RESUMO
Em nosso país, a violência é um fenômeno que se manifesta tanto na cidade como no campo, entre jovens e não jovens sem distinção de cor, raça, sexo, credo, condições social e econômica. Isso em parte está relacionado a desordem social e falta de estrutura que dê a todos condições dignas de vida. Outro fator relevante que deve ser considerado na promoção da violência está a relacionado ao trafico de drogas e entorpecentes que parece atingir parcela significativa de jovens, e vem ganhando proporções alarmantes e alcançando todas as camadas sociais. Diante de tal problema questiona-se o que vem sendo feito no Brasil para reduzir a violência? Porque é tão difícil manter um controle efetivo da violência, se o homem é um ser racional e capaz de discernimento? O estudo teve como objetivo verificar os fatores desencadeantes da violência e o que vem sendo feito para controlar esse fenômeno. Trata-se de um estudo bibliográfico no qual se utilizou o método hipotético dedutivo, procurando-se esclarecer a questão da violência, com análise da aplicabilidade dos princípios norteadores do ordenamento jurídico, bem como dos posicionamentos dos tribunais, os quais firmaram posicionamento jurisprudencial sobre o tema ora tratado.
Palavras Chave: Violência, fatores desencadeantes, dificuldade de controle.
1.INTRODUÇÃO
Os fenômenos e as reflexões geradas em torno da problemática da violência não são novos nem escassos. Ao longo da história das sociedades, em seu âmbito político ou social, a violência aparece como um fator recorrente demandando ações efetivas dos governantes e governados.
Não existe, pois, a menor dúvida quando se afirma que a violência é o ponto comum presente nas relações entre os indivíduos, grupos, nações ou povos, a tal ponto de que filósofos e tratadistas consideram que o ser humano se define essencialmente por e para a violência.
Supunha-se que com o advento da modernidade, dos processos de racionalização a ela inerente e o estabelecimento internalizado do direito e das normas institucionais entre a população superariam as violências clássicas e tradicionais em suas variadas manifestações; no entanto, os dados extraídos dos acontecimentos sociais em suas distintas dimensões demonstram que este problema não será superado em curto prazo.
As violências apresentam um lastro negativo, porquanto tendem a submeter ou desarticular a vontade do outro, subtrair sua autonomia, eliminá-lo, expatriá-la ou simplesmente retirar sua posse, situações que denotam decomposição e perda de vigência das instituições que regulam o tecido social contemporâneo. É por isso que as violências se expressam de diversas maneiras, incluindo a insegurança pública.
Nesse sentido, a violência se revela não como potência e força, mas como sinal de impotência, de insensibilidade, de decadência da vida e de intolerância. É produto da frustração individual e coletiva e, em sua essência, negativa, sendo mais do que produto de condições objetivas da sociedade.
Permeia e desilude em todos os estratos sociais, inclui em sua dinâmica a infância, a juventude, a velhice; não distingue nacionalidade e religião – exceto os casos de marcado confronto étnicos nacional – e é carente de ética e moral.
A violência se apresenta também como uma relação social caracterizada pela agressão contra a integridade física, psicológica, simbólica ou cultural de indivíduos ou grupos sociais.
Em suas manifestações rompe com as normas jurídicas, destrói as coesões sociais e perturba o desenvolvimento normal das atividades econômicas, sociais e políticas de uma determinada sociedade. Tal é a magnitude e diversidade de ações qualificada de violentas, que, na atualidade, é pertinente falarmos de violências e não de violência, como o fazia o enfoque tradicional ao tratar o problema.
2.A VIOLÊNCIA
Para que a sociedade possa alcançar a almejada coexistência pacifica entre seus membros, é imprescindível que expurgue de seu seio os elementos que são obstáculos a esse objetivo. Dentre estes elementos, o mais evidente e danoso é a violência, que, via de regra, atinge a todos suas vítimas, cidadão e sociedade que se sentem inseguros diante de sua escalada vertiginosa e seus agentes, pois, o clamor social por segurança, ainda que seja um paliativo para conter os efeitos da problemática, acaba por exasperar as penas, muitas vezes contrariando o ordenamento jurídico social ao mesmo tempo em que traz uma falsa aparência de segurança.
2.1 CONCEITO DE VIOLÊNCIA
O tema violência é um fenômeno social inquietante e constante em nosso cotidiano. Ruth Gauer ao comentar sobre o tema fala que:
[...] podemos dizer que a violência é um elemento estrutural, intrínseco ao fato social e não o resto anacrônico de uma ordem bárbara em vias de extinção. Esse fenômeno aparece em todas as sociedades; faz parte, portanto, de qualquer civilização ou grupo humano [01].
E esta é uma verdade latente em nossa sociedade, para perceber isso, basta atentar para a questão da violência no mundo atual, tanto nas grandes cidades como também nos recantos mais isolados.
O termo violência é originário do latim "violentia", que significa "veemência", "impetuosidade", e provém da raiz latina vis, "força [02]".
Plácido e Silva em seu conhecido vocabulário jurídico a descreve como violência resultado "da ação, ou da força irresistível, praticadas na intenção de um objetivo, que não se teria sem ela". Visualizada na forma jurídica, a violência é espécie de coação, ou forma de constrangimento, posto em prática para vencer a capacidade de resistência de outrem, ou para demovê-la à execução de ato, ou a levar a executá-lo, mesmo contra a sua vontade. É, ato de força exercido contra as coisas, na intenção de violentá-las, devassá-las, ou delas se apossar. A violência, pois, é ação de violentar. E pode ser assim pregada na forma violentação [03].
A examinar este termo, observa-se que são diversos os discursos construídos em torno de suas múltiplas facetas, dando lugar às variadas tipologias em concordância com as mudanças espaciais e temporais.
Por outro lado, na prática, o fenômeno da violência ultrapassa múltiplos campos interdisciplinares e áreas de investigação, razão pela qual os estudos tendem a ser fragmentados e apolíticos, o que impede o desenvolvimento de uma teoria geral da violência. Observa-se porém que a palavra violência é empregada para referir-se a um conjunto de fatos e situações heterogêneas que parecem não ter nenhuma conexão entre si, enquanto persiste a pouca preocupação em se apontar seus postulados básicos.
