Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

O inquérito civil como prova

Exibindo página 1 de 2
Agenda 02/12/2010 às 11:58

Este trabalho tem por objeto analisar a repercussão das provas colhidas no inquérito civil no juízo cível em geral (excluindo-se, portanto, a esfera criminal).

1. Objeto do presente trabalho. 2. Sobre o inquérito civil. 2.1. Considerações gerais. 2.2. Características. 2.3. O inquérito civil como ato administrativo. 2.4. Colheita de provas. 3. Considerações sobre a prova. 3.1. A prova no juízo cível. 3.2. Avaliação judicial da prova. 3.3. Ônus da prova. 4. O inquérito civil como prova. 4.1. Confissão. 4.2. Prova documental . 4.3. Prova pericial. 4.4. Prova testemunhal. 4.5. Inversão do ônus da prova. 4.6. Ônus de contraprova. 4.7. Entendimento do Superior Tribunal de Justiça. 4.8. Julgamento antecipado da lide. 5. Conclusões. 6. Bibliografia.


1. Objeto do presente trabalho

O inquérito civil é instrumento administrativo de atuação extraprocessual do Ministério Público por meio do qual busca-se a colheita de elementos de convicção acerca da necessidade de ajuizamento de ação civil pública ou coletiva, ou, sendo possível, a formulação de termo de ajustamento de conduta.

Com a progressiva ampliação da atuação do Ministério Público no Brasil, fruto da máxima proteção que tal Instituição, essencial à Justiça e defensora do regime democrático, da ordem jurídica e dos interesses sociais, tem buscado conferir aos direitos metaindividuais, o inquérito civil também tem sido salutarmente utilizado de forma cada vez maior.

Com a relevância deste instituto em franca ascensão de um lado, e a busca por celeridade e efetividade processual de outro, tem-se debatido a validade como prova em juízo dos elementos de convicção colhidos durante o procedimento. Assim, este trabalho tem por objeto analisar a repercussão das provas colhidas no inquérito civil no juízo cível em geral (excluindo-se, portanto, a esfera criminal).


2. Sobre o inquérito civil

2.1. Considerações gerais

Nenhuma discussão acerca do tema pode se iniciar sem que antes se analise o conceito e, portanto, a essência do instituto jurídico do inquérito civil.

Introduzido em nosso ordenamento com a Lei 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), que tratou do tema no art. 8º, parágrafo 1º, adquiriu em 1988 status constitucional ao ser previsto no art. 129, III, da Carta Magna. Também é tratado pela Lei 7.853/89 (Proteção dos portadores de deficiência), pela Lei 8.069/90 (ECA), e na Lei Orgânica Nacional do Ministério Público – LONMP (n. 8.625/93), dentre outros diplomas.

Segundo Hugo Nigro Mazzilli, trata-se de uma "investigação prévia a cargo do Ministério Público, que se destina basicamente a colher elementos de convicção para que o próprio Órgão Ministerial possa identificar se ocorre circunstância que enseje eventual propositura de ação civil pública ou coletiva" [01].

Para Rodolfo de Camargo Mancuso, o inquérito civil pode ser visto como "mera peça informativa, de utilização restrita do Parquet, cujas conclusões ou mesmo o arquivamento em nada empecem a propositura da ação pelos demais co-legitimados (...). Esse inquérito é um instrumento destinado a possibilitar uma triagem das várias denúncias que chegam a o conhecimento do Ministério Público: somente as que resultarem fundadas e relevantes acarretarão, por certo, a propositura da ação; de todo o modo, a conclusão a que chegue o Ministério Público não é vinculante para a entidade denunciante" [02].

José Celso de Mello Filho, em nota constante do expediente relativo ao Projeto que resultou na edição da Lei 7.347/85, citado por Hely Lopes Meirelles, afirma que "trata-se de procedimento meramente administrativo, de caráter pré-processual, que se realiza extrajudicialmente. O inquérito civil, de instauração facultativa, desempenha relevante função instrumental. Constitui meio destinado a coligir provas e quaisquer outros elementos de convicção, que possam fundamentar a atuação processual do MP. O inquérito civil, em suma, configura um procedimento preparatório, destinado a viabilizar o exercício responsável da ACP" [03].

