Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Direitos fundamentais como limites jurídicos ao poder do Estado: conteúdo essencial dos preceitos constitucionais

Exibindo página 1 de 4
Agenda 05/03/2011 às 08:29

Analisamos os direitos fundamentais como limites jurídicos ao poder estatal e o conteúdo essencial dos preceitos constitucionais, positivado na Constituição portuguesa de 1976.

O constitucionalismo [01] moderno [02] não pode ser estudado sem levar em consideração a evolução dos direitos fundamentais, bem como o papel que estes representam atualmente.

O presente estudo tem como objetivo analisar os direitos fundamentais como limites jurídicos ao poder estatal, vez que estes encontram-se assegurados no Estado de Direito Democrático, bem como abordarmos o conteúdo essencial dos preceitos constitucionais, positivado no art. 18º, nº 3 (denominado como força jurídica) da Constituição da República Portuguesa de 1976.

Dessa forma, no primeiro capítulo, após algumas observações relevantes acerca do assunto, realizaremos uma breve análise das perspectivas teóricas sobre os direitos fundamentais: teoria das dimensões e da indivisibilidade, para após contextualizar tais direitos no Estado de Direito Democrático. Abordaremos a dupla dimensão dos direitos fundamentais, quais sejam: objetiva e subjetiva, bem como para fins didáticos, e como forma de delimitar o objeto deste estudo, optamos pela divisão constante na Constituição Portuguesa de 1976 acerca dos direitos, liberdades e garantias e direitos econômicos, sociais e culturais.

Já, no segundo capítulo, os direitos fundamentais serão tratados como limites ao poder do Estado, diferenciando-se quando estes servem como limites à atuação do Estado e quando a atuação Estatal serve como limitadora dos direitos exercendo através das restrições expressamente legitimadas ou não, limites impostos, leis restritivas e limites imanentes.

No capítulo terceiro, tratamos acerca do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais, observando as teorias sobre o tema, as doutrinas atuais, bem como o posicionamento dos Tribunais Constitucionais de Portugal, do Brasil, da Espanha e da Alemanha, para avançarmos na essencialidade do conteúdo.

As notas de rodapé serão utilizadas tanto para observações relevantes, como indicadores de fontes bibliográficas. Necessário mencionarmos que a Constituição da República Portuguesa de 1976 pode aparecer no decorrer do texto como CRP e direitos fundamentais, como DF.


1. ASPECTOS GERAIS SOBRE O TEMA

1.1 Breve análise das perspectivas teóricas sobre os direitos fundamentais: teoria das dimensões e da indivisibilidade

Após imensas transformações sociais e econômicas, o cidadão moderno conquistou direitos que são históricos, pois gradualmente emergem das lutas travadas por sua própria emancipação [03], além das transformações nas condições de vida que essas lutas produzem.

A maneira encontrada para a legitimação do Estado, a fim de possibilitar o fortalecimento da coesão social, foram as normas, vez que estas são o reflexo do poder (componente extra da sociedade) e possuem, como finalidade, abolir suposta anarquia. Além, é claro, de prevenir na esfera individual as interferências ilegítimas do Poder Público, provenham elas do Executivo, do Legislativo ou, mesmo, do Judiciário. Somente em função da violação das regras é que o direito surge e se transforma [04].

Os direitos humanos surgiram para se valerem contra o Estado. Recordamos que há diferentes formas de emprego da expressão direitos fundamentais: "direitos humanos", "direitos do homem [05]", "direitos subjetivos públicos", "liberdades públicas", "direitos individuais", "liberdades fundamentais" e "direitos humanos fundamentais", apenas para referir algumas das mais importantes.

Há quem diga que a expressão mais ajustada é "direitos fundamentais do homem" [06], mas como não há dúvidas que os direitos fundamentais são também direitos humanos, no sentido de que seu titular sempre será o ser humano, tal expressão torna-se redundante, motivo pelo qual usaremos "direitos fundamentais" [07].

Podemos dizer que o termo "direitos fundamentais" numa conotação mais restrita, se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados constitucionalmente, ao passo que a expressão "direitos humanos" numa conotação mais ampla, guardaria relação com os documentos de direitos internacional [08].

