5. Medidas judiciais cabíveis
5.1. Ação popular e ação civil pública
A ação popular,nos termos do art. 5º, LXXIII, da Constituição da República, é passível de ser ajuizada por qualquer cidadão, visando a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, sendo o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência. É regulamentada pela Lei 4.717/1965, sendo instrumento de extrema relevância, pois colocado à disposição de qualquer cidadão, embora infelizmente pouco utilizada na prática.
Todavia, dentre os instrumentos processuais existentes na legislação para defesa do meio ambiente, sem dúvida destaca-se em primeiro plano a ação civil pública, introduzida em nosso ordenamento pela Lei 7.347/85. Tem por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer (art. 3º) [39] e poderá ser ajuizada pelo Ministério Público, pessoas políticas (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), por autarquia, empresa pública, fundação, sociedade de economia mista ou por associação civil que esteja constituída há pelo menos um ano, e inclua entre suas finalidades institucionais a proteção ao meio ambiente, ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (art. 5º) [40].
5.2. Responsabilização penal
Qualquer exploração de recursos naturais em reservas extrativistas fora dos parâmetros traçados no SNUC constitui dano à unidade de conservação, caracterizando o tipo penal do art. 40 da Lei 9.605/1998. Além disso, independendo da verificação do dano, em relação aos agentes públicos responsáveis pelo licenciamento da atividade de extração de madeira na unidade, deve-se analisar a incidência do art. 67 da referida lei. Também independente de dano, se for verificado descumprimento do contrato de concessão real de uso pelas comunidades locais, pode estar caracterizado o crime do art. 68. Tanto no caso do art. 67 como do art. 68, incide a agravante do art. 15, II "e" (pois o crime atinge unidade de conservação), e, se comprovada a intenção ao infrator em obter vantagem pecuniária, a agravante do art. 15, II "a".
5.3. Responsabilização por ato de improbidade administrativa
Tem-se observado que em muitos casos hoje existentes de exploração madeireira em reservas extrativistas, existe a ação dolosa ou a omissão dos agentes públicos responsáveis pela gestão, licenciamento ambiental e fiscalização destas unidades de conservação. Certamente motivados por injunções políticas (já que a exploração de madeira agrada a todos: comunitários e madeireiros), servidores e agentes políticos têm agido de forma deliberada a fim de dotar tais procedimentos de um verniz de legalidade ou simplesmente fazer vista grossa à esta dilapidação do patrimônio público (lembre-se que o patrimônio florestal pertence ao ente público, sendo apenas o uso tradicional concedido às populações extrativistas).
Neste ponto, oportuno lembrar que o art. 38 da Lei nº 9.985/2000, dispõe que aação ou omissão das pessoas físicas ou jurídicas que importem inobservância aos preceitos desta Lei e a seus regulamentos ou resultem em dano à flora, à fauna e aos demais atributos naturais das unidades de conservação, bem como às suas instalações e às zonas de amortecimento e corredores ecológicos, sujeitam os infratores às sançõesprevistas em lei.
Verifica-se, assim, que tais condutas comissivas ou omissivas amoldam-se aos tipos civis previstos na Lei 8.429/1192 (Lei de Improbidade Administrativa). Em primeiro lugar, no art. 10, visto que, sendo tais florestas bens públicos, a exploração comercial ocorre à custa do erário, além do prejuízo ao patrimônio ambiental, violando-se dois direitos difusos: o direito ao meio ambiente e à probidade administrativa. Subsidiariamente, existe cabal violação dos princípios da legalidade, da lealdade e da moralidade (art. 11), sem falar no possível enriquecimento ilícito de terceiros (art. 9º, quando se provar que os proventos obtidos com a venda da madeira foram desviados da comunidade).
6. Conclusões
Conforme ensina Jose Eduardo Ramos Rodrigues, ao analisar que a Constituição da República de 1988 determinou que o Poder Público, para assegurar a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, deveria definir em todas as unidades da federação espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos (art. 225, § 1º, III), o espaço territorial especialmente protegido é o instrumento jurídico para a garantia do direito constitucional das presentes e futuras gerações ao ambiente sadio e equilibrado [41]. As unidades de conservação são, portanto, instrumento para concretização do direito fundamental difuso ao meio ambiente, cujos titulares são as presentes e futuras gerações.
As reservas extrativistas são, geneticamente, áreas protegidas com finalidade dupla: possibilitar a conservação da biodiversidade por meio do uso sustentável dos recursos naturais da unidade e a proteção do modo de vida (extrativismo) e cultura das populações tradicionais. Em se tratando de RESEX, o interesse da coletividade difusa é a concretização destes dois objetivos, e nenhum outro além destes.
As atividades econômicas permitidas em reservas extrativistas são o extrativismo e, complementarmente, a agricultura de subsistência e a criação de animais de pequeno porte. O domínio da área (nisso se incluindo todos seus recursos naturais) é público, sendo o uso concedido às populações extrativistas tradicionais (art. 18, § 1º), o que se dá em caráter revogável, no caso de danos ao meio ambiente.
