1.O controle da publicidade infantil na legislação de alguns países
A extensão das medidas legislativas controladoras das mensagens publicitárias dirigidas aos menores varia, consideravelmente, entre os diversos sistemas jurídicos internacionais [01]. Tais variações são influenciadas pelas diversidades econômicas, pelas culturas jurídicas de liberdades econômicas e de ofício, e pelas percepções sobre as influências da publicidade infantil na proteção da criança e da família e do seu impacto no desenvolvimento da criança e na sociedade em geral. Em meio a essa diversidade encontram-se princípios comuns, mas que podem assumir pesos diferentes. Referem-se ao grau de proteção aos menores no âmbito da regulamentação da atividade publicitária, definindo as circunstâncias em que ocorrerão as restrições.
A análise dos diversos sistemas jurídicos [02] demonstra que a intensidade das atividades de regular e fiscalizar a publicidade que envolve os menores varia bastante de acordo com a cultura de consumo e com o grau de envolvimento com o mercado de consumo de cada país, havendo aqueles em que há um forte controle dessas mensagens através de regulamentos rígidos e da intensa pressão por parte de associações de defesa dos consumidores, e aqueles onde a enraizada cultura de consumo impede qualquer limitação à oferta de bens de produção em massa. Nos Estados Unidos, por exemplo, o Marketing de bens destinados a crianças é praticamente considerado um direito constitucional fundamental já há algumas décadas [03] (SCHOR, 2006, p.44; LINN, 2006, p.191).
O que parece unânime é a afirmação de que o menor merece uma consideração especial no campo da publicidade, o que se conclui da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (JHUALLY, 1990, p. 46), ao estabelecer que ele deve ser "livre de exploração prejudicial a qualquer aspecto do seu bem-estar" e nos projetos político-legislativos da União Europeia [04].
Em 1937, a Câmara do Comércio Internacional – CCI (International Chamber of Comerce - ICC) editou e aprovou as diretrizes do Código Internacional da Prática Publicitária, que foi revisto no decorrer dos últimos 70 anos (CCI, 2008, p.6). Seus termos foram elaborados para adoção em códigos nacionais de autorregulamentação e continuam influenciando praticamente todas as normas de autocontrole da publicidade elaboradas pelas diversas entidades privadas de controle da atividade ao redor do globo. Quanto aos limites impostos à publicidade dirigida às crianças, pode-se afirmar que grande parte dos dispositivos das regras de autocontrole em vigor na maioria dos países possui previsões inspiradas no atual Código Consolidado da CCI sobre Práticas de Publicidade e Comunicação Comercial [05].
O Código Internacional estabelece alguns princípios básicos de cuidado nas comunicações comerciais direcionadas ao público infantil: a mensagem não deve comprometer as atitudes, o comportamento social e o estilo de vida das crianças, que devem ser necessariamente positivos; produtos não destinados às crianças não devem ser anunciados a este público; e o discurso da publicidade infantil deve ser apropriado a esta faixa etária. Estas premissas, estabelecidas no artigo 18 das Disposições Gerais do Código Internacional, se subdividem em três detalhados dispositivos que tratam do reconhecimento da inexperiência e credulidade da criança consumidora (com exigências acerca da transparência da mensagem publicitária e dos deveres de informação adequados à idade infantil), da prevenção de danos (buscando combater mensagens publicitárias que estimulem comportamentos perigosos) e dos valores sociais (cujas disposições buscam tutelar a criança contra estímulos ao consumismo e contra o uso de estratégias que afetam negativamente a família e a sua convivência social). O Código da Câmara de Comércio Internacional ainda trata da comunicação comercial para crianças em meios eletrônicos (art. D7).
Com relação ao controle público supranacional, merece especial destaque a legislação da União Europeia. No dia 3 de Outubro de 1989, o Conselho Europeu aprovou a Diretiva
[06] 89/552/CEE, denominada também por Television Without Frontiers Directive – TWF (Diretiva Televisão Sem Fronteiras),relativa à coordenação de certas disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros, relativas ao exercício de atividades de radiodifusão televisiva. Um de seus objetivos foi harmonizar as regras da publicidade televisiva eimpedir que as transmissões transfronteiriças desrespeitassem as leis nacionais. Ao considerar a necessidade de se prever normas para a proteção do desenvolvimento físico, mental e moral dos menores nos programas e na publicidade televisiva, a Diretiva prevê em seu artigo 16 que:A publicidade televisiva não deve causar qualquer prejuízo moral ou físico aos menores, pelo que terá de respeitar os seguintes critérios para a proteção desses mesmos menores:
a) Não deve incitar diretamente os menores, explorando a sua inexperiência ou credulidade, à compra de um determinado produto ou serviço;
b) Não deve incitar diretamente os menores a persuadir os seus pais ou terceiros a comprar os produtos ou serviços em questão;
c) Não deve explorar a confiança especial que os menores depositam nos seus pais, professores ou noutras pessoas;
d) Não deve, sem motivo, apresentar menores em situação de perigo.
