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O registro de domínio e o alcance da marca registrada

Agenda 01/06/2000 às 00:00

Sumário: I - Evolução Histórica e Tecnológica da Internet. II - O Nome de Domínio. a) O Endereço Virtual. b) NSI e FAPESP. III - Nome de Domínio e Marca Registrada. a) O Direito Diante da Rede Mundial. b) A Liberdade de Expressão. c) O Direito Marcário Pátrio. d) A Jurisprudência Norte-Americana. e) A Decisão Unânime do Eg. TRF4. f) O Polêmico Acórdão do Eg. TJ/PR. IV - Conclusão.


I - EVOLUÇÃO HISTÓRICA E TECNOLÓGICA DA INTERNET

Os primeiros computadores construídos eram de enormes dimensões. Alguns do tamanho de uma casa. Tinha-se como comezinha a idéia da potência do computador ser diretamente proporcional ao seu tamanho. Posteriormente, com o advento do circuito integrado e do microchip os computadores foram diminuindo a medida que aumentavam a velocidade e a capacidade de armazenamento de dados. Mas mesmo assim continuavam caros e grandes. Os governos, as grandes corporações e as universidades eram os únicos possibilitados a arcar com tamanhos investimentos. Surge, nesse patamar, os main-frames (ou computadores principais), grandes computadores que centralizavam em uma só máquina toda a base de dados disponível. É a época da corrida espacial, com os chamados "super-computadores", a exemplo do Pentágono, da NASA, da CIA, etc. Esses grandes computadores passaram a ter terminais, seja para a inclusão de dados, seja para a pesquisa de arquivos. Com o passar do tempo, sentiu-se a necessidade de aperfeiçoar os terminais, com uma gradual descentralização do computador principal, mostrando-se a lenta evolução de uma forma primitiva de rede.

Assim, houve uma mudança de mentalidade com relação à interação de computadores. Não mais se pensava em um único super-computador centralizador de todos os dados e funções, e sim um grande número de pequenos computadores que interligados seriam muito mais potentes, numa analogia à rede neural do cérebro humano. A rede de computadores, até então, restringia-se à todos os computadores de um mesmo local. A conexão se fazia por cabos seriais, que restringiam o alcance da conexão a um espaço limitado. Ainda apenas o governo e universidades americanas possuíam o capital e tecnologia necessárias a implantação de cabos ligando cidades ou estados. Na década de setenta, muitos programadores e cientistas preconizavam a necessidade e vantagem de uma maior conectividade, em âmbito nacional e até mesmo mundial. Resolveu-se confeccionar um protótipo que ligasse algumas universidades, para aferir a possibilidade do êxito no projeto.

Esta rede, futuristicamente denominada INTERNET, sofreu um vertiginoso crescimento, até então inimaginável. Foram dois os fatores determinantes deste aumento: o barateamento e difusão de computadores pessoais (P.C.’s) e a conectividade através de uma rede já pronta e de alcance mundial, a rede telefônica. Em poucos anos, o espaço virtual habitado apenas por estudantes universitários, programadores e cientistas viu-se invadido por todo o tipo de pessoas; desde grandes corporações, e.g. a rede McDonalds e Coca Cola Corp., até pedófilos e grupos terroristas.

O espaço mais democrático do mundo invadia as casas e escritórios sem regras nem limitações. Os bancos e agências governamentais eram o alvo preferencial dos hackers (invasores de sistemas), o material pornográfico era amplamente difundido. Por outro lado, esta rede possibilitou o maior avanço histórico da civilização, possibilitando uma real interação global, transferências instantâneas de riquezas, intercâmbio cultural entre todos os povos. Criou-se um fórum mundial de troca de informações. E este universo complexo e sui generis está a ser desbravado, cabendo ao direito nada menos do que a tarefa de regular um mundo imaginário e pouco conhecido. E certamente não é tarefa fácil, devido a ausência de paradigmas para comparações com casos concretos.


II - O Nome de Domínio

a) O "Endereço Virtual"

O crescente uso da Internet gerou a necessidade de criar algum tipo de registro individualizado para que não existisse duas ou mais locações virtuais com a mesma denominação, o que certamente importaria em grande confusão na circulação de dados. O Domain Name Sistem (DNS) ou sistema de nome de domínio foi a solução encontrada para identificar e situar alguém em um lugar tão vago como o "ciberespaço". Com as devidas ressalvas, utiliza-se a analogia do endereço para explicitá-lo.

