Resumo: A prisão civil do depositário infiel é um tema que, apesar da vedação do Supremo, ainda gera veementes discussões. No entanto, a matéria necessita de um olhar diferenciado, isto é, no âmbito da justiça do trabalho que sofre diretamente as consequências dessa decisão. Este é o propósito aqui engendrado. Assim, é feita uma análise acerca da constitucionalidade técnica e material da prisão proveniente da execução trabalhista. Para tanto, no decorrer dos capítulos, discute-se a hierarquia dos tratados internacionais sobre direitos humanos no ordenamento jurídico brasileiro, em especial, do Pacto de São José da Costa Rica e da Constituição da OIT; a questão da supralegalidade dos tratados; o posicionamento dos principais tribunais sobre a prisão civil do depositário infiel. Por fim, a discussão é realizada considerando-se as peculiaridades da justiça trabalhista, para se concluir pela perfeita aplicação desse instituto neste particular. Mostra-se que a negação desta realidade afeta, sobremaneira, a efetividade da execução trabalhista e, principalmente, o credor exequente que normalmente é o trabalhador em busca de seus créditos, fonte de seu sustento e de sua família.
Palavras-chave: prisão civil; depositário infiel; execução trabalhista.
Sumário: 1 INTRODUÇÃO. 2. CONTRATO DE DEPÓSITO. 2.1. Conceito, objeto, elementos. 2.2. Características. 2.3. Espécies. 2.4. Obrigações das partes. 2.4.1. Obrigações do depositário. 2.4.1. Obrigações do depositante. 2.5. Ação de depósito.3 TRATADOS INTERNACIONAIS. 3.1. Conceito. 3.2. Relação entre direito internacional público e direito interno do Estado. 3.2.1. Monismo e dualismo. 3.2.2. Teoria dualista. 3.2.3. Teoria monista. 3.3. Condições de validade. 3.4. Interpretação dos tratados internacionais. 3.5. Previsão dos tratados na atual Constituição brasileira. 3.5.1. Procedimento de ratificação dos tratados no Brasil . 3.5.2. Posicionamento dos tratados internacionais no ordenamento jurídico brasileiro. 4. PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL. 4.1. A previsão constitucional da prisão civil do depositário infiel. 4.2. Posição do Supremo Tribunal Federal. 4.3. Posição do Superior Tribunal de Justiça. 5. PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL NA JUSTIÇA DO TRABALHO. 5.1. Posição do Supremo Tribunal Federal. 5.2. Natureza jurídica dos créditos trabalhistas. 5.3. A Constituição da Organização Internacional do Trabalho e o Pacto de São José da Costa Rica. 5.4. Direito à liberdade X direito à vida. 5.5. A vedação da prisão civil do depositário infiel e seus reflexos na execução trabalhista. 5.6. Posicionamento do Tribunal Superior do Trabalho. 5.7. Posicionamento da ANAMATRA. 6. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho que tem como tema "A prisão civil do depositário infiel proveniente da execução trabalhista" traz um estudo acerca do problema da justificativa encontrada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para proibir a prisão civil do depositário infiel, o que afetou, entre outras coisas, a efetividade da aplicação da justiça trabalhista, principalmente após a revogação da súmula 619 da Colenda Corte e a edição da súmula vinculante nº 25.
Diante desse problema, várias questões serão analisadas, entre elas: a influência do Pacto de São José da Costa Rica e da Emenda Constitucional nº 45 no ordenamento jurídico brasileiro; se os tratados internacionais do qual o Brasil é signatário, quando em conflito com a nossa Constituição, a revogam; a razão pela qual há permissão da prisão civil em caso de devedor de prestação alimentícia e proibição da prisão civil do depositário infiel que deve verbas de caráter alimentar na execução trabalhista; o impacto da vedação da prisão civil do depositário infiel na aplicação da justiça no âmbito trabalhista; as dificuldades existentes atualmente nas execuções trabalhistas.
Destarte, o objetivo principal deste trabalho é provar a constitucionalidade da prisão civil do depositário infiel na Justiça do Trabalho, em contraponto com o posicionamento do Supremo.
Recentemente o Supremo Tribunal Federal, editou a súmula vinculante nº 25 proibindo a prisão do depositário infiel, engessando o judiciário, e "pondo fim" às discussões sobre o assunto. No entanto, a inconformidade persiste. Doutrinadores e jurisconsultos ressaltam a inaplicabilidade desta decisão para a Justiça do Trabalho e, para tanto, apresentam suas razões.
