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O sujeito passivo no mandado de segurança

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Agenda 22/02/2011 às 06:22

Confronta-se a legitimação da autoridade coatora com a da pessoa jurídica a que está vinculada para o pólo passivo da ação, e abordam-se, ante a determinação legal de notificação do coator, os obstáculos para essa identificação.

INTRODUÇÃO

A Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso LXIX, determina a concessão de mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público.

O mandado de segurança está regulado pelo recente diploma legal: a Lei nº. 12.016, de 7 de agosto de 2009, que revogou expressamente a Lei nº. 1.533/1951 e, ainda, a legislação esparsa (Leis nº. 4.348/1964 e nº. 5.021/1966).

O presente trabalho monográfico trata de um dos pontos polêmicos do referido remédio constitucional: a identificação do sujeito passivo na ação mandamental. Confronta-se a legitimação da autoridade coatora com a da pessoa jurídica a que está vinculada para o pólo passivo da ação, e abordam-se, ante a determinação legal de notificação do coator, os obstáculos para essa identificação.

Ainda que os tribunais pareçam caminhar para uma uniformização, permanece a divergência doutrinária a respeito da natureza jurídica processual não apenas da autoridade coatora, mas sobretudo, da pessoa jurídica a que está vinculada, entre outros motivos, porque os efeitos patrimoniais da sentença concessiva da segurança cabem à entidade com personalidade jurídica.

A problemática envolve, ainda, o conceito de autoridade coatora e a conseqüente indicação do agente, devido à complexidade de atos e à diversidade de cargos, funções e hierarquias da Administração Pública.

Na prática, o emaranhado administrativo das pessoas jurídicas prejudica a identificação da autoridade responsável. Considerando o caráter urgente do remédio constitucional e o prazo decadencial, a indicação inacertada é um problema para aquele lesado em seu direito líquido e certo, pois, em regra, conduz à extinção do processo sem julgamento de mérito.

No sentido de conferir instrumentalidade e celeridade processual ao processo e mitigar os efeitos de uma errônea indicação da autoridade, há decisões, que, considerando o caso concreto, determinaram emenda da inicial e até a chamada do agente coator. Mas a construção jurisprudencial, que, no mesmo espírito, consagrou-se pacífica, é a da "teoria da encampação". Para essa teoria, é dotada de legitimidade ao pólo passivo da demanda a autoridade superior hierarquicamente que não se limita a informar sua ilegitimidade passiva, mas que adentra no mérito da ação.

A nova Lei do Mandado de Segurança, infelizmente, não eliminou a obscuridade em torno do pólo passivo do mandado de segurança.

A presente análise, sem a pretensão de esgotar o assunto aponta as posições em conflito por meio de exposição do contexto legal, doutrinário e jurisprudencial, sem deixar de considerar a natureza dúplice do mandado de segurança: de garantia constitucional e instrumento processual. Objetiva, por meio de questionamento e crítica, colaborar para um processo que atenda ao direito substancial e às circunstâncias do caso concreto.


Capítulo 1

Legitimado Passivo do Mandado de Segurança

O mandado de segurança, também chamado de "remédio heróico", possibilita a defesa do indivíduo contra a ação maléfica do Estado. Instituído pela Carta Constitucional de [1934], é uma das grandes criações do direito brasileiro no âmbito constitucional. Ausente na Constituição de [1937] e ressurgido na de [1946], teve total credibilidade apenas com a Lei n. 1.533, de 1951. [01]

Previsto no inciso LXIX do art. 5º da CF, é atualmente regulado pela Lei nº. 12.016, de 7 de agosto de 2009, que revogou expressamente a Lei nº. 1.533/51 e, ainda, a legislação esparsa (Leis nº. 4.348/1964 e nº. 5.021/1966).

O mandado de segurança inspirou-se no habeas corpus, no juicio de amparo mexicano e no writ do direito norte-americano, todos derivados do mandamus do direito inglês [02], que influenciou a forma processual adotada para a versão pátria, gerando polêmica, entre outras questões, quanto ao pólo passivo da ação mandamental.