Observamos que os direitos fundamentais não são estáticos, pois dependem da época e, até mesmo, da situação em que se encontram. Eles variam tanto no espaço como no tempo, surgindo daí a origem da expressão proteção dinâmica dos direitos fundamentais, utilizada no Tribunal Constitucional Federal Alemão, o que corresponde a uma tutela flexível, móvel e aberta. Até porque o que parece fundamental numa época histórica e numa determinada civilização não é fundamental em outras épocas e em outras culturas [09].

Os direitos fundamentais [10], pressupostos de uma vida humana livre e digna, constituem um sistema ou uma ordem. A ordem constitucional dos direitos fundamentais é uma ordem pluralista e aberta e por isso não hierárquica. Já a unidade dos direitos fundamentais corresponde a uma ordem cultural positiva e histórica [11].

Os direitos e garantias fundamentais encontram-se elencados parte I, da Constituição da República Portuguesa, estando divididos como gênero em direitos e deveres fundamentais. E como espécie em direitos, liberdade e garantias e direitos e deveres económicos, sociais e culturais. Eles integram a essência do modelo estatal constitucionalmente positivado [12], constituindo, neste sentido, não apenas parte da Constituição formal, mas, também, elemento nuclear da Constituição material.

Tal distinção entre cada um das categorias que compõem a triologia dos direitos, liberdades e garantias nos parece irrelevante, pois qualquer que seja a categoria a que pertençam, todos os direitos fundamentais que a integram gozam do mesmo regime jurídico [13]. O aspecto decisivo refere-se ao âmbito de aplicação do regime dos direitos, liberdades e garantias, pois determinado ele, fica igualmente definido o outro, por exclusão. Até porque, o regime geral serve para exaltar os direitos, liberdades e garantias, mas não para rebaixar ou degradar os outros.

Uma tríplice principiológica rege os direitos fundamentais: princípio da cláusula aberta, princípio da igualdade e princípio da protecção da confiança [14], embora tenha muita relevância o princípio da prevalência dos direitos fundamentais sobre os deveres fundamentais [15]. De outra banda, necessário frisarmos que a autonomia de tais direitos é ao mesmo tempo irrecusável e limitada [16]. E da mesma forma, tais direitos possuem como objeto sempre três valores [17] constitucionais, quais sejam: liberdade, democracia política e democracia econômica, não são apenas um limite do Estado, sendo também uma tarefa deste.

Partimos do pressuposto que os direitos fundamentais são limitáveis e por isso podem ser restringidos [18]. Quando se diz que são limitáveis, quer dizer tanto que eles podem ser limitados pelo Estado, e nesse caso, principalmente pelo poder Legislativo, quanto que os mesmos podem servir como freio à atuação estatal. A restrição de um trunfo dependerá única e exclusivamente da sua força [19].

Não há dúvida que a proteção jurídica dos direitos e liberdades fundamentais é uma proteção constitucional. A Constituição da República Portuguesa de 1976 ordena uma obrigação de tutela ou dever de proteção a cargo do Estado configurando os direitos fundamentais como fins da atividade público-estadual na qual se compreendem as condições de exercício desses direitos e liberdades jusfundamentais [20].

Esta Carta, segundo alguns doutrinadores [21], trata os direitos como um todo. Assim, existem os direitos a alguma coisa, ou seja de pretensões individuais (ações ou omissões); direitos de liberdades (fazer ou não fazer) e direitos de competências (onde a titularidade altera a situação).

Para que possamos contextualizar os direitos fundamentais no atual modelo Estatal, necessário precedermos de uma breve análise das perspectivas teóricas sobre os direitos fundamentais: teoria das dimensões e da indivisibilidade.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

De forma terminológica, falaremos em "dimensões de direitos" [22], tendo em vista ser um processo cumulativo, ao passo que "gerações de direitos" pode ensejar a falsa impressão da substituição gradativa de uma geração por outra.