O historiador francês Chesnais aponta como o termo violência acabou por designar qualquer coisa, "desde a troca agressiva de palavras ao homicídio doloso, passando pelo cheque sem fundos [04]". É um termo vago, aberto a todos os abusos lingüísticos que pouco a pouco se despojou de seu sentido original, a saber, o abuso da força.
Nesse sentido, pode-se tomar por parâmetro a definição proposta pela Organização Mundial da Saúde (OMS) quando diz que :
O uso intencional da força física ou do poder, real ou potencial, contra si próprio, outras pessoas ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha grande possibilidade de resultar uma lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação [05].
No entanto, em que pese esta definição onde se encontram os elementos principais da violência como o uso intencional da força física e o dano causado a outrem, predominando a tendência de se formular tantas definições de violência como suas possíveis manifestações, com a qual tudo é produto da violência, ninguém tem culpa e todos a tem.
Trata-se, portanto, de um termo que é utilizado para significar uma grande variedade de situações. A violência pode se classificar segundo a pessoa que a sofre: mulheres, crianças, anciãos, etc.; segundo a natureza da agressão: física, psicológica, sexual, etc.; segundo o motivo: político, racial, etc.; segundo o lugar: em casa, trabalho, trânsito, etc.
Por outro lado, as violências que se desenvolvem nas cidades possuem atores, formas e motivos variados. Cada uma emerge de cenários sociais particulares (a família, a escola, o bairro, etc.). Assim, pode-se falar de violências de distinta ordem, tais como as violências políticas (guerrilha, greve, etc.); as violências econômicas (derivadas do mercado ilegal de armas e drogas, etc.); as violências intra-familiares (no núcleo familiar por relações assimétricas); e as violências comuns (que deteriora a cidadania, mas que se caracterizam por serem difusas e por provirem de múltiplas causas). Todas estas violências podem existir de forma inter-relacionada, o que complicaria sua compreensão.
2.2 CAUSAS DA VIOLÊNCIA
Assim como é tarefa espinhosa, para não dizer impossível, uma conceituação restrita da "violência" dada a amplitude que o termo abarca, não menos difícil é apontar suas causas. Todavia, resta claro que ela não possui uma causa única.
Com efeito, para alguns as causas mais gerais da violência estão relacionadas à nossa organização econômica, que promove uma distribuição de renda injusta e emudece diante dos efeitos preocupantes da globalização nas relações de trabalho e emprego.
Nesse sentido, a violência esparsa e cotidiana de uma sociedade que exclui o usufruto de bens e de direitos grande parte de sua população torna-se atualmente insuportável. "Seu lado mais visível – a violência da criminalidade – afeta diretamente nossa vida cotidiana, constrange-nos, coloca em questão se o que temos é direito ou privilégio", conforme acentua André Buoro [06] vivemos numa sociedade marcada pela exclusão (grande parte são colocadas à margem da sociedade), isso não é um problema apenas daqueles que, por "azar", tenham nascido do lado de lá da linha de exclusão.
No entanto, afirma Alba Zaluar [07] que este posicionamento não é assente, e ao contrário do que é corrente se pensar, a evolução da pobreza, nas últimas décadas não sustenta a tese que explica o aumento da criminalidade tão somente em decorrência da miséria Segundo essa autora, o percentual de pobres que optam pela carreira criminosa é baixo: menos de 1% em relação ao total da população de um bairro pesquisado: 380 pessoas pertencentes às quadrilhas de traficantes e aproximadamente 1200 pessoas envolvidas com roubos e furtos, de uma população calculada em 120 mil pessoas [08].
Diz ainda Alba Zaluar que:
As taxas estupendas de mortes violentas foram observadas nos estados mais produtivos e mais ricos do país, como Rio de Janeiro, São Paulo, Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Goiás, Tocantins e o Distrito Federal. Os últimos colocados foram os mais pobres e de povoamento mais antigo, justamente aqueles que levavam a fama por estarem na região do país onde tradicionalmente os conflitos interpessoais se resolveriam à moda sertaneja e senhorial da violência costumeira. São eles os estados do Maranhão, Bahia, Ceará e Rio Grande do Norte [09].
Conforme a mesma autora, na cidade de São Paulo, estudos apontam que as mudanças populacionais no espaço físico da cidade afetaram a construção do medo nos moradores dos bairros pobres e remediados. As pessoas falam não só dos criminosos que transgridem a lei, mas também que "a justiça não funciona, a polícia falha e desrespeita a lei". Nos bairros de classe média, os moradores culpam os nordestinos que passaram a morar no mesmo bairro pela situação insuportável e exigem políticos duros – "de pulso forte" – para restabelecer a ordem [10].
Os efeitos mais evidentes dessa postura não foram as modificações do visual das residências com muros atos, grades, fechaduras, alarmes e cadeados, mas o descrédito no trato com estranhos e a descrença na participação democrática. A idealização da comunidade de semelhantes encolheu os horizontes sociais, restringindo o mundo significativo e de confiança.
Muitas foram as tentativas de se encontrar resposta ao fenômeno da violência em suas mais variadas manifestações: institucional, doméstica, ou a difusa violência urbana. Muitos foram os apontamentos levantados e abordados nos meios de comunicação ou nos estudos especializados.
Conforme acentua Alba Zaluar:
Apontar a causa da violência na pobreza, desigualdade ou exclusão, argumento repetidamente utilizado na defesa dos pobres, acabou por justificar a preferência, carrega de suspeitas prévias, que policiais tem pelos pobres. Há também uma redução de complexa argumentação para o primado do Homo economicus, comandado exclusivamente pela lógica mercantil do ganho e a necessidade material, pois se baseia no pressuposto utilitarista de que, movido pela necessidade, o homem agiria para sobreviver.