Na esfera trabalhista, o magistrado Francisco Antônio de Oliveira o conceitua como "instrumento de colheita de provas que fornecerá os elementos de convicção para a propositura ou não da ação, inclusive da ação civil pública. Não constitui processo, mas mero procedimento em âmbito administrativo. E como tal, não está submetido ao contraditório" [04].

Em suma, trata-se o inquérito civil de procedimento administrativo que tem por finalidade colher os elementos de convicção que justificarão ou não a propositura de ação civil pública ou de celebração de termo de ajustamento extraprocessual de conduta, sempre com a finalidade de proteger interesses metaindividuais.

2.2. Características

Quatro são os caracteres elementares do inquérito civil: a publicidade, a inquisitoriedade, a informalidade e a participatividade.

A publicidade, característica inerente aos atos administrativos em geral,relaciona-se com a possibilidade de qualquer interessado consultar o inquérito e se inteirar de seu conteúdo. Afinal, seria contraditório que um instrumento destinado em última instância a proteger interesses sociais não pudesse ser conhecido pelo cidadão [05].

Em segundo lugar, o inquérito é inquisitivo, no sentido de que não há processo administrativo, mas procedimento, destinado à apuração de um fato e sua autoria. Diante desta natureza meramente investigatória, inexiste qualquer imputação, e, inexistindo esta, não há que se falar em defesa ou em contraditório.

Além disso, o inquérito civil é informal, o que significa inexistir um rito previamente estabelecido para seu desenvolvimento, cabendo ao órgão do Parquet, seu presidente, a escolha sobre o momento adequado para a colheita da prova.

Além destes três princípios classicamente elencados pela doutrina [06], há um quarto princípio que não pode ser olvidado: o da participatividade [07].

A participação "está ligada à idéia de que a livre convicção do MP deve ser feita em elementos que atestem uma situação a mais próxima da verdade" [08]. Dessa forma, é de interesse do próprio órgão ministerial que seja ouvida a sociedade e o investigado, almejando-se a busca da verdade real através da mais ampla colheita de provas possível, de modo a evitar desperdício da atividade jurisdicional por meio de uma demanda temerária ou ineficaz.

Como bem observa Marcelo Abelha, "não seria lógico que qualquer do um do povo, pessoa física ou jurídica, pudesse representar ao parquet para que este apurasse uma determinada situação e, uma vez instaurado um inquérito, não pudesse fornecer elementos ou dados à formação de sua convicção" [09].

Alicerçado na garantia do Estado Democrático de Direito (do qual o Ministério Público é o maior defensor), é do maior interesse para a apuração da verdade que sejam prestadas informações (e não apenas em atendimento à requisições) por órgãos públicos, por associações e entidades civis, por profissionais liberais, todos ligados ao tema investigado, e mesmo por cidadãos comuns que possam colaborar com a apuração, evidentemente atentando-se para a pertinência desta participação.

A colaboração do investigado, quando já identificado, também é deveras salutar. Ainda que não exista contraditório no inquérito, seu presidente, sempre segundo critérios de conveniência e oportunidade, deverá, no momento que julgar mais oportuno, determinar a participação do suposto infrator, o qual poderá expor sua versão dos fatos, juntar provas e indicar outras que desejar produzir, cabendo ao órgão ministerial que preside a apuração, seguindo analogicamente a regra do art. 130 do Código de Processo Civil, determinar aquilo que entender pertinente e indeferir aquilo que julgar procrastinatório.

A participação do investigado e da sociedade tem por fim não apenas apurar a verdade da forma mais próxima possível da verdade real como, também, favorecer a elaboração de termo de ajuste de conduta (quando cabível) que possa abarcar com completude o problema e o modo de sua resolução.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Na sua atuação contemporânea, o Ministério Público atua não no papel de inquisidor, mas como órgão promotor de Justiça na mais literal acepção do termo. Como lembra Antônio Augusto Mello de Camargo Ferraz, o inquérito civil é instrumento de cidadania [10].

