Sumário: 1.
Introdução. 2. Conceito. 2.1. Previsão legal. 2.2. Natureza jurídica. 3. Princípios norteadores. 4. Obrigatoriedade de licitar. 4.1. Exceções. 4.1.1. Dispensa. 4.1.2. Inexigibilidade. 5. Modalidades de licitação. 5.1. Concorrência. 5.2. Tomada de Preços. 5.3. Convite. 5.4. Concurso. 5.5. Leilão. 5.6. Pregão. 5.7.Escolha da modalidade licitatória. Exemplo prático. 6. Tipos de licitação. 7. Comissão de licitação. 8. Processo licitatório. 8.1. Ato convocatório: edital e carta-convite.8.2. Habilitação. 8.3. Julgamento e classificação das propostas. 8.4. Homologação. 8.5. Adjudicação. 9. Invalidação: revogação e anulação. 10. Recursos administrativos e meios de impugnação judicial. 11. Da responsabilidade do servidor público na licitação. 12. Arbitragem em licitação. 13. Conclusão.RESUMO: É de amplo conhecimento que o Estado não possui todos os instrumentos necessários para, diretamente através de seus entes, órgãos ou agentes, atender a todas as demandas de seus cidadãos; assim, precisa constantemente contratar com terceiros a execução daquilo que a comunidade requer, daquilo que o cidadão precisa para sua melhor comodidade ou até para sua sobrevivência digna. Para proceder a essa contratação o Estado deve, em regra, prévia e obrigatoriamente, selecionar a proposta mais vantajosa aos interesses públicos, seja na compra ou na alienação de bens, na prestação de serviços públicos ou mesmo na realização de obras e de serviços de engenharia; a esse processo administrativo denomina-se de "licitação". Este trabalho propõe-se a reunir, sob um mesmo título e de maneira sucinta, os aspectos centrais da licitação, seus pontos mais importantes e, pari passu, indicar-lhe a respectiva fonte normativa vigente. O o que, o por que, o como, o quando, o onde, opor quanto e o com quem o Estado brasileiro pode contratar com terceiros, pessoas físicas ou jurídicas, ou consórcios de pessoas jurídicas, para atender a essa demanda em prol do interesse da coletividade, é o que se pretende aqui abordar. Começando por uma breve introdução ao tema, serão indicadas as modalidades de licitação hoje utilizadas pela Administração brasileira, as fases do processo licitatório, incluindo as hipóteses legais de contratação direta - sem o prévio processo de seleção -, a possibilidade de invalidação da licitação, os recursos admissíveis e, finalmente, uma rápida abordagem sobre a questão da arbitragem em licitação. Resta afirmar que o instituto consiste em um dos processos mais importantes com que lida diariamente a Administração pública, envolvendo contratos que vão de alguns poucos milhares até bilhões de reais que saem dos cofres estatais, sujeitos às mais surpreendentes possibilidades de erros e fraudes que sangram, diariamente, o erário brasileiro. Entende-se que este é um tema que deve ser de conhecimento não apenas dos agentes estatais e dos profissionais do direito mas, indubitavelmente, de todo o cidadão brasileiro com vistas a que possa efetivar sua cidadania no controle da Administração pública.
PALAVRAS-CHAVES: Licitação; Concorrência; Tomada de Preços; Convite; Concurso; Leilão; Pregão: Dispensa; Inexigibilidade; Tipos; Ato convocatório; Invalidação; Recursos; Arbritagem.
1.INTRODUÇÃO
O ordenamento jurídico brasileiro prevê que, para contratar obras, serviços, compras e alienações, o Estado deverá proceder, regra geral, a uma seleção da proposta mais vantajosa entre interessados que preencham as condições exigidas em ato de convocação, seleção esta a que se denomina de processo de licitação. Tal preceito tem por base a observância ao princípio da isonomia, buscando prevenir atos voltados a beneficiar ou a prejudicar possíveis interessados e a selecionar aqueles que possam vir a oferecer com maior vantagem aquilo que o Estado quer, seja do ponto de vista da economia no valor a ser contratado, da técnica ou, ainda, da qualidade do objeto pretendido na contratação.
