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Arbitragem no Direito do Trabalho: limites e perspectivas

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Agenda 21/01/2011 às 08:35

5.A ARBITRAGEM NOS CONFLITOS COLETIVOS DE TRABALHO

Os registros mais remotos da arbitragem como método de solução dos conflitos coletivos de trabalho dão conta de sua utilização pelos sindicatos ingleses, a partir do século XIX, no contexto reivindicatório de direitos desencadeado a partir da Revolução Industrial. Sobre esse fato, assim comenta Efrén Córdova:

É curioso que, na Inglaterra (país pioneiro no desenvolvimento das instituições trabalhistas), foram os sindicatos os primeiros a utilizarem a arbitragem. Quem ler o livro do casal Webb, sobre a história do sindicalismo inglês, encontrará várias referências ao apoio que os sindicatos britânicos de meados do século passado deram à arbitragem, em cuja utilização os sindicatos encontraram uma espécie de reconhecimento para sua existência. A aprovação dos empregadores se deu um pouco mais tarde, no último quarto do século, quando o crescimento dos sindicatos e o medo a seus instrumentos de luta, lhes fizeram ver a conveniência de se submeterem à decisão de um terceiro. (TEIXEIRA FILHO, 1989, p. 537)

Com o passar do tempo, entretanto, a arbitragem nos conflitos coletivos perdeu força na grande maioria dos países, cedendo espaço para as formas autocompositivas, especialmente a negociação coletiva. Esse fato não poderia deixar de ocorrer, até porque a autocomposição dos conflitos é infinitamente mais adequada e razoável do que a heterocomposição, na medida em que realiza a virtude fundamental do ator social, enquanto ser humano, de abandonar ambições em favor da compatibilização pacífica de seus conflitos.

Ocorre, porém, que os meios autocompositivos têm, intrinsecamente, uma barreira instransponível, decorrente de sua própria natureza amistosa, representada pela ausência de um mecanismo de desfecho do processo no caso de impasse nas negociações. Apresentam-se como solução, nesse caso, dois caminhos: a arbitragem privada ou a solução jurisdicional. Cumpre destacar, de antemão, a fim de nortear qualquer comentário que se queira fazer sobre a prevalência ou convivência dos sistemas de solução de conflitos, a orientação firmada pela Organização Internacional do Trabalho, entidade de inegável legitimidade e credibilidade em suas manifestações.

Com efeito, a Organização, por meio da Recomendação N. 92, de 1951, adotada com a data de 29 de junho de 1959, estabelece, em seu artigo 1º, que deverão ser estabelecidos organismos de conciliação voluntária de conflitos, apropriados às condições nacionais, com o objetivo de contribuir para a prevenção e a solução dos conflitos entre empregadores e trabalhadores. Estabelece, ainda, em seu artigo 6º, que se um conflito for submetido à arbitragem, com o consentimento de todas as partes interessadas, para sua solução final, deverá estimular-se às partes para que se abstenham de recorrer a greves e a lock-outs, enquanto dure o procedimento de arbitragem e para que aceitem o laudo arbitral. A Recomendação deixa claro também que nenhuma de suas disposições pode ser interpretada de modo algum em prejuízo do direito de greve.

A Convenção N. 154, de 3 de junho de 1981, a seu turno, que trata do fomento da negociação coletiva, enuncia que as disposições contidas em seu texto não obstam a operação de sistemas de relações industriais em que a negociação coletiva se desenvolve na infra-estrutura de mecanismos ou instituições de conciliação e/ou arbitragem, dos quais participam voluntariamente as partes do processo de negociação coletiva.