2.3. O inquérito civil como ato administrativo

Como já visto, o inquérito civil é um procedimento administrativo, sendo inegável que os atos praticados pelos agentes e servidores do Ministério Público, dentre os quais se incluem aqueles relacionados aos procedimentos apuratórios promovidos por este órgão, configuram atos administrativos. Assim, tais atos devem obedecer aos princípios que regem toda a Administração pública, especialmente a legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (art. 37, caput, da CR).

Trata-se, como se vê, de atos que diferem dos atos privados [11], sendo, portanto dotados de certas características que merecem especial estudo.

Isto porque em razão dos interesses que incumbe à Administração proteger, os atos administrativos trazem em si certos atributos dos quais não desfrutam os atos jurídicos celebrados entre particulares, sendo um deles a presunção de legitimidade, isto é, a qualidade de se presumirem válidos até prova em contrário. Em outras palavras, valem "enquanto não seja declarada sua invalidade por autoridade competente" [12].

O que existe é uma presunção juris tantum (relativa, admitindo prova em contrário, portanto) de que o ato foi editado conforme ao direito, eis que o Estado tem sua atividade presumida legítima.

Conforme ensina Celso Bastos, a presunção de legitimidade dos atos administrativos não significa um valor absoluto, admitindo prova em contrário, "todavia, qualquer irregularidade ou invocação de nulidade deve ser necessariamente alegada e provada em juízo." [13].

Outro não é o entendimento de Hely Lopes Meirelles, segundo uma das conseqüências da presunção de legitimidade "é a transferência do ônus da prova de invalidade do ato administrativo para quem a invoca." [14].

Para Maria Sylvia Di Pietro, que distingue os atributos da presunção de legitimidade (conformidade com a lei) da presunção de veracidade (conformidade com a verdade), se não existisse a referida presunção de legitimidade, "toda a atividade administrativa seria diretamente questionável, obstaculizando o cumprimento dos fins públicos, ao antepor um interesse individual de natureza privada ao interesse coletivo ou social" [15]. Assim, a referida autora conclui que a presunção de veracidade "inverte o ônus da prova (...) já que a parte interessada é que deverá provar, perante o Judiciário, a alegação de ilegalidade do ato" [16].

No mesmo sentido ensina Odete Medauar, para quem embora o pressuposto da legalidade não tenha caráter absoluto, cabe ao interessado "demonstrar ou invocar a ilegalidade e a inverdade." [17].

Igualmente, Edmir Netto de Araújo afirma que os atos administrativos "presumem-se verdadeiros até prova definitiva em contrário" [18].

Também para Sílvia Capelli, uma das conseqüências da presunção juris tantum de legalidade dos atos administrativos é a da inversão do ônus da prova, "sobre a qual não há divergência doutrinária" [19].

Em sentido diverso, Celso Antônio Bandeira de Mello afirma que milita em favor dos atos administrativos presunção juris tantum de legitimidade mas que, salvo expressa disposição legal, esta só subsiste até serem questionados em juízo [20]. A mesma opinião é compartilhada e por Lúcia Valle Figueiredo, para quem a presunção se inverte quando o ato for contestado em juízo e, além disso, quando for contestado administrativamente [21].

Entretanto, se adotada a posição dos ilustres juristas, estar-se-ia criando de lege ferenda nova regra de distribuição do ônus da prova, já que ao interessado na invalidação bastaria alegar o vício no ato, devendo a Administração provar a legalidade de sua atuação! Em suma, a presunção de legitimidade na verdade seria extirpada, já que a Administração necessitaria sempre fazer prova de que sua conduta estaria dentro dos ditames do direito, o que evidentemente traria prejuízos à atividade administrativa.

2.4. Colheita de provas

Para cumprir as funções de defesa do regime democrático, da ordem jurídica e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, a Constituição da República confere ao Ministério Público a utilização do inquérito civil como instrumento de colheita de provas a fim de possibilitar o ajuizamento da medida judicial pertinente ou a celebração de termo de ajuste de conduta na esfera extraprocessual.

Para tanto, possui assegura poderes instrutórios de expedir notificações, requisitar informações, documentos e diligências investigatórias (CR, art. 129, III, VI e VIII), além de outros especificados na Lei 8.625/93 (LONMP) e Lei Complementar 75/93 (Estatuto do Ministério Público da União).