Sob a esfera processual, é ação civil de rito sumário especial [03] e dintingue-se das demais ações, como explica MEIRELLES [04], apenas pela especificidade de seu objeto e pela sumariedade de seu procedimento, que é próprio e só subsidiariamente aceita as regras do Código de Processo Civil. Tais propriedades, no entanto, deram espaço à celeuma no tocante no tocante a quem deve ser dirigido o mandamus.

1.1 Impetrado: autoridade coatora ou pessoa jurídica a cujos quadros pertence

Dentre os conceitos e terminologias próprias dessa especial ação, tem-se, na esfera processual, a figura do "impetrante" e a do "impetrado". Aquele é o autor, o sujeito ativo, a pessoa física ou jurídica titular de direito líquido e certo não amparado por habeas corpus ou habeas data. O termo "impetrante" é utilizado diversas vezes na Lei 12.016/09.

Na interpretação e aplicação da Lei, os magistrados destinam o pólo passivo - a condição de "impetrado" - à autoridade coatora ou ao agente público que tenha praticado o ato impugnado [05] ou do qual emane a ordem para sua prática [06]. Mas a lei não deixa claro o real demandado na ação e nem utiliza o termo "impetrado". [07]

Pela nova Lei, enquanto o coator deve ser notificado a prestar informações, a pessoa jurídica à qual está vinculado pode "ingressar no feito" [08], integrando o pólo passivo.

A natureza jurídica processual da figura da autoridade e da pessoa jurídica a que pertence é objeto de discussão doutrinária e jurisprudencial, como veremos mais adiante.

1.2 Parte: conceitos processual e material

A relação jurídica processual se estabelece na chamada relação trilateral ou tripartite, na qual são sujeitos o Estado-juiz, o autor e o réu, sendo imparcial o Estado-juiz e parciais, portanto, partes, o autor e o réu.

A legitimação processual é legitimação para ser parte nas ações, - ser autor ou ser réu, ou quem a algum deles se equipare ou se ligue [09].

Já na relação jurídica de direito material, as partes são titulares do direito material, e por isso, legitimadas a pleitear, de um lado, e a resistir à pretensão, de outro. Possuem legitimidade de agir, legitimatio ad causam. A legitimatio ad causam na ação mandamental é o foco do presente estudo.

Em casos excepcionais, por decorrência da lei expressa ou do sistema jurídico, admite-se que alguém postule em nome próprio para defender interesses alheios. A relação processual forma-se, dessa forma, com outras pessoas que não os titulares da relação material [10]. É a chamada legitimidade extraordinária, que possibilita a substituição processual, a atuação como parte.

A ausência da de legitimidade configura falta de condição necessária à existência da ação, pois "para propor ou contestar ação é necessário ter interesse e legitimidade" (art. 3º, do CPC). E a falta de condição da ação acarreta extinção do processo sem resolução de mérito (art. 267, VI, do CPC).

São as partes legítimas que suportam os efeitos da sentença, pois o provimento jurisdicional final limita-se às mesmas. O art. 472 do CPC dispõe que "a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando a terceiros (...)".

Daí a importância da definição das partes para que se passe a analisar a adequação da escolha do demandado no mandado de segurança.

1.3 Mandado de segurança e capacidade de ser parte

Nosso ordenamento jurídico atribui a capacidade de ser parte apenas às pessoas naturais e jurídicas, à herança, à massa falida, à massa do devedor civil insolvente, à sociedade de fato e ao condomínio de imóvel dividido em salas e apartamentos, como bem relaciona BARBI [11]. No direito público interno, são pessoas jurídicas apenas a União, os Estados, o Município, o Distrito Federal e as entidades autárquicas.

Tais pessoas jurídicas constituem abstrações jurídicas. Não tem vontade nem ação próprias, no sentido de manifestação psicológica e vida anímica [12]. Dessa forma, manifestam-se por meio de pessoas físicas que são revestidas da qualidade de agentes: os agentes públicos. [13]

No entanto, ao tratar do instituto do mandado de segurança, o legislador propiciou a interpretação de que teria capacidade de ser parte o agente público [14] ou autoridade que tenha praticado o ato impugnado ou do qual emane a ordem para sua prática, criando uma especificidade no direito interno.

