Um dos primeiros casos que a Suprema Corte dos Estados Unidos enfrentou sobre a aplicação da "supremacy Clause" foi o caso McCulloch v. Maryland (1819). O caso teve início em 1816, quando o Congresso norte-americano criou o Segundo Banco dos Estados Unidos. Em seguida, no ano de 1818, o estado de Maryland aprovou uma lei que obrigou o banco nacional ao pagamento de diversas taxas. McCulloch, funcionário do banco de Baltimore, se recusou a pagar as taxas estaduais. O presente caso é interessante porque envolvia 02 (duas) questões. Em primeiro lugar, se o Congresso dos Estados Unidos tinha a autoridade para criar um banco. Em segundo lugar, questionou-se perante a Suprema Corte dos Estados Unidos se a Lei do estado de Maryland poderia estabelecer o pagamento de tributos para um banco de propriedade da União. [01]
Ao analisar o mérito do presente caso, em uma decisão unânime, a Corte estabeleceu que a cláusula da supremacia (supremacy Clause) encontrava-se prevista no artigo 6º da Constituição dos Estados Unidos, que assim estabelece, in verbis:
"Todas as dívidas e compromissos contraídos antes da adoção desta Constituição serão tão válidos contra os Estados Unidos sob o regime desta Constituição, como o eram durante a Confederação. Esta Constituição e as leis complementares e todos os tratados já celebrados ou por celebrar sob a autoridade dos Estados Unidos constituirão a lei suprema do país; os juízes de todos os Estados serão sujeitos a ela, ficando sem efeito qualquer disposição em contrário na Constituição ou nas leis de qualquer dos Estados. Os Senadores e Representantes acima mencionados, os membros das legislaturas dos diversos Estados, e todos os funcionários do Poder Executivo e do Judiciário, tanto dos Estados Unidos como dos diferentes Estados, obrigar-se-ão por juramento ou declaração a defender esta Constituição. Nenhum requisito religioso poderá ser erigido como condição para a nomeação para cargo público". [02](grifo nosso)
Ademais, a Suprema Corte firmou o posicionamento de que o Congresso Nacional tinha o poder de criar bancos e entidades e que o estado de Maryland não poderia estabelecer tributos a serem pagas por entes e órgãos do governo criados pelo Congresso Nacional em decorrência do exercício de seus poderes constitucionais. Na ocasião, a Suprema Corte dos Estados Unidos era presidida pelo Chief Justice Marshall, que estabeleceu que o Congresso Nacional possuía inúmeros poderes não explícitos na Constituição Federal. Ademais, Marshall afirmou que os estados tinham o poder de instituir tributos, mas que a Constituição e as leis federais eram supremas e não podiam ser controladas ou submetidas à vontade do legislador estadual. [03]
No que concerne à supremacia da Constituição, não se pode deixar de se mencionar o caso Gibbons v. Ogden (1824). Trata-se de um precedente que teve início quando uma Lei do estado de Nova Iorque deu a 02 (dois) indivíduos o direito exclusivo de operar barcos a vapor nas águas sob jurisdição estadual. Ocorre que nos Estados Unidos surgiram várias Leis estaduais no mesmo sentido o que gerou um enorme atrito entre os estados e um aumento substancial do preço do transporte de mercadorias, com o encarecimento dos produtos e o surgimento de dificuldades para o desenvolvimento da navegação interestadual. No caso em estudo, um dono de barco a vapor questionou o monopólio da navegação estabelecido pelo estado de Nova Iorque. [04]
Posteriormente, o presente caso chegou ao conhecimento da Suprema Corte dos Estados Unidos que firmou o posicionamento de que a Lei do estado de Nova Iorque, que estabelecia regras de navegação, era inconsistente em relação à norma do Congresso Nacional que regulava as trocas comerciais costeiras. Dessa forma, entendeu-se que a norma estadual era inválida em virtude da cláusula da supremacia da Constituição Federal. Por fim, a Corte Suprema asseverou que a legislação da navegação interestadual era uma matéria de competência exclusiva da União. [05]
