos que compõem o negócio, acaba por ser prejudicada.