Com o presente estudo, pretende-se demonstrar também que a prisão civil do depositário infiel na justiça do trabalho é um caso peculiar, que deve ser analisado conforme suas particularidades. A proibição da prisão não pode alcançar a seara trabalhista por simples razões genéricas, sem uma discussão própria.
A escolha do tema partiu da análise da decisão do Supremo Tribunal Federal referente à inconstitucionalidade da prisão civil do depositário infiel no ordenamento jurídico brasileiro, somente excepcionando a prisão civil ao devedor de prestação alimentícia.
Após o posicionamento da Colenda Corte, surge o contrasenso em relação à aplicação dessa regra na justiça laboral em que, os créditos trabalhistas indiscutivelmente possuem natureza alimentar, a mesma natureza dos créditos devidos na prestação alimentícia. Nesse contexto, há de se esclarecer a razão pela qual o devedor de prestação alimentícia é passível de prisão civil, enquanto que o depositário infiel, devedor de créditos da mesma natureza, não está sujeito a mesma.
Ademais, a principal justificativa apontada pelo Supremo foi a ratificação pelo Brasil do Pacto de São José da Costa Rica. No entanto, se considerados os rigores técnicos estabelecidos na Constituição, o tratado não adquiriu status de emenda constitucional, pois não foi ratificado pelo quorum necessário. A Corte, assim, apresentou a decisão, não unânime, pela "supralegalidade" dos tratados internacionais.
Além dos motivos expostos, na justiça do trabalho o meio mais eficaz de compelir o executado (que normalmente é o depositário do bem) a pagar a dívida era a imposição da prisão do depositário infiel. Isto, pois, o executado é devedor de créditos trabalhistas, que tem natureza alimentar, imprescindíveis para a sobrevivência do trabalhador e sua família. Com a proibição da prisão, resta prejudicada a efetividade da aplicação da justiça trabalhista.
O estudo sobre o tema proposto é direcionado, sobretudo, aos defensores dos direitos trabalhistas, e principalmente aos próprios titulares desses direitos. Em geral, almeja-se atingir também todos aqueles interessados nesta matéria que, mesmo após a decisão da Suprema Corte, gera veementes discussões entre magistrados e doutrinadores.
Para uma compreensão mais facilitada, aliada a um maior aprofundamento sobre o tema, adotou-se o método dialético, em que serão apresentadas jurisprudências da Corte Suprema e dos tribunais superiores, além de posicionamentos doutrinários, para que, a partir de uma análise comparativa, e por meio de uma abordagem qualitativa, seja alcançado o objetivo esperado.
Como método auxiliar foi utilizado a aplicação de comparativos, tendo em vista um paralelo entre a prática jurídica e a regulamentação normativa.
Foi empregada a técnica bibliográfica de pesquisa com o objetivo de obter informações demonstradas através de recursos como leis, jurisprudências, livros, artigos e revistas.
Para tanto, o trabalho subdivide-se em quatro capítulos.
O primeiro capítulo traz uma noção inicial sobre contrato de depósito, instituto do direito civil, além de explicar a situação do depositário judicial, figura esta de grande importância para este estudo.
O segundo capítulo trata sobre os tratados internacionais: teorias, condições de validade, interpretação. Além disso, é analisado o posicionamento dos tratados internacionais no ordenamento jurídico brasileiro, segundo a Constituição brasileira.
O terceiro capítulo traz uma abordagem quanto à previsão constitucional da prisão civil do infiel depositário. Concentra, também, posicionamentos jurisprudenciais do Supremo e do Superior Tribunal de Justiça acerca da matéria.
O quarto e último capítulo traz uma análise específica sobre o tema proposto com base em todo o estudo feito nos capítulos anteriores, desta vez voltado à justiça trabalhista.
A conclusão condensa em razões finais, a opinião do autor, todo seu embasamento jurídico, assim como, as razões de foro íntimo que norteia seu pensamento favorável à prisão civil depositário infiel no âmbito trabalhista.
2. CONTRATO DE DEPÓSITO
O conhecimento acerca do contrato de depósito é essencial para a compreensão do tema proposto. A figura do depositário somente é possível em virtude da existência de um contrato de depósito, em que aquele, por contrariar o contrato, é denominado depositário infiel.
Interessa agora analisar essa espécie contratual prevista nos artigos 627 a 652 do Código Civil, além do procedimento da respectiva ação de depósito.