Desde o período imperial - 1822 a 1889 - até os dias atuais a Administração pública brasileira observa normas que disciplinam esse processo seletivo prévio a uma contratação com particulares, tais como o Decreto nº 2.926, de 14.05.1862, que regulamentava as "arrematações dos serviços a cargo do então Ministério da Agricultura, Commercio e Obras Públicas", a Lei Orçamentária nº 2.221, de 30.12.1909 (art. 54), as Leis n° 3.232, de 05.01.1917 (art. 94), n° 3.454, de 06.01.1918 (art. 170) e n° 3.991, de 05.01.1920 (art. 73), bem como o Decreto nº 4.555, de 10.08.1922 (art. 87) e o Decreto nº 4.536, de 28.01.22, que organizou o Código de Contabilidade da União (arts. 49-53). O Decreto-Lei nº 200, de 25.02.1967, que tratou da reforma administrativa federal, sistematiza através dos artigos 125 a 144 o processo de licitação, cujos preceitos tiveram abrangência nacional, sendo estendidos às Administrações dos Estados membros e dos Municípios pela Lei n° 5.456, de 20.06.1968. Posteriormente, surge o primeiro estatuto de licitação através do Decreto-lei nº 2.300, de 21.11.1986. Finalmente, a atual Constituição Federal, de 05.10.1988 – CF/88, em seu art. 37, XXI, dá status constitucional à matéria, que passa a ser regulamentada pela vigente Lei nº 8.666, de 21.06.1993 (Lei de Licitação e Contrato Administrativo - LCCA), que disciplina como norma geral o processo de licitação, o qual se constitue hodiernamente em um princípio basilar da Administração pública brasileira, intimamente vinculado aos princípios da indisponibilidade e da supremacia do interesse público.
Neste trabalho pretende-se indicar os principais aspectos desse processo de seleção pública, considerando que estas noções são imprescindíveis não só ao profissional de direito mas, também, aqueles que no exercício da função administrativa lidam direta ou indiretamente com a matéria e, ainda, a todo brasileiro que pretenda exercer sua cidadania através do controle dos atos da Administração pública, neste caso específico, relativamente sobre o o que, o por que, o como, o quando, o onde, o por quanto, o com quem, enfim, são firmados os contratos custeados com recursos públicos.
2. CONCEITO
O Estado brasileiro, buscando atender às necessidades da sociedade e nem sempre podendo executar essas reivindicações por si mesmo, de maneira direta, através de seus entes, órgãos e agentes da Administração direta – União, Estados membros, Distrito Federal e Municípios – ou da Administração indireta – Autarquias, Fundações Públicas, Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista -, contrata com terceiros, pessoas físicas ou jurídicas, ou consórcios de empresas, a execução de obras, serviços, compras e alienações.
Entretanto, por não usufruir, como os particulares, da liberdade de contratação, a Administração pública, com vistas a afastar o arbítrio e o favorecimento e sob pena de invalidade, ressalvadas as hipóteses de dispensa e de inexigibilidade previstas na própria legislação, necessita observar a um processo preliminar denominado de licitação, visando selecionar, dentre o maior número possível de participantes, a oferta mais vantajosa ao interesse público. Observe-se, porém, que mesmo que obtida a proposta mais vantajosa, não está a Administração obrigada a contratar, sendo-lhe permitido revogar o processo por motivo de oportunidade ou de conveniência.