A título de exemplo de como essa posição toma um caminho inverso à sistemática processual comum, cumpre citar a legitimação passiva nos casos de responsabilidade extracontratual do Estado. O art. 37, § 6º, da CF, prevê a responsabilidade das pessoas jurídicas de direito público e das de direito privado prestadoras de serviço público pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros. Nesses casos, a legitimação passiva para a ação de reparação/indenização de danos contra o Estado é da pessoa jurídica, assegurado, contudo, o direito de regresso contra o agente público responsável nos casos de dolo ou culpa.

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Capítulo 2

Análise Legal e Doutrinária: Autoridade Coatora e Pessoa Jurídica a que está vinculada

Passemos ao estudo da lei do mandado de segurança, das suas consequências prático-jurídicas, bem como das proposições doutrinárias referentes ao instituto da autoridade coatora e à pessoa jurídica a qual está vinculada.

2.1 Divergências doutrinárias

Identificam-se quatro diferentes entendimentos sobre quem efetivamente deve figurar no pólo passivo da demanda: (i) o de legitimidade do agente coator; (ii) o de legitimidade passiva da pessoa jurídica a que pertence a autoridade coatora; (iii) o de litisconsórcio passivo entre ambos; (iv) o de que o agente coator é mero informador no processo.

2.1.1 Autoridade coatora como legitimado passivo

A corrente que defende a legitimidade da pessoa física do agente coator aponta que a notificaçãopara prestar informações e as ordens de execução da segurança ou da liminar são endereçadas à própria autoridade coatora, o que lhe confere condição de parte.

MEIRELLES afirma que a autoridade coatora é a parte no mandado de segurança e que o ingresso da pessoa jurídica no feito não mais se dá na posição de assistente, mas na de litisconsorte facultativo, com base no inciso II, do art. 7º, da nova lei (previsão de obrigação de se dar ciência do feito ao "órgão de representação judicial" da pessoa jurídica interessada e de enviar cópia da inicial, "para que, querendo, ingresse no feito"). [15]

FIGUEIREDO, por sua vez, sustenta que a autoridade tem legitimidade, inclusive, recursal, pois terá fundamentado o ato administrativo emanado e porque interessa-lhe a manutenção do ato por força de eventual responsabilidade futura. [16]

Adotam, ainda, a posição da autoridade coatora como legitimado passivo GUIMARÃES [17], BARROS [18] e LOPES DA COSTA [19].

Cumpre notar o entendimento de MEIRELLES em favor da notificação da autoridade certa, pelo juiz, como medida de economia processual, ou da remessa ao juízo competente, no caso de incompetência daquele. [20]

Tais posicionamentos ignoram, no entanto, que os efeitos da ação são suportados pela pessoa jurídica, e que o processo pode demandar a instância recursal ou impugnativa.

2.1.2 Pessoa jurídica de direito público como legitimado passivo

Defende-se no presente trabalho a tese predominante na doutrina, qual seja, a que destina o pólo passivo do mandado de segurança à pessoa jurídica de direito público a cujos quadros pertence a autoridade coatora, fortalecida pelos artigos 2º, 6º, caput, e 7º, II, entre outros, da Lei n. 12.016/09:

Art. 2º Considerar-se-á federal a autoridade coatora se as consequências de ordem patrimonial do ato contra o qual se requer o mandado houverem de ser suportadas pela União ou entidade por ela controlada.

(...)

Art. 6o A petição inicial, que deverá preencher os requisitos estabelecidos pela lei processual, será apresentada em 2 (duas) vias com os documentos que instruírem a primeira reproduzidos na segunda e indicará, além da autoridade coatora, a pessoa jurídica que esta integra, à qual se acha vinculada ou da qual exerce atribuições. 

(...)