A World Wide Web (WWW), ou rede mundial de computadores, é a noção imaginária da transmissão por impulsos elétricos de dados no formato binário (sim ou não). É o computador que transforma os "bits" em imagens ou sons, para que o ser humano possa captar a informação com seus sentidos. Nesse estranho universo eletrônico a origem e o destino dos dados são identificados por números, estes podendo corresponder a letras do alfabeto. Uma determinada locação na rede é identificada por seu IP (Internet Protocol), que nada mais é que uma seqüência numérica, que pode ou não ter seu correspondente alfanumérico. Um site (localização) na rede pode ser identificado por um número e uma palavra ou seqüência de palavras, conhecida como URL (Uniform Resource Locator). Tomamos como exemplo o Supremo Tribunal Federal:

http://www.stf.gov.br

Sigla

Significado

Comentários

http://

hyper text

transfer protocol

a linguagem convencionada pelo programador que criou a página, o chamado "hipertexto"

www

world wide web

a Internet, ou rede mundial de computadores

stf

Supremo Tribunal Federal

o nome de domínio secundário, a referência da página

gov

governo

o domínio primário, aqui convencionado como entidade governamental

br

Brasil

o país de origem da página

Deste modo, ao observar-se um determinado endereço, pode-se descobrir a linguagem em que foi feita a página, onde se localiza, genericamente do que se trata, o tipo de entidade e o país de origem. A sigla stf é chamada domínio de segundo nível, separado por um ponto do primeiro nível (gov.br). O domínio de primeiro nível é uma convenção utilizada na rede para explicitar a origem da página. Primeiramente foi convencionada uma dicotomia, ".gov" para entidades governamentais e ".com" para todo o resto. Tempos depois foram criadas outras siglas, devido a pobreza dessa notação.

A partir de 1998, com a Resolução nº 1 de 15.04.98, o Comitê Gestor Internet do Brasil determinou a inclusão de novos domínios. Por exemplo: ".org" para organizações não governamentais, ".mil" órgãos militares, ".esp" para esportes em geral. Mas vale dizer que tais notações são pouco utilizadas em nosso país, pois a exigência da comprovação da atividade específica só foi instituída em 1998, antes do que não havia qualquer espécie de vedação do gênero. Além disso, a única exigência da legislação atual ao registro da sigla ".com" é o CGC da empresa requerente. Deste modo empresas de todo os ramos sa produção ou serviços podem utilizar-se desse domínio. A analogia do endereço, embora precária, presta-se a dar um melhor entendimento do conceito de domínio na Internet. Na verdade o domínio é apenas a forma de individualizar-se uma locação, como uma identidade eletrônica, visando a não confundir-se o trânsito eletrônico de dados.

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          b) NSI e FAPESP

          Para a implantação do sistema de nomes de domínio fez-se imprescindível a centralização do controle do registro em apenas uma entidade. Nos EUA o registro de domínio foi delegado à empresa NETWORK SOLUTIONS INC. (NSI), evitando assim situações de duplicidade ou coincidência de domínios. Enquanto a Internet era de pequena penetração mundial, pouco se discutia acerca das questões de direito marcário ligadas ao registro de domínio. A NSI tinha caráter meramente declaratório e cartorial. Não tinha por objetivo conceder ou negar direitos ao uso de um domínio. Só não se procedia registro de domínio se este já estivesse registrado por outrem. A NSI sempre manteve-se prudentemente afastada do direito marcário. A NSI defendia a idéia de que a Internet gerava um direito peculiar a ser aplicado de forma independente, baseado no princípio da liberdade de expressão. Utiliza-se inclusive sistema de concessão de registro diverso do utilizado em seu país de origem, os EUA. O direito americano privilegia o primeiro a utilizar a marca (first use), enquanto a NSI reserva os direitos ao primeiro que registrar a mesma (first to file).