Depreende-se que, na visão da Organização Internacional do Trabalho, a melhor forma de solução de um conflito coletivo de trabalho, quando frustradas a negociação e a mediação, é, sem dúvida, a arbitragem voluntária. Márcia Flávia Santini Picarelli, em comentário a esse respeito, destaca o caráter democrático da arbitragem facultativa:

A arbitragem voluntária é por excelência a forma mais democrática por nascer da decisão das partes; todavia, o mesmo caráter não se pode atribuir à arbitragem compulsória, quase sempre estabelecida pelo legislador ou autoridade administrativa. Mais extrema ainda é a solução jurisdicional. Nesta o árbitro não é escolhido livremente pelas partes para afirmar a vontade concreta da lei, e sim é imposto às partes pelo Estado para afirmar e atuar segundo a vontade concreta da lei. O compromisso maior do árbitro na arbitragem é com as partes enquanto que o compromisso maior do magistrado na solução jurisdicional é com a ordem pública. (PICARELLI, 1986, p. 135)

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A Constituição Federal de 1988, em consonância com a orientação da Organização Internacional do Trabalho, prevê, em seu artigo 114, § 1º, a possibilidade das partes, voluntariamente, elegerem árbitros se o conflito não for solucionado pela negociação coletiva. A introdução da arbitragem no texto constitucional foi sugerida pelo Partido dos Trabalhadores - PT, ainda nas comissões temáticas da Assembléia Constituinte. Esta agremiação partidária, como se sabe, é intimamente ligada, em suas origens, ao movimento sindical brasileiro. Este registro histórico é importante na medida em que evidencia qual foi o segmento social mais interessado na criação da arbitragem, ou seja, demonstra a preocupação dos sindicatos em criar uma forma alternativa à intervenção estatal da Justiça do Trabalho. Dessa forma, pode-se dizer que houve uma preocupação do constituinte originário com a criação e o desenvolvimento do instituto arbitral nas relações coletivas de trabalho.

O poder normativo judicial, entretanto, também foi posto em destaque pela própria Carta Constitucional, no § 2º do mesmo artigo, em um encadeamento teoricamente lógico decorrente do fracasso da via negocial e arbitral. A crítica ao poder normativo, nessa linha, ocorre na medida em que há um desestímulo à utilização das duas primeiras possibilidades, inegavelmente mais democráticas, uma vez que as partes sabem que, ao final do processo, a questão acabará sendo apreciada pelo Poder Judiciário. Há quem defenda, inclusive, que o constituinte originário perdeu uma grande oportunidade ao deixar de suprimir o poder normativo da Justiça do Trabalho. Isto porque naquele momento estavam presentes o sentimento e as circunstâncias de ruptura necessários, decorrentes do renascimento da democracia no país e do espírito que envolve a promulgação de uma opção política fundamental. A emenda constitucional n. 45, de 8 de dezembro de 2004, passou a exigir a existência de comum acordo das partes interessadas para o ajuizamento de dissídio coletivo e o conseqüente exercício do poder normativo da Justiça do Trabalho. Esta alteração revela a tendência de fomento à negociação coletiva e à arbitragem, na medida em que força ao máximo o entendimento das partes e dificulta o acesso ao âmbito judicial.

O fato é que, infelizmente, a arbitragem facultativa não ganhou importância na solução dos conflitos coletivos. Há várias razões que justificam a impopularidade do instituto, cujo teor preferimos tratar na última parte deste trabalho, quando também abordaremos as perspectivas da arbitragem. Cumpre frisar, por ora, que a escassa utilização do instituto não é motivo para deixarmos de analisá-lo na qualidade de instrumento de pacificação social, ainda mais por ser recomendado pela Organização Internacional do Trabalho e previsto na Constituição Federal.

Não há dúvidas sobre a validade jurídica da arbitragem na solução dos conflitos coletivos. Isto porque é a própria norma constitucional, superior a todas as outras, que autoriza sua utilização pelas partes, quando assim o desejarem. Questiona-se, entretanto, a aplicabilidade da atual Lei de Arbitragem, Lei 9.307/96, na solução dos conflitos coletivos. O referido diploma legal revogou as disposições do Código de Processo Civil que tratavam da matéria, além de informar, em seu artigo 1º, que as pessoas capazes de contratar somente poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis. Estar-se-ia, portanto, diante de uma discussão complexa sobre a natureza jurídica dos direitos trabalhistas, agravada pelo fato de que o instituto da transação, admitido apenas em relação a direitos disponíveis, não é de todo vedado no direito individual e coletivo do trabalho. Entretanto, pelo menos em relação aos conflitos coletivos, essa discussão específica sobre a indisponibilidade dos direitos trabalhistas se revela desnecessária, pelas razões que passamos a expor.

Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que a nova lei de arbitragem foi editada com o propósito de servir a questões de índole civil e comercial, notadamente no âmbito internacional e nas relações empresariais que envolvem vultosas importâncias. Entretanto, sob o ponto de vista estritamente jurídico, sua estrutura acabou por sistematizar a arbitragem de uma forma genérica, já que revogou as disposições legais do Código de Processo que tratavam do assunto e fixou um critério único para aferir que direitos podem ser objeto de arbitragem.

Nesse sentido, entendemos que o artigo 1º da Lei n. 9.307/96 estabelece um parâmetro para a averiguar a aplicabilidade do instituto arbitragem, e não para restringir o âmbito de aplicação da própria lei. Em outras palavras, o teor do artigo não estabelece que a lei se aplica a direitos patrimoniais disponíveis, mas que as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis. Nesse raciocínio, o critério estabelecido pela Lei não pode prevalecer quando comparado com a norma constitucional, constante no artigo 114, § 1º, que expressamente autoriza a arbitragem nos conflitos coletivos. A questão da disponibilidade apenas se torna pertinente em relação aos conflitos individuais de trabalho, onde não há previsão constitucional para tanto, valendo, em princípio, o critério estabelecido pela lei de arbitragem.

Por outro lado, em vista de não estarmos diante de um critério de aplicação da lei propriamente dita, a resposta para a questão da utilização desse diploma legal específico nos conflitos coletivos deve ser procurada no âmbito da própria legislação trabalhista. O dispositivo a ser examinado, então, é o que trata da subsidiariedade do Direito do Trabalho, qual seja, o artigo 8º, parágrafo único, da Consolidação das Leis do Trabalho:

"Art. 8º - As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.

Parágrafo único - O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste". (grifo nosso)

Depreende-se do dispositivo acima que a Lei de Arbitragem é aplicável naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais do Direito do Trabalho. Américo Plá Rodriguez afirma que os princípios básicos ou fundamentais são aqueles que "servem de cimento a toda a estrutura jurídico-normativa laboral." (PLÁ RODRIGUEZ, 1993, p. 17) Tendo em vista que, por ora, discute-se apenas a aplicação da lei n. 9.307/96 no Direito Coletivo do Trabalho, a resposta deve vir, portanto, a partir do exame dos princípios do próprio Direito Coletivo do Trabalho, razão pela qual a divisão científica levada a efeito por Maurício Godinho Delgado, exposta no capítulo anterior, merece acolhida especial.

Conforme já exposto, os princípios são "proposições gerais inferidas da cultura e ordenamento jurídicos que conformam a criação, revelação, interpretação e aplicação do direito". (DELGADO, 2001, p. 16) Nesse sentido, os princípios podem ser comuns a todo o fenômeno jurídico ou especiais a um ou alguns de seus segmentos particularizados, informando a noção, estrutura e dinâmica essenciais do direito ou de certo ramo jurídico. Além disso, dentro do que GODINHO chama de "fase jurídica" (DELGADO, 2001, p. 17), ou seja, a realização social do fenômeno jurídico, os princípios se manifestam por intermédio de suas funções, dentre elas a chamada interpretativa/normativa, responsável pelo processo de compreensão e aplicação do direito, ao lado das regras jurídicas.

Os princípios que tratam das relações entre os seres coletivos obreiros e empresariais, no contexto da negociação coletiva, e os que tratam das relações e efeitos perante o universo e comunidade jurídicas das normas produzidas pelos contratantes coletivos, não demonstram qualquer incompatibilidade estrutural e significativa com a Lei de Arbitragem. Ao contrário, reservadas as devidas adaptações, observa-se uma relativa harmonia com os princípios do Direito Coletivo, especialmente o da equivalência dos contratantes coletivos e o da criatividade jurídica da negociação coletiva.