Art. 7o Ao despachar a inicial, o juiz ordenará: (...) II - que se dê ciência do feito ao órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada, enviando-lhe cópia da inicial sem documentos, para que, querendo, ingresse no feito; 

Fundamenta-se que a vinculação subjetiva do bem da vida almejado opera-se entre o impetrante e a pessoa jurídica de direito público (ou de direito privado com funções públicas delegadas) a que pertence o coator. [21]

BARBI leciona que o julgado do mandado de segurança regula a situação do impetrante em relação à pessoa jurídica de direito público, e não à autoridade coatora, e que as despesas judiciais cabem ao vencido, em regra, sendo estranha a condenação do funcionário coator ao pagamento das custas do processo [22] . Quanto ao papel da autoridade coatora, sustenta:

A circunstância de a lei, em vez de falar na citação daquela pessoa, haver se referido a ‘pedido de informações à autoridade coatora’ significa apenas mudança de técnica, em favor da brevidade do processo: o coator é citado em juízo como o representante daquela pessoa, como notou Seabra Fagundes, e não como parte. [23]

O autor explica que o equívoco dos intérpretes tem origem, entre outros motivos, na falta de exame das origens e dos motivos da forma processual adotada para o processo da mandado de segurança, considerando a inspiração em institutos estrangeiros que derivaram do direito inglês [24], no qual, tradicionalmente, nas lesões de direito por ato de funcionário público, a ação é dirigida contra ele e não contra o Estado.

FERRAZ [25], BARROSO e ROSSATO [26] corroboram essa tese, afirmando que todos os ônus diretos serão suportados pela pessoa jurídica.

Há quem classifique a autoridade coatora como parte apenas formal e a pessoa jurídica de direito público como parte material. Para TUCCI, por exemplo, a autoridade coatora faria o mesmo papel que o Ministério Público na ação penal: o de parte processual e não, material [27]. Assim analisa o papel da autoridade o Grupo de Estudo em Direito Processual da Universidade de Brasília:

Tecnicamente, essa autoridade apenas presenta (torna presente) a pessoa jurídica de direito público. Prova disso é o fato de que quem sofre os efeitos direitos do ato mandamental contido na sentença é a pessoa jurídica de direito público. É ela que tem de cumprir o comando contido na sentença e não a autoridade impetrada. Gosto de dizer que a autoridade coatora é parte apenas formal enquanto que a pessoa jurídica de direito público é parte material. Essa divisão está no cerne da escolha feita pelo legislador ao estabelecer o rito do MS. Foi necessária a indicação dessa parte funcional para que pudesse haver agilidade no procedimento. [28]

FERRAZ argumenta que a pessoa jurídica não pode ser litisconsorte necessária da autoridade coatora, eis que esta não é parte [29]. Para o professor, a autoridade tem o dever de verdade, e a parte, no caso a pessoa jurídica, não teria tal dever.

2.1.3 Litiscorsórcio passivo necessário

A posição da pessoa jurídica de direito público como litisconsorte passivo necessário da autoridade coatora é defendida por SOUSA [30], por FIGUEIREDO [31] e, atualmente, por BUENO, que interpreta que o litisconsórcio necessário foi determinado pela nova Lei:

O que se extrai da previsão normativa atual, contudo, é que a Lei n. 12.016/2009, mesmo que involuntariamente, acabou cedendo à prática do foro e retornando ao sistema da Lei n. 191/1936 e do Código de Processo Civil de 1939 ao estabelecer um litisconsórcio passivo e necessário entre a autoridade coatora e o órgão ou pessoa jurídica a que pertence. [32]

Acredita o autor que o art. 6º, caput, da Lei n. 12.016/09, ao prescrever que se dê ciência ao "órgão de representação judicial da pessoa jurídica interessada" (...) "para que, querendo, ingresse no feito", deve ser entendida como citação, pois essa, nos precisos termos do art. 213 do CPC, é o ato pelo qual se dá ciência a alguém de que há um processo em seu desfavor, viabilizando a oportunidade de se defender. [33]

Segundo essa corrente, outros dispositivos da nova Lei, como os arts. 7º, inc. I e II (já citado acima), e 13, caput [34], sugerem ser réus ambos agente coator e pessoa jurídica a que está vinculado.