A exploração comercial de recursos madeireiros só será admitida em bases sustentáveis e em situações especiais e complementares às demais atividades desenvolvidas na Reserva Extrativista (art. 18, § 7º)
Delineiam-se, assim, cinco princípios orientadores das reservas extrativistas: publicidade, tradicionalidade, sustentabilidade qualificada e, com relação ao uso de madeira, excepcionalidade e complementaridade (ou subsidiariedade).
Atualmente, assiste-se a um processo de transfiguração cultural das populações tradicionais, que se inserem na economia de mercado e mercantilizam seu modo de vida. Para saciar seus desejos consumeristas, necessitam alienar os recursos naturais existentes nas reservas (sendo a madeira o mais valioso sob um prisma imediatista), o que, por outro lado, atende justamente à crescente pressão exercida pelo setor explorador de madeira. Sob o manto do manejo florestal comunitário consolida-se o uso de patrimônio público florestal com a finalidade de atender aos desejos destes dois setores, em prejuízo da conservação da Natureza.
A banalização da exploração de madeira em reservas extrativistas viola as normas do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, acarretando tanto a alteração do modo de vida tradicional como danos à biodiversidade, ou seja, atingindo justamente os dois bens jurídicos tutelados.
Os atos que importarem na exploração madeireira fora dos parâmetros do SNUC podem ser combatidos na esfera civil com o manejo da ação popular ou da ação civil pública, visando evitar ou suspender a atividade danosa ou, ainda obter a reconstituição do ambiente lesado ou a reparação dos danos. Na esfera penal, os agentes públicos ou privados podem incorrer nos tipos dos artigos 40, 67 e 68 da Lei 9.605/1998. Na esfera da defesa da probidade administrativa, os infratores podem ser responsabilizados nos termos da Lei 8.429/1992.
7. Bibliografia
ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 6ª ed., Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2002.
BENJAMIN, Antônio Herman Vasconcelos et al. Direito Ambiental das áreas protegidas. Rio de Janeiro: Forense, 2001.
______. "O regime brasileiro das unidades de conservação". In Revista de Direito Ambiental. São Paulo. v. 21, p. 27-56, 2001.
DOUREJANNI, Marc. J.; PADUA, Maria Tereza Jorge. Biodiversidade: a hora da decisão. Curitiba: UFPR, 2001.
FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 6ª. ed., São Paulo: Saraiva, 2005.
FRONTIER, Serge. Os Ecossistemas. Lisboa: Instituto Piaget, 2001.
GRAF, Roberta; GOMES FILHO, Arlindo. "Exploração comercial de madeira nas reservas extrativistas". Disponível em http://ambienteacreano.blogspot.com/2005/12/explorao-comercial-de-madeira-nas.html, Acesso em 12.jan.2009.
GUILLAUMON, J. Régis. "Políticas Públicas e Ocupação Humana: populações tradicionais em unidades de conservação da natureza". In Revista de Direitos Difusos, v. 20, do quarto bimestre de 2003.
LEOPOLDI, José Sávio. "Rousseau, estado de natureza, o ‘bom selvagem’ e as sociedades indígenas". In: Revista Alceu. Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, v. 2, n.4, p. 158 a 172, jan./jun. 2002.
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 10ª ed., São Paulo, Malheiros, 2002.
MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 31ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
MONJEAU, Adrián. "Conservación de la biodiversidad, áreas protegidas y gente: escalas diferentes, problemas diferentes". In Anais do V Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação, Curitiba: Fundação O Boticário de proteção à Natureza, 2007.
MORIN, Edgar. Terra-Pátria. 5ª ed, Porto Alegre: Sulina. 2005.
NOGUEIRA, Georgheton Melo. "Manejo comunitário madeireiro: uma falha de concepção". In Página 20, Rio Branco, 11.3.2007, p. 20-21.
Q.C., Michael Jeffery; CRAIG, Donna. "Wildlife management in Australia: different perspectives on indigenous participation". In Revista de Direito Ambiental. São Paulo. v. 35, p. 217-237, jul-set., 2004.
RIOS, Aurélio Virgílio Veiga et al. O Direito e o desenvolvimento sustentável – Curso de Direito ambiental. São Paulo: Peirópolis, Brasília: Instituto Internacional de Educação do Brasil, 2005.
RODRIGUES, José Eduardo Ramos. Sistema nacional de Unidades de Conservação. São Paulo; Revista dos Tribunais, 2005.
SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e novos direitos. São Paulo: Peirópolis, 2005.
SOUZA, Renato Magalhães de Oliveira; OLIVEIRA, Renata Teixeira de. Diagnóstico da atual situação do manejo florestal comunitário nas reservas extrativistas estaduais de Rondônia. WWF-Brasil, Rio Branco, 2005.
Notas
- José Eduardo Ramos Rodrigues, Sistema Nacional de Unidades de Conservação, p. 176-177.
- Juliana Santilli, in O Direito e o desenvolvimento sustentável, p. 180-182.
- A principal diferença em relação ao uso da terra indígena é que, nesta, não se exige o contrato de concessão de direito de uso.
- O Decreto 98.897/1990 permanece vigente no que não foi implicitamente derrogado.