Assim, excetuadas as informações sigilosas em que a Lei Maior exige autorização judicial para sua obtenção [22] (como no caso de sigilo de comunicações, p. ex.), pode o Ministério Público notificar pessoas para colheita de depoimentos, realizar diligências como inspeções, vistorias, ordenar a realização de perícias, requisitar informações, documentos e certidões.


3. Considerações sobre a prova

3.1. A prova no juízo cível

O termo "prova" não é unívoco. Moacyr Amaral dos Santos leciona que a expressão tem sido utilizada em várias acepções, para designar a atividade de provar, os meios utilizados para esta atividade ou, ainda, o resultado da apuração da verdade [23].

Podem-se diferenciar os meios de prova do conteúdo de prova. Os primeiros consistem nas diversas modalidades pelas quais a ocorrência dos fatos chega ao conhecimento do juiz, podendo ser diretos (inspeção judicial e fatos notórios, p. ex.) ou indiretos (testemunho e documentos). Já o segundo é o resultado que o meio produz, ou seja, o conhecimento que o juiz passa a ter dos fatos, revelados através do meio [24].

Mas, como bem acentua Moacyr Amaral dos Santos, o ciclo probatório não se encerra com a produção das provas. Com amparo em Malatesta, afirma que "a prova ainda é o modo de apreciação da fonte objetiva, que é a verdade", de modo que a prova em sentido lógico só surge após a formação do espírito de certeza: a convicção. "Para se chegar a esta", ensina o renomado processualista, "o espírito se funda no conhecido, na prova produzida, e por meio do raciocínio se conduz ao desconhecido, isto, é à verdade. Diante do conhecido, percebe-o, sente-o, examina-o, analisa-o, relaciona o afirmante ao afirmado, delibera, rejeita as possibilidades de erro e concluir: estou certo." [25].

Este tema nos remete então diretamente a outro, qual seja, o da avaliação da prova judicial pelo destinatário: o juiz.

3.2. Avaliação judicial da prova

Nosso ordenamento acolheu o sistema do convencimento racional e motivado conforme se observa no art. 93, IX, da Constituição da República e no art. 131 do Código de Processo Civil [26]. Segundo tal princípio, o juiz, destinatário final da prova, não obstante aprecie as provas livremente, não segue suas impressões pessoais, mas tira a sua convicção das provas produzidas, ponderando sobre a qualidade e aptidão destas. A convicção, dessa forma, estará na consciência formada pelas provas "não arbitrária e sem peias, e sim condicionada a regras jurídicas, a regras de lógica, a regras de experiência, tanto que o juiz deve mencionar na sentença os motivos que a formaram" [27].

Importante destacar que o livre convencimento motivado possui limite, como apontam Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery: a prova legal. Com efeito, embora nosso sistema não tenha adotado em sua completude o sistema da prova legal ou tarifada, esta "é o limite do livre convencimento motivado. Quando a lei estabelece que somente por determinado meio se prova um fato, é vedado ao juiz considerá-lo provado por outro meio, por mais especial que seja." [28].

3.3. Ônus da prova

Ao discorrer sobre a teoria geral da prova, Couture afirma ser indispensável, após conceituar o que é prova, delimitar "o que deve ser provado; a quem cabe fazer a prova; como se faz a prova, e que valor tem a prova produzida" [29].

Prossegue o consagrado autor uruguaio afirmando que ônus da prova significa, em sentido estritamente processual, "a exigência feita pelo legislador, a um, ou a ambos os litigantes, de que demonstrem a verdade dos fatos por eles alegados". Em outras palavras, "o ônus da prova não implica, portanto, direito algum do adversário, mas antes um imperativo do próprio interesse de cada litigante" [30].

Por esta razão, faz-se necessária a criação de regras de distribuição do ônus da prova, fundada na idéia de que "litigando as partes e devendo conceder-lhes a palavra igualmente para ataque e defesa, é justo não impor só a uma o ônus da prova (do autor não se pode exigir senão a prova dos fatos que criam especificamente o direito por ele invocado; do réu, as provas dos pressupostos de exceção" [31].

Assim, estabelece o Código de Processo Civil que o ônus da prova incumbe ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito (art. 333, I) e ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor (art. 333, II).