Os doutrinadores convergem sem maiores polêmicas quanto ao seu conceito, como na definição da administrativista Odete Medauar para quem licitação é "o processo administrativo em que a sucessão de fases e atos leva à indicação de quem vai celebrar contrato com a Administração. Visa, portanto, a selecionar quem vai contratar com a Administração, por oferecer proposta mais vantajosa ao interesse público. A decisão final do processo licitatório aponta o futuro contratado. É um processo administrativo porque, além da sucessão de atos e fases, há sujeitos diversos – os licitantes – interessados no processo, que dele participam, perante a Administração, todos, inclusive esta, tendo direitos, deveres, ônus, sujeições".[04.2007, p. 178]
No mesmo diapasão afirma Henrique Savonitti Mirandaque "as pessoas têm como procedimento buscar a melhor proposta para realizar seus negócios. Não poderia ser diferente à Administração Pública. Todavia, enquanto aos particulares essa procura é facultativa – por terem a liberdade de dispor livremente de seus recursos, mesmo para realizar um ‘mau negócio’ – o mesmo não se verifica com as entidades governamentais que estão, quase sempre, obrigadas a realizar um procedimento prévio com o objetivo de encontrar a oferta que se lhes apresente mais vantajosa. A esse procedimento dá-se o nome de licitação. [2005, p. 327]
Em suma síntese, nas palavras do mestre Celso Antônio Bandeira de Mello, a licitação "é um certame que as entidades governamentais devem promover e no qual abrem disputa entre os interessados em com elas travar determinadas relações de conteúdo patrimonial, para escolher a proposta mais vantajosa às conveniências públicas. Estriba-se na idéia de competição, a ser travada isonomicamente entre os que preencham os atributos e aptidões necessários ao bom cumprimento das obrigações que se propõem assumir".[02.2006, p. 492 – grifo original]
O objeto da licitação, por sua vez, é tudo aquilo que as entidades obrigadas a licitar puderem obter de um ou mais ofertantes e que, nos termos do caput do art. 2º da LLCA, compreende as obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações. Tal objeto deve ser claramente indicado e definido no ato convocatório, constituindo-se, de fato, em pressuposto de validade ou condição de legitimidade de todo o processo de seleção.
2.1. Previsão legal
À União compete editar normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para a Administração pública direta, autárquica e fundacional da própria União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, conforme disposto no inciso XXVII do art. 22 da Constituição Federal.
Entretanto, admite o Texto constitucional no art. 24, §§ 2º e 4º, a competência suplementar para os Estados membros legislarem sobre a matéria. Ainda, o art. 30, I e II, dispondo sobre os Municípios, diz que a estes compete legislar sobre assuntos de interesse local e suplementar a legislação federal e a estadual no que couber. Por sua vez o § 1º do art. 32 refere-se à competência suplementar do Distrito Federal, dispondo que lhes são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e aos Municípios.
Assim, repita-se, é de competência exclusiva da União a edição de normas gerais sobre licitação e contratos administrativos, facultado aos demais entes federativos legislar suplementarmente sobre a matéria.
A Constituição Federal de 1988, dando sede à licitação e ao contrato administrativo no inciso XXI do art. 37, estipula a regra da obrigatoriedade do Estado promover uma licitação quando pretender contratar obras, serviços, compras e alienações. In verbis:
Art. 37 - A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...]. XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. [...].
No caso das estatais de direito privado, se tiverem sido criadas para prestação de serviço público submetem-se ao mesmo estatuto licitatório dos entes de direito público - a Lei n° 8.666/93 - e, se criadas para exploração de atividade econômica, terão estatuto próprio. De fato, prevê o art. 173, § 1º, III da CF/88 que as estatais de direito privado - empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias -, que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, terão seu próprio estatuto de licitação, aprovado por lei própria. Tal estatuto, entretanto, não foi ainda editado. Ressalta-se aqui a polêmica criada ao se tratar da estatal PETROBRÁS que, fundamentando-se na Lei da Agência Nacional de Petróleo - ANP (Lei n° 9.478, de 06.08.1997) teve, através Decreto, n° 2.745, de 24.08.1998, aprovado um Regulamento de procedimento licitatório simplificado de licitação, ao qual se submete, considerando subsidiárias as normas gerais da Lei n° 8.666/93. Veja-se o disposto no art. 67 da Lei da ANP: "os contratos celebrados pela PETROBRÁS, para aquisição de bens e serviços, serão precedidos de procedimento licitatório simplificado, a ser definido em decreto do Presidente da República".
