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A correta interpretação da exigência do "comum acordo" para o ajuizamento do dissídio coletivo

Agenda 27/02/2011 às 15:23

Introdução

A Emenda Constitucional nº 45/2004 incluiu a exigência do "comum acordo" para o ajuizamento do dissídio coletivo no artigo 114, §2º, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB).

A doutrina e a jurisprudência protecionista logo se voltaram contra esta alteração, já que estaria retirando o poder normativo da Justiça do Trabalho e deixando desprotegidos os trabalhadores, pois a utilização do dissídio coletivo não poderia ser restrita à existência do "comum acordo".

A exigência do "comum acordo" começou, então, a ser relativizado, passando os Tribunais a entenderem como preenchido este pressuposto processual quando uma das partes comprovadamente se recusasse à negociação.

Todavia, este não é a melhor interpretação para o dispositivo, notadamente por se afastar da intenção teleológica da alteração constitucional e porque incompatível com a democracia.


Institucionalização do Direito do Trabalho

O Direito do Trabalho no Brasil, na sua fase de institucionalização, que vai de 1930 a 1945, importou sistemas europeus autocráticos de organização coletiva, com a intervenção estatal no conflito social. Estes sistemas autocráticos foram abandonados na Europa após a II Guerra Mundial, mas mantidos no Brasil.

Embora a Constituição de 1988, depois de mais de 45 anos de nenhuma ou muito pouca liberdade, trouxe inovações democráticas, reconhecendo uma maior importância da pessoa humana e devolvendo, em certa medida, à própria sociedade o poder para a resolução dos conflitos sociais. A liberdade de organização sindical, sem interferência no Estado, e o reconhecimento das negociações coletivas de trabalho são pontos importantes nesta nova fase do Direito Coletivo do Trabalho.

No entanto, nas negociações entre as elites sindicais e os reais democratas a sociedade novamente perdeu, pois foi mantido o imposto sindical obrigatório e a manutenção da unicidade sindical, dois pontos que dificultam a agregação de trabalhadores e a criação de uma identificação profissional. Além disso, também foi mantida a captação de lideranças pelo próprio Estado, como os juízes classistas, bem como a força normativa da Justiça do Trabalho, que simplesmente retira da sociedade a possibilidade de resolver o conflito social.

Os juízes classistas foram extintos, o que é uma grande vitória para a democracia. O poder normativo da Justiça do Trabalho, embora não extingo, foi fortemente mitigado pela EC nº 45/2004, e sua verdadeira interpretação vem sendo recusada pelos Tribunais.


O Dissídio Coletivo

O Dissídio Coletivo, antes da EC 45/2004, era ajuizado sempre que uma das partes se recusasse à negociação coletiva (artigo 616 da CLT), cabendo, inclusive, ao Ministério Público do Trabalho a instauração da instância na hipótese de greve em serviço essencial (artigo 114, §3º, da CRFB).

Até mesmo na hipótese de simples suspensão do trabalho, há quem diga que o dissídio coletivo poderia ser instaurado pelo Ministério Público do Trabalho ou pelo presidente do Tribunal. Mas este é um assunto para outro artigo.

Assim, as reinvidicações dos trabalhadores não atendidas eram levadas até o Tribunal do Trabalho para que o Poder Judiciário (leia-se Estado) resolvesse o conflito social. A doutrina protecionista (ou desprotecionista) sempre entendeu que não se pode desamparar os trabalhadores que não conseguiram negociar melhores condições de trabalho. No dissídio coletivo, então, os juízes do tribunal invariavelmente repetiam normas de negociações anteriores ou normas de classes operárias similares e concediam um reajuste salarial equivalente à inflação acumulada no período.

Ocorre que o artigo 8º, inciso I, da CRFB, determina a exclusão do Estado (incluído do Poder Judiciário) da organização sindical. O conflito social deve ser resolvido pela própria sociedade, de forma livre, e não pelo Estado, de forma impositiva e autoritária.

Alguns, lendo este texto, logo concluem que o autor é daquelas pessoas que só fala em favor das empresas, que é contra a melhoria da condição dos trabalhadores etc etc etc.

Muito pelo contrário.

Com efeito, quando um sindicato de trabalhadores realmente atuante, defendendo os interesses da categoria, busca melhores condições de trabalho e de salário, naturalmente não será atendido pelo empregador.