Por sua vez o artigo 22º estabelece que:
Os Estados-membros tomarão as medidas apropriadas para assegurar que as emissões dos organismos de radiodifusão televisiva sob a sua jurisdição não incluam programas susceptíveis de prejudicar gravemente o desenvolvimento físico, mental ou moral dos menores, nomeadamente programas que incluam cenas de pornografia ou de violência gratuita. Esta disposição aplica-se a todos os programas que sejam susceptíveis de prejudicar o desenvolvimento físico, mental ou moral dos menores, exceto se, pela escolha da hora de emissão ou por quaisquer medidas técnicas, se assegurar que os menores que se encontrem no respectivo campo de difusão não vejam ou ouçam normalmente essas emissões.
Tanto a diretiva europeia quanto o código internacional da câmara de comércio internacional combinam, na maior parte dos seus termos, o que demonstra que, ao menos no âmbito do direito internacional, o controle público e privado se encontram em sintonia. Ambas as normas reconhecem como lesivas as formas em que as mensagens publicitárias violam o desenvolvimento social saudável da criança e a autonomia da sua vontade. E, na concepção de ambos os tratados, optou-se pelo uso de exemplos de estratégias publicitárias que são proibidas pelo abuso da credulidade e inexperiência da criança consumidora.
Os dois primeiros exemplos do artigo 16 da referida diretiva europeia resumem as estratégias básicas da atividade publicitária voltada ao público infantil: dirigir-se diretamente à criança no aproveitamento de sua condição especial de desenvolvimento cognitivo e da sua personalidade e estimulá-la a dirigir-se aos seus pais com apelos de compra, mais conhecida como "fator amolação". É o que também estabelece, em outros termos, o código internacional de autorregulamentação. Ambas as estratégias mercadológicas serão objeto de análise mais profunda, no que diz respeito aos seus efeitos psicológicos e jurídicos, no capítulo 3 do presente estudo. Todavia, desde já, ressalta-se a preocupação do legislador europeu com a proteção da liberdade plena da criança e da sua família na sociedade de consumo, afetadas por estas práticas publicitárias.
O que importa no presente momento é a verificação de que as normas internacionais reconhecem como premissa inicial de seu controle que a publicidade é ilícita quando se aproveita da inexperiência e da credulidade da criança. Em seguida, detalham este conceito em diversos exemplos de mensagens e discursos proibidos.
O tratamento dado pelo direito brasileiro, quando comparado à diretiva europeia, em especial cujos dispositivos foram transpostos para os países membros de forma mais ou menos rigorosa, se apresenta muito mais superficial, já que o código brasileiro de defesa do consumidor, como será visto no tópico seguinte, proíbe apenas a publicidade que se aproveita da deficiência de julgamento e da inexperiência da criança. Esta mesma disposição na legislação europeia (art. 16, "a": explorar sua inexperiência e credulidade) é apenas pressuposto do controle deste tipo de publicidade que se ramifica em vários outros dispositivos, dando à norma europeia muito mais eficácia em razão da especialidade dos seus dispositivos.
Neste sentido, as legislações nacionais dos estados membros da união europeia que transpuseram a Diretiva Televisão Sem Fronteiras e as de outros países que, mesmo não sendo membros, se influenciaram na norma comunitária apresentam um controle público da publicidade dirigida às crianças muito mais claro e eficaz do que o presente no ordenamento brasileiro.
Em Portugal, foi a partir de Março de 1987 que se despertou o debate sobre o impacto da publicidade na formação das crianças e adolescentes quando foram elaboradas recomendações sobre os "os menores e a publicidade" pelo Conselho da Publicidade [07] e posteriormente em Julho de 1988. De acordo com essas recomendações, no âmbito das publicidades dirigidas aos menores, deveriam ser observadas "a não exploração da credulidade dos menores; a não criação de frustrações, ou o encorajamento de atitudes estereotipadas; os princípios básicos da alimentação racional ou da saúde e segurança dos jovens consumidores" (SIMÃO JOSÉ, 1995, p.115).