2.1. Conceito, objeto, elementos
O vocábulo depósito é derivado do verbo latino deponere, que significa colocar alguma coisa em confiança sob a guarda de uma pessoa (ULPIANO apud NADER, 2008, p. 305). Por depósito, costuma-se denominar também a própria coisa que é entregue.
Carlos Roberto Gonçalves traz a seguinte definição de depósito:
[...] contrato em que uma das partes, nomeada depositário, recebe da outra, denominada depositante, uma coisa móvel, para guardá-la, com a obrigação de restituí-la na ocasião ajustada ou quando lhe for reclamada. (GONÇALVES, 2010, p. 384)
Este é o objetivo do contrato de depósito, colocar um bem sob a guarda e conservação de outrem em favor do depositante. Tem como base, sobretudo, a confiança, uma vez que para que a coisa própria seja entregue a outrem é necessária a confiança neste.
Conforme se depreende do próprio conceito, o contrato de depósito possui três elementos, são eles: a entrega de coisa móvel; a guarda da coisa móvel, com o poder ou não de uso; a obrigação de restituir a coisa, quando solicitada.
No direito romano, origem do instituto, o contrato em estudo era aplicado também aos bens imóveis.
No ordenamento jurídico brasileiro, ao contrário, o contrato de depósito diz respeito apenas a bens móveis. A previsão exclusiva aos bens móveis deve-se ao fato de que a conservação de bens imóveis implicaria atos de administração, que são próprios do mandato (outra forma contratual). Nesse contexto, o artigo 627 do Código Civil dispõe que "pelo contrato de depósito recebe o depositário um objeto móvel, para guardar até que o depositante o reclame" (grifei).
Quanto aos bens móveis, ressalta Paulo Nader (2008, p. 306) que o depósito se aplica apenas a coisas infungíveis, vez que a entrega de coisas a serem devolvidas por outras de igual gênero, quantidade e qualidade, conforme o artigo 645 do Código Civil, é regulada pelo mútuo.
Em relação ao segundo elemento do contrato de depósito, "a guarda da coisa móvel, com o poder ou não de uso", tem-se que o uso e gozo do bem pelo depositário, não é seu elemento constitutivo. No entanto, pode o depositante autorizar a utilização da coisa, mas apenas para fins de guarda e conservação do bem, em benefício do depositante, caso contrário caracterizaria outra espécie de contrato. Poderá ainda o depositário assumir pequenos encargos, tendo e vista a conservação da coisa. Para Ennerccerus, se a atribuição impuser vigilância constante, não haverá depósito, mas sim um mandato ou prestação de serviço (apud NADER, 2008, p. 307).
O terceiro e último elemento do contrato é a "obrigação de restituir a coisa quando solicitada". Trata-se de um contrato temporário. Ademais, o depositário tem obrigação de restituir a coisa quando esta for requerida pelo depositante, ainda que o contrato tenha prazo determinado. A não restituição do bem tinha como consequência a prisão civil do depositário de até um ano, além do ressarcimento por perdas e danos, com previsão no artigo 652 do Código Civil.
2.2. Características
O contrato de depósito é real, temporário, unilateral, gratuito e formal.
O contrato se aperfeiçoa com a tradição, esta é elemento integrante do contrato. Paulo Nader (2008, p. 305) salienta que com a tradição, isto é, a entrega do bem, não há transferência de propriedade, nem da posse, transfere-se, somente, a possessio naturalis.
O depositante, em regra é o proprietário do bem, porém, tanto administradores quanto possuidores em geral, têm capacidade para contratar. Assim, os usufrutuários e inquilinos, podem entregar a coisa em depósito.
O contrato de depósito como mencionado alhures é temporário, isto porque a obrigação de restituir é essência do contrato, segundo a qual o depositário guardará o bem até que o depositante o reclame (art. 647. do Código Civil).
A unilateralidade é em razão de somente o depositário assumir obrigações. O contrato pode, entretanto, tornar-se bilateral se for estabelecida uma contraprestação por parte do depositário infiel. Este último caso, Sílvio de Salvo Venosa caracteriza como contrato bilateral imperfeito, in verbis:
[...] pode assumir feição de bilateral imperfeito quando se atribuem obrigações ao depositante sob determinadas circunstâncias na hipótese de o depositário tornar-se credor do depositante, como na situação do art. 643. Por este dispositivo o depositante é obrigado a pagar ao credor as despesas com a coisa e os prejuízos decorrentes do seu depósito. Desse modo, desde o nascedouro, o contrato apresenta características de negócio sinalagmático imperfeito (VENOSA, 2009, p.240).