[...] A redução da criminalidade violenta à pobreza tampouco permite analisar os efeitos inesperados da primeira sobre a segunda, aumentando a pobreza e os sofrimentos dos pobres na medida em que impede o aceso aos serviços e instituições do Estado presentes, tal como escolas, postos de saúde, quadras de esporte ou centro de atendimentos [11].
Em outras palavras, em que peses as graves e vergonhosas desigualdades existentes, a margem de pessoas pobres que debandam para o mundo do crime é ínfima, e isso exige que tenham um atendimento especial que considere o contexto social mais próximo de suas ações, tenham eles maior ou menor controle sobre estas.
O que se denota das assertivas acima é que, se o nó de relações sociais esboroa-se, em decorrência do aumento da violência, corre-se o risco de se formar uma "sociedade da desconfiança", onde o temor faz esmorecer a confiança tanto no próximo como nas instituições, donde emerge, por conseguinte, o descrédito e desrespeito por quaisquer autoridades constituídas ou não.
Esse é um problema de todos, pois destrói a condição essencial para a vida em sociedade – a segurança -, colocando os frutos do esforço de cada um e de todos sob o signo da suspeita, transformando direito em privilégio.
2.4 REPERCUSSÕES E EFEITOS DA VIOLÊNCIA
Os efeitos das distintas manifestações de violências podem sistematizar-se, pelo menos, nos seguintes aspectos:
a) Contextos sociais: Reduz significativamente a qualidade de vida da população, não só pela perda de vidas humanas, senão também porque a percepção de constante insegurança leva a produzir temores; diminui as ações de solidariedade e essas influem na dinâmica das esferas produtivas, ecológicas, culturais, familiares. Ademais, promove uma transmissão intergeracional da violência como um aspecto "natural" aceito, e causa estragos permanentes na psicologia dos agredidos, especial em crianças e mulheres com as respectivas seqüelas de desintegração social e familiar.
b) Contextos econômicos: incrementa em geral os custos das atividades econômicas, reduz as vantagens comparativas e os acordos externos que um país pode ter nos mercados regionais e mundiais ao promover uma imagem negativa dele, de suas exportações e serviços turísticos (o caso da copa do mundo de 2014 e das olimpíadas de 2016 que se realizará no Rio de Janeiro são exemplos claros nesse sentido); desviam os reduzidos orçamentos destinados ao setor saúde para lesões e emergências provenientes das violências; a rentabilidade social do capital diminui e promove uma concentração econômica nos setores que se beneficiam pela presença destas violências.
c) Contextos urbanos: Observa-se uma sensível redução do tempo e espaço da cidade se geram espaços de controle privado de uso público, aparecem estigmatizações contra determinados setores da população urbana como jovens de determinadas características físicas, étnicas e culturais, promove-se um clima de desconfiança vicinal. Têm impactos na mobilização demográfica dentro das cidades ao promover territórios (favelas, cortiços) fora do controle das autoridades.
Ademais, deve ressaltar que em 1996, através da resolução n. 49.25, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que a violência é um dos principais problemas mundiais de saúde pública.
A afirmação de que a violência é um problema de saúde pública sustenta-se pela OMS, em dados que apontam para o crescimento, ao longo dos anos da incidência de lesões intencionais em todas as faixas etárias e grupos de gênero, assim como pelas "sérias implicações, imediatas e a longo prazo, para a saúde e desenvolvimento psicológico e social [...] dos indivíduos" e para os serviços de saúde, particularmente, nesse caso, pelos "efeitos prejudiciais [que a violência impõe] para os escassos recursos da saúde pública [12]". (Organização Mundial de Saúde, resolução n. 49.25).
2.5 VIOLÊNCIA URBANA
Não obstante a tentativa de demonstrar o imenso leque de possíveis definições e significações do termo, o certo é que no momento atual a violência se associa quase exclusivamente com o fenômeno da criminalidade em sua dimensão individual. Ademais, é comum que se situe no cenário urbano [13].
Outrossim, é cediço que grande parte desta população urbana vive nos grandes centros urbanos, nas capitais e suas regiões metropolitanas.
Deste modo, ainda quando de uma análise mais exaustiva, levaria a constar a presença dos grandes centros em uma série de acontecimentos que vão mais além desta dimensão individual, o incremento vertiginoso, a partir da década de 80, sobretudo nas principais cidades do país, da relação violência/criminalidade e especialmente a criminalidade violenta, levou a que adquirisse prioridade este aspecto.
Isso explica que seja comum hoje em dia a referência à chamada violência urbana, apesar de ser também um tema nada simples detalhar, salvo que se desenvolva dentro do marco da cidade.
A violência urbana criminalizada, segundo ANDRÉ NICOLITT, é o resultado dos atos de força contrários ao direito que ocorrem geralmente nos centros urbanos em razão das peculiaridades deste espaço, refletindo também sobre a construção e a organização do espaço e dos comportamentos no espaço urbano, ou seja, ligados a questões como relações de trabalho desenvolvidas nas cidades, transporte, zoneamento urbano, equipamentos e mobiliários urbanos, exclusão social no contexto urbano, serviços públicos e privados disponíveis, contradições econômicas e culturais existentes na cidade [14].
No que atine a violência urbana brasileira, o que chama a atenção, especialmente desde a década de 1980, são os altos números da violência interpessoal, entre os mais elevados da comunidade internacional. Nas expressões dessa violência, incluem-se homicídios, latrocínios e acidentes de trânsito. Grande proporção dos homicídios é perpetrada no contexto da criminalidade urbana, mormente nas nove regiões metropolitanas.
O Brasil, consoante afirmam Paulo Sérgio Pinheiro e Guilherme Assis De Almeida, tem hoje uma taxa anual de 26 homicídios por 100 mil habitantes, número esse, muito superior à de todas as outras sociedades industriais que o precedem. Os EUA, o país desenvolvido com a mais alta taxa de homicídio, têm 11 por 100 mil habitantes [15]. No nosso país, a violência interpessoal está profundamente arraigada na enorme desigualdade que existe entre as classes dominantes e quase todo o resto da população. Além da concentração de renda e de riqueza, os recursos de toda ordem, simbólicos ou de poder, estão igualmente concentrados." [16].