Mas desde 1980 o legislador português volta sua atenção ao menor no campo da publicidade, o que se verifica através do artigo 23º do revogado Decreto-Lei nº 421/80, de 30 de Setembro.
O Código da Publicidade – Decreto-Lei nº 330/90, de 23 de Outubro, que transpôs ao ordenamento português a Diretiva Europeia 89/552/CEE, protege o menor tanto como destinatário (artigo 14º, nº 1) como interveniente (artigo 14º, nº 2) da mensagem publicitária. Na primeira situação prevê o Código Português que:
1 - A publicidade especialmente dirigida a menores deve ter sempre em conta a sua vulnerabilidade psicológica, abstendo-se, nomeadamente, de:
a) Incitar diretamente os menores, explorando a sua inexperiência ou credulidade, adquirir um determinado bem ou serviço;
b) Incitar diretamente os menores a persuadirem os seus pais ou terceiros a comprarem os produtos ou serviços em questão;
c) Conter elementos susceptíveis de fazerem perigar a sua integridade física ou moral, bem como a sua saúde ou segurança, nomeadamente através de cenas de pornografia ou do incitamento à violência;
d) Explorar a confiança especial que os menores depositam nos seus pais, tutores ou professores.
Salienta-se a alteração do Código da Publicidade Português realizada através do Decreto-Lei nº. 275/98, de 9 de Setembro [08] que alargou o âmbito da alínea "c" do citado artigo, levando em consideração na publicidade os elementos que ponham em causa a saúde do menor ou em que haja cenas de pornografia.
Verificam-se na lei portuguesa as preocupações do legislador com a imaturidade e ingenuidade dos menores; com os conflitos familiares gerados pelos insistentes apelos de compra dos menores aos pais e com a proteção da confiança existente entre ambos; e com as imagens e mensagens que poderão influenciar no comportamento e na formação cultural e moral desse público consumidor [09].
O legislador espanhol, por sua vez, ao transpor a Diretiva Europeia Televisão Sem Fronteiras para o ordenamento jurídico da Espanha, incluiu alguns elementos de proteção da criança em face da publicidade a ela dirigida, inexistentes na lei portuguesa. A Lei Espanhola 25/1994, posteriormente alterada pela Lei 22/1999 estabelece em seu artigo 16 (além do que também já prevê o código de Portugal) que: (d) no caso de publicidade ou de televenda de brinquedos, estas não poderão induzir as crianças a erro sobre suas características, segurança, nem sobre a capacidade e atitudes necessárias na criança para utilizar os brinquedos anunciados sem produzir danos a si próprios ou a terceiros; (e) a publicidade ou a televenda dirigida a menores deverá transmitir uma imagem igualitária, plural e não estereotipada de homens e mulheres [10].
Mesmo com dispositivos muito mais bem trabalhados do que o que ocorre com a legislação brasileira, garantindo melhor complexidade do instituto de controle público da publicidade infantil espanhol em relação ao brasileiro, na Espanha também se perpetua intensa reclamação entre as associações de defesa dos consumidores e as entidades públicas de defesa das crianças com relação à eficácia da Lei 25/1994. Esta movimentação das organizações civis e públicas exige do Poder Público espanhol medidas efetivas que incrementem a proteção já consagrada pela referida legislação [11] (GONZÁLEZ, 2005, p.63).
Alguns países impõem limites sobre a publicidade dirigida aos menores, utilizando critérios de idade. Reconhecem que, de acordo com a idade do ser humano, sua capacidade de perceber a publicidade pode variar. Quanto mais jovem, mais difícil distinguir entre um programa televisivo e uma mensagem publicitária. Para muitos autores (SOARES, 2002, p.200; BUNTER e FURNHAM, 2001, p.198; e ALVES, 2001, p.302), é a partir dos doze anos de idade que o indivíduo se torna capaz de identificar a publicidade e as suas intenções. Nesse sentido, algumas regulamentações demonstram uma preocupação dos seus países em impedir que as técnicas publicitárias causem confusão entre programas infanto-juvenis e a publicidade, reconhecendo que é muito tênue o limite entre ambos, e limitando a faixa etária do destinatário da publicidade.
