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A atividade notarial digital em face do Projeto de Lei 1589/99

Agenda 01/07/2000 às 00:00

O Projeto de Lei n.º 1.589, de 1999(1), que tramita junto ao Congresso Nacional por iniciativa por deputado federal Luciano Pizzato, dentre outros, dispõe sobre o comércio eletrônico, sobre a validade jurídica do documento eletrônico e sobre a assinatura digital, dando outras providências pertinentes à matéria.

Dentre os variados assuntos tratados pelo projeto, desperta grande interesse a atenção dispensada à atividade notarial, estipulando normas específicas a esta questão nova, cujo tratamento legislativo se mostra premente.

A atividade inerente aos tabeliães assim como já ocorre por disposição da Lei 8.935/94 no art. 4º dependerá de autorização do Poder Judiciário, que também será incumbido de regulamentar o exercício das atividades de certificação.

Caberá ainda ao Judiciário, no controle da atividade notarial, fiscalizar as atividades de certificação, como também já prevê a Lei 8.935/94, em seu art. 37 e impor as penalidades administrativas cabíveis, com obediência ao devido processo legal(2), sem o prejuízo da eventual responsabilidade civil e penal dos notários.

Segundo o projeto em análise, a atividade notarial também terá sua atividade controlada e fiscalizada pelo Ministério da Ciência e Tecnologia - MCT, uma vez que este órgão terá a responsabilidade de regulamentar aspectos técnicos da

Assegura-se assim, atividade de certificação eletrônica pelos tabeliães, devendo até mesmo dispor sobre os elementos a serem adotados pelos tabeliães nos planos de segurança, cujo objetivo, obviamente, além de assegurar pelo Princípio constitucional da eficiência(3), é também dar segurança ao cidadão, coibindo a possibilidade de fraudes.

Nesse sentido, caberá ainda àquele Ministério, além da averiguação periódica sobre a qualidade do serviço notarial, as seguintes atribuições: emissão de parecer técnico sobre a solicitação de tabelião para o exercício de atividade de certificação eletrônica, bem como a emissão de certificados para as chaves de assinatura a serem utilizadas, pelos tabeliães para firmarem certificados. (4)

Superados estes comentários preliminares, passa-se a discorrer sobre a atividade notarial prevista no projeto de lei em exame.

A atividade principal do tabelião estabelecida pelo Projeto de Lei n.º 1.589, de 1999 é a de certificação eletrônica pública, esta entendida como a atividade garantidora da identidade do signatário de documento digital (autenticação do signtário) e a atividade asseguradora da origem do documento eletrônico (autenticação do documento) por meio de criptografia.

As atribuições dos notários por meio do projeto em estudo são sucintamente as seguintes:

  1. documentar os sistemas que emprega na certificação, e as medidas constantes de seu plano de segurança, permitindo acesso a essa documentação pela fiscalização do Ministério de Ciência e Tecnologia;
  2. documentar os certificados expedidos, vigentes, esgotados e revogados, permitindo acesso a essa documentação pela fiscalização do Poder Judiciário.
  3. certificar a autenticidade(5) de chaves públicas entregues pessoalmente pelo seu titular, devidamente identificado, sendo que este pedido de certificação deve ser efetuado pelo requerente em ficha própria, em papel, por ele subscrita, onde constarão dados suficientes para identificação da chave pública, a ser arquivada em cartório.
  4. entregar ao solicitante informações adequadas sobre o funcionamento das chaves pública e privada, sua validade e limitações, bem como sobre os procedimentos adequados para preservar a segurança das mesmas, sendo defeso ao tabelião receber em depósito a chave privada, bem como solicitar informações pessoais do requerente, além das necessárias para desempenho de suas funções, devendo utilizá-las apenas para os propósitos da certificação. (6)
  5. revogar um certificado eletrônico: i) a pedido do titular da chave de assinatura ou de seu representante; ii) de ofício ou por determinação do Poder Judiciário, caso se verifique que o certificado foi expedido baseado em informações falsas; e iii) se tiver encerrado suas atividades, sem que tenha sido sucedido por outro tabelião. (7)
  6. manter serviço de informação, em tempo real e mediante acesso eletrônico remoto, sobre as chaves por ele certificadas, tomando-as acessíveis ao público, fazendo-se menção as que tenham sido revogadas.
  7. certificar chaves somente geradas por sistema ou programa de computador que tenha recebido parecer técnico favorável a respeito de sua segurança e confiabilidade, emitido pelo Ministério da Ciência e Tecnologia.

Se por ventura vir o tabelião a encerrar as atividades de certificação eletrônica, o tabelião deverá que os certificados emitidos sejam transferidos para outro tabelião, ou sejam bloqueados.

Do mesmo modo, haverá a obrigação de se transferir as documentações referentes aos sistemas empregados na certificação, bem como as medidas de segurança adotadas, possibilitando o acesso e fiscalização pelo MCT, bem como as documentações referentes aos certificados expedidos, vigentes, esgotados ou revogados, possibilitando o controle da atividade também pelo Judiciário.

O Projeto de Lei n.º 1.589, de 1999 contempla ainda a responsabilização civil dos tabeliães calcada nos seguintes termos:

"O tabelião é responsável civilmente pelos danos diretos e indiretos sofridos pelos titulares dos certificados e quaisquer terceiros, em conseqüência do descumprimento, por si próprios, seus prepostos ou substitutos que indicarem, das obrigações decorrentes do presente diploma e sua regulamentação." (8)

Note-se que, sobretudo na esfera cível, o projeto de lei não se afasta da responsabilização objetiva dos notários e dos registradores, também prevista pelo artigo 37, § 6º da Constituição Federal.