Contudo, como relata FUX, tal entendimento culminaria ao impetrante transtornos processuais, incompatíveis com a sumariedade e celeridade do processo, pressupostos da ação de garantia. [35]

2.1.4 Autoridade coatora apenas presta informações

Cabe apresentar a posição de MESQUITA, ainda que anterior à mudança da Lei. Para o jurista, a pessoa jurídica de direito público não é parte porque o mandado de segurança é um processo sem réu, sem parte passiva, sendo um instrumento de intervenção política do judiciário no controle de atos estatais, e, portanto, sem natureza jurisdicional. Contudo, para o jurista, a autoridade coatora também não é parte, apenas presta informações e as cumpre se a segurança for concedida. [36]

2.2 Breve análise das proposições para natureza processual da pessoa jurídica de direito público

Como identificar o legitimado passivo do mandado de segurança - Ato de autoridade

"Sempre gerou muita controvérsia a delimitação da autoridade coatora e a determinação de ato de autoridade para fins de mandado de segurança. É com base nesses elementos que se identifica a legitimação passiva para o mandado de segurança."

Administração Direta

Administração indireta – fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, concessionárias e permissionárias de serviços públicos.

A Lei n. 12.016/2009 manteve a vinculação do mandado de segurança à ilegalidade ou abuso de poder cometido por "autoridade".

"O art. 1º concede a segurança contra ato de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça. A norma é bastante ampliativa, alcançando as mais diversas autoridades, independentemente das funções que venham a exercer.

Quanto à classificação processual da pessoa jurídica de direito público no mandado de segurança, MAIA FILHO ilustra bem a divergência por grupos co-implicados de proposições processuais. São estes: o de "relação de substituição processual", o de "relação litisconsorcial passiva necessária", o de "relação intervencional assistencial", e finalmente o de "relação de sujeição passiva direta"; concluindo que nenhum deles, isoladamente, são bastantes para explicação da matéria. [37]

Em síntese, CAVALCANTE, mesmo defendendo a primeira teoria, expõe, quanto à insuficiência das proposições, que a falha da primeira teoria (relação de substituição processual) consistiria na inexplicável relação de inferioridade do ente público e da defesa dos interesses desse. Relata que na segunda teoria (relação litisconsorcial passiva necessária), conforme MAIA FILHO, a autoridade impetrada não sofre qualquer dos efeitos da decisão mandamental positiva, daí porque descaberia a inclusão do agente no conceito de parte.

Prossegue argumentando que a terceira teoria (relação intervencional assistencial) encontra obstáculo na vedação legal expressa dessa modalidade de intervenção no art. 24, da Lei 12.016/09. E por fim, quanto à quarta teoria (relação de sujeição passiva direta), afirma que a mesma pode gerar uma carência na defesa dos interesses da pessoa jurídica. [38]

2.3 A relevância da correta indicação da autoridade coatora e do legitimado passivo

A indicação correta da autoridade coatora e do pólo passivo mostra-se de grande relevância na sistemática atual do instituto.

Primeiramente, é fundamental para fins de determinação da competência, pois para processar e julgar a ação mandamental importa determinar a hierarquia da autoridade que perpetrou o ato guerreado, pouco importando a natureza da controvérsia ou a matéria do objeto de discussão, como explica MEIRELLES [39] e também BARBI:

A exata determinação de quem seja a autoridade coatora nos casos concretos é da maior importância, porque disso depende a fixação do órgão competente para julgamento, uma vez que, segundo o nosso direito positivo, a competência para conhecer dos mandados de segurança não deriva da natureza da questão ajuizada, e sim da hierarquia da autoridade que praticou o ato impugnado por aquela via processual. [40]

Por exemplo, fixa-se a competência [41] do STF para julgar, originariamente, mandado de segurança contra ato do Presidente da República, do Procurador-Geral da República e das Mesas da Câmara dos Deputados e Senado Federal, do Tribunal de Contas da União, do próprio STF, do Conselho Nacional da Magistratura e, ainda, do Conselho Nacional do Ministério Público.