4. O inquérito civil como prova

Além de a Constituição considerar inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos (art. 5º, LVI), o Código de Processo Civil estabelece que todos os meios legais, bem como quaisquer outros não especificados em lei, desde que moralmente legítimos, são hábeis para provar a verdade dos fatos em que se funda a ação ou defesa (art. 332).

Como já visto, os atos administrativos estão sujeitos aos princípios administrativos traçados no art. 37, caput, da CR, sendo bastante fácil concluir que não infringem os supra citados dispositivos.

Longe disso, os atos administrativos que compõe o inquérito civil gozam de presunção de legitimidade e veracidade, nada havendo que, em princípio, macule sua validade como prova em juízo.

Importante destacar que caberá ao juiz, no contexto do sistema de livre convencimento motivado, valorar tal prova, expondo suas razões de decidir. Assim, se a eficácia e a validade dos elementos coligidos no inquérito civil não constituem regra absoluta (já que admitem prova em contrário), não podem ser questionadas aprioristicamente tão-somente por haverem sido colhidos sem contraditório.

Todavia, como se verá a seguir, o próprio ordenamento processual civil restringe a recusa da validade das provas colhidas no inquérito.

4.1. Confissão

Pode ocorrer durante as investigações que o investigado confesse, por escrito ou em depoimento, a prática de algum fato. Segundo dispõe o CPC, art. 348, "Há confissão, quando a parte admite a verdade de um fato, contrário ao seu interesse e favorável ao adversário. A confissão é judicial ou extrajudicial".

A eficácia da confissão no inquérito (extrajudicial, portanto), será a da confissão escrita, eis que a escrito devem ser reduzidos os atos do apuratório, dispondo o art. 353 do CPC: "a eficácia confissão extrajudicial, feita por escrito à parte ou a quem a represente, tem a mesma eficácia probatória da judicial; feita a terceiro, ou contida em testamento, será livremente apreciada pelo juiz.".

Dessa forma, havendo a confissão extrajudicial, desobrigado está o autor de provar o fato já que, em razão do disposto no art. 334, II, não dependem de prova os fatos confessados pela parte contrária.

4.2. Prova documental

A prova documental oriunda do inquérito civil é a que menos polêmica gera, diante da disposição do art. 283 do CPC que exige a apresentação dos documentos essenciais à petição inicial quando do ajuizamento da demanda. Trata-se de hipótese em que o contraditório só pode ocorrer a posteriori.

Interessante aspecto diz respeito ao disposto no art. 364 [32], pois é estabelecida uma presunção absoluta de legitimidade no que tange aos documentos públicos, constituindo exemplo de prova legal ou tarifada que excepciona o sistema de livre convencimento motivado, não podendo o juiz decidir contrariamente aos documentos públicos contidos no inquérito civil, louvando-se de outra prova; estando seu convencimento limitado por força de lei [33].

4.3. Prova pericial

Dada a variada gama de complexos problemas abordados nos inquéritos civis, muitas vezes faz-se necessária a produção de prova técnica consistente em perícia (em questões ambientais, urbanísticas, do consumidor e na defesa do patrimônio público).

O valor que tais perícias terão em juízo é dado expressamente pelo art. 427 do CPC, que afirma o poder do juiz de "dispensar prova pericial quando as partes, na inicial e na contestação, apresentarem sobre as questões de fato pareceres técnicos ou documentos elucidativos que considerar suficientes", mais uma vez reflexo do livre convencimento que orienta toda a atividade jurisdicional (CPC, art. 131).

Trata-se de mais uma hipótese (juntamente com a da prova documental) em que se verificará o contraditório diferido, sendo que a força probante deverá derivar mais da capacidade técnica de quem elabora o laudo e do próprio conteúdo deste.

4.4. Prova testemunhal

É de se reconhecer que, em nossa sistemática processual civil, a prova testemunhal possui caráter residual. É o que se depreende da leitura do art. 400 do CPC, que veda a inquirição de testemunhas sobre fatos já provados por documento ou confissão da parte (inc. I) ou que só por documento ou por exame pericial puderem ser provados (inc. II).

