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Declaração de inconstitucionalidade por tribunais administrativos fiscais

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Agenda 11/02/2011 às 17:59

4.CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO BRASIL.

Estabelecida a premissa, desde a Revolução Francesa e a independência das 13 colônias da América do Norte, no fim do século XVIII, de que as constituições são o documento escrito com a função precípua de institucionalizar um sistema préconcebido [13], e que por isso esta se coloca no topo do sitema jurídico, bem como, submete quaisquer outras normas a seus ditames, depara-se com o problema de como o Estado pode garantir a higidez deste sistema.

Os EUA deram importante contribuição neste sentido, ao estabelecer o judicial review of legislation, princípio pelo qual cabe ao Poder Judiciário garantir a integralidade da Constituição, invalidando leis que contrariem os seus princípios.

Assim, no modelo norte-americano, qualquer juiz ou tribunal pode declarar nulo ou negar vigência a atos normativos que colidam com a Carta Magna, sendo que a Suprema Corte, órgão de cúpula do Poder Judiciário, detém papel fundamental neste sistema, devido ao stare decisis, que vincula os órgãos inferiores às suas decisões.

O filósofo americano Alexander Hamilton, no seu clássico trabalho The Federalist, série de atigos escritos na imprensa norte-americana que explicavam o conteúdo da constutuição dos EUA e defendiam a sua ratificação, aqui citado por GUSTAVO BINEBOJM [14] afirmava a idéia da supremacia da Constituição e a competência dos juízes para invalidar quaisquer atos a ela contrários. Leia-se:

" Alguma perplexidade quanto ao poder dos tribunais de pronunciar a nulidade de atos legislativos contrários à Constituição tem surgido, fundadana suposição que tal doutrina implicaria na superioridade do Judiciário sobre o Legislativo.Afirma-se que a autoridade que pode declarar os atos da outra nulos deve ser necessariamente suoerior àquela cujos atos podem ser considerados nulos (...)

Nenhum ato legislativo contrário à Constituição pode ser válido (...)

A presunção natural, à falta de norma expressa, não pode ser a de que o próprio órgão legislativo seja o juiz de seus poderes e que sua interpretação sobre eles vincula os outros poderes (...) É muito mais racional supor que os tribunais é que tem a missão de figurar como corpo intermediário entre o povo e o Legislativo, dentre outras razões, para assegurar que este último se contenha dentro dos poderes que lhe foram deferidos. A interpretação das leis é o campo próprio e peculiar dos tribunais. Aos juízes cabe determinar o sentido da Cosntituição e das leis emanadas do órgão legislativo.

Esta conclusão não importa, em nenhuma hipótese, em superioridade do Judiciário sobre o Legislativo. Significa tão-somente, que o poder do povo é superior a ambos; e que onde a vontade do Legislativo, declarada nas leis que edita, situar-se em oposição à vontade do povo, declarada na Constirtuição, os juízes devem-se curvar à última, e não à primeira.

O princípio do judicial review, se afirma definitivamente nos EUA, com o acórdão da Suprema Corte na célebre decisão do seu presidente (chief justice) juiz John Marshall no caso Marbury v Madison.

Neste caso, onde se discutia a possibilidade de a Suprema Corte invalidar uma ato do Poder Executivo, por contrário à Constituição, o Juiz Marshall, em seu voto afirmou não só a supremacia da constituição como a efetividade do judicial review. Cabe transcrever passagem do voto do eminente jurista norte-americano, conforme citado por GUSTAVO BINEBOJM [15]:

"A vontade originária e suprema organiza ogoverno e assina aos diversos departamentos seus respectivos poderes. E pode contentar-se com isso ou fixar certos limites para que não sejam ultrapassados por esses departamentos.

Pertence à última classe o governo dos Estados Unidos. Os poderes da legislatura sãom definidos e limitados; e para que esses limites não se possam tornar confusos ou apagados, a Constituição é escrita. Para que fins os poderes são limitados e com que intuito se confia à escrita esta delimitação se a todo tempo esses limites podem ser ultrapassados por aqueles a quem se quis refrear? A distinção entre um governo de limitados ou de ilimitados poderes se extingue desde que tais limites não confinem as pessoas contr quem são postos e desde que atos proibidos e atos permitidos sejam de igual obrigatoriedade. É uma proposicçao por demais clara para ser contestada, que a Constituição veta qualquer deliberação legislativa incompatível com ela; ou que a legislatura possa alterar a Constituição por meios ordinários.

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Não há meio termo entre estas alternativas. A Constituição ou é uma lei superior e predominante, e lei imutável pelas formas ordinárias; ou está no mesmo nível, juntamente coma as resoluções ordinárias da legislatura e, como as outras resoluções é mutável quando a legislatura houver por bem modificá-la.

Se é verdadeira a primeira parte do dilema, então não é lei a resolução legislativa incompatível com a Constituição; se a segunda parte é verdadeira, então as Constituições escritsas são absurdas tentativas do povo para delimitar um poder por sua narureza ilimitável.