Inescusável mencionarmos que não é objeto do presente trabalho, a relevância ou não da teoria das dimensões. A mesma apenas foi abordada, pois utiliza o momento histórico como fator exclusivo de classificação dos direitos fundamentais.

Os direitos de Primeira dimensão, referem-se à liberdade do indivíduo em relação ao Estado. Tais direitos são clássicos, negativos pois, exigem uma abstenção de parte do Estado. Há alguns documentos históricos marcantes para a configuração e emergência dos direitos desta geração, os quais referimos a fim de situar o leitor, a Carta Magna de 1215, assinada pelo rei "João Sem Terra", a Paz de Westfália (1648), o Habbeas Corpus Act (1679), a Bill of Rights e as declarações burguesas de direitos, seja a Americana em 1776, seja a Francesa [23] em 1789.

Os direitos de Segunda dimensão possuem como foco a igualdade no sentido material. São os direitos econômicos, sociais e culturais, que trazem o compromisso do Estado em promover o bem-estar social. O momento histórico que os inspira e impulsiona é a Revolução Industrial Européia, a partir do século XIX. Nesse sentido, em decorrência de péssimas situações e condições de trabalho, eclodiu o movimento operário o qual sintetizou reivindicações de direitos trabalhistas e de assistência social. Alguns documentos históricos desta geração foram a Constituição de Weimar de 1919 e o Tratado de Versalhes 1919 (OIT) [24].

Os direitos de Terceira Dimensão são marcados por mudanças na comunidade internacional, como por exemplo a sociedade de massa e o crescente desenvolvimento tecnológico-científico. Denominam-se os direitos de solidariedade internacional, ou seja, fraternidade, nos quais os beneficiários são, não só os indivíduos, mas também os povos. Estes últimos foram reconhecidos após a Segunda Guerra Mundial. Há quem acrescente a este rol de direitos, os direitos à paz, à autodeterminação dos povos, ao desenvolvimento, ao meio ambiente e qualidade de vida, bem como o direito à conservação e utilização do patrimônio histórico e cultural e o direito de comunicação pertencem a esta terceira dimensão [25].

O surgimento de uma Quarta dimensão de direitos não é abordado por muito autores mas, os que assim fazem não são unânimes nos direitos assegurados por esta. Assim, a quarta dimensão pode referir-se tanto aos avanços da engenharia genética, uma vez que estes colocam em risco a própria existência humana, através da manipulação do patrimônio genético [26], como também, devido esta dimensão ser o resultado da globalização dos direitos fundamentais, no sentido de uma universalização no plano institucional, relacionar-se aos direitos à democracia (direta), e à informação, assim como direito ao pluralismo [27].

Por fim, nos cumpre informar que já há indícios no mundo jurídico do surgimento da Quinta dimensão de direitos fundamentais, os quais referem-se ao direitos relacionados ao meio virtual [28]. Embora, há quem critique [29] esta multiplicação da teoria dimensional no sentido de que todo e qualquer surgimento de nova geração será proliferação das demais, especialmente da Terceira Geração, posição da qual discordamos uma vez que é fato que surjam novam anseios da sociedade cabendo ao Direito sua regulação, positivação e garantia.

O ser humano é o centro de tudo. É por ele e para ele que a sociedade evolui. Independente se os direitos fundamentais são inatos, ou se foram conquistados através de luta, todos estes direitos se unem e se complementam, uma vez que todos os acima elencados são fundamentais. Isso ocorre pelo simples fato de que o próprio surgimento de tais direitos demonstrou que não são suficientes apenas os direitos de primeira dimensão. Foram necessários os direitos da segundadimensão, os direitos da terceira dimensão e assim será sucessivamente. Até porque de nada adiante haver os direitos da segunda geração sem os de primeira, ou seja, não há como garantir o direito à igualdade sem garantir o direito à vida [30].

Não sendo o foco nem da teoria da indivisibilidade, nem mesmo do presente relatório estabelecer quais e muito menos em quantas classificações os direitos humanos podem ser divididos. Isso ocorre pelo simples fato de que tais direitos são indivisíveis [31].