Assim, a prova testemunhal só será necessária quando por outros meios ainda não tiverem sido provados os fatos.

Embora o princípio do devido processo legal e do contraditório assegurarem ao réu o direito de contraditar a testemunha e formular-lhe perguntas, a prova testemunhal colhida no inquérito não pode ser aprioristicamente descartada (eis que colhida através de ato administrativo), mas sim livremente apreciada pelo juiz (CPC, art. 131).

Oportuno lembrar que o crime do art. 342 do Código Penal (falso testemunho) abrange também os depoimentos colhidos em procedimento administrativo, sendo "de se concluir haver o ordenamento nacional conferido um valor maior aos depoimentos ali colhidos, em comparação aos ordenamentos que não impõem tal dever." [34].

4.5. Inversão do ônus da prova

Para Ana Maria Moreira Marchesan, Annelise Monteiro Steigleder e Sílvia Capelli, ao analisarem a judicialização das provas coligidas no inquérito civil, afirmam que estas, por gozarem da presunção de legitimidade e veracidade, acarretam a inversão do ônus da prova e, destarte "incumbe ao investigado infirmar e demonstrar que tais atos administrativos não cumprem aqueles atributos.". Em amparo à tese, citam julgado proferido pela 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça gaúcho (Ap. Cív. n. 589077148, rel. Des. Ruy Rosado Aguiar):

"... Essa prova pré-constituída, elaborada no âmbito administrativo, judicializa-se na medida em que é submetida ao crivo do contraditório, como acontece também no âmbito criminal, quando as perícias realizadas na fase inquisitorial, sem o contraditório e sem a participação da defesa, servem de fundamento da parte, com a possibilidade de produzir contraprova.

Seria praticamente inviabilizar a eficácia da proteção dos direitos dos cidadãos, na área dos direitos civis, exigir-se que o Ministério Público, além de obter esses levantamentos prévios, ainda tivesse de repetir a mesma prova em juízo, o que significaria ônus excessivo e repetição desnecessária do que já está provado nos autos." [35].

No mesmo sentido entende o Tribunal de Justiça do Mato Grosso, que julgou "não haver violação ao artigo 5º, LV, da Constituição Federal, pelo fato de não serem observados os princípios do contraditório e da ampla defesa, sendo idôneas as provas por ele coligidas." (AI 13.700 – 3ª C.Cív. – Rel. Des. José Ferreira Leite – j. 12.12.2001, destacou-se).

4.6. Ônus de contraprova

Estando provado o fato constitutivo do direito postulado pelo autor (CPC, art. 333, I), ao réu resta, assim, de conformidade com o art. 333, II, do CPC, o ônus da contraprova, necessário "quando a parte onerada com a prova consegue fazer prova bastante, por si só, sujeitando a parte contrária a ter que fazer prova que crie no espírito do juiz dúvida ou incerteza sobre os factos que constem na base instrutória da causa" [36].

Esta impugnação, vale dizer, não basta ser meramente genérica, mas haverá de ser especificada e precisa como exige o art. 302 do CPC.

4.7. Entendimento do Superior Tribunal de Justiça

Instado a se manifestar sobre a questão em duas oportunidades, o Superior Tribunal de Justiça, decidiu em arestos assim ementados:

"PROCESSO CIVIL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA – INQUÉRITO CIVIL: VALOR PROBATÓRIO - REEXAME DE PROVA: SÚMULA 7/STJ. 1. O inquérito civil público é procedimento facultativo que visa colher elementos probatórios e informações para o ajuizamento de ação civil pública. 2. As provas colhidas no inquérito têm valor probatório relativo, porque colhidas sem a observância do contraditório, mas só devem ser afastadas quando há contraprova de hierarquia superior, ou seja, produzida sob a vigilância do contraditório. 3. A prova colhida inquisitorialmente não se afasta por mera negativa, cabendo ao juiz, no seu livre convencimento, sopesá-las. 4. Avanço na questão probatória que esbarra na Súmula 7/STJ. 5. Recursos especiais improvidos." (REsp 476660/MG, 2ª Turma, rel. Min. Eliana Calmon, j. 20/05/2003, DJU 04.08.2003, p. 274);