- Dispunha o vetado inciso XV do art. 2º que populações tradicionais seriam "grupos humanos culturalmente diferenciados, vivendo há, no mínimo, três gerações em um determinado ecossistema, historicamente reproduzindo seu modo de vida, em estreita dependência do meio natural para sua subsistência e utilizando os recursos naturais de forma sustentável".
- Mensagem da Presidência da República n. 967, de 18.7.2000.
- Juliana Santilli, Socioambientalismo e novos direitos, p.134.
- Sistema Nacional de Unidades de Conservação, p 135.
- Juliana Santilli, Socioambientalismo e novos direitos, p. 128-129.
- "Para alcançar o desenvolvimento sustentável, a proteção ambiental constituirá parte integrante do processo de desenvolvimento e não pode ser considerada isoladamente deste."
- Serge Frontier, Ecossistemas, p. 144.
- José Sávio Leopoldi. "Rousseau, estado de natureza, o ‘bom selvagem’ e as sociedades indígenas", p. 162.
- Terra-pátria, p. 35.
- Serge Frontier, Ecossistemas, p. 147.
- Sistema Nacional de Unidades de Conservação, p. 178-179.
- Os índios e a civilização, p. 246.
- Idem, p. 27.
- Idem, p. 379.
- Idem, p. 391.
- Diagnóstico da atual situação do manejo florestal comunitário nas reservas extrativistas estaduais de Rondônia, p. 3.
- A atividade pecuária em RESEX viola de modo frontal as normas no SNUC, já que a o art. 18, caput, da Lei 9.985/2000, determina que tal modalidade de unidade de conservação tem sua área utilizada por populações extrativistas tradicionais, cujasubsistência baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte, tendo como objetivos básicos proteger os meios de vida e a cultura dessas populações, e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais. Ora, é claro que a criação de bovinos não faz parte do extrativismo, nem se trata de criação de animais de pequeno porte e nem pertence ao meio de vida e cultura das populações tradicionais, além de ser de duvidosa sustentabilidade.
- "Manejo comunitário madeireiro: uma falha de concepção". In Página 20, Rio Branco, 11.3.2007, p. 20-21.
- Como se observa do texto legal, o manejo florestal é uma forma de exploração de recursos naturais que não se restringe à madeira. Entretanto, na atualidade a esmagadora maioria dos planos de manejo florestal sustentável tem por objetivo de fato a extração de toras de madeira. Por esta razão, inclusive, preferimos abordar o tema utilizando a expressão "exploração madeireira em reservas extrativistas".
- Georgheton Melo Nogueira. "Manejo comunitário madeireiro: uma falha de concepção", p. 20.
- Sculze et al, 2005; Souza, 2002; e Wilson, 1988, citados por Roberta Graf e Arlindo Gomes Filho. "Exploração comercial de madeira nas reservas extrativistas".
- Em países da América Central, África e Ásia o manejo madeireiro tem gerado grandes impactos ambientais e sociais.
- Idem.
- Schulze et al, 2005. Idem.
- Idem.
- Idem.
- Georgheton Melo Nogueira. "Manejo comunitário madeireiro: uma falha de concepção", p. 21.
- Georgheton Melo Nogueira. "Manejo comunitário madeireiro: uma falha de concepção", p. 20. Referido autor atenta que, na verdade "a extração da madeira é vista pelos manejadores comunitários como uma forma de capitalização suficientemente capaz de engendrar outras atividades, geralmente determinadas pela afinidade e pelas expectativas de retorno".
- Autos da ação civil publica ajuizada pelos Ministérios Públicos Federal e Estadual de nº 2008.41.00.004506-0, tramitando na 2ª Vara Federal da Seção Judiciária de Rondônia.
- Na região amazônica, tal expressão significa o comerciante que vende as populações rurais gêneros industrializados.
- De fato, inconcebível que a venda de madeira possa ser aceita como única ou principal fonte de renda de populações tradicionais.
- Que, nos termos do art. 17 da Lei 9.985/2000, é uma área com cobertura florestal de espécies predominantemente nativas e tem como objetivo básico o uso múltiplo sustentável dos recursos florestais e a pesquisa científica, com ênfase em métodos para exploração sustentável de florestas nativas.
- Michael Jeffery Q. C. e Donna Craig. "Wildlife management in Australia: different perspectives on indigenous participation", p. 235.
- "Conservación de la biodiversidad, áreas protegidas y gente: escalas diferentes, problemas diferentes".
- Édis Milaré, p. 976.
- Seja suspendendo o licenciamento ou execução da exploração madeireira ou condenando-os à reconstituição do ambiente lesado ou reparação dos danos causados.
- Na esfera pré-processual, o Ministério Público tem à disposição com a exclusividade a utilização do inquérito civil (art. 8º, par. 1º, da Lei 7347/85), instituto que tem a finalidade de, através de atividade investigatória de natureza administrativa reunir elementos de convicção (provas documentais, orais ou periciais) para ajuizamento de ação civil pública ou formulação de termo de ajustamento de conduta (art. 5º, par. 6º, da mesma Lei).
- Op. cit, p. 25.