Certamente, todos quantos fabricaram Constituições escritas consideram tais instrumentos como lei fundamental e predominante da nação e, conseguintemente, a teoria de todo o governo, organizado por uma Constituição escrita, deve ser que é nula toda resolução com ela incompatível.

Se nula é a resolução da legislatura inconciliável com a Constituição, deverá , a despeito de sua nulidade vincular os tribunais e obrigá-los a dar-lhe efeitos?

Enfaticamente, é a província e o dever do Poder Judiciário dizer o que é a lei. Aqueles que aplicam a regra dos aos casos particulares devem necessariamente expor e interpretar essa regra. Se duas leis colidem uma com a outra, os tribunais devem julgar acerca da eficácia de cada uma delas.

Assim, se uma lei está em oposição com a Constituição; se aplicadas ambas a um caso particular, o tribunaol se vê na contingência de decidir a questão em conformidade com da lei, desrespeitando a Constituição, ou consoante a Constituição, desrespeitando a lei; o tribunal deverá determinar qual destas regras em conflito regerá o caso. Esta é a verdadeira essência do Poder Judiciário.

Se, pois os tribunais têm por missão atender à Constituição e observá-la, e se a Constituição é superior a qualquer resolução ordinária da legislatura, a Constituição, e nunca essa resolução ordinnária, goverrará o caso a que ambas se aplicam.

Nesta lapidar passagem do jurista norte-americano, restam expostas as principais bases teóricas do modelo do controle difuso de constitucionalidade, qual seja, a possibilidade do Poder Judiciário negar vigência à leis que estejam em contradição com a Constituição; a visão que esta é a lei fundamental de uma nação e expressão da vontade do povo, e delimita os poderes do Estado e finalmente que a lei declarada inconstitucional pelo Poder Judiciário é nula, e neste sentido inválida desde sua promulgação e portanto, esta declaração opera efeitos ex tunc, anulando-se também todos os atos e negócios jurídicos praticados sob sua égide.

Esse modelo norte-americano recebeu acolhida no mundo ocidental, principalmente no pós-guerra, em oposição ao modelo de Soberania do Parlamento, na linha inglesa e a concepção francesa da lei como expressão da vontade do povo [16]

Na concepção européia, sobretudo antes da II Guerra Mundial, quando se sobressaia com muito mais relevância do que no período posterior, o modelo da supremacia do parlamento Hans Kelsen elaborou, a pedido do governo da Áustria, em 1920 um projeto de constituição para aquelem país, onde o controle de constitucionalidade caberia exclusivamente a um órgão constituído unicamente para este fim, que não necessariamente integraria o Poder Judiciário.

Além de retirar de qualquer juiz ou tribunal a competência para declarar inconstitucional qualquer lei que não estivesse em conformidade com a Lei Fundamental o modelo de Kelsen tinha premissas diversas daquelas do judicial review americano.

Com efeito, este modelo cria ações individuais e específicas para a defesa da constituição, nas quais a inconstitucionalidade em relação à lei fundamental é defendida em tese, atribuindo-se a decisão que declara inconstitucional determinada lei efeitos ex tunc, uma vez que segundo o modelo austríaco a incostitucionalidade é um pressuposto para uma sanção, qual seja a retirada desta lei do ordenamento jurídico [17]. Assim, ao contráro do modelo norte-americano, cuja decisão de inconstitucionalidade é declaratória e tem seus efeitos restritos as partes envolvidas na demanda, no modelo austríaco a decisão é constitutiva, com efeitos extensíveis a todos os casos (erga omnes).

Em linhas gerais são estas as premissas dos dois modelos de controle de constitucionalidade que se sobressairam no ocidente.

No Brasil, desde a 1ª Constituição Republicana de 1891 adotou-se o modelo do judicial review ou difuso do controle jurisdicional de constitucionalidade, sem contudo estabelecer o stare decisis, o que acabou por muitas vezes por criar grave insegurança, eis que muitas vezes havia divergência entre juízes e tribunais sobre a mesma questão constitucional, mesmo que já decidida pelo STF.

Visando corrigir esta deformidade do sistema a Constituição de 1934 estabeleceu que o Senado Federal teria a competência para suspender lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo STF, assim tais deformidades foram corrigidas.

Após o fim do Estado Novo, com o advento da constituição democrática de 1946 foi implantado no Brasil, o que seria um embrião do controle abstrato de normas, que consistia na representação interventiva, instituto que atribuia competência ao Procurador Geral da República (PGR) para arguir a incompatibilidade de leis e atos normativos estaduais com os chamados princípios constitucionais sensíveis.

Em que pese tal inovação, o controle difuso permaneceu inalterado sob a égide da Carta de 1946.