De qualquer forma, deve-se ressaltar que, o homicídio não constitui um fenômeno unívoco. Inegável que as manifestações de violência urbana se entrelaçam, mormente com o tráfico de drogas. São seqüestros que objetivam capitalizar os traficantes para a obtenção de armas e drogas; roubos de veículos; ou ainda, para utilização em outros crimes. Ressalta-se a existência de outros roubos efetuados por viciados que devem à "boca de fumo" e, em não solvendo tais dívidas, perdem a vida; pequenos furtos, muitas vezes voltados a alimentar o vício, homicídios associados às disputas, à dívida, à queima de arquivo.
O tráfico de drogas está relacionado ao que se denomina crime organizado, como bem destaca Mario Chiavario:
Organizações robustamente radicadas sobre o território, mas já também com estreitas ligações e ramificações internacionais, ligadas sobretudo àquele narcotráfico, que aqui na América Latina se sente com uma intensidade mais assustadora. Organizações capazes de criar uma espécie de anti ordenamento jurídico com próprias regras, próprios tribunais e, sobretudo, próprios executores de sentenças, mas também como já dizíamos, de insinuar-se nas fibras mais íntimas das próprias instituições estatais [...] [17]
Nancy Cardia também conclui pela associação da violência urbana ao tráfico de drogas, já que, segundo pesquisas realizadas, os respondentes apontam para o consumo e o tráfico de drogas como causas mais importantes da violência interpessoal [18].
O que se denota é que, a partir dos anos 1990, a população vive diante de um complexo dispositivo de produção de violência nas grandes cidades brasileiras, "envolvendo delinqüência convencional, tráfico de drogas, grupos de extermínio, corrupção policial e de agentes penitenciários, arbitrariedade e violência da polícia e práticas de justiçamento em acertos de conta entre traficantes, de traficantes com informantes da polícia ou com delinqüentes convencionais e de policiais com delinqüentes convencionais ou traficantes [19]".
Essas populações se vêem submetidas todos os dias ao controle e ao terror do crime organizado e ao poder muitas vezes arbitrário da própria polícia, podendo dizer que, nessas áreas, o Estado de Direito não existe.
Conforme prelecionam José Vicente da Silva Filho e Nilson Vieira Oliveira:
Essa violência intensa e continuada tende a difundir na população uma sensação de desproteção e fragilidade, com crescente descrédito na capacidade do Estado para controlar a criminalidade, fazendo-a considerar anacrônica, ingênua e inoportuna a invocação de direitos – principalmente dos "bandidos" – e a clamar por mais medidas coercitivas do Estado, como o aumento de penas, redução da maioridade penal e simplificação dos mandados de busca. Essa situação favorece discursos e políticas populistas de ênfase a instrumentos e ações repressivas para conter a violência, e costumam encontrar entusiasmada repercussão em áreas influentes do aparato policial que vêem na repressão a principal arma preventiva. Nessas condições quando se declara a "guerra contra o crime", o Estado corre o risco de passar a ser mais um fornecedor de violência, em vez de controlá-la [20].
E arrematam: "O momento recomenda uma tomada de consciência, abertura de espírito no trato dessas questões e disposição para enfrentar sua complexidade, com a crença de que soluções são possíveis".
2.6 VIOLÊNCIA RURAL
Os pensadores clássicos caracterizaram a existência de um problema agrário nas sociedades capitalistas do século XIX, ao perceber que a concentração da propriedade da terra, originária dos resquícios do feudalismo e da oligarquia rural, transformou-se em obstáculo ao desenvolvimento das forças produtivas no campo e na indústria.
Dessa forma, as elites burguesa-industrual recém chegadas ao poder, a partir da Revolução Francesa, compreenderam a magnitude deste problema agrário, da concentração da propriedade como uma trava ao desenvolvimento mesmo do capitalismo, e trataram de buscar uma solução simples, a democratização da propriedade da terra, e chamaram esse fenômeno de reforma agrária.
No Brasil a luta pela terra já ceifou milhares de vidas, de esperanças, de sonhos em poder terem seu próprio pedaço de chão para poder produzirem.
Consoante acentua José Vicente Tavares dos Santos, no período entre 1988 e 2005, manteve-se elevado o número de conflitos no campo, envolvendo conflitos de terra, ocorrência de trabalho escravo, conflitos trabalhistas e de outros tipos vinculados à seca, ao movimento sindical e à polícia agrícola [21].
A título de ilustração se faz necessário breve histórico dos movimentos sociais apontando suas características e anseios que marcam o teor de suas ações no campo da busca da igualdade social.
No contexto sociológico os Movimentos Sociais constituem sem dúvida a dimensão aliada ao dinamismo e forças de mudança da sociedade. Como asseverou A. Touraine, "somos protagonistas e, portanto, produtores e transformadores das regras de funcionamento de todo sistema social [22]".
Conforme salienta ROBERTO DELMANTO JUNIOR:
É no atual estado democrático de direito, haurido após amargos e longos anos de censura e supressão das liberdades individuais, que movimentos como o do MST se fortalecem, encontrando os miseráveis do campo o espaço necessário para exercer a sua liberdade, divulgando as suas reivindicações por uma melhor distribuição de terra e, conseqüentemente, de renda, as quais, se um dia alcançadas, serão exemplos de verdadeiros milagres [23].
A própria natureza dinâmica da cultura e da sociedade permite dissipar os mitos pós-modernos que bendizem o "fim da história [24]" e que justificam a irreversível hegemonia da ideologia neoliberal.
Assim, pode-se definir os Movimentos Sociais como os agentes coletivos que intervém no processo de transformação social, promovendo mudanças ou opondo-se a elas. Para TARROW"são desafios coletivos levantados por pessoas que compartem objetivos comuns e solidariedade em uma interação sustentada com as elites, os opositores e as autoridades [25]". Desta definição se depreende duas noções elementares para compreendê-los: a noção de mudança e de oposição.