A Suécia [12] e a Noruega (CRIANÇA E CONSUMO, 2009, p.65) adotaram as medidas mais rigorosas da Europa no controle da publicidade infantil e proibiram qualquer anúncio comercial destinado a consumidores abaixo de 12 anos de idade.
Na Inglaterra, o público consumidor menor de idade que merece proteção especial é aquele com idade igual ou inferior a 15 anos (OFCOM, 2009, p.8), e na Irlanda o conceito de criança e jovem é flexível, devendo ser analisado caso a caso de acordo com o produto anunciado e o público-alvo de interesse da mensagem publicitária (FROTA, 2006, p.52 – 56).
A província de Quebec, que ficou de fora da lei da publicidade do Canadá, proíbe a publicidade destinada a crianças menores de 13 anos de idade, por meio do Quebec Consumer Protection Act (MOMBERGER, 2002, p. 86), enquanto as demais regiões do Canadá permitem, porém controlam rigorosamente, a publicidade dirigida aos menores de 12 anos, a partir de um sistema misto de controle da publicidade em que as entidades públicas de controle se guiam pelas regras implementadas pelas entidades de autorregulamentação [13].
Ao reconhecer que é bastante prejudicial ao consumidor infantil a confusão que se faz entre a publicidade e os programas televisivos, alguns sistemas jurídicos impedem essa associação. Na região flamenca da Bélgica é proibida a publicidade infantil e qualquer anúncio publicitário durante os cinco minutos que antecedem programas infantis; na Alemanha, os programas infantis não podem ser interrompidos por publicidade, enquanto que na Dinamarca proíbe-se a interrupção dos programas infantis por anúncios publicitários, ainda que cinco minutos antes ou depois do programa (CRIANÇA E CONSUMO, 2009, p.64-66).
Na Grécia, é ilícita qualquer publicidade televisiva sobre brinquedos entre as 7 horas e as 22 horas (FROTA, 2006, p.51), horários em que há audiência dos menores e que, comumente, não estão sob a guarda dos pais. O Canadá, de uma forma mais permissiva, também regula a publicidade dirigida às crianças durante o horário da programação televisiva infantil, limitando a quantidade de publicidades de um determinado produto a uma vez a cada meia hora, não podendo cada uma dessas publicidades exceder o tempo de quatro minutos.
A segunda parte do artigo 14 do Código da Publicidade Português se refere ao envolvimento do menor como interveniente da publicidade ao estabelecer que: "2 - os menores só podem ser intervenientes principais nas mensagens publicitárias em que se verifique existir uma relação direta entre eles e o produto ou serviço veiculado". Assim, a lei determina quando o menor atuará como personagem da publicidade, não sendo permitida a sua utilização como ator quando os produtos ou serviços anunciados não devam ser colocados à disposição de seu consumo, pelas suas características, qualidades, natureza ou utilização.
Na França, a utilização de imagem de pessoas menores de 16 anos com fins publicitários é altamente controlada (JHUALLY, 1990, p.89). Utilizando as designações "criança" e "adolescente", a legislação francesa coincide, em parte, com a legislação portuguesa, porém abrange algumas questões mais específicas ao delimitar as razões que podem levar o publicitário a utilizar menores em sua campanha. Além da obrigatoriedade de somente se utilizar crianças e adolescentes como intervenientes em mensagens publicitárias que tenham relação direta com produtos destinados a esse público, a legislação francesa incide, também, sobre o conteúdo dos diálogos, que devem ser naturais e situarem-se num contexto familiar.
O controle privado possui uma especial importância em alguns países de cultura anglo-saxã, como na Austrália, onde os menores têm seu interesse como consumidores e seu desenvolvimento cultural protegidos, nomeadamente, contra a publicidade televisiva, a partir de um sistema misto e eficiente de controle da publicidade através do Children’s Television Standards [14]do órgão de Governo Australian Communication and Media Authority e do Code for Adverstising & Marketing Communication to Children [15]da entidade de autocontrole privado Advertising Standard Bureau. Ao permitir a publicidade dirigida às crianças, a combinação de legislações pública e privada da Austrália cuidam para que a credulidade e inocência das crianças sejam protegidas a partir do controle do conteúdo das mensagens publicitárias e, principalmente, determinando as condições que o discurso comercial será transmitido para este público sob princípios de transparência, clareza, verdade.