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São, ainda, previstos no projeto de lei diversos tipos penais ligados à falsificação e adulteração da documentação eletrônica , sendo o único delito próprio da atividade notarial, o crime de falso reconhecimento de firma. (9)

Como já destacado, independentemente das sanções aludidas são os notários imputáveis também de sanções de cunho administrativo aplicáveis às condutas já mencionadas tendo a pena variada de uma multa de R$ 10.000,00 a R$ 1.000.000,00, bem como suspensão ou cassação autorização para exercício de atividade de certificação eletrônica, chegando-se até à possibilidade de cassação de licença de funcionamento.

Essas sanções serão aplicadas pelo Poder Judiciário, considerando-se a gravidade da infração, a vantagem auferida, a capacidade econômica, e a eventual reincidência, destacando-se que as penas suspensão poderão ser impostas por medida cautelar antecedente ou incidente de procedimento administrativo

Obviamente, que só haverá sanção ao notário se esta reprimenda for obtida após o trâmite legal previsto, seguindo, desta forma, o preceito constitucional já mencionado do devido processo legal, sob pena de tal reprimenda ser nula de pleno direito, como se pode inferir até mesmo do texto constitucional.

Afinal, mais que uma garantia ao notário, ao registrador, o due process of law é uma garantia do cidadão, sendo pertinente conferir o que nos ensina Nelson Nery Júnior:

"Verifica-se que a cláusula due process of law nada mais é do que a possibilidade efetiva de a parte ter acesso à justiça, deduzindo pretensão, defendendo-se do modo mais amplo possível, isto é, de ter his day in court, na denominação genérica da Suprema Corte dos Estados Unidos."

NERY JÚNIOR, Nelson in Princípios do Processo Civil na constituição Federal. 5ªed. rev. ampl. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1999, p. 40:

Nota-se, encerrando o presente estudo, que a despeito do caráter inovador das atividades dos notários e registradores previstas neste projeto de lei e suas futuras atribuições e responsabilidades serão análogas às já existentes.

As modificações serão, na verdade, meras adaptações à tecnologia a ser empregada nestas novas atividades de certificação.

Conclui-se, ainda nestas breves considerações, que a atividade notarial, consolidada secularmente, mostra-se, com esta nova roupagem, de extrema valia no desenvolvimento da certificação eletrônica, com as conseqüências imediatas desta atividade.

O primeiro efeito seguramente é o aprimoramento do comércio eletrônico, de importância crescente neste século que se inicia, dando ao usuário, o cidadão comum a segurança necessária para a celebração dos mais diversos negócios jurídicos.


NOTAS

  1. O projeto se encontra apensado ao de n.º 1.483/99.
  2. Tal previsão legal se mostra supérflua, na medida em que a necessidade da obediência ao "due process of law", até mesmo na esfera administrativa, é um imperativo constitucional – Art. 5º, inciso LIV.
  3. Princípio este inserto no caput do art. 37 da Constituição Federal, conforme redação estabelecida pela Emenda Constitucional n.º 19/98.
  4. Os parágrafos 1º e 2º do artigo 38 do projeto em estudo estabelecem as seguintes atribuições ao MCT:
    § 1º - O Ministério da Ciência e Tecnologia revisará a cada 2 (dois) anos o regulamento técnico da certificação eletrônica, previsto na alínea a deste artigo, de forma a mantê-lo atualizado de acordo com os avanços da tecnologia.
    §2º- Não será emitido parecer técnico favorável ao solicitante que: a) não apresentar conhecimento ou as condições técnicas necessárias para o exercício de suas atividades; b) não apresentar plano de segurança, ou, apresentando-o, for ele indeferido, ou ainda, caso seja constatado que o plano por ele proposto não está adequadamente implantado em suas dependências e sistemas.
  5. Segundo o artigo 33 do projeto, a assinatura digital do tabelião, lançada em cópia eletrônica de documento físico original, tem o valor de autenticação.
  6. Conforme o artigo 26 do Projeto, O certificado de autenticidade das chaves públicas deverá conter, no mínimo, as seguintes informações:
    I - identificação e assinatura digital do tabelião;
    II - data de emissão do certificado;
    III - identificação da chave pública e do seu titular, caso o certificado não seja diretamente apensado àquela;
    IV - elementos que permitam identificar o sistema criptografado utilizado;
    V - nome do titular e poder de representação de quem solicitou a certificação, no caso de o titular ser pessoa jurídica.
    Parágrafo único - Na falta de informação sobre o prazo de validade do certificado, este será de 2 (dois) anos, contados da data de emissão.
  7. Consoante o projeto, a revogação deve indicar a data a partir da qual será aplicada, não se admitindo revogação retroativa, salvo quando pairar dúvida sobre a legitimidade do requerente, ou não havendo meios de demonstrá-la em tempo hábil, o tabelião suspenderá provisoriamente, por até trinta dias, a eficácia da chave pública, notificando imediatamente o seu titular, podendo, para tanto, utilizar-se de mensagem eletrônica; revogada a chave dentro deste prazo, os efeitos da revogação retornarão à data da suspensão, ou ainda quando houver o mera dúvida quanto a segurança da chave privada, é lícito ao titular pedir a suspensão dos certificados por até trinta dias, aplicando-se o disposto na parte final do parágrafo anterior.
  8. Artigo 35 do projeto de lei.
  9. O eventual condenado por esta prática delituosa sofrerá as sanções previstas no art. 300 do Código Penal, por efetuar, no exercício de função pública, o reconhecimento, como verdadeiro de assinatura eletrônica, que não o seja.
Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Marcelo Ribeiro. A atividade notarial digital em face do Projeto de Lei 1589/99. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 43, 1 jul. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1805. Acesso em: 30 dez. 2024.

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