Para Gonçalves (2010, p. 388), entretanto, essa denominação é incorreta, posto que tal obrigação resulta de fatos posteriores, externos e independentes do contrato.
Nesse passo, a gratuidade é regra, mas não é absoluta, uma vez que pode ser admitida uma contraprestação. No entanto, o que se observa, na prática é a prevalência do depósito remunerado em variadas modalidades, tais como a guarda de automóveis em garagens, de vestuários em teatros, de jóias e valores em cofres de aluguel, entre outras (GONÇALVES, 2010, p. 388).
O contrato de depósito voluntário é formal. O próprio artigo 646 do diploma civil brasileiro estabelece que "o depósito voluntário provar-se-á por escrito". Nesse contexto, preleciona Sílvio de Salvo Venosa:
[...] o escrito é exigido apenas para provar o contrato, não lhe sendo essencial para fixar sua existência (ad probationem tantum). Admite-se até mesmo simples início de prova por escrito. Ademais, sendo contrato real, a prova testemunhal será com frequência suficiente para provar a ocorrência ao menos desse ato material. Desse modo, o tíquete de entrega da coisa, cupom ou equivalente serão documentos suficientes para atestar o negócio (VENOSA, 2009, p. 241).
Em relação ao depósito necessário, podem ser certificados por qualquer meio de prova. O depósito judicial evidencia-se pelo termo ou pelo instrumento em que é lavrado, com descrição do bem e o compromisso do depositário.
2.3. Espécies
No Código Civil brasileiro estão disciplinadas as principais espécies de depósito que são o voluntário e o necessário.
Além dessa classificação, conforme leciona Carlos Roberto Gonçalves (2010, p. 389), o depósito pode ser: regular e irregular; simples e empresarial; contratual e judicial.
O depósito voluntário deriva de um acordo de vontades. É livremente ajustado pelas partes, inclusive a escolha do depositário. Não exige forma especial para sua celebração, apenas para a prova de sua existência requer instrumento escrito.
Segundo Sílvio Venosa (2009, p. 245), o contrato irregular, é modalidade de depósito voluntário, tendo por objeto coisas fungíveis, em que o depositário pode alienar o que recebeu, desde que a restitua, quando solicitado, igual quantidade e qualidade. Porém, caso seja acordada a devolução da mesma coisa, embora fungível, o depósito será regular.
O contrato de depósito regular, também chamado de ordinário, caracteriza-se pela infungibilidade da coisa depositada.
O depósito necessário é distinto do voluntário, pois, naquele o contratante não tem condições de escolher o depositário. Serpa Lopes, citado por Gonçalves (2010, p. 398), assevera que no depósito necessário o depositante pratica um ato voluntário havendo consentimento de ambas as partes, no entanto, o consentimento é produto de um acontecimento imprevisto. Destarte, não há a liberdade de escolha do depositário, em face da urgência imposta pelos acontecimentos.
Conforme a dicção do artigo 647 do Código Civil, o depósito necessário subdivide-se em legal e miserável. De acordo com Paulo Nader (2008, p. 308), esse tipo de depósito pode resultar da lei, caso em que é denominado de depósito legal; ou derivar de uma necessidade imperiosa do depositante causada, por exemplo, por uma catástrofe ou mesmo por uma viagem urgente, sendo este último denominado depósito miserável.
Há ainda uma terceira espécie de deposito necessário, equiparado ao depósito legal, prevista no artigo 649 do diploma civil, que é o das bagagens dos viajantes ou hóspedes nas hospedarias onde estiverem.
Haverá o depósito empresarial somente quando envolver causa econômica em poder do empresário ou por conta deste, os demais serão simples.
O contrato de depósito será contratual quando resultar de acordo de vontades, com livre escolha do depositário pelo depositante, sendo aquele possuidor direto do bem, enquanto este o possuidor indireto. Por outro lado, o depósito judicial é determinado por mandado pelo juiz, entregando ao depositário coisa móvel ou imóvel, objeto de um processo, sendo este mero detentor da coisa, pois a posse é do Estado.
2.4. Obrigações das partes
2.4.1. Obrigações do depositário
Ante a unilateralidade dos contratos de depósito as obrigações dele oriundas são direcionadas, primordialmente, para o depositário.