Os trabalhadores estão 100% dispostos a melhorar as condições de seu pacto laboral e exigem a humanização da prestação de trabalho e um mínimo ganho real de salário perante a inflação. Não são atendidos.

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Os trabalhadores lançam mão, então, da única ferramenta efetiva de pressão que possuem contra o capital, qual seja, a greve, paralisando as atividades e causando real prejuízo ao empregador.

Sem demora, as empresas (ou o MPT ou o presidente do Tribunal) instauram o dissídio coletivo, onde, em sentença, chega-se a um "meio termo", o que não proporciona a melhoria da condição social dos trabalhadores, não passando, no mais das vezes, de esmolas concedida à classe operária.

Em uma sociedade verdadeiramente democrática, os trabalhadores continuariam em greve, forçando os empregadores à negociação, até que um acordo justo e razoável fosse encontrado pelas partes. No Brasil, ao contrário, se a greve continua é declarada ilegal, ficando autorizada a punição dos grevistas.

Ora, a intervenção do Poder Judiciário (Estado) no conflito social não se dá em favor do trabalhador, mas sim em benefício do próprio capital, pois força, em atitude evidentemente antidemocrática, os empregados a se resignarem ao que constar na sentença normativa.


A intenção da EC nº 45/2004

Este equívoco da intervenção estatal no conflito social tentou ser corrigido pelo constituinte derivado, impondo o "comum acordo" entre as partes para o ajuizamento do dissídio coletivo.

Isso significa que o conflito social somente deveria ser resolvido pelo Estado quando as partes assim o decidissem.

Deveras, a intromissão do Estado na organização sindical e na resolução dos conflitos sociais impede que os trabalhadores busquem melhores condições de trabalho, porquanto as pretensões obreiras não são atendidas pelo Poder Judiciário, devendo ser possibilitado ao operariado pressionar o capital com todas as forças que possui.

O dissídio coletivo tem se prestado, no mais das vezes, a declarar ilegais greves legítimas, que deveriam ser exercidas com total liberdade, nos termos do artigo 9º da CRFB.


Conclusão

A classe trabalhadora no Brasil está viciada por anos de autoritarismo e intervenção estatal no conflito social. Ocorreu a perda da identidade funcional. O sindicato, que deveria servir para reunir os trabalhadores, apenas os desagrega, notadamente porque seus dirigentes, de um modo geral, também perderam a afinidade com o trabalhismo, pois acabaram se aproximado do capital.

Neste contexto, deve ser dado aos próprios trabalhadores a possibilidade de resolução de suas divergências sociais envolvendo o capital. A negociação coletiva é a ferramenta maior para a pacificação social pela própria sociedade.

O vício intervencionista na sociedade gerou um comodismo entre os trabalhadores que, se não podem buscar a melhoria das condições de pactuação de sua força de trabalho, contentam-se com um mínimo de direitos para que sobrevivam.

Mas este circulo vicioso deve ser vencido, pois somente com a participação efetiva dos trabalhadores na resolução dos conflitos sociais é que trará justiça social e equilíbrio nas relações entre capital e trabalho.

Por essa razão que o Estado, inclusive o Poder Judiciário, deve se eximir de intervir na resolução dos conflitos sociais, deixando para a própria sociedade, negociadamente, encerrar as controvérsias.

Embora esta retirada do Estado possa significar, em um primeiro momento, uma sensação de desamparo ao trabalhador, somente com essa liberdade o empregado efetivamente terá voz e influência na melhoria das condições de trabalho, tendo consciência de que a estagnação de seus direitos se deve à própria inércia e falta de mobilização coletiva.

Como nos ensinou Martin Luther King: "O que mais preocupa não é o grito dos violentos, dos corruptos, dos desonestos, dos sem-caráter, dos sem-ética. O que mais preocupa é o silêncio dos bons".

Somente quando os trabalhadores, por conta própria, puderem buscar melhores condições de trabalho sem que o Estado intervenha e diga quais são ou não são reivindicações justas é que poderemos falar em Estado Democrático de Direito. "Proletários de todos os países, uni-vos!" (Karl Marx).

Sobre o autor
Evandro Luis Urnau

Juiz do Trabalho do TRT da 4 Região.<br>Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho - IMED. <br>Especialista em Direito e Processo do Trabalho - LFG.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

URNAU, Evandro Luis. A correta interpretação da exigência do "comum acordo" para o ajuizamento do dissídio coletivo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2797, 27 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18581. Acesso em: 22 dez. 2024.

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