"PROCESSO CIVIL AÇÃO CIVIL DE REPARAÇÃO DE DANOS – INQUÉRITO CIVIL PÚBLICO. NATUREZA INQUISITIVA. VALOR PROBATÓRIO. 1. O inquérito civil público é procedimento informativo, destinado a formar a opinio actio do Ministério Público. Constitui meio destinado a colher provas e outros elementos de convicção, tendo natureza inquisitiva. 2. "As provas colhidas no inquérito têm valor probatório relativo, porque colhidas sem a observância do contraditório, mas só devem ser afastadas quando há contraprova de hierarquia superior, ou seja, produzida sob a vigilância do contraditório" (Recurso Especial n. 476.660-MG, relatora Ministra Eliana Calmon, DJ de 4.8.2003). 3. As provas colhidas no inquérito civil, uma vez que instruem a peça vestibular, incorporam-se ao processo, devendo ser analisadas e devidamente valoradas pelo julgador. 4. Recurso especial conhecido e provido." (REsp 644994/MG, 2a. Turma, rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 17/02/2005, DJU 21.03.2005, p. 336).

Uma breve análise dos julgados permite ver com clareza que a Corte acolheu as seguintes teses: a) hierarquização das provas, só podendo as provas colhidas no inquérito serem afastadas quando há contraprova de hierarquia superior, ou seja, produzida sob a vigilância do contraditório; b) a prova colhida inquisitorialmente não se afasta por mera negativa; c) prevalência do sistema da livre convicção motivada do julgador, que sopesará as provas; e d) ônus do réu no que tange à realização da contraprova.

4.8. Julgamento antecipado da lide

Como visto, inegavelmente as provas coligidas no inquérito civil terão valor em juízo, e isto nos remete irremediavelmente a uma situação prática: o julgamento antecipado da lide.

A teor do art. 330 do CPC, o juiz deverá conhecer diretamente do mérito do pedido, proferindo sentença, em três situações. A primeira se verifica quando a questão de mérito for unicamente de direito. A segunda quando a questão, sendo de direito e de fato, não exigir produção prova em audiência. A terceira ocorre quando se verificar a revelia.

Se a primeira e a terceira situações não oferecem maior campo para debates, a segunda contém maior interesse.

Isto porque o juiz, utilizando-se de seu livre convencimento motivado, poderá (e este poder, como qualquer poder dos agentes públicos, na verdade é poder-dever [37]) valorar a prova contida no inquérito civil, e, conforme o caso, julgar desnecessária sua repetição ou mesmo a produção de nova prova (objetivando um processo célere e eficaz, além de obedecer à norma contida no art. 130 do CPC que consagra o princípio da economia processual).

Dessa forma, caso o réu não indique na contestação novas e pertinentes provas a serem produzidas, ou não impugne de forma fundamentada as provas contidas no inquérito, o juiz deverá julgar imediatamente o pedido.

Nesse sentido decidiu o Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia:

"CERCEAMENTO DE DEFESA – JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – RECEBIMENTO DE SALÁRIO SEM A DEVIDA CONTRAPRESTAÇÃO – DEPOIMENTOS COLHIDOS DURANTE INQUÉRITO CIVIL – Não caracteriza cerceamento de defesa o julgamento antecipado da lide quando, a critério do juiz, as provas dos autos foram suficientes para a formação de seu livre convencimento. Constitui ato de improbidade administrativa na figura do enriquecimento ilícito o recebimento de salário por parte de servidor público sem o devido desempenho de suas funções na administração. A provas colhidas no inquérito civil não são elididas por mera negativa, tendo total valor probante os depoimentos colhidos na fase inquisitorial quando em consonância com as demais provas dos autos." (Ap. Cív. n. 03.000440-3 – Câm. Esp., rel. Des. Sansão Saldanha, j. 19.11.2003).

Sobre o autor
Pedro Abi-Eçab

Bacharel em Direito pela USP, Mestre e Doutorando em Direitos Difusos e Coletivos pela PUC-SP, Promotor de Justiça no Estado de Rondônia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ABI-EÇAB, Pedro. O inquérito civil como prova. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2710, 2 dez. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17975. Acesso em: 22 nov. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!