Outra característica determinante para a escolha da teoria dimensional é que esta não aponta somente para o caráter cumulativo e para a natureza complementar de todos os direitos fundamentais, mas afirma, sua unidade e indivisibilidade. A afirmação da indivisibilidade dos direitos humanos está ligada, ao fim da Segunda Guerra Mundial, período que marcou o surgimento da Organização das Nações Unidas (ONU) e dos sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos, no marco da elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos [32].

1.2 Contextualização no Estado de Direito Democrático

Inicialmente, temos que mencionar que os direitos fundamentais como entendemos hoje não existiam, porque a idéia de indivíduo, como ente diferenciador da sociedade que o envolve, foi uma lenta aquisição da sociedade.

A pessoa humana é considerada como indivíduo em sua singularidade. Como ser social, passa a receber a carga opressora. Quando se encontra diante de um poder opressivo, pede liberdade e, diante de um poder arbitrário, pede justiça. Os direitos fundamentais não podem ser compreendidos como fruto das estruturas do Estado, mas da vontade de todos [33].

Como todo e qualquer ordenamento, a indeterminabilidade dos conceitos dispostos (ou seja, quanto mais principiológica [34]) neles é diretamente proporcional a possibilidade de interpretação dos órgãos julgadores, o que por óbvio compromete a respectiva legitimidade. E, isso pôde ser constatado [35] na CRP onde, a falta de coerência sistemática da CRP não facilita a interpretação das normas constitucionais e a sistematização normativa dos próprios princípios fundamentais.

O Estado de Direito Democrático exige os direitos fundamentais e vice-versa. Constitucionalmente, os direitos fundamentais têm uma função democrática, ao mesmo tempo que tal Estado pressupõe e garante os direitos fundamentais [36]. E neste, as funções que os direitos fundamentais exercem podem ser de garantia do estado de direito, função democrática e função social [37].

O problema de se definir o que se entende por conteúdo essencial [38] está em tornar muito restrita sua aplicação. Talvez, o legislador optou propositalmente em não defini-lo ou talvez nem ele sabia no que isto representava, ou seja, quais os efeitos de tamanho significado vernacular.

Os valores materiais absolutos integram uma ordem preexistente ao ato constitutivo, que não são criados, mas apenas reconhecidos, e esse núcleo essencial de princípio integra a constituição material [39].

Nesta concepção jusnaturalista os direitos fundamentais são inatos, absolutos, invioláveis e imprescritíveis. Mas há mais alguns caracteres [40] desses direitos, são eles dotados de: historicidade, inalienabilidade, imprescritibilidade, irrenunciabilidade e para alguns ainda a indivisibilidade.

Na Alemanha, num primeiro momento, passsado o período conturbado da República de Weimar, no qual a relevância é dada à "teoria da constituição" (Verfassungslehre), o núcleo central irredutível, radica no catálogo dos direitos fundamentais. Essa redescoberta dos direitos fundamentais está diretamente na base das chamadas "teorias dos direitos fundamentais" segundo a qual o catálogo dos direitos supra-protegido pode ser ordenado da seguinte forma: teoria liberal, teoria da ordem de valores, teoria institucional, teoria social, teoria democrático-funcional e teoria socialista dos direitos fundamentais [41].

Desde já, observamos que a República Federativa Alemã será referida tendo em vista a influência exercida no ordenamento lusitano e este por sua vez, no brasileiro, e econtra-se plasmada numa ordem objectiva de valores, que na protecção da liberdade e da dignidade humana reconhece o mais alto fim do direito. Assim, os direitos fundamentais (Grundrechte) exprimiriam essa unidade material preexistente à constituição positiva, seriam o "cimento aglutinador das disposições isoladas da constituição" [42]. Eles são a positivação de valores e a totalidade dos direitos fundamentais seriam um sistema [43] de valores inerentes à Constituição.

Os direitos fundamentais assinalam o horizonte de metas socio-políticas a alcançar, ao mesmo tempo que estabelecem a posição dos cidadãos e suas relações com o Estado, ou entre si. Eles se aplicam também às relações entre particulares, da mesma forma que se aplicam às relações entre o particular e o Estado [44]. Essas relações demonstram que tais direitos já não tem como exclusivo inimigo o Estado, uma vez que as ameaças a eles provém também dos poderes privados e dos outros particulares.