São obrigações fundamentais do depositário a guarda e a conservação da coisa, além de sua restituição quando requerida pelo depositante.
O depositário deve cuidar da coisa como se fosse sua, não devendo faltar a diligência habitual. Pode confiá-la a terceiros, pois não se trata de dever personalíssimo ou intransferível, caso em que deve obter prévia autorização do depositante, sob pena de responder por perdas e danos (artigo 640 do Código Civil). Se agiu com culpa na escolha do terceiro, será responsabilizado (parágrafo único do art. 640. do C.C.).
A conservação é o dever de zelo pela coisa depositada para poder restituí-la no estado em que recebeu.
Responde o depositário por culpa ou dolo se o bem perecer ou deteriorar-se, exceto se provar que o perecimento ou a deterioração se deu em virtude de força maior. Como se trata de responsabilidade contratual fundada na culpa, entende Gonçalves (2010, p. 394), aplicar-se ao caso o art. 393. do C.C. no que tange ao caso fortuito.
Sílvio de Salvo Venosa, infra, adverte o caso em que a coisa é perdida em razão de força maior, e o depositário recebe outra em seu lugar:
[...] se perdida a coisa por força maior, tendo o depositário recebido outra em seu lugar, como seguro, por exemplo, é obrigado a entregar a coisa sub-rogada ao depositante, bem como ceder-lhe as ações que eventualmente tiver contra terceiro responsável pela perda (art. 636, C.C.). (VENOSA, 2009, p. 247).
O depósito, sendo feito para guarda e não para gozo do depositário deve ser restituído com os frutos produzidos, os quais pertencem ao depositante (segunda parte do art. 629. do C.C.).
A coisa será entregue assim que exigida pelo depositante, exceto se o depositário tiver o direito de retenção; se o objeto for judicialmente embargado; se sobre ele pender execução, notificada ao depositário; se houver motivo razoável de suspeitar que a coisa foi dolosamente obtida, caso em que, expondo o fundamento da suspeita, requererá que se recolha o objeto ao depósito público (GONÇALVES, 2010, p. 395).
A obrigação de restituição é do depositário, no entanto, se este falecer, será sucedido pelos herdeiros. Isto não ocorrerá se o depositário for acometido de incapacidade superveniente (interdição, falência), caso este que resolve o contrato de depósito e seus representantes não podem substituí-lo.
O bem deve ser restituído no local combinado ou naquele em que foi recebido o depósito (art. 631. do C.C.).
2.4.2. Obrigações do depositante
Como já elucidado no item 8.1.2 deste projeto, o contrato pode tornar-se bilateral se for estabelecida uma contraprestação por parte do depositante.
Assim, no contrato bilateral há obrigação do depositante de pagar ao depositário a remuneração convencionada.
Em relação ao contrato unilateral que, em um primeiro momento, obriga apenas o depositário, Carlos Roberto Gonçalves ensina que:
[...] quando o aludido contrato é gratuito, aperfeiçoa-se com a entrega da coisa, após a qual o depositário terá obrigações. Neste caso, é unilateral. Por conseguinte, as eventuais obrigações do depositante decorrerão de fatos posteriores à sua formação (GONÇALVES, 2010, p. 392).
Nesse diapasão, o contrato, ainda que unilateral, pode gerar obrigações para o depositante, ocasionadas por fatos supervenientes à sua formação. Tais obrigações, segundo o citado autor, consistem em: reembolsar as despesas feitas pelo depositário com o depósito; indenizar o depositário pelos prejuízos provenientes do depósito.
O depositário tem direito de retenção sobre a coisa depositada até que o depositante pague o que lhe for devido, é o que se extrai do artigo 644 do Código Civil, ipsis litteris:
Art. 644. - O depositário poderá reter o depósito até que se lhe pague a retribuição devida, o líquido valor das despesas, ou dos prejuízos a que se refere o artigo anterior, provando imediatamente esses prejuízos ou essas despesas.
Parágrafo único – Se essas dívidas, despesas ou prejuízos não forem provados suficientemente, ou forem ilíquidas, o depositário poderá exigir caução idônea do depositante ou, na falta desta, a remoção da coisa para o Depósito Público, até que se liquidem.
Caio Mário citado por Gonçalves (2010, p.392) anota que se for ostensivo o defeito, e perceptível ao primeiro exame visual, ou se o depositário tiver sido prevenido no momento da tradição, deverá se entender que este assumiu todos os riscos.