Cabe pontuar que a competência determinada em função da autoridade mandante pode diferir daquela fixada em relação à autoridade executora, questão que envolve o polêmico conceito de autoridade coatora, como veremos adiante.

A substituição da autoridade indicada é vedada, em regra, sob a justificativa de que é fundamental que a autoridade indicada tenha a atribuição de corrigir a ilegalidade impugnada, ou seja, que disponha de poderes e meios para cumprir a ordem emanada pelo Poder Judiciário na hipótese da concessão da segurança. [42]

Além da fixação da competência, e como conseqüência dessa, tem-se que a indicação errônea daquele considerado legitimado passivo acarreta a extinção do processo sem julgamento de mérito por ilegitimidade passiva ad causam, ou seja, ausência de condição da ação, com base no art. 267, VI, do CPC.

Conforme alerta Vicente Greco Filho, "no plano prático, a conseqüência processual da decretação da carência da ação é a de que a demanda pode ser, posteriormente, repetida ou renovada". Com efeito, o pedido de mandado de segurança poderá ser renovado. No entanto, deve ocorrer dentro do prazo decadencial de 120 dias [43], prazo de eficácia preclusiva que, transcorrido, configura a extinção do direito de impetrar o "writ" constitucional.

Ademais, a indicação de mais de um demandado implica mais aparato judicial em prol da notificação e do andamento do processo, o que confere morosidade ao processo e atrasa a satisfação do direito material.

2.3.1 Possibilidade de emenda e de aplicação subsidiária e suplementar do Código de Processo Civil

Ante a brusca consequência de extinção do processo sem julgamento de mérito, o projeto de lei para nova lei do mandamus possibilitou a emenda da inicial caso suscitada a ilegitimidade pela autoridade coatora. No entanto, o dispositivo foi vetado. Eis o texto do vetado:

§4º do art. 6º da Lei n. 12.016/09:

Suscitada a ilegitimidade pela autoridade coatora, o impetrante poderá emendar a inicial no prazo de 10 (dez) dias, observado o prazo decadencial [44].

A razão de veto [45] alega que a redação conferida ao dispositivo permite a interpretação de que deve ser efetuada a emenda no correr do prazo decadencial de 120 dias. Ao eliminar a previsão expressa de emenda da inicial, todavia, o veto elimina uma medida de economia processual.

BUENO opina que corrigir o mandado já impetrado parece ser mais simples que providenciar sua extinção com nova propositura [46], todavia, argumenta que o veto do dispositivo não exclui a possibilidade de o juiz determinar a emendada petição inicial, valendo-se, subsidiariamente, do art. 284 do CPC [47]:

É a iniciativa que prestigia o conteúdo dos atos processuais e que fornece condições de superar eventuais dificuldades interpretativas do § 3º do art. 6º da Lei n. 12.016/2009 e que, diante da peculiaridade do direito material, encontra eco até mesmo no instituto da nomeação da autoria, tal qual previsto no art. 63 do Código de Processo Civil. [48]

Ocorre que, em relação à subsidiária ou suplementar aplicação do Código de Processo Civil na ação de mandado de segurança, o texto da nova lei não foi expresso. O silêncio perpetuou, desse modo, tormentosa questão, como bem explica CAVALCANTE:

Essa expressa indicação de normas do Código de Processo Civil aplicáveis ao mandado de segurança e a revogação de dispositivos acaso ali contidos, relativos ao mecanismo, têm convencido boa parte da doutrina, influenciado muitos julgados, no sentido de que não se deva aplicar à ação mandamental outras normas do Código de Processo Civil além das manifestamente apontadas pela lei 1.533/51, e agora pela lei 12.016/2009. [49]

FERRAZ repulsa esse entendimento sob o argumento de que o "metro da subsidiariedade é o mesmo, registrável para qualquer ação regrada em lei específica, como princípio geral de Hermenêutica que é, agasalhado inclusive na Lei de Introdução ao Código Civil (...)".

