A Suprema Corte dos Estados Unidos enfrentou, em diversas oportunidades, situações em que se discutiam os direitos e garantias dos estrangeiros residentes legalmente no território norte-americano. Um dos primeiros precedentes que se tem notícia é o caso Truax v. Raich (1915), no qual se firmou o entendimento de que "o poder de regulamentar a admissão e a retirada de estrangeiros do território norte-americano era matéria de competência exclusiva da União, razão pela qual os estados membros não poderiam criar normas de imigração". [01]
Ao analisar o caso Truax v. Raich (1915), a Corte Suprema ainda citou o caso Yick Wo. V. Hopkins (1886), [02] no qual ficou estabelecido que a 14ª Emenda à Constituição dos Estados Unidos [03] estendia a garantia de igual proteção perante as leis para todos os cidadãos e para os estrangeiros que legalmente entravam nos Estados Unidos. Por fim, registrou-se que "leis estaduais poderiam proteger a saúde, a segurança e os valores morais dos cidadãos residentes nos estados, mas tais leis não poderiam, em hipótese alguma, interferir no direito de todos, nacionais e estrangeiros, a ter uma subsistência digna". [04]
Já na década de 40, a Suprema Corte dos Estados Unidos voltou a julgar um caso relativo ao direito dos estrangeiros, ao analisar o caso United States v. Pink (1942). O caso teve origem quando os Estados Unidos tentaram ajudar a União Soviética a recuperar ativos financeiros da uma Companhia de Seguros da URSS. Na ocasião, o então Superintendente de Nova Iorque se recusou a liberar os recursos que estavam em seu poder. [05]
A grande indagação que chegou ao conhecimento da Suprema Corte dos Estados Unidos no caso United States v. Pink (1942) [06] era se o acordo firmado entre os Estados Unidos e a União Soviética obrigava o estado de Nova Iorque a cumpri-lo, tendo em vista a autonomia do estado da federação. Ao decidir o caso, a Suprema Corte determinou a liberação do dinheiro. Entendeu-se que "o estado de Nova Iorque não poderia reescrever a política externa dos Estados Unidos para deixá-la em conformidade com suas próprias políticas domésticas". Por fim, asseverou-se que os assuntos externos que decorriam do exercício da soberania do Estado eram prerrogativa exclusiva do governo federal, não se confundindo com a autonomia usufruída pelos estados membros da federação. [07]
Também não se pode deixar de se tecer alguns comentários acerca do caso Graham v. Department of Pub. Welfare (1971) [08]. A questão em análise era a constitucionalidade de normas estaduais que negavam benefícios da seguridade social para estrangeiros não residentes nos Estados Unidos. Além disso, as normas estaduais exigiam que os estrangeiros residentes tivessem até 15 (quinze) anos de permanência nos Estados Unidos para poderem usufruir benefícios sociais. [09]
Inconformados com a situação, os estrangeiros alegavam, em síntese, violação ao direito à igualdade (equal protection clause prevista na 14ª Emenda). Ademais, alegavam que os estados da federação não poderiam estabelecer regras relativas à admissão e a permanência de estrangeiros em território nacional. Ao decidir o caso Graham v. Department of Pub. Welfare (1971), a Corte Suprema entendeu que as leis estaduais não poderiam estabelecer desvantagens sem uma fundamentação razoável para os estrangeiros legalmente admitidos no país, sob pena de violação do direito à igualdade. [10]
Também não se pode deixar de tecer considerações sobre o precedente Hampton v. Mow Sun Wong (1976). No presente caso, discutia-se a determinação da "Comissão de Serviço Público Civil" que tornava obrigatório que os cargos federais fossem ocupados exclusivamente por cidadãos natos e naturalizados dos Estados Unidos. Ao decidir o caso, a Suprema Corte entendeu pela ilegalidade da determinação da referida comissão, pois essa entidade não era a agência federal competente para dispor sobre direitos relativos à imigração ou naturalização. [11]
No entanto, a Corte Suprema estabeleceu que o Congresso Nacional ou até mesmo o Presidente da República poderiam adotar regras relativas ao estabelecimento de exclusividade para o preenchimento de cargos federais para os cidadãos natos e naturalizados, impedindo seu acesso aos estrangeiros. [12]