O teor da regulamentação Australiana é também semelhante ao do sistema vigente no Reino Unido, que regula a atividade publicitária, minimizando os seus efeitos negativos sobre as crianças e os adolescentes, a partir de sistemas paralelos de regulamentação [16]. As normas britânicas recomendam que a mensagem publicitária não deva incitar o público infanto-juvenil a conversar com estranhos e nem se deslocar a locais desconhecidos (artigo 7.3.4 – Vulnerability, TV Advertising Standards Code). O consumidor protegido pela legislação britânica, devido à sua vulnerabilidade como criança, é aquele com idade igual ou inferior a 15 anos, podendo ser as normas aplicadas em favor de qualquer outro público consumidor acima dessa idade que, devido à sua vulnerabilidade, devam ser protegidos [17].
Além de outros vários elementos que não podem estar contidos em mensagens publicitárias britânicas, em proteção aos menores, é possível destacar o previsto no artigo 7.2.2 do TV ASC e 11.4 do Radio Advertising Standards Code. De acordo com este artigo, a propaganda não deve induzir a criança a pensar que é inferior à outra, ou diminuir alguém, pelo fato de ela ou sua família não usarem o produto ou serviço anunciado. Já os artigos 7.1.4 e 7.1.5 do TV ASC e 11.2 do Radio ASC determinam que quando se tratar de um produto caro [18] o anúncio deve conter o preço e, se este for informado, não poderão ser utilizadas as expressões "apenas" ou "somente". A linguagem da mensagem publicitária deve levar em consideração o nível de experiência normalmente esperado de um grupo de pessoas da idade do consumidor destinatário da mensagem (art. 7.1.2, TV ASC). Não devem ser utilizadas expressões vagas e ambíguas. Dessa forma, o Código evita expectativas irreais geradas nesses consumidores. Entretanto, não parece necessária a observância dessa premissa, caso a publicidade seja transmitida nas condições em que as crianças estejam sob a observação dos seus responsáveis, como por exemplo, a publicidade de um vídeo-game durante a programação transmitida em horário avançado da noite.
Não só com a linguagem devem ser observados certos cuidados por parte dos publicitários britânicos, mas também com as cenas e imagens transmitidas durante a publicidade. Ao considerar que as crianças possuem extrema dificuldade com a distinção entre cenas reais de demonstração do produto e situações imaginárias interpretadas, os anunciantes devem tornar bem clara essa distinção, em respeito ao artigo mencionado, adotando os devidos cuidados com os ângulos de filmagem e com as cenas criadas em computador ou em técnicas de montagens e cortes rápidos das cenas que podem confundir a mente infantil [19].
Em semelhança à alínea "b" do nº 1 do artigo 14 do Código da Publicidade português, o TV Advertising Standards Code da Inglaterra prevê em seu artigo 7.2.1 que as publicidades não devem recomendar ou pedir que as crianças comprem ou peçam seus pais ou outros para comprar, evitando assim, o surgimento de conflitos familiares pelos insistentes apelos dos mais jovens. Com o mesmo teor, o artigo 11.5 do Radio Advertising Standards Code, acrescenta o exemplo de expressões proibidas como "ask dad" ou "ask mom" ("peça à mamãe" ou "peça ao papai").
Assim, como toda norma de autorregulamentação acerca do assunto, os Códigos britânicos determinam que as mensagens publicitárias não poderão apresentar situações que induzam os menores a colocar em risco a sua própria segurança e saúde ou a de outros menores [20].
Os códigos britânicos trazem a proibição do uso publicitário de um elemento muito característico da cultura juvenil britânica e presente ainda mais na cultura norte-americana: o bullying. O bullying, que não possui tradução para o português, pode ser entendido como "todas as formas de atitudes agressivas, intencionais e repetidas, que ocorrem sem motivação evidente, adotadas por um ou mais estudantes contra outro(s), causando dor e angústia, e executadas dentro de uma relação desigual de poder" [21]. Trata-se de um novo fenômeno social existente entre os adolescentes, que esteve sempre presente na cultura Norte-Americana (onde também sempre esteve presente a figura do aluno "mais popular"), no qual os atos repetidos entre estudantes e o desequilíbrio de poder são as características essenciais, que tornam possível a intimidação da vítima, ou seja, o jovem mais inocente e fraco. São atitudes de exclusão do grupo, intimidação, isolamento, perseguição e até mesmo maus tratos físicos entre colegas.