Touraine define um Movimento Social através de três princípios: a identidade do movimento, a identificação do adversário e a visão ou modelo social do movimento (objetivo social) [26]. Identidade se refere ao sentido de especificidade cultural ou desejo de controlar o próprio destino.
Os movimentos sociais surgiriam como reação à tendência auto-destrutiva do desenvolvimento capitalista, como consciência dos problemas globais e dos limites do modelo socioeconômico e político das sociedades ocidentais. Expressa-se como ecologismo-feminismo-pacifismo-movimentos de solidariedade, e suas propostas são no sentido de apostar por um modelo de sociedade qualitativamente diferente: uma sociedade descentralizada em unidades locais autônomas, com uma economia sustentável que implica certo grau de planificação global, um modo alternativo de vida sem exploração nem opressão, austero e solidário.
Não são revolucionários no sentido de ataque frontal ao sistema a apostam em um reformismo forte em forma de desafio desde dentro do próprio sistema. Seu projeto de fundo consiste na retificação racional da irracional modernização capitalista. Não se vinculam a interesses específicos de nenhum grupo social específico e não extraem seus meios de subsistência de minorias desfavorecidas ou oprimidas.
Conforme salienta Eder Sader [27], os Movimentos Sociais possuem uma especial preocupação na elaboração de suas identidades coletivas. Isto passa por constituírem-se como sujeitos políticos, donos de sua própria história. Este sentimento de unidade parte da consciência de ter uma história similar, problemas e esperanças comuns, os mesmos valores e um destino que se intui comum. Na prática se expressa na construção de um projeto futuro e se iniciam experiências de mobilização para mudar a realidade circundante.
Em relação aos temas, os Movimentos Sociais recorrem às matrizes discursivas de contestação para repensar o cotidiano das classes populares. Daí que surgem representações humanistas da realidade: se valorizam os atos de solidariedade, há uma sede de justiça que lhes impelem a denunciar a situação social vigente, questiona-se a racionalidade tecnocrática e o individualismo burguês dos discursos dominantes [28].
Os movimentos sociais como processos se definem a partir de sua relação com o Estado, que é a esfera fundamental de convergência de suas reivindicações sociais. Segundo Ana Maria Doimo "a cultura política e a nova consciência produzida no interior dos Movimentos hão de penetrar as próprias estruturas institucionais obrigando-as a um processo de mudança que incorpore novos valores e uma relação nova entre Estado e sociedade [29]".
Os movimentos populares encontraram na Igreja uma instituição poderosa que estava em condições de proteger suas lutas e que dispunha de um discurso de solidariedade e da justiça em nome do qual articulá-las (neste caso a importância fundamental da Pastoral da Terra e do discurso da Teologia da Libertação).
A importância do papel da Igreja (e subsidiariamente também de outras organizações como o MST e o PT) estriba em incentivar a que grupos formados baseados nas carências comuns se articulem em alguma estrutura organizacional sólida que lhes permita avançar à condição de grupo referencial onde já não importa tanto a satisfação da necessidade imediata senão o reconhecimento pessoal como ser social e política [30].
O MST enquanto organização tem um papel importante na construção da identidade dos camponeses sem-terra dando uma dimensão reflexiva de suas ações e um sentimento de pertença a uma comunidade que reforça suas iniciativas. O Movimento lhes oferece um acompanhamento, uma cobertura, um espaço político que lhe possibilita por em jogo as aspirações de dignificar sua vida. Esse espaço político próprio lhes permite tornar significativas suas opiniões e efetivas suas ações.
Os trabalhadores rurais através de suas demandas e ações tornam visíveis suas necessidades e sua situação de precariedade. As ocupações de propriedades e os acampamentos colocam em evidência ante a sociedade que lhes contempla a realidade dos excluídos e, com isso, o lado obscuro do sistema brasileiro. Estes camponeses, no marco da luta que o MST elabora, visualizam através de sua prática uma saída para esta situação através das conquistas alcançadas pela organização: milhares de famílias assentadas e produzindo onde antes existia o vácuo domínio do latifúndio.
2.6.1 O Movimento dos Trabalhadores sem Terra e os Casos de Violência
O principal personagem da luta no campo do Brasil durante as últimas décadas tem sido o Movimento dos Trabalhadores sem Terra (MST) que conta com cerca de 500.000 filiados, o que o torna o movimento camponês mais importante da América do Sul.
O MST tem sido a ponta de lança de mais de mil invasões de terras com o intuito de expropriá-las uma vez que, via de regra, são ociosas e de origem latifundiária.
Não surpreendem estas ações posto que a distribuição desigual da terra é um problema particularmente agudo no Brasil, onde apenas 4% dos proprietários controlam 79% da terra cultivável do país [31]. Ademais, calcula-se que há em torno de 2,5 milhões de camponeses sem terra no Brasil. Estes também, por sua vez, começaram a fazer pressão sobre o governo mediante ações diretas que incluíam bloqueios de avenidas e manifestações nas sedes locais do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). A luta pela terra originou muitas mortes devido ao fato de que os fazendeiros e seus capatazes têm atuado de forma constante e impunemente; ressalta-se ainda que muitos morreram ou restaram feridos nos confrontos com a policia.
A respeito da violência no campo, especialmente sobre caso mundialmente difundido envolvendo o assassinato da Irmã Dortohy, no Pará, ressaltou Dom Tomás Balduíno, presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e denodado incentivador das causas sociais:
Vivemos os últimos dias marcados pela violência. A violência do poder privado está ceifando diariamente vidas no campo, entre as quais a que maior repercussão teve, foi a da Irmã Dorothy Stang, no Pará. A violência do poder público teve sua expressão maior no Estado de Goiás com o despejo de quatro mil famílias de uma ocupação urbana, em Goiânia, com pelo menos duas mortes, centenas de feridos e mais de mil presos.
