Conclusão
O instituto da estabilidade é fruto de longos anos de sofrimento e luta da classe trabalhadora. Surgiu no início do século XX, e sofreu transformações ao longo dos anos, por conta do constante conflito de interesses que envolvem a relação empregatícia. Enquanto de um lado os empregados buscam alargar seus direitos, do outro os empregadores buscam ampliar seus lucros – interesses que, via de regra, são frontalmente divergentes. Na maioria dos casos, a concessão de direitos aos trabalhadores resulta em aumento de custos para as empresas. No entanto, representando os trabalhadores a força vital que movimenta a produção e a economia, e sendo o trabalho a principal fonte de subsistência do indivíduo – além de importante elemento para construção da cidadania e dignidade humana, cabe à empresa assumir um papel social que vai além dos próprios interesses de seus proprietários. Pela identidade da Constituição Federal, a propriedade é direito do indivíduo na medida em que está comprometida com o interesse da sociedade. Desta forma, torna-se legítima a existência de um instituto que promova a permanência do vínculo empregatício, uma vez que o seu rompimento dá causa ao desemprego. E este é por todos indesejado - benefício algum traz à sociedade, como é notoriamente sabido.
Ao tempo em que promoveu a extinção da estabilidade definitiva, forma original do instituto que perpetuava o empregado no emprego após dez anos de efetivo exercício – a chamada estabilidade decenal – a Constituição Federal consagrou a estabilidade provisória, também conhecida como garantia de emprego. A transformação do instituto demonstra certa conformação com as reivindicações patronais. No entanto, ao tempo em que se transforma, pela dinâmica da vida social, a estabilidade também permanece, assistindo ao empregado no momento em que se encontra mais fragilizado e hipossuficiente.
A estabilidade hoje alcança uma fatia restrita e específica de trabalhadores. A segurança no emprego destes empregados, garantida de forma provisória, assegura, para além dos direitos individuais, o próprio interesse público. As previsões de garantia de emprego assentadas na Constituição Federal informam esta importância. Integrando o rol dos direitos sociais fundamentais, a estabilidade se consolida como um verdadeiro direito-garantia, servindo de instrumento para a efetivação de outros direitos – vida digna, educação, saúde, dentre outros, que podem ser viabilizados através da manutenção do empregado no emprego. Desta forma, a garantia de emprego contribui para o fim último do ordenamento jurídico, que é o alcance da paz social.
Paradoxalmente, a estabilidade – que é instrumento garantidor do emprego, e que por via direta atinge o desemprego – vem sendo afrontada pela flexibilização – fenômeno que pretende a redução do desemprego justamente afastando a garantia de emprego. Aparentemente, estabilidade e flexibilização tentam atingir um mesmo problema de formas totalmente antagônicas.
A estabilidade pretende simplesmente que o empregado permaneça no emprego, e desse jeito não chegue a ficar desempregado. Para tal, restringe a possibilidade de dispensa pelo empregador. Já a flexibilidade pretende que o empregador não sofra restrição alguma para dispensar o empregado, exercendo plenamente seu poder de direção, demitindo o empregado sempre que a dinâmica empresarial exigir. O combate ao desemprego seria efetivado por via reflexa, pela explicação de que a flexibilidade aumentaria a competitividade entre as empresas nacionais e estrangeiras, elevando a economia nacional, e por tabela, aumentando os postos de trabalho – embora, em um momento primeiro, fosse promotora de desemprego. Para tornar a proposta mais aceitável pela sociedade, os defensores desta idéia pregam pela ampliação do amparo ao desempregado através da previdência e da instituição de políticas públicas que gerem postos de trabalho e melhore a qualificação dos empregados continuamente – esta seria a "flexiseguridade". Em palavras mais simples, a flexibilização, mesmo na sua vertente "flexiseguridade", não evita o desemprego – na verdade, o promove, propondo práticas para amenizar as suas conseqüências na sociedade.
Por conta do conflito estabelecido entre as diretrizes da estabilidade e da flexibilização a Convenção 158 da OIT ainda não foi aceita pacificamente pelo Brasil. O conturbado histórico de sua ratificação e posterior denúncia evidencia uma verdadeira luta de interesses contrapostos. A sua ratificação significaria um momento importante para a história do instituto da estabilidade no país, ao extinguir a prática do empregador demitir empregados sem justa causa, obrigando-o a motivar suas ações de gerência na empresa, em nome da proteção à continuidade do vínculo empregatício.
Ainda que a estabilidade atualmente seja enfrentada pela flexibilização, sua origem constitucional oferece claros limites que definem a sua continuidade no ordenamento jurídico. E, no movimento de contra-força, a garantia de emprego oferece reação principalmente através das zonas marginais do conflito histórico que envolve empregado e empregador. Nos espaços de luta do dia-a-dia a garantia de emprego tenta ampliar sua atuação através das negociações coletivas, aumentando progressivamente as hipóteses de enquadramento para assistir uma maior gama de trabalhadores em situações de potencial hipossuficiência – seja em relação à condição individual ou coletiva. Neste sentido, a legislação, a doutrina e a jurisprudência também têm alargado o espectro da garantia de emprego. Esta é uma tendência que se apresenta mesmo através dos projetos de lei atualmente em trâmite no Congresso Nacional.
