O mau uso dos princípios
Com o emprego confuso e incoerente dos princípios desvia-se para o caminho da perda de conteúdo e juridicidade. Ao aplicarem-se os princípios utilizando-se de valoração exigem-se escolhas completamente discricionárias, as quais irão remeter à responsabilidade moral e política dos juízes. [28]
É exatamente na discricionariedade que se assenta contundente crítica ao positivismo. Ligada umbilicalmente ao subjetivismo, a discricionariedade é a derrocada do Estado de Direito e a carta branca para que os juízes tornem-se legisladores.
O grande inimigo do uso prudente dos princípios é a retórica principial. Como ensinava Sócrates, a retórica é uma habilidade (empeirian) voltada exclusivamente para a persuasão. [29] O "Mestre dos mestres" (no dizer de Montagne [30]), combatia a retórica porque era um instrumento de que se valiam os sofistas com a finalidade "persuadir mediante discursos juízes nos tribunais, políticos nas reuniões do Conselho, o povo na Assembléia ou um auditório em qualquer reunião política." [31] Seria uma produtora de persuasão para a crença, e não para a instrução no que diz respeito ao justo e ao injusto. [32] A função do orador não seria instruir um tribunal ou uma reunião pública no tocante ao justo e injusto, mas somente levá-los à crença. [33] Daí a máxima de Sócrates: "Resumo sua essência na palavra adulação" (kolakeian).
O uso da retórica e da persuasão (para a crença) na aplicação dos princípios gera um desvirtuamento de seu sentido. Vulgarizando-os. É a primazia do argumento forte sobre o argumento verdadeiro. Dos sofistas sobre os socráticos.
O maior prejuízo da retórica principial é a perda da juridicidade das normas. No âmbito constitucional, da força normativa (Konrad Hesse [34]). Depara-se novamente com a discricionariedade, visto que o magistrado cria os princípios que lhe convém e faz dos princípios o que bem entender.
CONCLUSÃO
Começou-se expondo a teoria do ilustre professor Paulo Bonavides acerca dos princípios, destacando que, para o mestre, princípios são as normas-chave de todo o sistema jurídico.
Estando calcada em doutrina do mais alto gabarito, como Ronald Dworkin e Robert Alexy, a teoria do professor Bonavides alinha-se perfeitamente com o Constitucionalismo pós-positivista. Após discorrer-se brevemente sobre a evolução por que passaram os princípios, toca-se no ponto central da teorização do professor paraibano: a passagem da normatividade dos princípios dos Códigos para a Constituição. Essa transição determina a completa supremacia dos princípios, culminando na jurisprudência dos princípios, equiparada à jurisprudência dos valores por Bonavides.
Após, percorre-se os caminhos da teorização do jurista gaúcho Lenio Luiz Streck, constatando-se que os princípios têm o mote de impedir múltiplas respostas, fechando a interpretação. Tal assertiva vai de encontro à tese defendida por Robert Alexy de que os princípios seriam mandados de otimização.
Ainda acerca do pensamento do professor Lenio Streck, afirma-se que os princípios não "criam direito novo", quão máximo "produzem direito novo". Posto isso, em derradeiro momento, assevera-se que a proclamada "era dos princípios" não veio para dotar os juízes de super-poderes, permitindo-os descobrir os valores ocultos por trás dos textos. São os princípios, em verdade, uma garantia e um maior controle sobre as decisões judiciais, visto que devem ser fundamentadas. Os princípios são a garantia de um Estado verdadeiramente Democrático e de Direito.
Depois de analisar o conceito de prudência, com base nos escritos do filósofo francês André Comte-Sponville, partiu-se para a advertência acerca da sacralização a que são, por diversas vezes, submetidos os princípios. Alerta-se para a grande panacéia que alguns magistrados fazem com eles, dizendo qualquer coisa de qualquer jeito.
Conseqüência direta da sacralização é o mau-uso dos princípios, por meio do seu emprego incoerente, e a conseqüente perda de conteúdo e juridicidade. Quando os juízes põem-se a valorar os princípios emerge o subjetivismo, inimigo mortal do Estado Democrático de Direito, razão da mais incisiva crítica ao positivismo.
Um segundo problema apontado, é o uso da "retórica para a crença", referida por Sócrates no diálogo Górgias [35]. A primazia do argumento forte sobre o argumento verdadeiro, desvirtuando o sentido dos princípios e vulgarizando-os. Essa retórica principial é prática sofista, diametralmente oposta às práticas socráticas.
Enfim, propomos a defesa temperada dos princípios e a sua inclinação às virtudes. Ressalte-se que nunca se deve perder de vista o caráter jurídico dos princípios, sob pena de enfraquecer o vínculo normativo do Direito e de incorrer em discricionariedade. A abordagem dos princípios deve ser lúcida e livre de juízos de valor arbitrários. Finalmente, defendemos a aplicação socrática dos princípios, em contraposição à aplicação sofística das teorias da argumentação.
REFERÊNCIAS
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Notas
- HAWKING, Stephen W. Proteção cronológica: um mundo mais seguro para os historiadores. p. 89. In HAWKING, Stephen W. [et al.] O futuro do espaço-tempo. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
- Idem. p. 89.
- COMTE-SPONVILLE, André. Valor e verdade:estudos cínicos. São Paulo: Martins Fontes, 2008. p. 43. Comte-Sponville faz essa afirmativa baseado em BALIBAR, François. Galilée, Newton, lus par Einstein. Paris: PUF, 1984. p. 122.
- STRECK, Lenio Luiz. Aula Magna – Jurisdição Constitucional e Hermenêutica. In http://leniostreck.com.br/index.php?option=com_seyret&Itemid=30.
- PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Democracia, liberdade, igualdade (os três caminho). Campinas: Bookseller, 2002. p. 55.
- BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 286.
- BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 259.
- Idem. 261.
- DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2007.p. 39.
- Idem. p. 42.
- BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 279-280.
- Idem. p. 291 e 294.
- Idem. p. 292-293.
- Idem. p. 294.
- Idem. p. 294.
- STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso. Constituição, Hermenêutica e Teorias Discursivas. 2ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 142.
- Idem p. 143.
- STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise: uma exploração hermenêutica da construção do Direito. 6ª edição Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 113.
- Idem. p. 113, 114.
- STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso. Constituição, Hermenêutica e Teorias Discursivas. 2ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 143.
- STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso. Constituição, Hermenêutica e Teorias Discursivas. 3ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 514-515.
- Idem. p. 515-528.
- Idem. p. 515-530.
- Idem. p. 518-522.
- STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso. Constituição, Hermenêutica e Teorias Discursivas. 2ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 145.
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