O que mais chama a atenção é a desenvoltura com que agem os que praticam a violência. Quando a morte de Irmã Dorothy era notícia no mundo todo e autoridades federais, inclusive ministros, se deslocavam para a pequena Anapu, PA, pistoleiros invadiram uma casa e obrigaram a sobrinha de um dirigente sindical a redigir um bilhete avisando-o de que ele seria o próximo. Mais de 10 dias depois, quando tropas do exército estavam na cidade, outro bilhete foi deixado sob a porta de outra liderança com novas ameaças.
Por que os criminosos se sentem assim tão seguros? A raiz e a fonte desta segurança é a impunidade. A CPT, desde 1985, publica sistematicamente o relatório dos Conflitos no Campo - Brasil. De 1985 a 2004 (dados parciais deste último ano) foram assassinados 1379 trabalhadores e trabalhadoras. Só foram julgados 75 casos, com a condenação de 5 mandantes e 64 executores. O mais impressionante de tudo isto é que os poucos condenados, com facilidade conseguem fugir, até pela porta da frente.
Esta mesma justiça, porém, é extremamente ágil para condenar trabalhadores. Expede liminares de despejo de áreas, muitas delas com documentos totalmente espúrios - em 2003 foram despejadas no campo 35.292 famílias e quase igual número em 2004. Mantém encarcerados trabalhadores, meses e meses seguidos, sem lhes conceder hábeas corpus enquanto que criminosos, já condenados, continuam em liberdade, aguardando julgamento em instância superior.
As elites rurais do Brasil sentem e sabem que o poder judiciário está aí para lhes dar a cobertura que querem. Por isso continuam os despejos, as prisões, os assassinatos, as ameaças.
Para nossa justiça a propriedade é o direito maior. Em nome deste 'direito' pisoteiam-se os direitos fundamentais da pessoa humana [32].
Acerca das características da violência no campo, acentua PAULO DE TARSO CARALO, secretário de política agrária e do meio ambiente da CONTAG (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura):
a) A violência é seletiva: Apesar da violência dos latifundiários vitimar qualquer um que se oponha a seus interesses, ela atinge, principalmente, as pessoas que tenham poder de influência e de formação de opinião sobre as comunidades. Por isso, dizemos que ela é seletiva, pois suas principais vítimas são os dirigentes sindicais, lideranças sociais, agentes pastorais e comunitários, religiosos, parlamentares, advogados, etc.
É importante destacar que a organização para os crimes envolve uma tabela de preços para as vítimas.
Quanto mais influente for a liderança a ser eliminada, mais alto é o valor a ser pago pelo seu assassinato, mesmo que estes sejam irrisórios.
b) A violência é Institucional: Uma outra característica da violência no campo é a sua institucionalidade. Quase sempre, as ações de repressão às lutas que geram as agressões e desrespeito aos direitos humanos são apoiadas pelos organismos do Estado, em especial os órgãos de segurança pública. A interpretação das leis e as determinações do poder judiciário, colocando o direito à propriedade acima do direito à vida e à sobrevivência, na maioria das vezes, corrobora e sustenta as ações dos demais poderes, que não exitam em colocar o aparato público a favor dos latifundiários e contra os trabalhadores e trabalhadoras rurais. Para exemplificar, registra-se que em 2005 mais 25 mil famílias de sem terra foram vítimas de despejos, em operações quase sempre ordenadas pelo Poder Judiciário e executadas violentamente pela polícia militar. Estas famílias se somam às mais de 70 mil outras, também despejadas nas mesmas condições nos anos de 2003 e 2004.
A relação tendenciosa existente entre autoridades públicas e os latifundiários gera uma escandalosa desigualdade no tratamento dos fatos e denúncias decorrentes da violência contra trabalhadores e trabalhadoras rurais. Enquanto os pistoleiros e mandantes dificilmente têm seus crimes apurados e gozam da impunidade, há impressionante agilidade, eficiência e dispêndio de recursos humanos e financeiros para condenar, prender ou despejar trabalhadores que lutam pelo direito à terra.
d) A violência é organizada: Apesar da ocorrência de fatos isolados, a violência no campo está ligada às organizações formais ou informais dos latifundiários. São criados consórcios, associações, união de ruralistas, etc., como formas de se estabelecer "redes" de financiamento para os assassinatos e de proteção para as propriedades rurais contra a ação dos trabalhadores e trabalhadoras rurais, especialmente os sem terra. Estas organizações se valem da contratação e manutenção de milícias privadas e de advogados e promovem a compra de armas, dentre outras ações ilegais. É comum, também, a criação de "empresas de seguranças", que na verdade são empresas de fachada para dar um caráter de legalidade à contratação de pistoleiros para as fazendas.
e) A violência é generalizada: Apesar de se destacar, principalmente no estado do Pará, a violência no campo está presente em todos os estados do País. Mesmo que não se registrem assassinatos, a forma mais divulgada de violência, os trabalhadores e trabalhadoras rurais sofrem permanentemente com os despejos, ameaças, prisões ilegais, exposição aos agrotóxicos, trabalho escravo, superexploração do trabalho, dentre outras. Este fato nega, inclusive, o discurso de muitos fazendeiros, intelectuais, parlamentares e seus aliados, que alegam que só os atrasados latifundiários dos rincões do país permanecem com práticas violentas, não aceitas pela maioria dos modernos empregadores rurais e dos defensores do agronegócio. A existência de trabalho escravo no Rio Grande do Sul, inclusive com a utilização de crianças e a morte, por excesso de trabalho, de 13 trabalhadores cortadores de cana nas usinas de açúcar e álcool do estado de São Paulo, são exemplos que demonstram esta generalidade e que caracteriza, enquanto classe, os exploradores e violadores dos direitos humanos no campo [33].
Em síntese, a violência generalizada no Brasil rural é uma expressão da luta pela terra e a sobrevivência dos pobres do campo. A reforma agrária segue sendo um assunto crucial para atacar a pobreza e a violência rural.