2.5. Ação de depósito
A ação de depósito está prevista 901 a 906 do Código de Processo Civil brasileiro.
O objetivo desta ação é a restituição da coisa depositada.
A necessidade de restituição do depósito, através da ação de depósito, surge quando o depositário torna-se infiel, ou seja, quando descumpre a obrigação de restituir a coisa com os seus acessórios, assim que o depositante a exigir (DONIZETTI, 2008, p. 864).
O processualista Elpídio Donizetti (2008, p. 866) pontua que o procedimento da ação de depósito é aplicável a qualquer modalidade de depósito, desde que a coisa seja infungível. Em se tratando de coisa fungível aplicar-se-á o regime jurídico do mútuo, e a restituição poderá ser exigida por meio da ação de cobrança, não obstante entendimento contrário do Superior Tribunal de Justiça.
No que diz respeito ao depósito judicial, Carlos Roberto Gonçalves assinala que:
[...] a ação não se faz necessária, uma vez que o depositário é mero detentor, podendo o juiz nos próprios autos em que se constituiu o encargo, determinar, por simples mandado, a busca e apreensão da coisa, restituindo-a a quem de direito (GONÇALVES, 2010, p. 403).
No depósito judicial a prisão do depositário infiel poderia ser decretada no próprio processo em que se constituiu o encargo, ao teor da revogada Súmula 619 do Supremo Tribunal Federal.
A legitimidade ativa para a ação de depósito é do próprio depositante ou de seu sucessor. Passivamente, são legítimos o depositário, bem como seus herdeiros e sucessores. O jurisconsulto, Sílvio de Salvo Venosa (2009, p. 251), salienta que terceiros sem relação negocial com o depositante, não estão legitimados para figurar como réus na ação de depósito. Nesta situação, se há esbulho de posse, incumbe ingressar com os remédios possessórios.
O procedimento da ação de depósito é simples. Na petição inicial, será feita prova do negócio, a estimativa do valor do bem e o pedido de citação do réu. O pedido de prisão de até um ano já poderia constar na inicial, na forma do parágrafo único do artigo 904, no entanto, a Corte Suprema já se posicionou pela inconstitucionalidade da prisão civil do depositário infiel.
O réu, ao ser citado, conforme o artigo 902 do CPC, terá o prazo de cinco dias para entregar a coisa, depositá-la em juízo, ou consignar o equivalente em dinheiro; ou contestar a ação. Contestada a ação, observar-se-á o procedimento ordinário (art. 903, CPC).
Em sentença favorável ao autor, o juiz determinará a expedição de mandado para a entrega da coisa ou equivalente em dinheiro no prazo vinte e quatro horas (art. 904, CPC). O descumprimento do mandado pelo depositário, atualmente, segundo o entendimento do Supremo, não mais enseja sua prisão.
O autor pode promover a busca e apreensão da coisa, sem prejuízo do depósito. Encontrada a coisa, ou sendo voluntariamente entregue pelo réu cessa a prisão e será devolvido o equivalente em dinheiro (art. 905, CPC).
Por fim, não satisfeito o credor pela entrega da coisa ou seu equivalente em dinheiro, o autor poderá prosseguir nos próprios autos, para receber o que lhe foi reconhecido na sentença, observando-se o procedimento da execução por quantia certa.
Além das hipóteses de contrato de depósito colacionadas no Código Civil, há outras em que o legislador equipara ao depósito, com todas as situações daí decorrentes. O doutrinador, Carlos Roberto Gonçalves, infra, cita algumas delas:
[...] é o que sucede nos contratos de alienação fiduciária em garantia, quando o bem alienado fiduciariamente não é encontrado ou não se encontra na posse do devedor, caso em que o credor poderá requerer a conversão do pedido de busca e apreensão em ação de depósito, nos mesmos autos (Dec.-Lei n. 911/69, art. 4º). Também é considerada depositária, nos termos da Lei n. 8.866/94, a pessoa a quem a legislação tributária ou previdenciária imponha a obrigação de reter ou receber de terceiro, e recolher aos cofres públicos impostos, taxas e contribuições, inclusive à Seguridade Social (GONÇALVES, 2010, p. 404)
Assim, são equiparados ao contrato de depósito a alienação fiduciária em garantia. e também a relação existente entre a pessoa encarregada de reter ou receber de terceiro, assim como recolher aos cofres públicos impostos, taxas e contribuição, em relação à Fazenda Pública, por exemplo.