Assim, o artigo 7.3.3 do Código de Padrões da Publicidade Televisiva da Inglaterra, determina que a mensagem publicitária não poderá incentivar nem justificar o bullying. Como exemplo, a publicidade não poderá mostrar imagens de crianças sendo menosprezadas ou rejeitadas por seus colegas por não usar o produto anunciado.
No que tange a utilização de menores nas mensagens publicitárias, também somente é permitido no Reino Unido que os menores sejam intervenientes em mensagens publicitárias sobre produtos ou serviços que sejam de interesse de consumidores de sua idade, conforme artigo 7.2.3 do TV ASC.
Em Dezembro de 2001, preocupado com o aumento progressivo do Marketing agressivo orientado para a conquista do mercado infanto-juvenil, e ao mesmo tempo, preocupado com o modo como estas restrições reduzem as receitas provenientes de patrocínio e de publicidade em programas para crianças, o Governo Dinamarquês, através de seu Consumer Ombudsman, propôs uma linha de orientação ao mercado publicitário, denominada "Crianças, Jovens e Práticas de Marketing" (SOARES, 2004, p.212 a 214).
Em Portugal, nos locais frequentados pelos menores de idade como instituições de ensino, centro de atividades para jovens e centros esportivos e culturais, assim como na Dinamarca, também devem ser observados os princípios de proteção a esse público consumidor, não podendo haver, nesses locais, divulgação de materiais pornográficos, tabaco ou bebida alcoólica, conforme estabelecem os artigos 17, nº 5 e 20 do Código da Publicidade.
No Canadá, o Código de Emissões de Publicidade para Crianças foi elaborado a partir de um trabalho em conjunto da Fundação para a Publicidade Canadense e a Associação de Radiofusores em 1993 (SOARES, 2004, p.215).
O Governo dos Estados Unidos da América, sempre lembrado pela excessiva liberdade de seus publicitários e pelas demais garantias legais fornecidas aos anunciantes, que gera a força do marketing das empresas americanas e milhões de dólares gastos com as campanhas publicitárias, tem sofrido uma grande pressão por parte de associações de pais e defensores dos direitos das crianças pela permissividade das suas regras de controle.
Assim, em 1990, foi promulgado o Children´s Television Act (MAXEINER, p.125), que inovou ao limitar o período total de duração dos anúncios televisivos em 10,5 minutos por cada hora de programação aos finais de semana e em 12 minutos durante a semana. Suas disposições resultam insuficientes, e o Governo Estadunidense sofre grande pressão de organizações civis como a Stop the Commercial Explotation to Children – SCEC, que contam com mais de 30 instituições associadas, e signatárias da Declaração de Direitos dos Pais, por meio da qual demandam a proibição total da publicidade dirigida às crianças (VILAR, 2007, p.81).
A atividade publicitária, nos Estados Unidos, possui uma autorregulamentação específica para a publicidade dirigida a menores, que se faz por meio da Self Regulatory Guidelines for Children’s Advertising [22] com princípios bastante comuns aos regulamentos internacionais sobre o assunto como proteção à imaturidade, credulidade e falta de conhecimento das crianças, contra o uso de linguagens inapropriadas para a compreensão infantil, contra as situações de risco causadas pelos anúncios e contra apelos sexuais e incentivos à violência. Além disso, a publicidade dirigida às crianças deve divulgar valores fundamentais como a amizade, honestidade, justiça e generosidade; deve evitar os estereótipos sociais e contemplar os grupos minoritários; e deve contribuir para um reforço nas relações entre pais e filhos.
Este controle privado da publicidade infantil nos Estados Unidos se realiza pela Children’s Advertising Review Unit (CARU), uma entidade de autorregulamentação, que se afirma nos objetivos de cuidar para uma publicidade responsável para crianças. A CARU é administrada pelo Council of Better Business Bureaus (CBBB) e fundada por membros da indústria de publicidade infantil [23]. A cultura liberalista do Direito Norte-Americano e a concentração neste país das grandes indústrias multinacionais de produtos infantis parecem ser os grandes obstáculos à adoção de medidas mais eficazes pelos organismos públicos e à elaboração de leis restritivas, tornando ineficientes as medidas adotadas naquele país, tanto no âmbito público quanto privado. A lógica liberal e capitalista dos Estados Unidos, que legitima a defesa do direito de fazer publicidade como um direito fundamental de liberdade de expressão comercial, impede a intervenção do Estado no controle da publicidade dirigida às crianças.