Quando Fernando Henrique Cardoso assumiu a presidência do país em 1994 as ações do MST conseguiram acelerar o processo de reforma agrária. Ainda que isso constitua um avanço significativo comparado com o passado, os beneficiários são, no entanto, tão só uma fração dos trabalhadores rurais sem terra e o problema da terra estão longe de ter se resolvido, no entanto, conforme aduz o penalista Roberto Delmanto Júnior "o milagre da reforma agrária, que já está se concretizando e um dia haverá ainda de se perfazer por completo, se traduz em expressão mais do que legítima da própria liberdade, tendo os miseráveis do campo conseguido agir no espaço propiciado por nossa democracia, sensibilizando e pressionando o Governo acerca da urgência dessas reformas [34]".
Outro fator preocupante que vem se desenvolvendo de modo assustador nos últimos anos é a violência entre jovens e adolescente.
2.8 A VIOLÊNCIA ENTRE JOVENS E ADOLESCENTES
Os jovens, como grupo social, estão forçosamente vinculados a seu entorno, ao ambiente econômico, social, político e cultural que se apresente em qualquer etapa da história de um país ou de uma cidade, e desta relação histórica dependerão os mecanismos, acordos, visões e formas convivência que se hajam estabelecido entre eles e sua sociedade, dela também dependerá a imagem pública dos jovens, sua percepção popular e as formas e limites que encontraram para associar-se entre si, em qualquer contexto. Os jovens não constituem um grupo homogêneo, ao contrário, o conceito juventude, encerra em si mesmo a soma de numerosos grupos, muito distintos entre si, que algumas vezes chegar a ser até antagônicos.
Por exemplo, é um fato que nem todos os desportistas são jovens e que nem todos os jovens são desportistas, no entanto, o esporte é uma atividade ligada intrinsecamente à juventude. Da mesma forma, nem todos os jovens são delinqüentes nem todos os delinqüentes são jovens, mas, igual o exemplo anterior, existe uma certa tendência construída socialmente que, com freqüência, relaciona estes dois conceitos até chegar a se falar, especificamente de uma "delinqüência juvenil": é real esta percepção? É são para uma sociedade pensar assim de seus "homens e mulheres de amanhã"? Quais são os efeitos deste tipo de interpretação social?
Os motivos do surgimento destas percepções sobre os jovens são múltiplas e de origens diversas, no entanto, é um fato – aceito atualmente nas ciências sociais -, que neste setor em particular existe uma estigmatização que, com os anos, tem sido reforçada e amplamente difundida pelos meios massivos de comunicação.
De onde surgiram estas visões? Existe acaso uma estratégia perversa para marcá-los deliberadamente? Quem tem sido os responsáveis deste complexo processo de etiquetação social? Para onde se dirige este fenômeno e quais serão os resultados?
2.8.1 Juventude e Adolescência e o Tráfico de Drogas
É fato consumado que o Brasil é conhecido em todo o mundo por causa da violência, sobretudo no que tange as mortes violentas que tem por alvo crianças e adolescentes.
Consoante pesquisa feita pelo Centro de Proteção à Infância e Adolescência, na faixa etária que vai de 5 (cinco) anos a 11(onze) anos figuram em primeiro lugar, os acidentes de trânsito e os atropelamentos responsáveis por 62% dessas mortes no Brasil e entre os jovens de 15 (quinze) a 18 (dezoito) anos os homicídios causados por armas de fogo lideram estas estatísticas e cerca de 50% dessas mortes violentas no Brasil são atribuídas a grupos de extermínios, grupos de traficantes e policiais [35].
São, portanto, os adolescentes acima de 14 anos de idade, e não as crianças, que estão sendo assassinados, provavelmente na sua maioria por outros jovens da mesma idade.
Calcula-se que 70% destas mortes violentas no Brasil atinjam adolescentes entre 15 e 17 anos, 50% das quais seriam atribuídas à ação de grupos de extermínio, 40% a grupos de traficantes e 8,5% à polícia [36].
No Rio de Janeiro, onde se estudou o tráfico de drogas, a posse de armas de fogo poderosas criou, para os jovens quadrilheiros, um poder militar que não só os levou a matarem-se mutuamente, como abalou as bases de qualquer autoridade, políticos locais, comerciantes e policiais tornaram-se o foco de seu comportamento agressivo, bem como seus professores, líderes locais e até o padre perderam autoridade diante dos outros adultos e jovens que exibiam o poder do dinheiro e das armas.
No esquema de extorsão e dívidas contraídas com traficantes, conforme aponta ELOÍSA GUIMARÃES, os jovens que começam como usuários de drogas são levados a roubar, a assaltar e algumas vezes até a matar para pagar aqueles que os ameaçam de morte, caso não consigam saldar a dívida, e os instigar a se comportar como eles, andando armados e assaltando. Muitos deles tornam-se membros de quadrilhas para saldarem dívidas ou para se protegerem dos inimigos criador, em um círculo vicioso [37].
Lucke Dowdney ressalta que além dos testemunhos dados por moradores de favelas e ex-traficantes que participaram do comércio de drogas durante as décadas de 1980 e 1990, o aumento significativo de crianças e adolescentes envolvidos no tráfico de drogas de o início da década de 1980 é indicado por estatísticas criminais, que mostram como foi muito maior o número de menores presos nos últimos vinte anos, geralmente acusados de delitos relacionados com o tráfico de drogas [38].
Ainda em se tratando de Rio de Janeiro, por ser o centro onde há cada vez mais a inserção de jovens e adolescentes no mundo do crime, essa escalada tem início no começo da década de 1980, quando facções do tráfico de drogas estabeleceram-se pela primeira vez nas favelas cariocas, crescendo de forma mais acentuada a partir de 1993, quando se intensificaram as disputas entre as facções do tráfico. Foi a partir daí que crianças e adolescentes começaram a substituir os traficantes mais antigos em posições ocupadas anteriormente apenas por traficantes adultos. Isso ocorreu devido ao fato de muitos traficantes adultos terem sido aprisionados ou mortos, e isso abriu caminho para que um maior número de crianças entrasse no comércio de drogas como uma ocupação integral.