Dentre estes há para alguns os direitos fundamentais materiais e os direitos fundamentais procedimentais. Os primeiros seriam os direitos das pessoas nas situações da vida constitucionalmente garantidas. Os segundos seriam os direitos de pessoas conexas com procedimentos relativos a funções ou a órgãos de poder público, podendo ser considerados subjetivos ou adjetivos [45]. Podem ainda dividirem-se em direitos propriamente ditos [46] e em garantias [47].

A primeira revisão constitucional, ocorrida em 1982 acerca da Constituição da República Portuguesa de 1976 efetuou um grande número de alterações no conjunto dos preceitos constitucionais dedicados aos direitos fundamentais, (fato que não foi percebido na segunda revisão,ocorrida em 1989) embora mativeram seu sentido originário. Foi nesta revisão [48] que o artigo em análise explicitou princípios do regime dos direitos funamentais, no que respeita às condições para a restrição de direitos, liberdades e garantias.

Como menciona o art. 2º da Constituição da República Portuguesa, Estado de Direito Democrático [49], baseia-se na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democráticas, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia econômica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa. Além de ser um pilar da atual fase estatal, a garantia dos direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de Direito Democrático (art. 9, b) é uma das próprias tarefas do Estado.

Sabemos que os direitos fundamentais são uma componente essencial da Constituição Material. E é evidente que nenhuma decisão constituinte que pretenda instituir um Estado de Direito Democrático poderá genuinamente preencher esse desiderato se contiver disposições que neguem o primado dos direitos, liberdades e garantias ou debilitem ostensivamente a sua eficácia jurídica [50].

1.3 Dimensão objetiva e subjetiva dos direitos fundamentais

As dimensões tanto objetiva e subjetiva advém da própria diferenciação do conceito de direito objetivo e subjetivo [51]. O reconhecimento da dimensão objectiva [52] dos direitos fundamentais foi assinalado com a recepção do princípio da proporcionalidade, e tem como objetivo tentar atribuir aos direitos fundamentais um significado prático. A dimensão objetiva abrange alcances variados, como por exemplo das garantias institucionais, da eficácia externa ou horizontal dos direitos, do seu efeito de irradiação, dos deveres de proteção do Estado contra terceiros, das normas de direito organizatório e de direito procedimental. E, por esse motivo, tal dimensão engloba a dimensão subjetiva [53].

O dever de proteção pode constituir o conceito central da dimensão jurídico-objectiva dos direitos fundamentais. Ela pode resultar da própria consagração ou reconhecimento constitucional de determinados valores nas normas de direitos fundamentais. Nesta perspectivas há devedor e não credor! Não há titular para exigir, mas há o dever da autoridade pública em cumprir. Quando ainda não há a perspectiva subjetiva é que a objetiva deve atuar.

Mas é na dimensão subjetiva que se centra a perspectiva mais comum de abordagem dos direitos fundamentais [54], pois esta resulta da imposição do reconhecimento pela ordem jurídica da possibilidade de realização dos interesses do particular e que faz do seu titular, face ao Estado, o sujeito de Direitos e de direitos.

Importante observarmos que da consagração constitucional de um direito fundamental resultam não apenas obrigações objetivas de realização para o Estado, mas também uma situação de vantagem individual que é juridicamente protegida e que deverá sê-lo tão mais intensamente quanto maior for a situação de carência material em que se encontra o particular. Isso não é o mesmo que dizer que todo o incumprimento de um dever de direito fundamental por parte do Estado significa uma afetação de um direito subjetivo público do titular deste [55].

Há divergências na doutrina acerca do próprio conceito de direito subjetivo. Pode ser considerado como uma posição jurídica subjetiva ativa ou de vantagem [56]. Como também, um poder atribuído pela ordem jurídica de exigir ou pretender um determinado comportamento ou de produzir determinados efeitos jurídicos. E ainda, o poder da vontade juridicamente protegido [57].