Por sua vez, as entidades privadas de autorregulamentação, sempre mantidas pelos próprios publicitários e industriários, não são capazes de se esquivarem dos interesses maiores dos seus mantenedores: os lucros com a venda dos produtos anunciados a partir da liberdade absoluta da publicidade. Neste sentido, o controle privado como único sistema de controle da publicidade não tem a mesma eficácia que o controle público ou misto.
Os Estados Unidos e os Estados-Membros da Comunidade Europeia sofrem uma forte pressão por parte da Suécia que deseja convencê-los a banir a publicidade dirigida a menores. Na Suécia, onde durante mais de três décadas havia apenas dois canais estatais de televisão financiados através de taxas pagas pelos telespectadores (BULGARELLI, 1985, p.89), desde 1991 a publicidade dirigida ao público consumidor com idade igual ou inferior a 12 anos é totalmente proibida.
Nos canais estatais da Suécia, a programação comercial era totalmente proibida. Entretanto, na década de 80, as famílias passaram a receber a transmissão por satélite de canais de outros países que incluíam publicidade. Em consequência disso, surgiram legislações que regulavam a transmissão de canais de televisão com a legalização da publicidade. Contudo, a publicidade dirigida a menores de 12 anos continuou totalmente proibida, com base na Lei de Radiodifusão, sob o argumento de que,
[...] ao contrário dos adultos, as crianças são incapazes de distinguir um anúncio publicitário de um programa; as mensagens publicitárias não devem, por isso, atingir jovens que não entendem o que vêem e o que ouvem; somente quando as crianças chegam à idade em que compreendem os objetos escondidos da publicidade é que devem ser expostas a estas mensagens, as quais devem obedecer a regras éticas estabelecidas pelos próprios profissionais [24].
A seção 4 do Capítulo 7 da Lei de Rádio e Televisão da Suécia (Swedish Radio and Television Act) estabelece a proibição da seguinte forma:
A publicidade comercial em um programa de televisão não pode ser concebida para atrair a atenção das crianças com menos de 12 anos de idade. Indivíduos ou personagens que desempenham um papel proeminente em programas que visam essencialmente a crianças menores de 12 anos de idade não podem aparecer em propaganda comercial em um programa de televisão (tradução nossa [25]).
Na Seção 7b do mesmo capítulo se estabelece que:
Não obstante o disposto no ponto 7 e Secção 7, serviços religiosos ou de programas, destinado principalmente a crianças menores de 12 anos de idade não podem ser interrompidos por publicidade (tradução nossa [26]).
Em vários seminários realizados entre os países da União Europeia [27] e os representantes do Governo Sueco tentam, em vão, convencer os demais países do bloco a adotar o mesmo rigor de sua legislação. Apesar do estudo apresentado pelo Conselho Nacional de Políticas do Consumo, que concluiu que é apenas a partir dos 12 anos que as crianças desenvolvem a capacidade de entender totalmente os objetivos da publicidade, sendo esse um requisito essencial para o desenvolvimento da atitude crítica em relação a ela, os argumentos da Suécia são sempre ignorados. Os demais Estados não acreditam na demonstração que essa interdição da legislação sueca parte de fatos cientificamente comprováveis. Além disso, levam em consideração a liberdade do comércio ao permitir em seus ordenamentos jurídicos a publicidade dirigida a menores.
Da análise dos exemplos de tratamento dado à publicidade infantil pelas legislações estrangeiras percebe-se que o ordenamento jurídico brasileiro, como será visto, no que diz respeito à objetividade do dispositivo do Código de Defesa do Consumidor que trata do assunto, não é suficiente para a garantia de uma segurança jurídica do assunto ou de uma eficácia na proteção dos direitos da criança na sociedade de consumo. Neste sentido, o estudo da publicidade dirigida às crianças por técnicas de direito comparado tem estado presente em boa parte das obras que tratam do assunto [28]. O estudo do tema pelo direito comparado tem servido para políticas legislativas em busca de uma maior uniformização internacional do controle da publicidade infantil, momento em que se insere o contexto brasileiro de discussão para adoção de novas regras mais complexas para a proteção das crianças em face da publicidade de produtos e serviços.