Outro precedente que merece atenção é o caso Foley v. Connelie (1977). O caso iniciou-se quando Edmund Foley concorreu a uma vaga de policial rodoviário do estado de Nova Iorque. Apesar de Foley ser um estrangeiro residente legalmente nos Estados Unidos, o estado impediu que ele fizesse a prova. As autoridades do estado de Nova Iorque alegaram que os cargos policiais eram privativos de cidadãos norte-americanos. Ao decidir o presente caso, a Suprema Corte asseverou que os estados têm o poder histórico de excluir a participação de estrangeiros de determinadas instituições, tais como os órgãos destinados à segurança pública, forças armadas e diplomacia. Além disso, a lei de Nova Iorque não violava a cláusula da igual proteção perante as leis, pois estabeleceu que as restrições aos estrangeiros para admissão em cargos públicos deveriam ser razoáveis, o que se verificou no presente caso, considerando que a função policial é uma atividade típica de Estado. [13]
No que concerne ao direito dos estrangeiros, cabe citar o caso Ambach v. Norwick (1979). O caso envolvia Norwick e Dachinger, estrangeiras casadas com cidadãos americanos e residentes no país há vários anos. Ambas preenchiam os requisitos para solicitar a cidadania norte-americana, mas se recusavam a dar entrada com o pedido para a obtenção da cidadania. O problema ocorreu quando elas tentaram obter a certificação para serem professoras de escolas públicas em Nova Iorque, tendo em vista que havia uma lei local que proibia a obtenção do certificado aos que não obtivessem a cidadania ou que, pelo menos, não tivessem dado entrada ao processo de naturalização. [14]
A grande indagação que chegou ao conhecimento da Suprema Corte era se a exigência estabelecida pelo estado de Nova Iorque violava a "Equal Protection Clause" prevista na Emenda 14ª. Ao decidir o mérito do presente caso, a Suprema Corte firmou o posicionamento de que os estados poderiam estabelecer algumas barreiras para o acesso de estrangeiros a certos cargos públicos na estrutura governamental. Asseverou-se, ainda, que o estado tinha o interesse de contratar professores que promovessem virtudes cívicas, razão pela qual era válida a exigência de que os professores demonstrassem um mínimo interesse em se tornarem cidadãos norte-americanos. [15]
Por fim, a Corte Suprema entendeu que a lei do estado de Nova Iorque não violava o direito à igualdade, pois apenas afetava os estrangeiros que não queriam obter a cidadania norte-americana. Dessa forma, os juízes da Suprema Corte estabeleceram que a norma estadual estava de acordo com o princípio da razoabilidade, conforme estabelecido no caso Foley v. Connelie. [16]
No que tange aos direitos e as garantias dos estrangeiros, não se pode deixar de mencionar o caso Cabell v. Chavez-Salido (1982). O caso teve início quando uma norma estadual da Califórnia exigia que os policiais e os profissionais que trabalhassem a serviço da segurança pública fossem cargos privativos de cidadãos norte-americanos. Inconformados com a norma californiana, estrangeiros residentes que tiveram suas inscrições negadas em concurso para provimento do cargo de oficial de fiscalização do cumprimento do livramento condicional ajuizaram uma demanda perante a Corte de Los Angeles com a alegação de que a referida norma californiana violava a cláusula da equal protection, ao se estabelecer uma discriminação baseada em critérios ilegítimos. [17]
Ao enfrentar o caso Cabell v. Chavez-Salido (1982), a Suprema Corte dos Estados Unidos estabeleceu que a exigência de cidadania estabelecida pela norma do estado da Califórnia era válida. Entendeu-se que apesar de a restrição aos estrangeiros residentes legalmente nos Estados Unidos afetar seus interesses econômicos, tais interesses não deveriam prevalecer quando estivesse em jogo o exercício do poder de polícia. Por fim, o Excelso Tribunal firmou o posicionamento de que os oficiais de fiscalização do cumprimento do livramento condicional exerciam uma parte do poder decorrente da própria soberania do Estado. Dessa forma, para se exercer legitimamente o uso da força em nome de um Estado, era razoável a exigência de cidadania do indivíduo. Sendo assim, essa exigência era uma limitação apropriada para aqueles que iriam exercer ou, até mesmo, simbolizar o poder do Estado sobre uma determinada comunidade e/ou área territorial. Por fim, entendeu-se que somente poderia exercer uma parcela do poder estatal o indivíduo que, de fato, fosse parte do povo que pretende representar. [18]