No que se refere à cláusula da supremacia, cumpre mencionar o caso Worcester v. Georgia (1832). O caso teve início em 1831, quando Worcester foi indiciado e condenado pelo Tribunal da Geórgia, por residir em uma área localizada na reserva Cherokee sem a obtenção de uma licença e sem prestar o juramento de defender a Constituição e as Leis do estado da Georgia. Inconformado com a sua condenação, Worcester alegou que o estado violou a Constituição dos Estados Unidos, pois os tratados entre os Estados Unidos e a nação Cherokee não poderiam ser analisados e regulados pelos estados da federação. Dessa maneira, questionou-se perante a Suprema Corte dos Estados Unidos se os estados tinham a competência para legislar sobre a movimentação de pessoas entre o estado e a nação Cherokee. [06]
Quando a Suprema Corte dos Estados Unidos foi instada a se manifestar a respeito do presente caso, o Excelso Tribunal entendeu que a norma do estado da Geórgia que permitiu a condenação de Worcester violava a Constituição, os tratados e as leis dos Estados Unidos. Marshall, então presidente da Suprema Corte, sustentou que a nação Cherokee era uma comunidade distinta que ocupava seu próprio território, no qual as Leis do estado da Geórgia não tinham qualquer validade. Por fim, afirmou que todo o intercâmbio entre os Estados Unidos e a nação Cherokee era de responsabilidade da União. Sendo assim, a norma estadual interferia na autoridade do governo federal e era inconstitucional. [07]
Não se pode, ainda, esquecer o caso Ableman v. Booth (1858). O caso teve início quando Booth pediu a liberdade de Glover, um escravo fugitivo que era mantido sob custódia federal no estado de Wisconsin. Posteriormente, Glover acabou escapando da prisão e Booth foi acusado de auxiliar a fuga de um escravo fugitivo. Mais adiante, foi concedido um habeas corpus em favor de Booth e o caso finalmente chegou à Suprema Corte dos Estados Unidos, onde se discutiu se o Tribunal estadual de Wisconsin tinha a autoridade de conceder habeas corpus em favor de Booth, uma vez que o motivo dele ter sido preso era o descumprimento de uma norma federal, que tratava da fuga de escravos. [08]
No que tange ao caso Ableman v. Booth (1858), a Suprema Corte dos Estados Unidos, em decisão unânime, entendeu que a Corte de Wisconsin não tinha competência para a concessão do habeas corpus. Entendeu-se que havia a supremacia das Cortes federais nas questões que envolviam a legislação federal. Afirmou-se, também, que a Constituição Federal era a Lei Suprema da terra (Supreme Law of the land) e que os juízes de todos os estados da federação estavam subordinados a ela. Dessa forma, o tribunal de Wisconsin não poderia conceder habeas corpus para um preso mantido sob custódia federal. [09]
Cumpre salientar, ainda, o caso in re Neagle (1890). Trata-se de um precedente que teve início quando houve uma ameaça de morte contra o juiz Field. Em razão disso, o Procurador-Geral dos Estados Unidos designou um policial federal chamado Neagle para realizar a segurança da referida autoridade. Posteriormente, houve um incidente em que Neagle matou um homem por engano e veio a ser preso. No presente caso, indagou-se perante a Suprema Corte se o estado da Califórnia estava obrigado a obedecer ao habeas corpus concedido em favor de Neagle, sem que houvesse nenhuma norma federal que estabelecesse que a competência do Procurador-Geral para promover a segurança de juízes. [10]
No que concerne ao caso in re Neagle (1890), o Excelso Tribunal entendeu que o Procurador-Geral agiu corretamente ao nomear um policial federal para realizar a segurança do juiz, tendo em vista que a segurança dos juízes era fundamental para que as leis da nação fossem adequadamente executadas. Além disso, entendeu-se que a conduta de Neagle foi adequada em relação à norma federal que concedia aos policiais federais os mesmos poderes, na execução das leis, conferidos aos Xerifes estaduais e aos Delegados. [11]
Por fim, cabe tecer algumas considerações acerca do caso Pennsylvania v. Nelson (1956). Trata-se de um caso que teve início quando Nelson, membro do Partido Comunista, foi condenado por uma norma estadual que proibia a incitação para motim contra a ordem vigente (crime de sedition). Essa norma estadual entrou em vigor antes de uma norma federal que previa a mesma conduta disposta na norma estadual da Pennsylvania. Sendo assim, alegou-se perante a Suprema Corte dos Estados Unidos que a superveniência da norma federal suspendia a aplicação da norma estadual que tratava sobre o mesmo assunto. [12]
