VII - CASOS CONCRETOS
Passaremos a relatar alguns fatos verídicos, que tiveram certa publicidade, envolvendo práticas eutanásicas.
"Em Nova York, uma senhora sofria há anos de enfermidade dolorosa, incurável. Num dia de 1913 suplicou ao marido que lhe desse a morte. Nos dias seguintes, entre os desesperos de seus sofrimentos, insistia a implorar que a matassem. Por fim, com grande pena, o marido cedeu dando-lhe uma forte dose de morfina. Os juízes absolveram-no".
"Um pastor evangélico, na Inglaterra, disparou um tiro de espingarda na cabeça. Caiu gravemente ferido e sofria horrivelmente. Com o olhar implorava a sua irmã, e esta compreendendo ultimou-o com outro tiro".
"Em 1910, o chefe de uma colônia foi condenado como homicida por haver, suave e definitivamente, adormecido (segundo suas próprias palavras) a uma enferma incurável que isto lhe rogara".
"Em 1912, na França, uma senhora hemiplégica é morta "piedosamente" por seu marido, o qual declarou não haver feito mais que seu dever, arrancando sua esposa das terríveis torturas e sofrimentos que a acompanhavam há um (1) ano".
Caso narrado pelos jornais italianos: "o maquinista que, vítima de espantosa catástrofe ferroviária, jazia sob a caldeira da máquina, com braços e pernas destroçados, queimando-se vivo e lançando gritos horrorosos de dor, suplicava ansioso aos que contemplavam, impotentes, tão terrível espetáculo, lhe suprimissem, acabando com aquele martírio. Uma das testemunhas da tragédia executou o gesto liberador e a maioria delas aprovou o ato, declarando que teriam feito o mesmo e que, em perfeito acordo com sua consciência, teriam acabado aquela agonia sem esperança".
"Em 1920, na Itália, um noivo mata a sua noiva, tuberculosa e desenganada; os Tribunais não admitiram a escusante de homicídio piedoso, porém o júri o absolveu por involuntariedade do ato delituoso, fundado na paixão".
Antes da estória da jovem norte-americana Karen Ann Quinlann, o caso que logrou maior publicidade e despertou vasto comentário pelo mundo todo, foi o de Stanislawa Uminska, tendo marcado uma nova era na história do homicídio piedoso. Stanislawa Uminska era uma jovem atriz polonesa que fora a Paris angustiosamente solicitada por seu amante, Juan Zinowski, escritor polonês, internado num hospital, enfermo de câncer e tuberculose, no último estágio dessas doenças, padecendo de dores as mais cruéis. Este rogou à amante, por inúmeras vezes, que lhe abreviasse os sofrimentos. Por fim, em 15 de julho de 1924, no instante em que o enfermo adormecia, sob efeitos de analgésicos, a jovem atriz tomou o revólver com o qual o próprio paciente não teve ânimo para abreviar sua agonia, disparando em Zinowski. Foi julgada em Paris, onde o próprio Promotor dirigiu-lhe palavras de comiseração e respeito, tendo sido proclamada sua impunidade pelo júri.
Nos Estados Unidos, H. E. Blazer, médico de 61 anos, vivia com a filha paralítica e débil, a qual dispensava os mais ternos cuidados. Sentindo-se enfermo e vendo-se morrer, consternado pelo desamparo em que deixaria a filha, deu-lhe a morte, proporcionando-lhe uma forte dose de clorofórmio, envenenando-se logo após.
Na Pensilvânia, Samuel Kish matou sua esposa a quem adorava, por solicitação dela, enferma de câncer, que lhe causava tormentos de dor extrema.
Em novembro de 1930, um Tribunal na França absolveu, entre aplausos da assistência, o jovem inglês Richard Corbett, que havia matado sua mãe anciã, enferma de câncer incurável e que sofria barbaramente. Corbett não quis auxílio de um advogado, fazendo ele mesmo a sua defesa: "Eu admito que matei minha mãe sabendo perfeitamente o que fazia. E não me arrependo disso. Exerci um direito humano. Senhores jurados, minha mãe vinha sofrendo a insuportável tortura da enfermidade. Os médicos haviam afirmado que ela não se podia curar, nem melhorar um pouco. Pensei que, ainda quebrando a lei, procedia amorosamente. E estou desejando suportar qualquer pena que considereis justa. Meu ato teria sido desnecessário, se o Estado tivesse uma lei autorizando aos médicos abreviar os sofrimentos incuráveis..."
IX CONCLUSÃO
De tudo o que foi exposto aqui, conclui-se que o homicídio piedoso é tema muito controverso, exigindo longa ponderação antes de um posicionamento a favor ou contra. E foi após algumas reflexões que chegamos ao entendimento de que a posição do Código Penal face à questão está justificadamente acertada. Diz o §1º do art. 121 que "se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor moral..., o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço". Não há citação expressa à eutanásia, porém, a Exposição de Motivos exemplifica como aprovada pela moral "a compaixão ante o irremediável sofrimento da vítima (caso do homicídio eutanásico)".
Embora achemos válidos, e sem desmerecer os argumentos de Evandro Correa de Menezes, Lameira Bittencourt, Binding, discordamos da isenção de pena ao autor do homicídio eutanásico. Premiar tal conduta com a licitude seria, a nosso ver, uma temeridade. Isto porque, em virtude da crescente criminalidade, a eutanásia viria a se transformar em mais um pretexto para a prática de crime; a "morte boa" funcionaria como máscara, encobrindo talvez crimes hediondos, como ocorreu com a propalada legítima defesa da honra, disfarce sob o qual se valeram muitos criminosos, na década passada e ainda nesta.
Por outro lado, achamos que a questão do consentimento assenta-se em bases não muito sólidas, pois entendemos que a pessoa que sofre dores atrozes não possui plenamente capacidade de entender e de querer, sendo a morte um desejo momentâneo. Não se discute a ocorrência de casos em que, no auge do sofrimento, pessoas imploraram a morte como única saída para o tormento em que se encontravam e tempos depois desistiram da idéia (umas, por algum motivo, sentiram-se estimuladas a viver e lutar contra o sofrer; outras acostumaram-se a conviver com o mal e, sendo a dor um fenômeno psicológico, souberam suportá-la).
Quanto à questão da incurabilidade não acreditamos que existam males incuráveis e possivelmente quase ninguém acredita, uma vez que se acreditassem a ciência e tecnologia (principalmente no campo da Medicina) não estariam no degrau em que estão hoje.
No que concerne à lei, sendo a atenuação da pena uma faculdade do juiz, permite a este só se valer dela quando assim achar necessário. Logo, o juiz pode, diante do caso concreto, distinguir a verdadeira compaixão (móvel do homicídio eutanásico) do egoísmo, interesse ou outro qualquer motivo torpe.
Permitir a supressão da vida de um ser humano, mesmo doente "irremediável" e a pedido do próprio, é um ato de risco altíssimo num país como o nosso.
Somos contra a eutanásia, mas não radicalmente, pois cada caso é um caso e talvez num, especialíssimo. Quem sabe?
BIBLIOGRAFIA
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