Com efeito, o art. 5º da referida lei determina que "na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum", enquanto o art. 4º prevê que "quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito".

Cumpre ao magistrado, diante do caso concreto de ilegimidade passiva suscitada e da peculiaridade do direito material, ponderar essas posições.

2.4. Autoridade coatora: conceito e identificação

Estudadas as consequências da indicação do pólo passivo, parte-se para a discussão doutrinária em torno da conceituação de autoridade coatora.

2.4.1 Poder de decisão, de mando e/ou de execução

A definição de "autoridade" pela Lei nº 9.784/1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, está assim disposta: "o servidor ou agente público dotado de poder de decisão" (art. 1º, § 2º, III, da Lei nº 9.784/1999).

A recente Lei do Mandado de Segurança, Lei n. 12.016/09, optou por considerar "autoridade coatora" aquela que tenha praticado o ato impugnado ou da qual emane a ordem para prática desse, inovando ao incluir a norma explicativa no parágrafo 3º, do art. 6º, in verbis:

Art. 6º. (...)

§ 3º Considera-se autoridade coatora aquela que tenha praticado o ato impugnado ou da qual emane a ordem para a sua prática.

Vejamos porque a nova lei não foi cristalina na conceituação de autoridade coatora.

A conduta de "praticar o ato impugnado" ou de "emanar a ordem para sua prática" não denota, por exemplo, se o agente tem o poder de mando e/ou de execução, ou se tem competência para seu desfazimento. Para KLIPPEL e NEFFA JÚNIOR, por interpretação sistemática, a norma demonstra que a autoridade coatora não é tanto quem pratique o ato, mas quem tenha ordenado o mesmo:

Vê-se, da leitura do aludido §3º, que a autoridade coatora será, alternativamente, quem praticou o ato ou quem deu a ordem para sua prática.

Ora, a lei só fez essa diferença, pois, haverá casos em que (i) aquele que pratica o ato é quem tem o domínio sobre o mesmo (o poder de ordenar o que foi feito) e outros em que (ii) quem pratica o ato o faz conta e ordem de terceiro, sendo este último a autoridade.

O que a lei quis demonstrar é que a autoridade é quem tenha o poder de mando, tenha ela praticado ou não o ato. Às vezes quem manda, faz. Em outras, alguém ordena que outro o faça. [50]

FERRARESI critica a alternativa exposta na definição, sobretudo nos casos em que se desloca competência constitucional. Sustenta que a competência será de determinada ordem no mandado de segurança impetrado contra a autoridade executora, e outra ordem na segurança impetrada contra a autoridade mandante [51], argumento também exposto por BARBI [52]. FERRARESI ressalta, porém, que se o executor cumpre ato manifestamente ilegal, será autoridade coatora juntamente com o ordenador do ato. [53]

MEIRELLES acrescenta que é coator, ainda, o superior que baixa normas gerais para sua execução do ato impugnado, e diferencia a autoridade coatora do executor material do ato, exemplificando:

É autoridade coatora, para os efeitos da lei, a pessoa que ordena ou omite a prática do ato impugnado e o superior que baixa normas gerais para sua execução. Não há confundir, entretanto, o simples executor material do ato com a autoridade por ele responsável. Coator é a autoridade superior que pratica ou ordena concreta e especificamente a execução ou inexecução do ato impugnado e responde pelas suas conseqüências administrativas; executor é o agente subordinado que cumpre a ordem por dever hierárquico, sem se responsabilizar por ela. Por exemplo, numa imposição fiscal ilegal, atacável por mandado de segurança, o coator não é nem o Ministro ou o Secretário da Fazenda que expede instruções gerais para a arrecadação de tributos, nem o funcionário subalterno que cientifica o contribuinte da exigência tributária; o coator é o chefe do serviço que arrecada o tributo e impõe as sanções fiscais respectivas, usando de seu poder de decisão. [54]