Ao analisar o mérito do presente caso, a Corte entendeu que a Lei da Pennsylvania perdeu sua eficácia com a superveniência da legislação federal sobre o mesmo assunto. A Corte asseverou que a legislação federal regulou totalmente o tema, não deixando mais espaço para a legislação estadual. Ademais, entendeu-se que a lei federal tratava de uma questão de importância capital para o governo nacional, o que tornava a existência de normas estaduais sobre o assunto extremamente desaconselháveis e potencialmente perigosas. [13]
Por todo o exposto; sem ter a menor pretensão de esgotar o tema; e considerando a necessidade de maiores estudos acerca de outros assuntos correlatos, tais como a "preemption doctrine" e o controle de constitucionalidade; pode-se concluir o presente estudo com uma citação do juiz Marshall, que comandou a Suprema Corte dos Estados Unidos entre 1801 e 1835, ao afirmar no famoso julgamento do caso Marbury v. Madison (1803) que:
"Ou a Constituição é a lei superior, intocável por meios ordinários, ou ela está no mesmo nível que os atos legislativos ordinários, e, como outros atos, é alterável quando à legislatura aprouver alterá-los. Se a primeira parte da alternativa é verdadeira, então um ato legislativo contrário à Constituição não é lei; se a última é verdadeira, então as constituições escritas são tentativas absurdas por parte do povo de limitar um poder por sua própria natureza ilimitável". [14]
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
- Ableman v. Booth (1858). Disponível em: <http://caselaw.lp.findlaw.com/scripts/getcase.pl?navby=case&court=us&vol=62&invol=506>. Acesso em: 23 out. 2010.
- Ableman v. Booth (1858). Disponível em: <http://law.jrank.org/pages/13557/Ableman-v-Booth-United-States-v-Booth.html>. Acesso em: 23 out. 2010.
- ESTADOS UNIDOS. Constituição dos Estados Unidos da América. Artigo 6º. Disponível em: <http://www.embaixada-americana.org.br/index.php>. Acesso em: 24 out. 2010.
- Gibbons v. Ogden (1824). Disponível em: <http://www.law.cornell.edu/supct/html/historics/USSC_CR_0022_0001_ZO.html>. Acesso em: 19 out. 2010.
- Gibbons v. Ogden (1824). Disponível em: <http://www.oyez.org/cases/1792-1850/1824/1824_0/>. Acesso em: 20 out. 2010.
- in re Neagle (1890). Disponível em: <http://www.law.cornell.edu/supct/html/historics/USSC_CR_0135_0001_ZS.html>. Acesso em: 17 out. 2010.
- in re Neagle (1890). Disponível em: <http://supreme.justia.com/us/135/1/case.html> Acesso em: 16 out. 2010.
- Marbury v. Madison (1803). Disponível em: <http://www.lectlaw.com/files/case14.htm>. Acesso em: 25 out. 2010.
- McCulloch v. Maryland (1819). Disponível em: <http://www.law.cornell.edu/supct/html/historics/USSC_CR_0017_0316_ZS.html>. Acesso em: 19 out. 2010.
- McCulloch v. Maryland (1819). Disponível em: <http://www.oyez.org/cases/1792-1850/1819/1819_0/>. Acesso em: 18 out. 2010.
- Pennsylvania v. Nelson (1956). Disponível em: <http://law.jrank.org/pages/12532/Pennsylvania-v-Nelson.html>. Acesso em: 23 out. 2010.
- Pennsylvania v. Nelson (1956). Disponível em: <http://www.oyez.org/cases/1950-1959/1955/1955_10>. Acesso em: 18 out. 2010.
- Worcester v. Georgia (1832). Disponível em: <http://law.jrank.org/pages/13668/Worcester-v-Georgia.html>. Acesso em: 22 out. 2010.
-
Worcester v. Georgia (1832). Disponível em: <http://www.oyez.org/cases/1792-1850/1832/1832_2>.
Acesso em: 21 out. 2010.
NOTAS:
- McCulloch v. Maryland (1819). Disponível em: <http://www.oyez.org/cases/1792-1850/1819/1819_0/>. Acesso em: 18 out. 2010.
- ESTADOS UNIDOS. Constituição dos Estados Unidos da América. Artigo 6º. Disponível em: <http://www.embaixada-americana.org.br/index.php>. Acesso em: 24 out. 2010.
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- Ableman v. Booth (1858). Disponível em: <http://caselaw.lp.findlaw.com/scripts/getcase.pl?navby=case&court=us&vol=62&invol=506> . Acesso em: 23 out. 2010.
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