O direito subjetivo fundamental representa posições jurídicas subjetivas individuais, universais e fundamentais. Seria a soberania jurídica do indivíduo, pois uma das suas características é a individualidade, até porque ele é fundamentado pela dignidade da pessoa humana (que só vale para as pessoas físicas).

Sabemos que os direitos, liberdades e garantias são uma espécie de direitos fundamentais. Espécie esta que para alguns doutrinadores faz parte do gênero do "direito subjetivo fundamental" [58], e para outros "direito subjetivo". Ressaltamos que nesta última hipótese, teriam como espécie os direitos subjetivos fundamentais e uma espécie qualificada do direito subjetivo público (e aqui se encontrariam os direitos fundamentais) [59].

Dessa forma, observarmos assim o acréscimo de mais uma característica aos direitos fundamentais, vez que direitos subjetivos públicos [60] são ao mesmo tempo direitos do Estado em face do indivíduo e direitos subjetivos do indivíduo em face do Estado. Na primeira, de acordo com uma concepção autoritária, o Estado enquanto autoridade não precisa de tais direitos. Ao passo que na segunda, o Estado só possui um poder em face do indivíduo se este for concedido através do Direito [61].

1.4 Direitos, Liberdades e Garantias

Importante mencionarmos que a CRP não consagrou uma disciplina jurídico-constitucional unitária dos direitos fundamentais, antes estabeleceu um regime geral dos direitos fundamentais e um regime específico dos direitos, liberdades e garantias [62]. Como já referido, há estruturalmente os direitos, liberdades e garantias [63] e direitos e deveres econômicos, sociais e culturais [64].

Importante menciona que também há discussão doutrinária acerca de quais seriam os direitos fundamentais de natureza análoga. O obstáculo adicional constituído pelo art 18, nº 3 da CRP, na parte em que prescreve a intangibilidade do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais (de direitos, liberdades e garantias), razão pela qual o eventual conteúdo mínimo ou essencial dos preceitos constitucionais de direitos económicos, sociais e culturais apenas beneficiará dessa protecção por força da aplicabilidade do art 17 – nunca obviamente como regra geral ou presunção de partida! [65]

Os direitos, liberdades e garantias [66] é um variado conjunto de garantias estabelecidas pelo legislador constituinte para serem postas à serviço da autonomia e do livre desenvolvimento das pessoas na sociedade política. São posições da pessoa contra o Estado [67].

Quando a Constituição Portuguesa fala de direitos, liberdades e garantias, inclui nessa categora as garantias e os direitos-garantias.São garantias porque tem a função instrumental de proteger outros direitos, denominados [68] de "direitos-direitos" (utilizado quando se refere uma posição que tem como objetivo imediato um bem específico da pessoa) ou "direitos-liberdades" (nos quais há um espaço de decisão e de ação individual livres da interferência estadual). Direitos, liberdades e garantias devem ser vistas como unidade. São direitos porque constituem posições jurídicas subjetivas ao contrário das garantias institucionais.

Com relação a dimensão material dos direitos, liberdades e garantias, CANOTILHO [69], conclui que se as normas constitucionais consagradoras de direitos, liberdades e garantias são dotadas de aplicabilidade direta (o que não significa ser a mediação legsilativa desnecessária ou irrelevante), é porque os direitos por elas reconhecidos são dotados de densidade normativa suficiente para serem feitos valer tanto na ausência da, como contra a lei. Ademais, tais normas, segundo este autor, recortam uma pretensão jurídica individual (direito subjetivo, o qual não precisa estar conexo a justiciabilidade) a favor de determinados titulares como o correspondente dever jurídico por parte dos destinatários passivos, ficando de fora os direitos fundamentais que consistam exclusivamente, em prestações estatal.

Os direitos, liberdades e garantia, não são absolutos nem ilimitados. É como se eles fossem uma armadura e por isso não conferem nem uma cobertura ilimitada nem uma proteção absoluta [70].