A nível infraconstitucional, rege a licitação, dentre outros dispositivos, a Lei nº 8.666, de 21/06/1993 (Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências), com inúmerasalterações, sendo as últimas introduzidas pela Lei n° 12.188, de 11/01/2010 e pela Lei n° 12.349, de 15/12/2010 – esta também aplicável à Lei n° 10.520/2002 –, e que constitue o Estatuto de Licitação e Contrato Administrativo para a Administração Federal e é norma geral para os demais entes federativos, e a Lei nº 10.520, de 17/02/2002, que institui, no âmbito da União, Estados, Distrito Federal e Municípios a modalidade de licitação denominada pregão, para aquisição de bens e serviços comuns. Além dessas normas, deve-se também considerar o disposto sobre licitação nas leis de criação de cada agência reguladora, bem como algumas leis especiais tais como a Lei de concessão e permissão de serviço público (Lei nº 8.987, de 13/02/1995 - Dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal, e dá outras providências), a Lei de consórcio público (Lei n° 11.107, de 06/04/2005 - Dispõe sobre normas gerais de contratação de consórcios públicos e dá outras providências), a Lei das parcerias público privadas (Lei nº 11.079, de 30/12/2004 - Institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública), a Lei sobre bens e serviços de informática (Lei nº 8.248, de 23/10/1991, regulamentada pelo Decreto n° 7.174, de 12/05/2010), dentre outras. Finalmente, tem-se ainda que considerar as leis de Licitação e Contrato Administrativodos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, em caráter suplementar às normas federais gerais. Nestes últimos casos a Lei n° 8.666/93 e a Lei n° 10.520/02 são aplicadas subsidiariamente.
Vale transcrever o art. 1º, Parágrafo Único, da Lei nº 8.666/93 (LLCA):
Art. 1º - Esta Lei estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Parágrafo Único – Subordinam-se ao regime desta Lei, além dos órgãos da administração direta, os fundos especiais, as autarquias e fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
Quando aqui se fala em normas gerais,infere-se que estas são normas enunciadoras de princípios, de abrangência nacional, aplicando-se à esfera federal, estadual, distrital e municipal; elas uniformizam procedimentos, fixam modalidades, prevêem as exceções à obrigação de licitar, dentre outras providências. Vale citar a insígne professora baiana Alice Gonzalez Borges quando, a respeito do caráter genérico das normas licitatórias, enfatiza que "gerais, é claro, todas as normas jurídicas o são. É da essência das normas serem genéricas, abstratas e dotadas de força coercitiva. Pareceria, à primeira vista, ser tautológica a expressão, mas não é. Trata-se, ao invés disso, de noção da maior utilidade e funcionalidade. Quando a Constituição emprega o termo, quer emprestar-lhe um sentido determinado, atendendo-se à específica problemática de um Estado Federativo organizado em tríplice ordem de competências. Resume-o muito bem o Ministro Moreira Alves, em lapidar voto no julgamento da Representação 1.150-RS: seriam normas gerais, no sentido constitucional, aquelas preordenadas para disciplinar matéria que o interesse público exige seja unanimemente tratada em todo o País". [1991, p. 26 – grifo original]
A LLCA, em seu art. 118, expressamente determina que os entes federativos e suas entidades da Administração indireta deverão adaptar suas normas sobre licitações e contratos ao disposto nesta lei. Quanto às sociedades de economia mista, empresas e fundações públicas e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União e pelas entidades referidas no artigo anterior, na forma do art. 119, editarão regulamentos próprios, a serem aprovados pela autoridade de nível superior a que estiverem vinculados e devidamente publicados na imprensa oficial, ficando também sujeitas às disposições da Lei n° 8.666/93.
Considerando-se a Administração Pública como o Estado no exercício da função administrativa, os retro citados dispositivos deverão ser obsrvados pelos três Poderes estatais no exercício dessa função - Executivo, Legislativo e Judiciário - em todas as esferas (art. 117 da LLCA).
2.2.Natureza jurídica
Quanto à natureza jurídica, a própria Lei nº 8.666/93trata a licitação como um processo administrativo,sendo este o entendimento da maioria dos administrativistas, valendo ressaltar, contudo, que alguns estudiosos ainda a consideram como um procedimento.
De fato, entendendo-se que procedimento constitui uma fase, uma etapa processual, vale dizer, por si só não tem início, meio e fim, ao contrário do que ocorre em um processo, que se constitui, ele próprio, de vários procedimentos, conclui-se que a licitação tem a natureza jurídica processual, composta de diversas fases, ou de diversos procedimentos.