A abertura de novos postos de trabalho no comércio de drogas aos quais crianças e adolescentes podiam ter acesso trouxe uma perspectiva mais atraente à existência desses jovens a partir da década de 1980, devido em grande parte à falta de outras opções de emprego, mobilidade social, status e dinheiro.
Nas comunidades ou favelas, é normal que crianças e adolescentes trabalhem para complementar a renda familiar. Ao mesmo tempo em que diminuía a geração de empregos para crianças e adolescentes, o tráfico de drogas foi se firmando cada vez mais como um meio de ganhar a vida.
Ao contrário da falta de acesso ao mercado de trabalho legal, as crianças começaram a demandar cada vez mais uma maior participação na crescente cultura consumista da sociedade, estimulada pelo aparecimento de comerciais mais sofisticados veiculados pela televisão e campanhas de marketing dirigidas a uma população cada vez mais jovem.
As crianças e os adolescentes das favelas (ou não) sabem muito bem o que a sociedade de consumo tem a oferecer, mas diante da pobreza dos pais e das poucas chances de emprego, são poucos os meios disponíveis para realizar o que desejam. O tráfico de drogas oferece maneiras de se alcançar os fins desejados. A importância cada vez maior dada por crianças e adolescentes das favelas à aquisição de bens de consumo é vista por muitos deles como justificativa suficientemente importante para arriscar a vida ou mesmo matar, se necessário.
O tráfico de drogas atrai crianças de espírito independente, que se recusam a aceitar as migalhas oferecidas pela sociedade oficial, ou a pobreza e o sofrimento vivenciados diariamente pela maioria deles na favela. Essa busca de identidade, mobilidade social e ganhos materiais, algo comum a todos os jovens de qualquer classe social, leva ao comércio de drogas como uma rota perigosa, mas acessível para mudar sua situação.
Por outro lado, além desse significativo aumento do número de crianças e adolescentes empregados no tráfico de drogas, o aumento do uso de armas leves pelos empregados de facções também facilitou enormemente o crescente papel desempenhado pelas crianças em funções armadas, uma vez que tais armas de fogo são leves, pequenas e facilmente manipuladas por adolescentes e crianças de até 10 anos de idade.
2.8.2 Principais fatores Determinantes da Violência Infanto-Juvenil
Apontar os fatores determinantes da violência infanto-juvenil é tarefa complexa, no entanto, pode-se salientar aqueles mais presentes em todas as formas de manifestação da violência que ter por agentes adolescentes e jovens: a crise familiar, a violência doméstica, o excesso de trabalho e o abandono dos filhos, em outros casos o desemprego; a falta de limites, o álcool, as drogas, a perda de valores, a crise política, econômica e social; a influência da televisão e da sociedade de consumo. Mas é imperioso destacar que nenhum destes fatores é por si só, causa da violência. Esta realidade é sempre conseqüência de uma multicausalidade, de uma combinação de fatores que geram uma descarga violenta. Também há uma predisposição pessoal a desencadear um fato desta magnitude.
Freqüentemente, sobretudo no que atine a uma realidade fronteiriça como a de Foz do Iguaçu, a violência infanto-juvenil decorre, mormente, da falta de estrutura familiar, das condições de vida, muitas vezes paupérrimas em algumas situações, e da falta de perspectiva por parte deste público.
Os jovens, aduz JOSÉ VICENTE DOS SANTOS, "são particularmente afetados pelo individualismo exacerbado, pelo narcisismo do "culto da liberdade individual", cujo estímulo a um comportamento de "vencedores" e "perdedores" ameaça romper os laços de sociabilidade" [39].
O que pode se notar nos casos de violência infanto-juvenil, sobretudo a decorrente do uso de armas de fogo e tráfico de drogas, é que ela tem por finalidade o auferimento de dinheiro para satisfação de consumo destes jovens e adolescentes, o que por sua vez decorre da exacerbada propaganda consumista proveniente dos meios de comunicação de massa.
A falta de referência familiar leva jovens e adolescentes a buscarem estas referências em grupos de contracultura onde busca uma identidade não encontrada no seio familiar. Daí muitas vezes emerge a triste realidade da violência escolar através da disputa por espaço de grupos rivais.
Os jovens, conforme salienta JOSÉ VICENTE TAVARES DOS SANTOS, vivenciam um processo de transição para a vida adulta, quando então sua agressividade tem o caráter positivo de habilitá-los a se autonomizarem e a ocuparem um luar no espaço social [40]. Por um lado, ressalta DAVID ZIMERMAN [41], "as principais transformações, além daquelas na anatomia e fisiologia corporal, também são de natureza psicológica, muito especialmente o da busca de uma identidade individual, grupal e social". Por outro, a natureza dessas transformações varia segundo o grupo etário, pois, segundo o mesmo autor, "considera-se que adolescência abrange três níveis de maturação e desenvolvimento: a puberdade (ou pré-adolescência), no período dos 12 aos 14 anos; a adolescência propriamente dita (dos 15 aos 17) e a adolescência tardia (dos 18 aos 21) [42]".
Por fim, ressalta-se que a mídia poderia contribuir de maneira preponderante na busca de meios para mudar esta realidade, mas ao contrário, exacerba a violência, instigando a sociedade a cobrar do Estado a redução da maioridade penal, com a falsa idéia de que através de leis penais mais duras a redução da violência seria uma conseqüência lógica.
Por outro lado não se verifica o surgimento de políticas públicas, sobretudo locais, que viabilize o surgimento de projetos sociais e culturais envolvendo o público infanto-juvenil: criação de centros de capacitação profissional, esportes, lazer, cultura (criação de bibliotecas e teatros em nível de bairros). Certamente estas medidas são as menos interessantes para o poder público uma vez que exige gastos consideráveis e não tem um retorno em curto prazo.
A experiência tem demonstrado que a socialização é o meio mais eficaz para que a violência seja atenuada uma vez que impossível sua erradicação por completo; as medidas de caráter repressivo, por sua vez, não passam de meros paliativos.