A Emenda Constitucional nº 16 de 26 de novembro de 1965 introduziu definitivamente o controle abstrato de normas federais e estaduais, no ordenamento jurídico pátrio, nos mesmos moldes da representação interventiva, ao mesmo tempo esta mesma Emenda Constitucional estabeleceu procedimento, de competância originária do Tribunais de Justiça estaduais, para a arguição de inconstitucionalidade de leis estaduais e municipais, em relação à Constituição dos Estados. [18]

A da Emenda Constitucional nº 7 de 13 de abril de 1977, estabeleceu o que ficou conhecido como avocatória, que permitia ao STF, a pedido do Procurador Geral da República, avocasse para si o conhecimento de causas que pudessem causar grave lesão à ordem, a saúde, a segurança ou às finanças públicas.

Com o regime ditatorial que vigia no Brasil à época, e as atribuições do PGR de então, que confundia a representação judicial da União com as funções de Ministério Público Federal, é despisciendo dizer que esse instrumento era utilizado com fortes propósitos políticos, a fim de dar supedâneo jurídico aos atos politicamente fundamentados.

A Constituição de 1988 manteve este sistema híbrido, porém ampliou o rol de legitimados para a propositura ações de controle abstrato de constituicionalidade perante ao STF, que antes era exclusivo do chefe do Ministério Público Federal, bem como redesenhou a função deste órgão retirando dele a incumbência de representação judicial da União, que passou a ser feita pela Advocacia Geral da União (AGU).

Assim, ainda com as imperfeições inerentes ao sistema híbrido do controle jurisdicional de constitucionalidade, a Carta Magna de 1988 trouxe uma efetiva democratização da jurisdição constitucional, ao conferir aos representantes eleitos do povo, através de suas mesas diretoras (Art.103,II,III e IV); aos partido políticos representados no Congresso Nacional (Art. 103,VIII) e as confederações sindicais e entidades de classe de âmbito nacional(Art. 103, IX) a legitimidade para propor as ações de controle abstrato de normas.

Esta nova feição adquirida pela jurisdição constritucional a partir da Carta Cidadã de 1988 trouxe além dessas inovações o instituto, este através da Emenda Constitucional nº 3, da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), que consiste na afirmação pelo STF, com efeitos contra todos, da constitucinalidade de determinada Lei ou ato normativo, impedindo o seu descumprimento por alegações de inconstitucionalidade, deste modo, a presunção relativa de constitucionalidade das leis, passa a partir da decisão do STF em sede de ADC, a ser absoluta.

Previu ainda, a nova Constituição a possibilidade de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, cuja efetividade só se deu a partir da edição da Lei nº 9882/99, uma vez que sua previsão constitucional era efetivamente vaga.

Cabe ainda ressaltar que a CRFB/88 ainda tentou mitigar o dramático problema das omissões legislativas ao instituir instrumentos de defesa contra estas, tanto em caso concreto, com o Mandado de Injunção, quanto em sede abstrata com a Ação de Inconstitucionalidade por Omissão ( Art. 103, § 2º), ainda que estes instrumentos não tenham se mostrado capazes de mitigar as graves omissões inconstitucionais perpetradas pelo Poder Legislativo, como desejava o poder constituinte originário,consistem em importantes ações de defesa da cidadania e de efetivação das normas constitucionais.

Ao contráro do que previa o regieme constitucional anterior, a Carta de 1988 estabeleceu que caberia ao legislador ordinário e não ao STF, através de seu regimento interno, dispor sobre os processos de sua competência.

Assim, criou-se a necessidade de se regular o controle abstrato de constitucionalidade. Tal lacuna foi preenchida com a edição da Lei nº 9868/99, que além de consolidar no direito posto relevantes pontos da jurisprudência do STF em sede de controle abstrato, trouxe importantes inovações tais como: a possibilidade de modulação de efeitos das decisões em sede de controle abstrato, tanto as cautelares quanto as de mérito; o caráter vinculante destas decisões, para todas as esferas de poder ; a admissão de outras entidades ou órgão como amicus curiae, além das partes formais do processo e a realização de audiências públicas, que permitem os ministros a formarem sua convicção apoiados por técnicos e peritos de grande autoridade na matéria sub judici.

Estabelecido o complexo sistema de jurisdição constitucional brasileiro, e sem olvidar dos avanços alcançados nestas pouco mais de duas décadas de Constituição e dado o caráter híbrido do modelo brasileiro, que permite de forma limitada o aproveitamento das experiências do direito comparado, persistem algumas questões acerca do controle de constitucionalidade.

Uma das principais destas questões consiste na possibilidade dos tribunais administrativos, notadamente aqules encarregados da solução de lides tributárias, declararem inconstitucionais leis ou atos normativos sem que antes o Poder Judiciário e o STF em particular o tenham feito.

É o que investigaremos a seguir, afirmando desde já que, em que pesem as abalizadas opiniões em sentido contrário, os tribunais administrativos fiscais podem negar vigência a lei ou ato normativo sob o argumento de inconstitucionalidade, prescindindo de qualquer manifestação do Poder Judiciário.

Sobre o autor
Alexandre Costeira Frazão

Bacharel em Direito pela Universidade Cândido Mendes-UCAM-RJ

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRAZÃO, Alexandre Costeira. Declaração de inconstitucionalidade por tribunais administrativos fiscais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2781, 11 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18481. Acesso em: 19 mai. 2024.

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