          Mas como aumentava o número de conflitos com relação aos registros, a NSI elaborou suas guidelines, regulamentando o procedimento de registros e eximindo-se de responsabilidades pela infringência dos direitos inerentes a marca registrada. A IAHC (Internet Ad-Hoc Comitte), apoiada por entidades como a INTA (International Trademark Association) e a OMPI (Organização Mundial da Propriedade Industrial), propôs por meio de um memorando, o gTLD-MOU (General Top Level Domains - Memorandum of Understanding - Genebra, 1997) que, devido à relevância do assunto, seja criada uma entidade mundial sem fins lucrativos para gerenciar os registros. Entidade esta orientada por um corpo de assessoria composto por Organizações Não-Governamentais - ONG’s - e representantes da iniciativa privada de todo o mundo. Foi frisado nesse memorando que a questão debatida é de ordem pública mundial, sendo necessárias regras de alcance maior que as leis de mercado.

          O governo americano publicou dois comunicados com recomendações a respeito do tema. Chamados green paper e white paper, apresentavam sugestões e propostas sobre a regulamentação dos domínios à luz da marca registrada. A tendência americana é de descentralizar-se novamente o gerenciamento de registros, sendo entregues à empresas privadas controladas por algum tipo de órgão global. Além disso, sugere o juízo arbitral para dirimir conflitos acerca de domínio.

          Em nosso país foi criado sistema de registro nos mesmo moldes da NSI. Cabe à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) o gerenciamento do registro de domínios. É evidente que as mesmas questões suscitadas nos EUA criaram controvérsias em nossa pátria. De forma tímida criou-se um Comitê Gestor Internet do Brasil, órgão ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia. Em 15 de Abril de 1998 foram expedidas as Resoluções nº 1 e nº 2, regulamentando o novo sistema de gerenciamento e recadastramento dos domínios já registrados. Tais resoluções não instituíram nenhuma nova norma de direito marcário, só preocupando-se com a isenção de responsabilidade da FAPESP em relação à marca registrada. Ou seja, adotou a mesma política da similar americana.

          Também no Brasil foi consagrado o princípio do first-to-file (princípio da primazia do registro) no tocante ao registro de domínio. Cita-se o art. 1 º da supra mencionada resolução:

          "Art. 1º. O Registro de Nome de Domínio adotará como critério o princípio de que o direito ao nome do domínio será conferido ao primeiro requerente que satisfizer, quando do requerimento, as exigências para o registro do nome, conforme as condições descritas nessa resolução e seus anexos."

          Sendo que estes requisitos citados são meramente formais, e não vedam o registro de marca notória ou nome conhecido, sendo que essa escolha é de inteira responsabilidade do requerente.


III - NOME DE DOMÍNIO E MARCA REGISTRADA

a) O Direito Diante da Rede Mundial

O Direito positivo viu-se estático e arcaico diante do progresso da Internet. Tentava-se, como ainda se tenta, criar analogias, no vão esforço de equiparar institutos diversos. Há relevantes questões a serem solucionadas: o alcance da liberdade de expressão, a censura, a pirataria, o foro competente para dirimir controvérsias entre países, a criação de tribunais civis internacionais, os crimes contra os costumes, a proteção da privacidade, entre outras. O sistema jurídico norte-americano, muito mais elástico e dinâmico que o nosso, ainda vê-se perplexo diante da vertente de novas situações geradas pela Internet. É o único paradigma que temos em mãos para lidar com a insegurança jurídica atual. O direito pátrio, infelizmente ainda não tem se dado conta da importância da rede mundial e de sua influência, sendo de escassa prospecção legislativa ou jurisprudencial.

          b) A Liberdade de Expressão

          O conceito mais caro à Internet é o da liberdade de expressão, consagrado na 1ª Emenda à Constituição Norte-Americana, constante praticamente em todos os Estados de Direito do mundo, inclusive o nosso. A rede é o meio mais democrático de expressão já criado. A fobia à censura gerou a blue ribbon campaign (campanha da fita azul), assemelhada a campanha da fita vermelha da "Luta Contra a Aids", e os mais variados tipos de pessoas e organizações levantaram-se contra o controle à informação. O controle à informação pode dar-se de diversas formas, controle da publicidade da informação, controle do acesso à informação, controle da natureza da informação.

O controle da publicidade da informação é cotejado no caso sub examine. Pode-se vedar ou atravancar a publicidade da informação das mais variadas maneiras, e todos estes entraves e vedações ferem frontalmente o Texto Constitucional. Na hipótese em estudo, a vedação ou extinção do direito ao registro de domínio hostiliza a liberdade de expressão. Para clarear a questão, criamos um exemplo fictício de um fã-clube desejoso de elaborar página na Internet a fim de divulgar um tributo ao maior desportista do mundo, Edson Arantes do Nascimento, o "Pelé", e que este jogador já possua seu nome e alcunha registrados junto ao INPI.