O primeiro deles reconhece uma situação social e jurídica semelhante às partes envolvidas na conformação da arbitragem, de forma que ambas podem produzir atos de repercussão social. Encontram-se, assim, em posição teoricamente igualitária, viabilizando a legitimidade jurídica de uma opção conjunta pela convenção de arbitragem, nos moldes previstos pela Lei n. 9.307/96. Vislumbra-se, portanto, face à redução da disparidade no plano juscoletivo entre trabalhadores e empregadores, a possibilidade de o Direito Coletivo do Trabalho ser o segmento mais adequado para a utilização da via arbitral. Isto porque permite conferir tratamento mais equilibrado às partes, proporcionando, conseqüentemente, uma maior liberdade da autonomia contratual, refletida na possibilidade dos atores coletivos instituírem a arbitragem como forma de solução de suas próprias controvérsias.

O segundo deles, princípio da criatividade jurídica da negociação coletiva, também revela perfeita coerência com os dispositivos da Lei de Arbitragem. Isto porque possibilita que os processos negociais coletivos e seus instrumentos (contrato coletivo, acordo coletivo e convenção coletiva do trabalho) possam criar norma jurídica, em harmonia com a normatividade heterônoma estatal. Franqueia, dessa maneira, a possibilidade de a cláusula compromissória da Lei n. 9.307/96 ser inserida nos instrumentos normativos coletivos, abrindo espaço, inclusive, desde que haja a devida regulamentação, para a arbitragem nos conflitos individuais de trabalho, a ser examinada no próximo capítulo. Como já mencionado, o princípio da criatividade jurídica revela a própria razão de existência do Direito Coletivo do Trabalho, representando a tendência desejável de descentralização política e de avanço da autogestão social pelas comunidades diretamente envolvidas.

Entendemos, assim, que a Lei de Arbitragem pode ser aplicada aos conflitos coletivos de trabalho, em razão de não representar incompatibilidade com os princípios desse segmento jurídico laboral. Cumpre frisar, porém, que as normas jurídicas trabalhistas são imperativas, cogentes, de ordem pública, de maneira que o processo arbitral, ainda que no âmbito coletivo, deve respeitar os contornos fundamentais do direito material e processual do trabalho e especialmente os limites de sua disponibilidade. O fato de o conflito ser retirado da órbita judicial não significa que os direitos trabalhistas podem ser ignorados pelo árbitro. Ao contrário, eles devem nortear os parâmetros de julgamento, ao lado dos critérios estabelecidos pelos próprios seres coletivos na convenção de arbitragem, no exercício de sua autonomia privada coletiva.

Por esse motivo, somos de opinião que nada obstante a Lei n. 9.307/96 ser aplicável aos conflitos coletivos, é imprescindível para o efetivo desenvolvimento do instituto que seja feita uma regulamentação específica para o Direito do Trabalho, ou seja, que o legislador edite um diploma legal destinado a regular tão-somente a arbitragem no âmbito do Direito Coletivo. Essa regulamentação, que deve ser pautada nas peculiaridades que informam a legislação trabalhista, daria credibilidade e segurança jurídica à arbitragem, viabilizando, inclusive, sua utilização no próprio Direito Individual do Trabalho, em conformidade com o princípio da adequação setorial negociada. Este último princípio, que trata dos critérios de harmonização entre as normas originárias da negociação coletiva e as normas provenientes da legislação heterônoma estatal, fixando as possibilidades e limites jurídicos daquela, é de fundamental importância para a discussão sobre a aplicabilidade da arbitragem nos conflitos individuais de trabalho.

Sobre o autor
Flávio Luiz Wenceslau Biriba dos Santos

Advogado formado pela Faculdade de Direito da Universidade de Brasília - UnB, Procurador da Fazenda Nacional, Especialista pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do DF

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Flávio Luiz Wenceslau Biriba. Arbitragem no Direito do Trabalho: limites e perspectivas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2760, 21 jan. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18313. Acesso em: 17 mai. 2024.

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