No que se refere à violação da cláusula da igual proteção perante as leis, o assunto voltou a ser examinado na análise do caso Plyler v. Doe (1982). O caso teve origem quando uma lei do estado do Texas de 1975 permitiu que o estado retirasse recursos públicos destinados a educação dos filhos de imigrantes ilegais. Houve o questionamento se tais normas estaduais violavam a 14ª Emenda à Constituição dos Estados Unidos. [19]
Ao analisar o mérito do caso Plyler v. Doe (1982), a Suprema Corte estabeleceu que os filhos de imigrantes ilegais, embora não fossem cidadãos dos Estados Unidos ou do Texas, não deixavam de serem pessoas sujeitas à proteção estabelecida pela 14ª Emenda e que a norma estadual não passava pelo crivo do princípio da razoabilidade, ao estabelecer uma séria de desvantagens para os filhos de imigrantes ilegais, ao se negar a essas crianças o direito básico à educação. [20]
Ademais, no que concerne ao tratamento conferido aos estrangeiros nos Estados Unidos, é oportuno destacar o caso INS v. Chadha (1983). Os fatos que deram origem ao caso tiveram início quando um cidadão chamado Chadha teve sua deportação suspensa pelo juiz de imigração, mas tal suspensão foi afastada pelo Poder Legislativo. Questionava-se, em síntese, se a lei de imigração e nacionalidade, que permitia o poder legislativo a revogação de ações do Poder Executivo, violava o princípio da separação de poderes. [21]
Ao julgar o mérito do presente caso, a Suprema Corte dos Estados Unidos entendeu que a norma de imigração e nacionalidade violava a Constituição Federal e o princípio da separação de poderes, ao conferir ao Poder Legislativo a competência de interferir diretamente nas ações do Poder Executivo, apesar de se reconhecer a autoridade do Congresso Nacional para a elaboração das leis. [22]
Por todo o exposto, sem ter a pretensão de esgotar o tema, verifica-se que a Suprema Corte dos Estados Unidos tem o posicionamento histórico de que os estrangeiros legalmente residentes no país podem ter alguns direitos restringidos pela legislação estadual, entre eles, o direito ao exercício de atividades relacionadas ao poder de polícia, bem como o direito a se candidatar a cargos de professores em escolas públicas. No entanto, a Corte Suprema tem o entendimento de que as restrições impostas aos estrangeiros residentes legalmente nos Estados Unidos devem ser sempre avaliadas a luz do princípio da razoabilidade previsto na 5ª e na 14ª Emendas à Constituição Federal norte-americana. [23]
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NOTAS:
- Truax v. Raich (1915). Disponível em: <http://supreme.justia.com/us/239/33/>. Acesso em: 02 out. 2010.
- Yick Wo. V. Hopkins (1886). Disponível em: http://www.oyez.org/cases/1851-1900/1886/1886_0. Acesso em: 04 out. 2010
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- ESTADOS UNIDOS. 5ª Emenda à Constituição dos Estados Unidos. Ninguém será detido para responder por crime capital, ou outro crime infamante, salvo por denúncia ou acusação perante um Grande Júri, exceto em se tratando de casos que, em tempo de guerra ou de perigo público, ocorram nas forças de terra ou mar, ou na milícia, durante serviço ativo; ninguém poderá pelo mesmo crime ser duas vezes ameaçado em sua vida ou saúde; nem ser obrigado em qualquer processo criminal a servir de testemunha contra si mesmo; nem ser privado da vida, liberdade, ou bens, sem processo legal; nem a propriedade privada poderá ser expropriada para uso público, sem justa indenização. Disponível em: <http://www.embaixada-americana.org.br/>. Acesso em: 12 out. 2010.