A marca registrada não possui um alcance total e irrestrito, pretérito e futuro. Se, com a devida venia, fosse aceita a tese contrária, entender-se-ia que todo e qualquer domínio registrado com as variações ou guardando semelhança com os nomes "Pelé", "Edson Arantes do Nascimento" ou "Rei Pelé" estaria a configurar a chamada "pirataria". Para elucidar a questão, vejamos algumas das variações possíveis com os nomes supra citados para possíveis nomes de domínio:

          Variações com o domínio de segundo nível:

pele - reipele - edson - edsonarantes - edsonarantesdonascimento - edsonpele - edsonarantesdonascimentopele - edsonarantesdonascimentoreipele - pelefutebol - reipeledofutebol - reiedsonarantesdonascimentopele - reiedson

          Variações com o domínio de primeiro nível utilizando-se no segundo nível somente o apelido "Pelé":

          www.pele.com - www.pele.com.br www.pele.br - www.pele.org - www.pele.net - www.pele.org.br - www.pele.net.br - www.pele.g12.br - www.pele.art.br - www.pele.inf.br - www.pele.rec.br - www.pele.tmp.br

Por este prisma todas as variações acima citadas e todas as outras possíveis, ad infinitum, estariam a violar marca registrada. Deste modo cada vez menos registro de domínio tornar-se-iam possíveis, ao ponto de configurar verdadeiro entrave à sua concessão. Além disso o domínio seria tão extenso ou divorciado da página que não se prestaria de modo algum a divulgar qualquer informação sobre o conteúdo da página, além de ser de impossível memorização. Seria o requerente obrigado, a registrar o domínio do seguinte modo, a fim de não hostilizar a marca registrada

(www.umapaginadofaclubedojogadordefuteboledsonarantesdonascimentooreipelenaorelacionada
comapessoafisicacitadaoucomqualquerempresaqueestapessoapossuaouvenhaaconstituir.org.br)

(Uma página do fã-clube do jogador de futebol Edson Arantes do Nascimento, o "Rei Pelé", não relacionada com a pessoa física citada ou com qualquer empresa que esta pessoa houver constituído ou venha a constituir.)

O exagero da hipótese acima, apesar de lúdico, presta-se para demonstrar a problemática de associar-se o domínio à marca registrada. Por outro lado, se fosse reconhecido que o domínio ofende a marca registrada, o registrante estaria sob constante insegurança jurídica, não sabendo estar ou não sujeito à possível indenização por perdas e danos, mesmo estando de boa-fé e realizando consulta anterior da marca no INPI.

          c) O Direito Marcário Pátrio

          A matéria sobre marcas, patentes e direitos conexos é regulada no direito pátrio pela Lei nº 9.279/96. Em seu artigo 132, IV, consagra a liberdade de expressão, nos seguintes termos:

" Art. 132. O titular da marca não poderá:

(...)

IV - impedir a citação da marca em discurso, obra científica ou literária ou qualquer outra publicação, desde que sem conotação comercial e sem prejuízo para seu caráter distintivo."

          Esta é uma inovação no direito marcário brasileiro, acompanhando uma tendência mundial. É livre a citação de marca registrada sem fins comerciais. A publicação de um artigo acerca de uma determinada marca é válido por permissivo legal. Caso contrário qualquer crítica negativa à marca seria vedado pelo seu titular. Neste prisma seria conduta ilícita a publicação de uma biografia não autorizada sobre uma personalidade política, um astro de rock ou um esportista famoso mundialmente. Além disso, os conflitos entre domínios e marca podem ser equiparados aos conflitos entre nome comercial e marca, nomes de registro de embarcações e marcas. Ensina CLÓVIS SILVEIRA:

          "É de se concluir que um nome de domínio, idêntico ou similar a uma marca registrada, mas que não pressuponha produto idêntico ou similar oferecido para o mesmo mercado, não infringe o direito do titular daquela marca. Pois o titular da marca não é proprietário do sinal, em si, mas sim da aplicação de um sinal a um determinado produto, mercadoria ou serviço. Assim, não há motivo para que um órgão de registro suspenda um nome de domínio como, por exemplo ty.com, feito pelo pai de um menino de nome Ty, para seu uso pessoal, pelo fato da Ty Inc. ter a marca Ty em alguma classe de produtos e serviços (fazendo referência ao caso Giacalone). Tratar-se-ia, no caso, de abuso do direito que foi conferido ao titular da marca, sobre um legítimo direito do titular do domínio, que não o utiliza como marca, mas como endereço na internet." (SILVEIRA, Clóvis, Internet e Propriedade Industrial. Revista da ABPI nº 26, 1998, p.44)

          O Princípio da Especialidade no direito marcário deve ser também cotejado. É perfeitamente possível que nomes idênticos coexistam no mercado sem que haja dano ao consumidor, pelo fato de não guardarem qualquer relação entre si.

          d) A Jurisprudência Norte-Americana

          Consoante com o anteriormente exposto, devido à escassa produção legislativa e jurisprudencial pátria acerca do tema, cumulada com o fato dessa questão ter sido muito mais debatida em solo norte-americano, também por ser o país de origem da rede, trazemos como paradigma as decisões daquele ordenamento jurídico.

          No caso DATA CONCEPTS, INC. v. DIGITAL CONSULTING, INC. (EUA, S.C. Cal., nº 96-00429, j. em 04.08.98) discutiu-se se o mero registro de domínio infringia a marca registrada. A corte formulou oito fatores que determinam o uso ilegal da marca registrada, são eles: 1) a força da marca; 2) a relação dos bens e serviços; 3)a similaridade entre as marcas; 4) evidência de real confusão; 5) os canais de publicidade utilizados; 6) o grau de confusão do consumidor; 7) a intenção de usar a marca; e, 8) a similaridade da expansão das linhas de produção.

          No julgado LOCKHEED MARTIN CORP. v. NETWORK SOLUTIONS INC. o tribunal de apelação californiano estabeleceu que:

          "nomes de domínio, como números de telefones, endereços de ruas, e siglas de estações de rádios, que permitem localizar ou comunicar-se com uma pessoa ou lugar, não ofendem a marca registrada" (EUA, C.D. Cal., nº CV96-7438 DDP, j. em 22/10/96, tradução livre).

Mas de longe o conflito mais famoso nos EUA foi a Mc. DONALDS v. QUITTNER, em que o repórter Joshua Quittner, da revista Wired, para testar a toda poderosa cadeia de lanchonetes Mc Donalds, registrou o domínio "mcdonalds.com" e contactou a diretoria da empresa para negociar a venda do domínio. A questão, após intrincada negociação e grande cobertura da mídia, foi resolvida em acordo amigável, em que a empresa comprometeu-se a doar computadores para escolas locais. Serviu de alerta para o emergente problema dos domínios e a marca registrada (Mc. Donalds v. Quittner, citado por ROSA, Dirceu Pereira de Santa, Questões Relativas a Nomes de Domínio na Internet, Datavênia, n.20, novembro de 1998).

          De grande relevância para o tema, citamos o caso ZIPPO MANUFACTURING INC. v. ZIPPO DOT COM INC. (EUA, W.D. Pa., nº 96-397) , em que a famosa empresa de isqueiros reivindica o domínio "zippo.com" registrado por um fã-clube de colecionadores. A ação encontra-se em trâmite, não tendo sido julgada até o presente momento.

          Pode-se ainda citar inúmeras decisões, tanto nos EUA como na Europa, no sentido de que o registro domínio não infringe a marca registrada, como por exemplo: PATMONT MOTOR WORKS INC. v. GATEWAY MARINE INC. (EUA, N.D. Cal., nº C96-2703 TEH, j. em 18.12.97); PRINCE PLC. v. PRINCE SPORTS GROUP INC. (Inglaterra, Alta Corte, nº CH1997-P2355, j. em 1997); CLUE COMPUTING INC. v. NSI (EUA, D.C. Col., nº 96-cv 964, j. em 1996), entre outros.

          e) A Decisão Unânime do Eg. TRF4

Tão escassa a produção jurisprudencial pátria acerca do tema, pouco se tem para garimpar dos pretórios. A matéria, até então inédita, foi desafiada pelo Eg. TRF da 4ª Região em sede de agravo de instrumento, no célebre caso da gigante norte-americana America On Line. O julgamento, unânime, concedeu o domínio ao registrante, e pugnou pelo total divórcio entre a marca e o domínio virtual, pois:

          "... em primeiro lugar, porque a marca, enquanto propriedade industrial, não se confunde com o nome de domínio na seara das intercomunicações informatizadas; em segundo lugar, porque a marca tem identidade e exaure-se em sua própria formação como elemento autônomo (AOL), infactível firmar-se a proibição de sua integração composta em outra desinência (aol.com.br) que - se bem diz da individualidade de seu titular, não necessariamente corresponde à sua marca - é aplicada estritamente como endereço de correio eletrônico e não como indicador de serviço, de produto ou de bem de comércio." [TRF4. Agravo de Instrumento nº 1999.04.01.011609-2/PR. 4ª T. J. em 18/05/1999. DJ de 02/06/99, bol. 166/99.]

           f) O Polêmico Acórdão do Eg. TJ/PR

De grande repercussão na mídia, a inusitada decisão do tribunal paranaense divergiu frontamente com o aresto do TRF da 4ª Região. Cuidando-se de ação cominatória cumulada com indenizatória, promovida por AYRTON SENNA PROMOÇÕES E EMPREENDIMENTOS LTDA.(ASPE) v. LABORATÓRIO DE APRENDIZAGEM INFANTIL MEU CANTINHO S/C LTDA ME., a pré-escola curitibana (a qual é patrocinada por quem esta subscreve) registrou o domínio ayrtonsenna.com.br, visando à implementação de fã-clube virtual do piloto, endereço este que foi reivindicado pela ASPE.

           Conquanto a integral rejeição do pleito indenizatório (qual era a quantia de R$100.000,00, além de certa porcentagem do faturamento), demonstrando a ausência de dano material e moral, entendeu a 2ª Câmara Cível do TJ/PR que a marca registrada alcança de fato o nome de domínio, utilizando-se de analogia para a defesa da propriedade intelectual, sob o fundamento de que:

           Do exposto, resta evidente que a pretensão do apelante de utilizar o nome de domínio "ayrtonsenna.com.br", na rede mundial de computadores internet, sem a indispensável autorização da autora-apelada, encontra óbice não só na lei, mas também, nas regras de ordem ética e moral que devem necessariamente pautar as relações humanas e comerciais.
(TJ/PR. Ap. Civ. nº 86.382-5. Rel. Des. Sidney Mora. J. em 29/03/00. DJ/PR 10/04/00)

           Como se dessume deste excerto, aquele colegiado igualou a marca registrada ao domínio virtual, não obstante todas as incongruências éticas e lógico-formais que tal equiparação ocasiona.


IV - CONCLUSÃO

A mais difícil tarefa do operador do direito é realizar juízos de valor entre os princípios jurídicos cotejados no caso concreto. Faz-se pertinente o exame axiológico de dois princípios basilares do estado de direito, a proteção da propriedade e a liberdade de expressão. Cabe ao operador jurídico elastecer seus conceitos e ponderar, para que um princípio não contradiga o outro. Em verdade, não há real contradição entre princípios, eles apenas se limitam em um sistema lógico. Quando a propriedade avança no campo da liberdade devemos então questionar qual é seu limite e utilidade. Há de se fazer uma análise finalística do instituto. A propriedade em nosso ordenamento é sempre limitada e tem caráter eminentemente social. A Internet é um campo completamente novo a ser conquistado e desbravado. Os pioneiros dessa "invenção" equivalem aos descobridores e conquistadores. No passado a propriedade pertencia a quem delimitava suas terras e cravava sua bandeira. Na Internet a propriedade pertence a quem delimita seu espaço virtual e registra seu domínio, como forma de aquisição primária.

Cabe às Cortes a tarefa de reconhecer tal direito primário de aquisição e gravá-lo de juridicidade. É de reconhecer-se a árdua tarefa de delimitar um continente recém descoberto. Mas nada menos se espera de nossos magistrados.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GUBERT, Pablo Andrez Pinheiro. O registro de domínio e o alcance da marca registrada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 42, 1 jun. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1779. Acesso em: 22 nov. 2024.

Mais informações

O texto foi baseado em pesquisas realizadas pelo autor, que é advogado da Escola "Meu Cantinho", em Curitiba, que disputa o nome de domínio ayrtonsenna.com.br com a Ayrton Senna Promoções e Empreendimentos Ltda.

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