Os critérios estruturantes [71] do regime dos direitos, liberdades e garantias, bem como o fato deste regime ser aplicado a todo o título II e aos Direitos Fundamentais de natureza análoga, tornam este regime especial e porque não dizermos privilegiado. A importância deste regime implica em ser tanto objeto de tutela em caso de revisão constitucional [72], como também de impor limites às leis restritivas destes [73] e no fato de os mesmos se incluírem na matéria de exclusiva competência da Assembléia da República [74].

Embora haja complexidade em estabelecer quais são efetivamente os direitos, liberdades e garantias, e antes mesmo de diferenciá-los dos direitos econômicos, sociais e culturais, resta ainda a título exemplificativo, estabelcer que a CRP/76 estabelece em seu art. 17º uma categoria de direitos de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, os quais podem recair em direitos materialmente fundamentais ou até nos direitos fundamentais dispersos, fato que vai alterar o regime onde tais direitos se encontram [75].

São nítidas as diferenças entre o regime dos direitos, liberdades e garantias e os direitos econômicos, sociais e culturais [76]. Os direitos, liberdades e garantias constituem na esfera jurídica do titular um espaço de autodeterminação através da garantia constitucional de um conteúdo juridicamente determinável de acesso ou fruição de um bem de direito fundamental, ao passo que os direitos econômicos, sociais e culturais serem uma pretensão, sob reserva do possível, a uma prestação estatal, de conteúdo indeterminado e não diretamente aplicável, sendo o correspondente dever que é imposto ao Estado de realização eventualmente diferida no tempo [77].

Existe, abstratamente, uma superioridade dos primeiros em relação aos segundos. Por regra, como sabemos, as normas que tratam dos direitos fundamentais democráticos e individuais possuem eficácia contida e aplicabilidade imediata, diferentemento das que definem os direitos econômicos e sociais, sendo estas de eficácia limitada, de princípios programáticos e de aplicabilidade indireta.

Nos direitos, liberdade e garantias parte-se da idéia de que as pessoas, só por o serem, ou por terem certas qualidade ou por estarem em certas situações ou inseridas em certos grupos ou formações sociais, exigem respeito e protecção por parte do Estado e dos demais poderes. Nos direitos sociais, parte-se da verificação da existência de desigualdade e de situações de necessidades.

Os direitos, liberdades e garantias se salvaguardarão ou se efetivarão tanto mais quanto menor for a intervenção do Estado, ao passo que os direitos sociais poderão ser tanto mais efetivados quanto maior ela vier a ser, sendo inversamente proporcional.

Nada impede de adotarmos a posição [78] de que os direitos sociais podem ser considerados como autênticos direitos fundamentais dos cidadãos, sendo por isso homogéneos, uma vez que possuem além da sua característica componente positiva, também uma componente negativa. As prestações ou ações a que o Estado está obrigado para satisfazer tais direitos são apenas o objeto destes, havendo que distinguir neles a dimensão subjetiva (aquilo que faz deles direitos fundamentais) e sua dimensão objetiva (obrigação estadual).

Os direitos individuais, que constituem as liberddades, e os direitos sociais constituídos em poderes são todavia "antinômicos" [79], pois a realização integral de uns impede a realização integral de outros. Quanto mais aumentam os poderes dos indivíduos, tanto mais diminuem as liberdades dos mesmos indivíduos.

Assim, em face das regras especiais que circunscrevem o regime privilegiado dos direitos, liberdades e garantias, bem como por possuírem uma garantia constitucional de um conteúdo juridicamente determinável é que optamos por estudar o conteúdo essencial neste regime. Com isso, não queremos dizer que não há núcleo nos direitos econômicos, sociais e culturais, e sim que tornar-se mais difícil sua delimitação.

Sobre a autora
Lauren Lautenschlager

Advogada, Pós graduada em Direito do Ambiente e em Ciências Jurídico-Políticas da Universidade de Lisboa, atualmente mestranda na referida Instituição.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LAUTENSCHLAGER, Lauren. Direitos fundamentais como limites jurídicos ao poder do Estado: conteúdo essencial dos preceitos constitucionais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2803, 5 mar. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18644. Acesso em: 25 nov. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!