Neste embate entre a estabilidade e a flexibilização, deve-se questionar que tipo de sociedade se pretende construir, e sobre quais valores ela deverá se assentar. O fim da estabilidade é um grito de apelo daqueles que só pretendem aumentar sua própria margem de lucratividade. Neste caso, é de se imaginar o alto custo social de uma realização como esta. De toda forma, a estabilidade resiste – pela proteção do manto constitucional, e pela incansável luta dos trabalhadores na consecução de seus direitos. Recentemente, em função da crise econômica internacional, e estabilidade adquiriu importância e novos contornos, com os incentivos fiscais concedidos pelo governo brasileiro à determinados setores empresariais sob a condição de garantirem os empregos de seus funcionários por determinado período – o que sustou a demissão sem justa causa de milhares de empregados. Fortalecer o poder de compra do trabalhador se tornou um dos pilares de sustentação do modelo econômico que até então pregava a flexibilização dos direitos juslaborais. Como já preconizara Joaquim Donizete Crepaldi, os efeitos da flexibilização não seriam exatamente positivos para o setor econômico. Paradoxalmente, precarizar as relações de trabalho hoje pode significar a condenação do modelo capitalista-financeiro, que se desmantela ao redor do mundo. Neste contexto, é possível que o Brasil repense sua adesão à Convenção 158 da OIT, percebendo-a como um instrumento de fortalecimento do trabalhador e, consequentemente, do próprio mercado consumidor interno.
REFERÊNCIAS
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Notas
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- MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p.6.
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- Art. 7º. II - seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário. CF/88.
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- DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 6. ed. São Paulo: LTr, 2007, p.1244.
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- SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 28. ed., São Paulo: Malheiros Editores, p.290.
- SARAIVA, Renato. Direito do Trabalho para Concursos Públicos. 6. ed., São Paulo: Método, 2007, p.284.
- CREPALDI, Joaquim Donizete. O Princípio de Proteção e a Flexibilização das Normas do Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2004, p.63.
- MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. Manual Esquemático de Direito e Processo do Trabalho. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 9.
- RODRIGUEZ, Américo Plá. Enfoque Sobre la Flexibilización. Revista Derecho Del Trabajo. n. 2. Buenos Aires: La Ley, 1990, p. 154.
- SÜSSEKIND, Arnaldo. Instituições de Direito do Trabalho. 18. ed. São Paulo: LTr, 1999, p. 213.
- CREPALDI, Joaquim Donizete. O Princípio de Proteção e a Flexibilização das Normas do Direito do Trabalho. São Paulo: LTR, 2004, pp.69-70.
- URIARTE, Oscar Ermida. A Flexibilidade. São Paulo: LTr, 2002, p.59 et seq.
- SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 28. ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p.181.
- art.7º., VI, XIII, XVI, respectivamente, CF/88.
- CREPALDI, Joaquim Donizete. O Princípio de Proteção e a Flexibilização das Normas do Direito do Trabalho. São Paulo: LTR, 2004, p.72.
- MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. Manual Esquemático de Direito e Processo do Trabalho. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.22.
- MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. Manual Esquemático de Direito e Processo do Trabalho. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.22.
- Decreto 1.855, de 10 de abril de 1996.
- ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade 1480. Relator: Min. Celso de Mello. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=1480&classe=ADI&codigoClasse=0&ORIGEM=JUR&recurso=0&tipoJulgamento=>. Acesso em: 28 fev. 2009.
- Ação ainda em trâmite no STF. Relator: Min. Maurício Corrêa.
- Cf. CAMARA DOS DEPUTADOS. Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público. Audiência Pública N°: 0467/08. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/comissoes/ctasp/notastaq/nt22042008.pdf/view?searchterm=oit%20158> Acesso em: 28 fev. 2009.
- Cf. CAMARA DOS DEPUTADOS. Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público. Audiência Pública N°: 0467/08. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/comissoes/ctasp/notastaq/nt22042008.pdf/view?searchterm=oit%20158> Acesso em: 28 fev. 2009.
- Cf. CAMARA DOS DEPUTADOS. Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público. Audiência Pública N°: 0467/08. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/comissoes/ctasp/notastaq/nt22042008.pdf/view?searchterm=oit%20158> Acesso em: 28 fev. 2009.
- DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 6. ed. São Paulo: LTr, 2007, p.1252.
30.MEIRELES, Edilton. Garantia do Emprego como Instrumento para Efetivo Acesso à Justiça (Proibição de Despedir no Curso do Processo Judicial). In: CUNHA JÚNIOR, Dirley da; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. (orgs.) Temas de Teoria da Constituição e Direitos Fundamentais. Salvador: Juspodivm. 2007. p.113-121.