Para BUENO, a autoridade coatora não é o mero executor material do ato, nem aquele agente que fixa as diretrizes genéricas, mas a autoridade com poder decisório ou deliberativo sobre a prática do ato ou sobre a abstenção de praticá-lo, sendo o poder de decisão o de desfazimento do ato guerreado [55]. Assim ilustra:

É inconcebível, por exemplo, que se defenda a pertinência do cabimento do mandado de segurança contra o agente administrativo que, cumprindo ordens que lhe foram dadas, veda a entrada em um estabelecimento comercial, concretizando a respectiva porta. O ato material de fechamento é conseqüência do ato questionado. [56]

Explica o professor que o mandado de segurança deve voltar-se à causa da ilegalidade ou da abusividade reclamada pelo impetrante, considerando o ato material conseqüência do ato questionado. [57]

Veremos no próximo capítulo julgados do alimentam essa divergência. A mesma turma do Superior Tribunal de Justiça num ano considerou legítima para integrar o pólo passivo do mandamus a autoridade executora direta da ilegalidade atacada, e no outro ano, considerou ilegítima.

O art. 1º concede a segurança contra ato de autoridade, ou seja, a norma se mostra ampliativa, de modo a alcançar diversas autoridades, independentemente das funções que venham a exercer.

2.4.2 Atos delegados, colegiados, complexos, compostos e de controle

Outras questões administrativas afetam a identificação da autoridade coatora. Destacam-se as situações de atos delegados, colegiados, complexos, compostos e de controle.

A respeito dos atos coatores praticados mediante delegação, já algum tempo não lavra controvérsia, como descreve FERRAZ, com fundamento na tese da Súmula 510 do Supremo Tribunal Federal [58], segundo a qual coator é o agente delegado (agente que recebeu a atribução), e não o agente delegante. [59]

Já o ato emandado de órgão colegiado, por ser formado por várias vontades individuais, gera controvérsia. Apesar do entendimento doutrinário no sentido da legitimidade do presidente do órgão colegiado para figurar no pólo passivo da demanda [60], há doutrina [61] e recente decisão do STJ indicando a legitimidade do próprio órgão colegiado. [62]

O ato complexo, ato que, segundo Maria Sylvia Zanella di Pietro, exija a manifestação de mais de um órgão para sua formação, singular ou colegiado, cuja vontade se funde para formar um ato único [63], enseja a impetração da segurança contra "a autoridade que representa o órgão que praticou o ato final, ou que completou o ato complexo, aperfeiçoando-o", como ensina o Ministro Carlos Mário Velloso. [64]

No caso dos atos compostos – praticados por uma autoridade, mas dependentes de revisão por outra –, prevalece o entendimento de que o coator será a autoridade que praticou o ato principal e não a autoridade que realizou mera ratificação. [65]

Segundo FIGUEIREDO, atos de controle podem ser de legalidade pura e simplesmente ou de mérito, ou seja, podem ser homologação ou aprovação, respectivamente. No caso de homologação, a autoridade seria aquela que controlou o ato, supondo que o homologou com ilegalidade ou se praticou alguma incorreção ao homologar. [66]

2.4.3. O emaranhado administrativo

Além da referida especificidade dos atos administrativos, a falta de uma lei auto-explicativa cria dificuldades aos impetrantes e seus procuradores, e até mesmo aos agentes públicos, na identificação da autoridade que cometeu ou está prestes a cometer ilegalidade ou abuso de poder. [67]

A título de exemplo da confusão cometida pelos próprios agentes públicos, cumpre apontar a frequente indefinição do responsável pelas "informações" nas assessorias jurídicas dos órgãos e na advocacia pública, uma vez que o agente coator não detém capacidade postulatória.

Destacam KLIPPEL e NEFFA JÚNIOR que a identificação é agravada pela quantidade de funções, inclusive parecidas, por nomenclaturas que cambiam, e pela criação e extinção de órgãos. [68]

Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORAES, Juliana Paula. O sujeito passivo no mandado de segurança. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2792, 22 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18549. Acesso em: 20 nov. 2024.

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